quarta-feira, novembro 01, 2006

Sebastião e Maomé


Atendendo a milhares de pedidos dos leitores do Antigas Ternuras, prosseguimos com a explicação sobre a origem de expressões de uso corrente.
Apresentaremos duas que são bastante utilizadas.
A primeira é:

Ficar a ver navios.

Esta expressão é usada para definir o estado de alguém que está aguardando coisa boa e que acaba se decepcionado porque o que ardentemente esperava não veio. Mais ou menos como ficou Antônio Carlos Magalhães, na Bahia, e o PFL em todo o Brasil, nessas últimas eleições. Também é usada como sinônimo de “ficar na saudade”, “tomar uma volta”, “ficar com cara de bobo” e outras com palavras que não cabem num blog de família como esse, mas vocês já entenderam, não é?
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A origem dessa expressão remonta ao Século 16, quando D. Sebastião (1554-1578), rei de Portugal, decidiu ir pro pau contra os mouros islamitas, no norte da África. Na batalha de Alcácer-Quibir ele foi morto e o que é pior: seu corpo nunca foi encontrado. (E aí pergunto: por que o George W. Bush não seguiu o exemplo de D. Sebastião e foi guerrear pessoalmente no Iraque? Essas guerras modernas, sem a participação de quem as decretou, são um saco...)
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Já que não tinha um cadáver, o povo começou a achar que ele não tinha morrido, que fora arrebatado numa carruagem de anjos e que em algum momento voltaria, em toda a sua glória, para reassumir o trono português. Eles tinham de acreditar em alguma coisa melhor. Como o rei não tinha filhos, com o seu desaparecimento a coroa de Portugal iria para o parente mais próximo: ninguém menos que Felipe II, rei de Espanha, a grande concorrente da expansão marítima portuguesa. Estavam entregando ao adversário, de mão beijada, um vasto império colonial. Seria mais ou menos como se, com a morte do presidente do Corinthians, viesse a assumir o clube justamente o presidente do Palmeiras (podia dar um exemplo aqui do Rio, envolvendo o Mengão e o clube das Forças das Trevas; mas tanto quanto possível, quero essa raça longe do meu blog! Esses sebentos não servem como exemplo para nada!).
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Então, vejam só a situação: o rei desaparecido e a coroa indo parar na mão dos espanhóis. Ou seja, D. Sebastião tinha que voltar de qualquer maneira! Criou-se ali o movimento messiânico sebastianista, que suspirava e ansiava pela volta do rei. Diariamente, um bando de portugueses subia ao Alto de Santa Catarina, uma elevação de Lisboa, para ficar olhando pro mar, esperando D. Sebastião retornar. Pois é. O máximo que aquele povo conseguia era ficar a ver os navios passando na costa. E ainda aparecia um engraçadinho para perguntar:
- Ora, raios, Bastião já beio?

A outra expressão que explicaremos aqui é:

Se a montanha não vem a Maomé, Maomé vai à montanha.

Tudo bem. Eu sei que se costuma falar ao contrário, “se Maomé não vai à montanha etc. etc....” Mas ela originalmente foi criada da outra forma, significando se alguém não dá o primeiro passo, cabe a outrem fazê-lo. Porque foi exatamente assim que o fato aconteceu. Se não, vejamos:
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Maomé (570-632), profeta do islamismo, passou anos pregando a nova religião, baseada no único Deus, Alá. Ele conseguiu converter muitos novos fiéis, mas uma boa parte do povo estava reticente em acreditar no que ele pregava.


Certa vez, estava falando de seu Deus para um grupo de árabes, que o desafiaram: se Alá fosse mesmo tão poderoso, que ele, Maomé, movesse o monte Safa para perto de si. O profeta tentou, mas não conseguiu.

Daí, já que a montanha não veio até Maomé, ele foi até próximo do tal monte e lá disse aos seus desafiantes que foi uma graça de Alá ele não ter conseguido o milagre. Segundo ele, se a montanha tivesse se movido, mataria todos ali reunidos.
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Você achou que foi muito “171” de Maomé mandar essa pra cima dos caras? Tudo bem, pode até ter sido. Mas não sou eu quem vai dizer isso. Vai que um fundamentalista lê um troço desses aqui e resolve botar uma bomba no blog, olha só a situação!
M.S.
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Na Rádio Antigas Ternuras você está ouvindo “Danças Sagradas de Isis”, por Marcus Viana.
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Em fins de outubro de 2005, há exatamente um ano, eu coloquei um contador no blog. De lá pra cá, mais de 20 mil visitas. O que me alegra muito. Pra vocês, 20 mil beijos!

21 comentários:

Anônimo disse...

Adorei as explicações,Marco.
A do "ver navios" então,eu nem tinha mesmo idéia. Show!!

