sexta-feira, abril 28, 2006

Meu primeiro amor


Bem, amigos do Antigas Ternuras... Não sei vocês, mas eu lembro direitinho da primeira vez que eu me apaixonei. Não estou falando da minha primeira namorada. Eu me refiro à primeira criatura fêmea por quem caí de amores; o meu primeiro amor.
*
Eu tinha 7 para 8 anos. Estudava na Escola 7.19 França. Todos os colégios daquele tempo, no antigo estado da Guanabara, tinham um número antes do nome. Não me perguntem o porquê.
Naquela época, eu estava morando com a minha tia, no bairro carioca da Piedade. Eu já era o capetinha que todos os professores de minha vida escolar tiveram a oportunidade de conhecer. Mas havia alguém que me fazia sossegar o facho, só com a sua presença. O nome dela era Elizabeth. A coisa mais linda desse mundo. Muito clarinha, longos cabelos negros, que ela amarrava em rabo de cavalo com uma graciosa franjinha quase lhe cobrindo os olhinhos cor de jabuticaba madura. Nossa! Quando ela sorria na minha direção, acontecia um certo fenômeno na minha fisiologia: minhas tripas viravam purê, o coração parava e meu sistema auditivo rateava, só captando uma espécie de zumbido.
*
Se ela sabia que eu era apaixonado por ela? Não sei, acho que não. Obviamente eu nunca disse. Talvez tivesse percebido pela minha cara de anjo pidão quando olhava para ela. Uma vez pensei escrever um bilhete para a Elizabeth. Anônimo, é claro. Estava escrevendo quando minha mãe me pegou no maior flagra! Quis morrer ali mesmo. E morria um pouco a cada vez que minha mãe comentava que o “Marquinho estava apaixonado por uma tal de Elizabeth” com os vizinhos, com meus parentes, com o verdureiro, o açougueiro, o veterinário que ia vacinar a nossa cachorra, com Deus, o mundo e mais a população do bairro. Acabei desistindo do bilhete anônimo. Ficava lá, amando a menina em segredo. Ou quase.
*
É uma coisa curiosa essa a de amar alguém secretamente. Pelo menos para mim era. A gente olha para a pessoa amada e põe mãos nos olhos, acariciando-a silenciosamente. A pele não sente, mas o coração pressente. Amamos um ser físico, idealizando uma criatura abstrata que só existe na nossa mente. Dá uma gastura, mas é um sofrimento gostoooso, que nem coçar frieira e bicho do pé.
*
Era assim que eu amava a Elizabeth. Sonhava com ela, imaginava que cresceríamos juntos, eu já entrosado com a família dela, namoraríamos, noivaríamos e casaríamos. Viriam os filhos, os almoços na casa de nossos pais, macarrão com almôndegas ou então inhoque. Como vocês podem ver, em matéria de sonhar e prever o futuro eu era pior que a Mãe Diná!
E a menina lá, sem ter a mínima idéia do futuro que eu estava sonhando por nós dois.
*

Elizabeth foi meu primeiro amor e minha primeira desilusão. O castelo de algodão doce dos meus sonhos se desfez amargamente numa bela tarde de sol.
A direção da escola já tinha avisado a todas as turmas que em determinado dia viria um fotógrafo para tirar fotos dos alunos em slide, para fazer um monóculo. Acho que vocês já tiraram foto assim. O cenário era uma mesa, sobre ela uma placa com o nome da escola, à esquerda um globo terrestre e atrás um mapa do Brasil. Cada aluno sentava, cruzava os braços sobre o tampo da mesa, sorria e clic.
*
Naquela tarde ensolarada, tão logo tocasse o sinal do fim das aulas ao meio-dia, todas as turmas deveriam descer para o pátio e entrar em fila para tirar a foto. Quando a minha turma desceu já havia uma multidão na fila e não parava de chegar gente. Estava uma balbúrdia, uma azucrinação que as coordenadoras não conseguiam controlar, por mais que ameaçassem os alunos. Eu estava eletrizado, cheio de idéias para bagunças. Mas aí veio a Elizabeth e ficou a umas três pessoas na minha frente. Eu não gostava de tocar zaralha na frente do meu pequeno amor. Tive que me comportar.
A fila andava devagar, pelo visto aquilo iria durar muito tempo. Foi quando senti uma baita vontade de “tirar uma água do joelho”. Chamei a coordenadora e perguntei se poderia ir ao banheiro. Ela disse que poderia, mas eu perderia o meu lugar na fila. Olhei pra frente, tinha umas trinta pessoas. Olhei pra trás, tinha umas cem. Tudo bem, eu ia agüentar, disse para a coordenadora.
*
Acontece que criança não é como adulto, que pode passar horas com vontade de fazer xixi desconfortavelmente na boa. À medida que a fila andava, aumentava a vontade de me esvair em mijo. Comecei a suar frio. Mentalmente rezava para todos os santos de plantão e mais os reservas, suplicando que aquela fila andasse rápido. A cabeça começou a doer, os gritos dos moleques só pioravam a situação, eu olhava para o rostinho da Elizabeth e até amenizava a minha agonia, mas a situação ficava desesperadora. Eu já estava perto da mesa onde as fotos estavam sendo tiradas, faltava pouco, bastava segurar mais um pouquinho, olhei para a Elizabeth, alguns pingos fugidios escapuliram e umedeceram a cuequinha, a mesa cada vez mais próxima, se ao menos a criançada parasse de gritar, olha! eu já podia até divisar os continentes no globo terrestre sobre a mesa onde bateríamos a chapa, mas eu senti que a catástrofe era iminente. Faltava bem pouco, consegui ver o mapa da África no globo, mas e todo aquele Oceano Atlântico?, não vai dar pra segurar!

Botei o Cabo da Boa Esperança pra fora e me aliviei ali mesmo. Na fila. Na frente de todo mundo. O jato da urina batia nos cascalhos do pátio fazendo um barulhinho engraçado, mas era encoberto pela gargalhada de todo mundo que estava naquela maldita fila. Todos riam, todos apontavam para o menino que fazia xixi na frente de todo mundo, todos gargalhavam...inclusive a Elizabeth.
*
Urinei até o final, dei as três sacudidinhas regulamentares, guardei o bicho e continuei na fila. As risadas ainda ecoavam por todo o pátio, entretanto eu nem ouvia mais. Nem sequer escutava a bronca que a coordenadora estava me dando naquele momento. Sentia meu corpo todo anestesiado. Olhei para a Elizabeth com a certeza de que meus planos para com ela tinham escoado para o ralo. Nada mais de namoro, noivado, casamento, filhos, macarrão aos domingos... Como eu poderia continuar apaixonado por uma menina que me viu, de pinto de fora, fazendo xixi?
*

Chegou a minha vez de tirar a foto. Sentei, cruzei os braços, sorri automaticamente, olhei para a câmera, clic.
*
Peguei minha pasta e tomei a direção do portão da escola, no rumo de casa, naquela tarde tão bonita. Seguia em silêncio, vez ou outra chutando pedras que encontrava. Fazia noite na minha alma, mas o sol teimava em perfurar as folhas das árvores, salpicando meu caminho de gotas de luz.
M.S.
************************************
E aí, caros amigos, vamos brincar de lembrar do primeiro amor? Com a palavra...

quarta-feira, abril 26, 2006

Deus e o diabo na terra do "Self"



Vou logo avisando: este texto é polêmico. Não sei vocês, mas por mim tudo bem.
Dia desses estou zapeando com o controle remoto da TV quando passo por um canal onde um pastor evangélico estava pregando. Normalmente eu passaria batido, clicando a próxima emissora. Mas teve uma coisa que me chamou a atenção naquela pregação. O cara falava: “porque o diabo está à nossa volta!...”, “porque os dardos inflamados do diabo...”, “porque o diabo conhece as nossas fraquezas...”

Era uma pregação evangélica. Um pastor levando, o que se costuma dizer como, “a palavra de Deus” aos ouvintes. Peguei um bloquinho e comecei a marcar quantas vezes ele falava a palavra “diabo” e quantas vezes ele citava Deus ou qualquer variação (Senhor, Pai etc.)
Deu diabo, goleando Deus por 13 x 7. E isso foi só a partir do momento em que eu sintonizei o canal.
*
Nas pregações de padres e pastores costumo observar que eles atribuem ao diabo poderes que, na minha modesta opinião, deveriam ser privativos de Deus. Eu acredito num Deus onipotente, onipresente e onisciente. Não posso, nem consigo acreditar num diabo, ou seja, num “não-Deus” que tenha as mesmas características. Não faria o menor sentido e eu só acredito no que faz sentido, paciência, sou assim. Se Deus pode tudo, está em toda parte, sabe de todas coisas, não consigo aceitar que o que se convencionou chamar como “diabo” tenha essas mesmas características.
*

Se eu acredito que o diabo existe? Bem, com as características históricas que a Igreja lhe atribuiu, não, eu não acredito. Por ser um estudioso de História, sei que em determinado momento a Igreja teve que dar à figura do Maligno as piores características possíveis: pata de bode, chifre, rabo em forma de seta, tridente para assar as almas nas chamas do Inferno...
Se não fosse assim, muita gente ia ficar na dúvida sobre qual caminho deveria tomar na hora de escolher que valores seguiriam. Mas, atenção: quero deixar claro que sei perfeitamente da existência de espíritos completamente imersos no Mal e que tentam influenciar os outros a seguirem por determinado caminho que eles seguem. Só não concordo que chamem esta consciência – que creio ser transitória, ou a misericórdia de Deus com todas as criaturas seria uma ficção – de “diabo”, nem que lhe sejam atribuídos poderes divinos.
*
Mas, como disse, creio firmemente que o Mal exista, mas não na forma de um ser poderosíssimo que fica tentando as pessoas. Dessa forma, ficaria muito cômodo para quem tivesse cometido erros: basta atribuir a culpa a outros, no caso, ao diabo. Na mitologia judaico-cristã, ou seja, na história descrita no Livro de Gênesis, foi exatamente o que aconteceu com Adão e Eva. Quando Deus pergunta a Adão o que ele tinha feito, a sua resposta foi: a culpa é da mulher que me deu o fruto. Eva se defendeu, dizendo que a culpa foi da serpente que a enganou. Pronto, assim os dois pensavam em se livrar do erro: repassando a culpa. É o que se fez durante boa parte da Idade Média, Renascença e tempos posteriores: botar a culpa no diabo!
*

Tenho minha maneira particular de ver essa questão. Na minha opinião, o Mal existe e reside na natureza humana, assim como lá também está a centelha da bondade divina. Deus nos deu o livre arbítrio para escolhermos o que fazer de nossas vidas. Devemos seguir o caminho da Luz de sua centelha ou optamos por dar vazão ao lado maligno que nos perpassa a mente? Isso cabe a nós decidir. E TODOS nós, em determinadas situações, ora optamos por um lado, ora optamos por outro.
*
Nessa hora, lembro do conceito de Adolf Adler sobre o “self”, o poder criador de nossa personalidade. Os objetivos de vida são influenciados por nossas experiências pessoais, por nossos valores, nossas atitudes e personalidade. Os kardecistas ainda diriam que nosso estado de evolução espiritual também é determinante na nossa atual personalidade. Portanto, não precisa ser o Darth Vader para optar pelo “lado negro da Força”, muita gente faz isso cotidianamente. E sem precisar do Cão lhes soprar tentações no pé do ouvido.
*
Teria muito a escrever sobre o assunto, mas acho que o texto ficaria extenso e muito provavelmente desinteressante para quem vem aqui me dar o prazer de ler. Estas são algumas reflexões a partir de uma observação de um programa dito evangélico, utilizando uma mídia eletrônica, moderna, mas com hábitos e uma forma de pensar absolutamente medievais. É ir na contramão da História. E História sempre será uma de minhas antigas ternuras.
M.S.

segunda-feira, abril 24, 2006

Fragmentos urbanos


Personagens: Mulher 1
Mulher 2
Namorado
Namorada
Narrador
Local: Interior de um ônibus.
(Sonoplastia de ruído de trânsito. Som de motor de ônibus)
MULHER 1 – (com forte sotaque nordestino) Comigo não, violão! Ele não sabe com quem está se metendo!
MULHER 2 – Mas você fez isso mesmo?
MULHER 1 – Fiz! Fiz e faço de novo! É só ele vir pra cima de mim com aquele negócio outra vez.
MULHER 2 – Ah, mas toda mulher gosta...
MULHER 1 – Eu não gosto! Nunca gostei! Depois a gente fica com a boca grudenta...Não. Ele é meu marido mas não sou obrigada a me submeter às vontades dele...Próxima vez que ele chegar aquilo perto da minha boca eu espero ele dormir e jogo água quente no ouvido dele...
MULHER 2 – Nossa, que exagero! Eu ia me sentir muito vaidosa se o meu marido me pedisse...
(No meio da frase da Mulher 2, a voz dela vai diminuindo e entra num crescendo a voz do Namorado em fusão. O som de ônibus e tráfego permanece)