Parabens!

Abração!

Anônimo disse...

tambem nao vou dizer nada.---mas esse Maome era bem esperto...ah isso era

Lara disse...

Marco você e suas explicações. Me divirto muito!! Essa de Maomé eu já sabia, agora essa do " a ver navios" nunca tinha ouvido falar! Muito legal! Onde você consegue tudo isso?

beijão

Anônimo disse...

Oi amigo,

Poxa, bacana saber que até o teu amor veio pela internet...sabe que costumo dizer que isso é uma chance em um milhão de acontecer...feliz por vc!
Agora eu adorei saber aí da história de "ficar a ver navios"...
Vai ter mais dessas séries???Rs
Beijos e bom feriado!

Claudinha ੴ disse...

Ei! Tudo bem?
Parabéns pelos mais de 20.000 visitantes, leitores aos quais me junto com muito gosto!
Adoro Marcus Viana e esta música dá vontade de dançar, a famosa dança das velas. Quanto às expressões, a primeira é muito usada em minha terra, dizem muito de Maria Dorotéia que ficou a ver navios quando Tomaz A. Gonzaga foi para a África. Não sabia ao certo a origem nas terras de meus avós. E quanto a Maomé, acho que a esperteza falou mais alto. Valeu por mais conhecimento...
Vou ficar aqui mais um pouquinho, ouvindo a música. Beijo grande procê!

Anônimo disse...

Marco, tens que lançar um livro com estas tuas etimologias. São pérolas. A analogia com ACM é simplesmente hilária. Fantástico.

Vendetta disse...

Esse blog é deveras cativante!
Sempre tem informação, amor e verdade!
Beijocas no bochecão!

Anônimo disse...

Essa eh a primeira vez que visito seu blog, adorei a forma engracada como vc explica as expressoes, muito remember teu blog... vou voltar sempre pra dar boas risadas.
Ispiracoes, caro amigo
Ju

Jéssica disse...

Tô pasma...rs... sensacional, adorei. Marcos tb é cultura!
A dança deliciosa, juro a vc, sai dançando pelo quarto tentando lembrar das aulas de dança-do-ventre de anos atrás, tô enferrujada, mas foi divertido.
Adorei, essas suas explicações são ótimas. Beijo e bom feriado*.*

Bruno Capelas disse...

Concordo contigo quanto ao Bush... mas ele nao tem experiencia de guerra... desertou no Vietnã...

Abração!

Roby disse...

Certas expressões fico a imaginar sua origem...e hoje me deparei com duas delas que eu desconhecia totalmente Markito!
Gostei de saber, cada vez que aqui venho, sempre levo pra casa uma fatia do bolo....fartura em sabedoria!!

Grande abraço amigo, bom feriadão procê.

Anônimo disse...

De uma coisa a gente sabe: não se vem aqui para ficar a ver navios. Muito pelo contrário. E se você fosse Maomé, garanto que a montanha teria ido até você!
Beijos, querido!

Anônimo disse...

merecidas estas 20 mil visitas, conheci agora o teu blog e adorei, sempre gosto de conhecer a origem das expressões corriqueiras.
bom feriado pra ti, um abraço.

Ana Carla disse...

Ôba!! Adoro beijos!!! E adoro você, também, Marco!!

Anônimo disse...

Muitas pessoas dão com os burros n'água ou ficam a ver navios por trocarem os pés pelas mãos ou enfiarem o pé na jaca.

Gosto da forma como explica as expressões poupulares.
Espero que tenha mais visitantes a cada dia.

Beijos joviais.

Anônimo disse...

Grande Maomé. Se seus seguidores tivessem metade desse jogo de cintura, Bush estava perdido ... rsrsrs E adorei o PFL sebastianista. Bom demais. beijo você.

Marco disse...

Grande DO: Fico feliz que tenha gostado. De vez em quando tenho postado aqui o resultado dessas minhas pesquisas.

Querida Cilene, minha coleguinha: Espertíssimo, amiga, espertíssimo... Mas é melhor mudarmos de prosa, não é?...

Querida Eduardinha: Que bom que você aprecia! Já conhecia a do Maomé? Puxa... Eu tive de correr atrás para saber de onde ela tinha vindo...
Eu consigo essas explicações pesquisando em livros. Sempre gostei de fazer isso. Sobre este assunto, o Câmara Cascudo, o Deonísio da Silva e alguns outros me dão respaldo.

Querida Alê: Uma chance em um milhão de o amor vir pela Internet? Acha isso tudo mesmo? Pois pra mim veio e me fez muito feliz. Sorte a minha, não é?
Sim, querida, vai ter mais. Desde o início do blog eu tenho publicado várias explicações sobre a origem dessas expressões. Já fiz de várias. E vem mais por aí!