NAMORADO – Ah, minha xiboquinha, vamos lá! Eu tenho certeza que não vai doer nada. Você não vai nem sentir!
NAMORADA – Ah, bem...Eu não sei. Eu tenho medo...
NAMORADO – Medo de quê? Hoje é tão normal. Se fosse antigamente, eu não dizia nada. Olha, não estou desfazendo de você, meu anjo. Não é isso. Você sabe que eu te amo de qualquer maneira. Mas...Ah, não custa nada você me fazer essa vontade.
NAMORADA – Bem, o que é que vão dizer de mim depois? Você sabe como existe gente linguaruda na minha rua. Eu não quero ficar falada...Eu sempre fui muito direita. Eu não sou que nem aquela piranha da Carmelita. Ela fez e gosta de ficar contando pra todo mundo. Desfrutável!
NAMORADO – Ninguém tem nada a ver com a sua vida. Alguém paga as suas contas? O que você faz ou deixa de fazer não é da conta de ninguém. Eu acho que os seus pais não iriam se incomodar...
NAMORADA – Você acha?
NAMORADO – Er...acho. O Seu Libório me parece uma pessoa moderna, de mente aberta...
NAMORADA – Ah, mas não sei...
NAMORADO – Ah, xiboquinha...Por favor...Eu queria tanto...Me dá esse prazer...
(Som de ônibus aumenta)
MULHER 1 – Mas nem que ele me pedisse de joelhos, com um prego aceso na mão!
MULHER 2 – Você já experimentou pelo menos?
MULHER 1 – Oxente! E num já? Eu simplesmente de-tes-tei. Não sei como é que alguém pode gostar de um estrupício desses!
MULHER 2 – Olha, chegamos. Vamos dar uma passadinha lá em casa que lá eu tenho um que você vai gostar.
MULHER 1 – Não adianta, Lurdes! Não adianta que eu não experimento batom nem pagando! Não gosto de ficar de boca pintada. Coisa mais indecente! No outro dia a minha irmã...
(Voz da mulher vai sumindo. Entra a voz do Namorado 1)
NAMORADO – Afinal de contas, você tem medo do quê? Você não confia em mim? Você acha que eu vou pedir alguma coisa que te faça mal?
NAMORADA – Não, bem, eu sei que você não quer o meu mal.
NAMORADO – Então! Vamos lá, vamos...Se você não gostar e quiser tirar...
NAMORADA – Tá bom...Tá bom...Vamos lá. Eu concordo.
NAMORADO – Beleza! Olha, você não vai se arrepender. Você não é a primeira e nem vai ser a última...
NAMORADA – Eu sei...
NAMORADO – Eu não estou pedindo nada de mais! Só 200 mililitros de silicone nos seus seios. Tenho certeza de que você vai ficar linda!
NAMORADA – Então vamos logo nessa clínica. Olha o nosso ponto chegou. Vamos descer.
NARRADOR – E assim, Cícero Dias, jornalista da Gazeta Popular, passageiro da linha Praça Saens Pena- Méier, consegue outro assunto para a sua coluna.
M.S.

************************
Este foi mais um dos textos de radionovela que escrevi há alguns anos, no tempo em que gravava uns programinhas em uma radio comunitária. Já postei alguns aqui e este é mais um deles. Eu o dediquei a Dalton Trevisan, que escreveu certa vez ser todo escritor uma espécie de vampiro de almas, sempre a espreita por um assunto.
M.S.

sexta-feira, abril 21, 2006

Memória sensorial


Eu não tenho a menor dúvida de que há fortes conexões entre a nossa memória e nossos sentidos. Todos os cinco e mais algum, se tivermos.
Sabe-se lá o porquê, tenho acordado com gosto de Embaré na boca. Pareço mulher grávida! E é só sentir este gosto (ou imaginar que eu estou sentindo), que eu me lembro do tempo em que comprava estes caramelos na cantina do meu colégio por cinco centavos (de cruzeiro...) cada. Veja bem: eu só pensei que senti o gosto, imaginem se eu verdadeiramente pusesse um tablete deles na boca...
Mas estava eu defendendo minha teoria, a da ligação dos sentidos com a memória. Senão vejamos.
*
O paladar mesmo tem a incrível capacidade de nos arremessar num túnel do tempo, tão logo nossas papilas gustativas identificam um sabor especial. No outro dia, me deu vontade de fazer sorvete de guaraná com leite condensado. É fácil: uma lata de Leite Moça, a mesma medida de guaraná, um pouquinho de leite, bate tudo no liquidificador e coloca em forminhas de gelo direto no congelador. Bastou eu botar um tasquinho na boca para eu imediatamente voltar para algum lugar no passado, a ponto de ouvir a minha mãe gritando com a gente: “Vocês tomem esse sorvete devagar! Depois, se ficarem gripados sou eu que vou ter que correr com vocês para o médico!”.
*
A audição também pode nos levar para tempos idos. Eu já escrevi aqui o que me aconteceu quando ouvi o Billy Paul cantando “Me and Mrs. Jones”. Noutro dia, estava passando em um lugar quando ouvi a gravação de Al Green cantando “Let’s Stay Together”. Caraco! Na hora me veio à mente o tempo em que eu gravava músicas no meu gravadorzinho Sanyo e depois ia ouvir na casa do meu amiguirmão Luiz. Saía de lá meia-noite, com meu aparelho e minhas fitas em uma bolsa de papelão pendurada na minha bicicleta. E nada me acontecia de errado!
*
Embora possa haver quem duvide, o tato também pode nos conduzir a antigas ternuras. Noutro dia, entrei em uma loja de presentes e vi que lá vendiam pipas. No meu tempo de guri a gente fazia as próprias pipas, embora alguns habilidosos confeccionavam algumas para vender em biroscas do lugar. Era uma delícia sentir o papel fino nas mãos, afilar cada uma das varetas de bambu, ligá-las com arte de aranhas, utilizando linha da marca Corrente, preparar a cola com farinha de trigo, sentindo sua consistência na ponta dos dedos... Tudo isso me veio à mente só manuseando as pipas em uma loja de presentes. Não tinha vento ali dentro. Então, fechei os olhos e fiz o antigo chamamento, baixinho: “vem vento, caxinguelê...cachorro do mato quer me morder...”
*
O olfato talvez seja um dos sentidos mais fortes para relembrar bons momentos vividos. Recentemente, fui num restaurante a quilo em que tinha um enorme recipiente de angu a baiana. No que o cheirinho me cutucou as narinas, foi como se eu tivesse dito no meu celular: “Scotty, transporte para um!” e me desintegrasse, reintegrando as moléculas diante de uma carrocinha do “Angu do Gomes”. Antigamente tinha várias delas, espalhadas pelo Grande Rio. Uma delas ficava diante de uma galeria onde havia um pavilhão em que se apresentava “Famyr, a mulher-vampiro”. Era a atração que tinha substituído “Konga, a mulher-gorila”. E pensar que o simples cheiro de angu me trouxesse todas estas recordações...
*
Quanto à visão, esse sentido é pra lá de óbvio se queremos dar uma de saudosistas. Pode ser olhando fotos antigas, ou aquela roupa esquecida no fundo do armário, ou ainda uma velha propaganda. Em muitos casos, uma lembrança começa a ser deflagrada por algo que vimos e logo associamos aos demais sentidos. Querem um exemplo? Noutro dia, na feira, eu vi um garoto segurando uma rã enorme. Com a velocidade do pensamento, eu me lembrei que com a idade daquele moleque eu caçava aquele bicho nos brejos perto da minha casa. Ouvia o coaxar da rã, tateava os ninhos, segurava a zoiuda com força, matava e preparava aquele acepipe, sentindo o cheirinho do ensopado na panela. Depois, comia com gosto, saboreando cada pedacinho. Hoje não faço mais nada disso. Teria pena de matar a rã e até um certo nojo de comer aquelas perninhas.
*
Meus sentidos memoráveis, minhas memórias sensoriais... Fios desencapados, conectados a um coração vadio que se acostumou a ser feliz.
M.S.
******************************************************
Como vocês perceberam, o Antigas Ternuras agora tem trilha sonora. Era um velho desejo meu, que foi concretizado com o auxílio luxuoso da minha querida e fantástica amiga Claudinha, amiga de sempre, amiga para sempre. Ela é a minha nova professora de template (pacientíssima!). Escolhi como tema do blog a música que mais amo na vida, o tema do filme (favorito) “Somewhere in Time” (“Em Algum Lugar do Passado”). Aliás, com esse título, só podia mesmo ser tema de um blog chamado Antigas Ternuras, não é?
Eventualmente, tocarei outra música que venha a combinar mais com o texto postado. Mas este será o tema definitivo do blog.
Obrigado, Claudinha. Este post é dedicado a você, com meu carinho.
M.S.