Minha doce Claudinha: Eu que me sinto honrado por você fazer parte dessas 20.000 visitas. O Antigas Ternuras fica mais alegre, mais feliz quando você aparece por aqui com seus comentários inteligentes e espirituosos. Muito obrigado por sua amizade e carinho.
Dança das velas? Huum... Essa eu não conheço... Marília ficou a ver navios, não é? Mas foram navios metafóricos. Quem os viu de fato e metaforicamente foi o pobre do Dirceu.
Que ótimo que você aprende sempre algo por aqui. Essa é a principal função do Antigas Ternuras: explicar com alegria e leveza.

Puxa, grande Marconi, um elogio desses vindo de um autor do seu quilate me deixa até sem graça... Ganhei meu dia!

E este blog, querida Vendetta, sempre se alegra com a sua visita. No nosso balcão tem tudo isso que você falou pros nossos amados clientes e amigos.

Querida Ju: Seja benvinda! E se gostou, volte quando quiser. A minha velha cristaleira de emoções está sempre aberta para quem gosta de um bom papo. Vou te visitar também.

Querida Jésica: O Marco também é cultura, sim. E com um pouco de gaiatice porque ninguém é de ferro... Fico feliz pela música que escolhi ter te animado. Dança do ventre, é?...

Grande Mutante: Esse Bush é um mané! Nem pra isso ele serve! Morre um D. Sebastião e um bosta desse fica vivo pra encher a paciência do planeta.

Cara Claire: Que bom que gostou do post. Além da citação na obra de Pessoa, Ariano Suassuna, em Pedra do reino, fala do sebastianismo. Aliás, o movimento armorial que ele fundou tem muito dessa herança sebastianista que chegou ao Brasil.
Sobre a ausência de quem declara guerra na própria, especialmente no caso da do Iraque é uma pena mesmo, não é?

Querida Roby: Ah, que legal que você se interesse por isso! E mais feliz ainda fico por saber que você aprende um pouquinho aqui com meus alfarrábios...

Querida Lili: Ah, eu fico muito feliz com os seus elogios. Não os mereço, mas acho gentil demais de sua parte. Obrigado!

Querida Jeanne: Seja benvinda! Que bom que veio! E se gosta de conhecer a origem dessas expressões, venho sempre. De vez em quando eu sempre coloco uma ou outra por aqui.

Obrigado, querida Ana Carla!

Querida Bruxinha: Que bom que você aprecia minhas explicações. Eu pesquiso e escrevo com muito carinho para os olhos de vocês. Você também me honra com suas visitas. Obrigado!

Querida Fugu F.: Bem lembrado, querida... mas a maioria dos seguidores do Islã tem esse jogo de cintura. Por muitos séculos, os países dominados pelos seguidores de Alá eram a luz intelectual do mundo (vide a parte da Europa ocupada pelos islâmicos, nos séculos 8 a 15. Esses fundamentalistas que... Bom, melhor eu guardar a minha boca pra comer esfiha...

Valeu, moçada! Abraços e beijinhos e carinhos e ternuras sem ter fim!

Vera F. disse...

As suas explicações são muito melhores que do que a origem de certas expressões. Me divirto muuuuito. Concordo com o Marconi tá valendo um livro!
Parabéns pelas 20 mil visitas. Vc merece até mais.

Bjos.

Anônimo disse...

Marco,

como sempre, divertidas as explicações que você dá para as expressões de uso corriqueiro. Principalmente adicionando uma pitada "política" no meio. Aí, a coisa pega mesmo! Será que deu pro ACM perceber que daquí prá frente é melhor ele se aposentar e ficar a ver navios? Do Bush, não dá pra esperar nada mesmo, pois ele, como um "certo presidente muuuito conhecido", também não gosta de ler. E não entenderia nada disso...
Quanto à explicação de Maomé, bem, ele até parece um brasileiro procurando se dar bem, né mesmo?

Grande abraço e ótimo fds.

Anônimo disse...

Só para que fique registado, a expressão "ficaste a ver navios", nada tem a ver com D. Sebastião. Tem sim, a ver com a fuga do Rei D. João VI para o Brasil. Quando as tropas de Napolião chegaram a Lisboa para capturar o Rei, toda a corte estava saindo em direcção ao Brasil. O máximo que as tropas de Napolião conseguiram, foi ficar a ver navios!

Marco disse...

Só para que fique registrado, Pedro: EU ESTOU CERTO. Quem me garante são pesquisadores consagrados como Câmara Cascudo, entre outros. Eu já pesquiso a origem das expressões faz tempo. Tempo suficiente para saber que uma expressão pode ter mais de uma explicação. De qualquer forma, a origem que citei é mais antiga que a que você citou. COM CERTEZA ela originou a expressão. De qualquer forma, obrigado pela visita e pelo comentário.