quarta-feira, abril 19, 2006

Todo dia era dia de índio


Em abril de 1989 eu trabalhava na assessoria de imprensa, mais especificamente no jornal interno. Na reunião de pauta, sugeriram uma matéria sobre o dia do índio. Eu lembrei de um texto que tinha escrito um ano antes, mais ou menos, logo que eu tinha chegado lá, depois de ter passado no concurso interno. A editora leu, gostou e publicou.
A matéria é muito grande para postar aqui. Mas, fiz uns “melhores momentos” só para os leitores do Antigas Ternuras. Hoje é o Dia do Índio. Deram um dia para eles (que só as escolas primárias comemoram...)e ficaram com os outros 364 para os “civilizados”.

******************************************

Foi preciso Jorge Ben – neto de índios pelo lado materno – cantar em prosa e samba as desventuras do povo indígena, para que fosse lembrado que nem só de 19 de abril vive o índio.
Comemorado em todas as Américas, o Dia do Índio foi escolhido por decisão do Congresso Indigenista Interamericano, reunido em Patzcuaro, no México em 19 de abril de 1940. O representante brasileiro foi o antropólogo Edgard Roquete Pinto, o mesmo que fundou, na década de 20, a primeira estação de Rádio no Brasil.
(...)
Os primeiros colonizadores portugueses utilizavam larga e fartamente a mão-de-obra indígena como escrava. Simão de Vasconcelos, fidalgo português, narrou certa vez ao rei “que os índios da América não eram tratados como verdadeiros homens. Poder-se-ia servir-se deles como de um boi ou de um escravo, feri-los ou maltratá-los”.
O jesuíta Frei Bartholomeu, em carta à sua Congregação, contou que os colonizadores “chegaram a sustentar seus cães com a carne dos índios, que matavam e faziam em pedaços como a qualquer bicho do mato”.
(...)

Ao contrário do holocausto judeu, pouquíssimo se escreveu sobre a matança indiscriminada da população indígena aqui e no resto do mundo. Um dos mais antigos autores que escreveu sobre o Brasil, o abade francês Durand, relatou que em toda a Bacia amazônica e ao longo da costa, os índios “eram tão numerosos que pareciam enxames de mosquitos”.
Hoje, ao contrário dos insetos citados, que multiplicaram a sua população, o índio em seu estado mais puro (sem sandália havaianas short Adidas), tornou-se espécime somente encontrado em restritíssimos santuários.
(...)
Compulsoriamente, o índio foi perdendo o direito á sua religião, à sua terra, à sua organização social. (...) Hoje ele tem que se comprimir cada vez mais em faixas de terreno cada vez menores. Hoje, ele só tem o dia 19 de abril. Ou nem isso.
M.S.

segunda-feira, abril 17, 2006

Estrela brasileira, no céu azul...


Tenho acompanhado com muita tristeza a agonia da Varig. Seus aviões têm para mim a mesma importância que os da Panair tiveram para a geração antes da minha. Meu pai falava muito dos Constellations da Panair. Eu falo aqui dos meus muitos vôos nas asas da Varig, “a nossa Varig”.
*
Primeiro, voei nela pela imaginação. Quando eu era bem menino, lembro que estava brincando no quintal e ouvia o ronco distante dos motores dos aviões que cruzavam os céus de onde me criei. Eu parava tudo e ficava acompanhando aquele pássaro de metal sumir no horizonte de meus olhos. Imaginava que um dia eu estaria na sua barriga, sendo levado para os lugares que eu via no Tesouro da Juventude ou nos gibis do Tintin... Na maior parte das vezes, eram aviões da Varig. O slogan da Varig naquela época era “Varig, a pioneira”. Minha mãe conta que eu dizia “Varig, a piorera”.
*
Depois voei de verdade. Eu vivia dizendo que me recusaria a morrer se não andasse de avião, de helicóptero e de submarino. Já satisfiz o primeiro desejo.
Minha primeira vez em avião foi num 727 da Varig, para Belo Horizonte. Lembro perfeitamente da emoção sentida, quando entrei naquele grande tubo com asas, caminhando pelo corredor atapetado, o cheiro inconfundível e inesquecível. Tirei foto de tudo! Quase chorei de emoção quando o avião decolou. E quando ele passou pelas nuvens? Tirou a minha dúvida de menino: elas não eram feitas de algodão, nem de lã de carneirinho.
*
Depois desse vôo, inaugural para mim, estive nas asas da Varig por muitas vezes, cruzando quase todo o país. Viajando a trabalho ou de férias, eu sempre preferia a Varig. Eu me sentia tão bem ali! Quando vinham os comissários de bordo com a refeição que todo mundo dizia que era ruim, mas que eu adorava, era puro luxo. Houve época em que comi muitíssimo bem em avião da Varig. Tinha copos de vidro e talheres de aço com o logotipo no cabo. Depois o plástico veio acabar com as minhas luxuosas refeições.
*

Vou confessar uma coisa: eu sempre quis ter um jogo de talheres da Varig. Um amigo meu me deu a dica: “Guarde os talheres no bolso e depois devolva a bandeja com o guardanapo aberto e amarfanhado por cima. Eles nem vão notar”.
O problema é que para mim, aquilo seria roubo e a criação que eu tive de meus pais me impediam e me impedem de roubar qualquer coisa. Até para pegar um canudinho eu peço. Quando eu era guri, uma vez peguei um resto de troco que estava em cima da mesa. Quando meus pais me viram com dinheiro na mão, perguntaram onde eu tinha conseguido. Menti. Disse que a minha professora tinha me dado. A coça que eu levei dos dois foi inesquecível. Lembro do meu pai me batendo com o cinto e dizendo: “Filho meu nunca vai roubar nada!” (Vocês já perceberam que se o Marcos Valério, o Delúbio e metade dos deputados tivessem um pai assim, muitos problemas seriam evitados...)
Tendo sido criado com estes princípios, como é que eu ia afanar os talheres da Varig?
Tempos depois, eu descobri que não precisava roubar. Era só pedir que eles, gentilmente, me dariam um joguinho com faca, garfo e colher. Mas aí já era tarde...
*
Nos aviões da Varig eu passei por turbulências, mas nunca fiquei assustado. Ao contrário. Ajudava a acalmar os que se descabelavam de cagaço, acreditando que aquele bicho não resistiria. Pelo menos comigo, sempre resistiu. Nos aviões da Varig eu apertava aquele botãozinho e vinha sempre uma aeromoça gentil me perguntando o que eu desejava. Eu, que nem gosto de beber, fazia a minha melhor pose David Niven e pedia: “um Campari com tônica, por favor”. Fantasias...fantasias...
*
A Varig desde muito cedo esteve em meu imaginário. Eu nem piscava quando via na TV aquele comercial da Natal, com aquela música tão linda:
Estrela brasileira/No céu azul/Iluminando de Norte a Sul/Mensagem de Amor e Paz/Nasceu Jesus, chegou o Natal/Papai Noel voando a jato pelo céu/Trazendo um Natal de felicidade/E um Ano Novo cheio de felicidade/Varig, Varig, Varig!
Ou então aqueles deliciosos desenhos do “Seu Cabral” e do “Urashima Taro”. Até hoje lembro das musiquinhas (se você tem mais de 40 anos é a deixa para fazer “aaahhh”...):

Seu Cabral vinha navegando, quando alguém logo foi gritando: “Terra a vista!”
E foi descoberto o Brasil
A turma gritava: “Benvindo, Seu Cabral!”
- Escreve aí Caminha para o nosso querido Rei e diz que esta terra é generosa e tem gente muito bondosa...
Mas Cabral sentiu no peito, uma saudade sem jeito!
- Volto já pra Portugal, quero ir pela Varig!


Urashima Taro, um pobre pescador
Salvou uma tartaruga e ela como prêmio
Ao Brasil o levou
Pelo reino encantado ele se apaixonou e por aqui ficou
Passaram muitos anos, de repente a saudade chegou
Uma arca misteriosa de presente ele ganhou
Ao abri-la quanta alegria vibrou seu coração
Encontrou uma passagem da Varig
E voou feliz para o Japão!
*

Pois é. A companhia aérea que embalou e transportou meus sonhos de voar está definhando e parece que não vai resistir. Eu já quis muito trabalhar na Varig. Imagina se eu estou lá agora... Pelo jeito, em breve os aviões da Varig serão apenas fotos na parede da memória. Talvez brevemente, a gente vai erguer os olhos para o céu e vamos sentir falta de uma estrela. A estrela da Varig. Da “nossa Varig”...A “piorera”...
M.S.

sexta-feira, abril 14, 2006

A vida como ela era


Não sei vocês, mas se tem uma coisa que adoro e me reunir com amigos e ficar lembrando histórias de infância/adolescência/colégio. Ah, que delícia! Podem ser as histórias mais bobas, não importa. Ficamos ali, tecendo uma colcha de retalhos de nossas vidas e nem vejo o tempo passar. Acho que este gosto me veio pelo DNA.
*
Eu era meninote quando meu tio Jair apareceu lá em casa com um amigo de infância dele e de meu pai. Nossa! aquilo foi a felicidade do velho Ferreira! Lembro que os três se sentaram no quintal e começaram a lembrar histórias, fatos e músicas do tempo deles. Curiosamente, muitos anos depois eu cantei uma daquelas músicas quando atuei na peça “O Cortiço”, com direção de Sergio Britto (“Ah, Seu Mé! Ah, Seu Mé! Lá no Palácio das Águias, olé!, não hás de por o pé!”).
*
Era engraçado ver aqueles três senhores rirem como meninos, recordando traquinagens e fatos acontecidos na infância e adolescência. Cheio de curiosidade, eu me aproximei para saber porque tanto meu pai ria. Só que naquele tempo, criança não ficava ouvindo a conversa dos adultos. Eu tive uma criação à moda antiga. Naquela época, os pais controlavam os filhos com os olhos. Se estivéssemos fazendo alguma coisa, bastava o pai ou a mãe nos dirigirem um olhar fuzilante que, sem palavras, significava: “pára com o que está fazendo e sai daqui!”. Quando eu dava aulas de comunicação não-verbal era este o exemplo que eu dava e todo mundo da minha geração entendia logo o que eu queria dizer.
Pois bem. Eu tentei ouvir o que eles estavam conversando, mas com um olhar de raios laser de meu pai, eu me raspei dali rapidinho, antes que o bicho pegasse para o meu lado.
*

Creio que por uns dois dias, vi meu pai sorrindo sozinho pelos cantos, cantarolando umas músicas engraçadas, perguntando à minha mãe se ela lembrava de uma ou outra coisa. Claro que ela não lembrava. Meu pai era 17 anos mais velho que ela. Não pertenciam à mesma geração. Eu achava aquele comportamento dele entre divertido e estranho. Não conseguia compreender como ficar lembrando histórias de infância deixava uma pessoa tão feliz.
*
Eis que o tempo passa e eu constantemente tenho a minha mente invadida por recordações de minha infância/adolescência. Não é só pelo efeito “blog Antigas Ternuras”; antes mesmo de eu abrir aqui a minha quitanda já tinha particular prazer em lembrar de histórias do tempo do Onça. Uma das coisas que mais gosto na vida é ir para a casa do meu “amiguirmão” Luiz, meu mais antigo amigo com quem ainda mantenho contato, e ficamos lá, lembrando gargalhadamente nossas histórias de rapazinho. Tem duas delas que a gente particularmente não esquece. Ei-las:
*
Existia no nosso colégio troço chamado “jaú”. Quando alguém fazia ou dizia alguma besteira acabava levando “jaú”. No início era um bolo na mão; depois passou a ser um tapa nas costas, que rapidamente evoluiu para um rápido espancamento sumário. Uma espécie de “corredor polonês” em que a vítima não corria, levando pescoções onde quer que estivesse. Bastava o grupo achar que o cara tinha vacilado e a porrada comia solta!
*
Pois é. Um dia, estávamos eu, Luiz, Miranildo, Vaílton e Wilsinho zanzando pelas ruas, depois do colégio. Íamos em busca de lugares para jogarmos futebol totó (ou de bonecos, ou pebolim) ou para comprar gibis e livros policiais de bolso (FBI, Brigite Montfort, K.O. Durban etc.). Num certo momento, o Vaílton falou alguma coisa que me fez gritar: “vacilou! Jaú!” e mandei-lhe um tapão no meio das costas, achando que os demais me acompanhariam. Só que o que ele falou não era nada digno de um “jaú”. Logo, quem tinha vacilado era eu. Vaílton queria sangue. O meu sangue. Eu saí correndo, com o cara me perseguindo para descontar a porrada que eu lhe dera. Acontece que eu estava calçando um Vulcabrás meio largo. No que eu corri, um sapato saiu voando do meu pé, passou por cima de um muro alto, caindo exatamente ao lado de um cão pitbull psicopata assassino.
*
Gente, a cena era digna de um filme do Mr. Bean. Mas imagino que para filmar algo assim seria necessário fazer umas 15 tomadas para chegar perto da precisão, do time daquela cena real. E duvido que realmente alguém conseguisse reproduzir aquilo.
Fui até o portão daquela casa. Não tinha campainha. Olha eu sem um pé de sapato, batendo palmas e gritando: “moça!” Eis que depois de eu gritar muito, aparece uma freira. Sim, ali era um colégio de freiras. Por mais que eu tentasse explicar àquela senhora como o meu sapato foi parar dentro do pátio do colégio dela, ao lado daquela fera que estava pronta para trucidar um invasor, mais ela ficava sem entender. E quanto mais eu me esforçava, mais os meus amigos se mijavam de rir. O que só piorava a minha situação diante da freira.
*
Finalmente, ela desistiu de tentar entender, foi lá- pegou meu sapato e o devolveu. Agradeci o melhor que pude. E saí rápido dali. Ah, sim. Depois de tudo eu ainda levei “jaú” daqueles sádicos.
*

A outra história se passou em uma aula de educação física no nosso colégio. O professor dividiu a turma em três times de handebol. Decidido qual time ficaria de fora, esperando a vez (o que eu estava), começou o jogo. No gol de um dos times, estava o Gordo (o nome era Jorge Luís, mas era chamado de Gordo por razões óbvias). No ataque do outro time estava o Portuga (ele era português, mesmo!), que tinha uma certa bronca do Gordo. A partida estava disputada. Eis que o Portuga recebe a bola e sai passando por todo mundo até ficar cara a cara com o goleiro, no caso, o Gordo, e ele diante do desafeto, trincou os dentes, fez cara de mau e preparou o arremesso. O Gordo se amedrontou com a cara que ele fez, largou o gol e saiu correndo. Era só o Portuga dar um peteleco que a bola entraria na meta desguarnecida. Mas eis que o maluco saiu correndo atrás do Gordo, com a bola na mão, com a visível intenção de acertá-lo com um tirambaço. O Gordo saiu da quadra, subiu pelas arquibancadas com o portuga no seu encalço. Quando o rotundo goleiro chegou no último lance da arquibancada, sem ter para onde correr, se encolheu todo, esperando a bolada e o portuga não se fez de rogado: desceu o braço, mandando a bola nos cornos do Gordo. Em seguida, a lusa criatura saiu comemorando como se tivesse feito um gol.
*
Mas a história não acaba aí. Fim da aula, nos dirigíamos para o vestiário, onde tomaríamos banho e trocaríamos a roupa de ginástica pelo uniforme. Quando o Gordo chegou no vestiário, fez o que sempre fazia: botou o uniforme por cima da camiseta e short suados e já ia saindo. O Portuga foi o último a entrar no vestiário. Entrou, fechou a porta por trás dele, passou a chave e gritou: “ninguém sai daqui sem tomar banho!”
*

O Gordo empalideceu. Ele nunca tomava banho com a gente. O pessoal desconfiava que ele tivesse o pinto pequeno e, por isso, teria vergonha de ficar nu na frente da gente. Uma hipótese que talvez explicasse a admiração que o Gordo tinha pelo Luiz. Esse, quando ia para o chuveiro, nos humilhava com a sua colossal jeba. Era praticamente um taco de baseball (estão vendo, meninas? “Inveja do pênis” é isso!)
Mas a rotunda criatura tentava argumentar com o Portuga, que por sua vez estava inflexível: “Vai tomar banho, seu porco!”
O Gordo choramingava, ameaçava fazer queixa na coordenação. Aquela altura a turma toda já estava aos berros, gritando “tira a roupa! tira a roupa!”. Ele se recusava. A rapaziada não teve dúvida: levantaram o Gordo e o conduziram para os chuveiros. Isso no maior escarcéu, é claro. Tinha gente rolando de rir naquele vestiário.
Jogaram o Gordo debaixo de um chuveiro. Ou ele ficava nu ou abririam a torneira sobre ele, com roupa e tudo. “Vai ter que mostrar o pinto!”, gritavam, ensandecidos.
*
Inteiramente vencido, o Gordo foi tirando penosamente peça por peça, até ficar pelado. A galera urrava de prazer. Todo mundo acompanhando o banho do Gordo e ainda mandando ele ensaboar uma ou outra parte de sua anatomia que ele porventura tivesse esquecido.
E não é que a turma tinha razão? O pinto do Gordo era minúsculo. Praticamente uma verruga.
M.S.
*****************************************************
Não sei se vocês vêem graça nessas histórias (todas verídicas!). Talvez eu esteja “alugando” vocês com “causos” que só tem valor para quem os viveu. Tenho zilhões de histórias como essas. Quis pelo menos ver como algumas delas ficavam escritas. Uma boa Páscoa para todos.

quarta-feira, abril 12, 2006

V de Veemente


Em agosto do ano passado eu tinha postado o texto que está abaixo, na expectativa do filme "V de Vingança". Era para ele ter estreado em novembro de 2005, mas com os atentados terroristas no metrô de Londres, a produção resolveu adiar para não ter problemas.
Enfim, o filme estreou e chegou ao Brasil. Não imagino que tenha feito sucesso estrondoso. Independente disso, é um filme admirável. Com uma bela reflexão por trás: o terrorismo pode ser justificado? E como contra-golpe a um terrorismo de Estado? Somos responsáveis pelos governos que elegemos para nos representar?
**********************************************
Em 2 de agosto de 2005, às 18h 22min.

1. Alô, alô moçada gibizeira! Alvíssaras! Descobri o site do filme "V de Vingança"("V for Vendetta"), baseado na célebre e maravilhosa graphic novel de Alan Moore (esse é o cara!) e David Lloyd. Segundo a página, o filme estréia em novembro deste ano, com produção de Joel Silver, direção de James McTeigue, roteiro dos irmãos Wachowski (os mesmo de "Matrix") e, no elenco, Natalie Portman (a princesa e senadora Amidala da recente trilogia Star Wars), como "Evey", e Hugo Weaver (o Agente Smith, vilão da trilogia Matrix), como "V".
*
2. Para quem não leu o gibi, deixa eu dar uma resumida na história, a partir da minha memória, uma vez que li a graphic há muito tempo, e ela não está aqui comigo – tenho dois exemplares, mas ambos estão no meu antigo apartamento, que virou depósito da minha biblioteca.

Em um futuro não muito distante, um regime totalitário assume o poder na Inglaterra, mantendo o povo debaixo de um terror fascista. É quando surge um vigilante mascarado e anarquista ("V") que utiliza práticas terroristas para subverter aquela ordem ditatorial. Ele salva uma jovem da polícia ("Evey"), escondendo-a em sua base de operações. A partir dali, ele trava com ela uma relação estranha, ora como protetor, ora como doutrinador, enquanto leva os agentes do sistema à loucura.
O visual é um certo futurismo retrô que eu acho muito interessante. Aliás, sempre que eu vejo um Citroën C3 preto lembro da revista. O tom filosófico dos diálogos pode desagradar a alguns, mas eu acho bem instigante. Aliás, esse tipo de diálogo é uma das especialidades do mestre Alan Moore.
Para quem quiser dar uma olhada no trailer e ver as informações do site, entre em http://vforvendetta.warnerbros.com
O slogan do filme é uma porrada: "O povo não deveria ter medo dos seus governantes. Os governos deveriam ter medo do seu povo". Será que valeria para um certo país do Atlântico Sul?
*
3. Os que ficarem curiosos em conhecer a graphic novel, é só visitar alguma gibiteria ou mesmo algumas livrarias especializadas. Estive neste final de semana no Unibanco Arteplex e lá tem. Vamos aguardar novembro ansiosamente. O filme promete. Pelo menos a história é cinco estrelas.
*****************************************

Depois de X-Men, Batman Begins e Sin City, parece que Hollywood finalmente aprendeu a filmar história em quadrinhos (eu não gosto de nenhum dos outros filmes feitos sobre heróis de gibi). O roteiro deste segue mais ou menos fielmente a história. O personagem "V" (Hugo Weaver) fica mascarado o tempo todo, o que me surpreende muito favoravelmente. Em cinema é preciso do olho do ator e personagens mascarados costumam dar problema quanto a isso. Aí os diretores e roteiristas costumam fazê-los tirar a máscara nas cenas de tensão. O que, na maior parte das vezes, destroça com o conceito do personagem (vide Homem-Aranha 2, por exemplo). Weaver compôs um "V" um tanto bonachão, diferente do original do gibi que é mais amargo.
Os irmãos Wachowski desenvolveram o filme na mesma atmosfera noir do gibi (estranhei quando li uma entrevista do Alan Moore, dizendo ter detestado o roteiro). É maravilhoso ver o protagonista ouvir veementemente músicas como "Cry me a river", "Garota de Ipanema" e "Corcovado (Wave)" numa velha vitrola Wurlitzer, aquelas de botequim que a gente botava ficha e escolhia a canção apertando um botão.
E a gente ouve uma voz rouca feminina (seria Julie London?) cantando:
"Now you say you're lonely
You cried the long night through
Well, you can cry me a river
Cry me a river
I cried a river over you"…

Quer melhor do que isso?
M.S.

segunda-feira, abril 10, 2006

E se...


E se à meia-noite o sol raiar
E se o meu país for um jardim
E se eu convidá-la para dançar
E se ela ficar assim, assim
E se eu lhe entregar meu coração
E meu coração for um quindim
E se o meu amor gostar então
De mim
(E Se – Francis Hime e Chico Buarque)
Estava fazendo a minha ronda habitual pelos blogs amigos, quando chego à página da querida Claudinha (link aí ao lado) e encontro um maravilhoso texto sobre o "Se". Nele, a fantástica mineirinha descreve o que poderia ter acontecido se ela e o seu marido tivessem nascido uns dez, quinze anos antes. Talvez ambos integrassem a famosa geração "Flower Power", e se encontrassem num Woodstock da vida.
Acontece que o "Se" é uma de minhas antigas ternuras. Ele sempre foi, para mim, algo de muito instigante. Tenho inclusive armazenado em meu "disco rígido" mental a idéia de escrever uma peça baseada exatamente no "Se".
*
Sei que para muita gente discutir sobre o "Se" é ocioso, porque ele é uma abstração, porque ele não existe... Bem, peço licença para discordar. O "Se" existe. Ele está presente em cada momento da vida em que temos diante de nós uma opção. No instante em que optamos por sair de casa para trabalhar, escolhemos pegar aquele certo ônibus, ou se for de carro, decidimos ir por aquele determinado caminho; nos muitos sapos que às vezes temos que engolir durante o dia, na hora e na forma de voltar para casa, e que tudo poderia ser completamente diferente se escolhêssemos outras opções.
Na semana passada, houve um tiroteio aqui no Rio, em Copacabana. Um rapaz estava sentado num restaurante, placidamente almoçando, quando foi alvejado por uma bala perdida na cabeça e morreu. Se ele tivesse escolhido outro restaurante, outra mesa, outro lugar naquela mesa estaria vivo. Podem estar certos que alguém optou por não ir naquele restaurante, por não sentar àquela mesa. Esta pessoa fez uma opção decisiva.
*
O "Se" é uma escolha que se faz no presente e que pode afetar o futuro. Acredito que o oposto do "Se" seja o "É" (ou "São"). O "Se" é fluido, maleável, multifacetado. O "É" é rígido, determinante, implacável. Temos o costume de dizer, diante do que não pode ser mudado: "As coisas são assim mesmo". E ponto final. Que opção existe para ser discutida diante de um axioma como esse? O "Se" é socrático; o "É", aristotélico. O segundo estabiliza, o primeiro desestabiliza por inserir a dúvida até sobre o que se sabe. As coisas "são" ordeiramente; "se" há outra hipótese, as verdades passam a ser relativas. Por exemplo: o cristianismo é baseado nos relatos dos quatro evangelistas. E se o evangelho de Judas, recentemente descoberto for verdade?
*
Pode existir um componente surreal no "Se", uma hipótese que quando levantada provoca até indignações pelo tanto de absurdo que ela aparentemente contém. Num segundo momento, quando o tempo, "o senhor de todas as coisas", age inexoravelmente, o que parecia loucura alcança a concretude do "É". Não raro, nessas ocasiões as conseqüências traumáticas e deixam um travo amargo na boca.
Você, caro leitor, está achando tudo isso muito vago? Se não, vejamos. E se alguém ousasse, num momento 1, fazer perguntas como: "E se esse rapaz tão gentil, tão atencioso, que está cortejando aquela moça se revelar um canalha?"; "E se aquele velhinho tão bonachão, tão fofinho, que parece avôzinho de história infantil for secretamente um pedófilo?"; "E se o governo Lula desembocar num mar de lama?"; "E se o ministro Palocci, tão respeitável, tão confiável, estiver mentindo?"
*
Na peça que pretendo escrever, imagino uma pessoa diante de um determinado momento em que haja duas opções. A partir daí, eu apresentaria como seria a vida dela se tivesse escolhido um delas; em paralelo mostraria o que sucederia se optasse pela outra. Quero desenvolver isso.
*
O problema do "Se" é que uma vez feita a escolha, quase nunca dá para voltar atrás. E mesmo quando se volta não seria a mesma coisa que aconteceria se a pessoa tivesse optado por ela da primeira vez. Veja bem: estas reflexões não são rígidas, dogmáticas. Estou só livre-pensando. Mas vou dar um exemplo: Um homem encontra uma mulher, ambos se apaixonam, mas por interferência da família ou de um outro agente externo, eles se separam e cada um se casa com outro parceiro. Passam os anos, vamos supor que ambos fiquem viúvos e voltem a se encontrar. E resolvam se casar. E que até sejam felizes para sempre. Pergunto: se eles se unissem da outra vez, enquanto eram jovens, o mesmo amor duraria? Talvez sim, talvez não. O fato de terem amadurecido longe um do outro pôs a prova o seu amor, diferenciando-o de uma mera paixão? Isto foi determinante para o atual "felizes para sempre"?
*
Imagino que essa conversa seja absurda para os mais pragmáticos. Aqueles que garantem que a vida é como é. Tudo bem. Eles optaram por ser, agir e pensar dessa forma. Mas, e se, por um instante que fosse, pensassem de forma diferente?
M.S.

sexta-feira, abril 07, 2006

TV Tupi


Vou falar do tempo da TV a lenha. Quem tem menos de 40 anos fará: "oooohhhh!!!" e quem tem mais dirá: "aaaahhhh!!!".
Houve um tempo em que os aparelhos de televisão tinham válvulas que precisavam esquentar. A gente ligava e esperava um tempinho para a imagem aparecer aos poucos. E em preto e branco.
Existiu uma época em que a gente, para mudar de canal, tinha que girar o seletor de canais, que fazia "trec, trec, trec", quando passava pelos canais (de 2 a 13).
Naquele tempo, era comum a televisão ter problema no controle vertical e ficava baixando umas faixas de cima para baixo e nós tínhamos que controlar num botãozinho que havia embaixo do painel.
Neste passado remotíssimo, depois de uma ventania, a antena (em duas seções, que eram danadas para fazerem as linhas de nossas pipas engancharem) costumava perder a posição de sintonia. Aí o pai da gente subia no telhado e ficava mexendo nela pra lá e pra cá, e nós, da janela, informando: "Mexe mais! Tá com chuvisco! Tá quase bom! AÍ! AÍ! NÃO MEXE! NÃO MEXE!"
Pois é.
*
Neste tempo existia a famosa TV Tupi, uma emissora dos Diários Associados. No Rio, era Canal 6. Em São Paulo, Canal 4. Em Recife, Canal 6 (viu, Paulinho Patriota?).
A sede carioca ficava no bairro da Urca, no prédio onde ficava o famoso Cassino em que Carmen Miranda se apresentava. No meu tempo de moleque, lá era uma espécie de Hollywood. Todo mundo queria ir até lá, participar de algum dos programas de auditório (eu era doido para participar do "Circo do Carequinha", mas minha mãe trabalhava e não podia me levar).
*
O lado televisivo de minha infância/adolescente passa necessariamente pela Tupi. Não que eu, meus irmãos e meus amigos passássemos muito tempo diante da TV. Naquele tempo preferíamos brincar, correr, soltar pipa, rodar pião, jogar bola de gude. Tanto que não existia naquele tempo criança com problema de colesterol – e olha que comíamos doces em quantidades industriais, fora a comida gordurenta da cantina do colégio. Meninos gordos eram raros e os que existiam era por conta de herança genética. Mas eles corriam, brincavam tanto quanto a gente.
E a televisão era nossa distração, mas principalmente era nossa fonte de idéias para brincadeiras.
*

Foi na TV Tupi que eu assistia a (para mais informações ou ver imagens, clique no nome dos programas) Bonanza, Bat Masterson, James West, O Homem de Virgínia, Daniel Boone, Zorro (o Lone Ranger, aquele do "aiô Silver!") e depois chamava os meus amigos para brincar de faroeste. É curioso lembrar que uma TV que tinha um índio como símbolo, passava tantos filmes em que os peles-vermelhas "levavam ferro" a três por dois.
*

Foi no velho Canal 6 que eu via National Kid, e depois amarrava uma toalha nas costas e saía correndo pela casa, cantando aquela famosa musiquinha: "taaaaaannnnn...Tan-tan-tan-taaaaannnn..."
Também na Tupi eu assistia a "A Estrela é o Limite", com J. Silvestre e a deliciosa Neide Aparecida (fase em que começaram a aparecer espinhas na minha cara e cabelo na mão), imaginando sobre o que eu poderia responder para ir lá no programa e ganhar aquele monte de brinquedos.
*
Durante um tempo, eu morei com a minha tia, que era muito rígida com horários para "criança dormir". Eu queria assistir a "Clube dos Morcegos" (minha grande amiga Suely Franco atuava neste programa. Quem diria que futuramente trabalharíamos juntos em Teatro?), que passava muito tarde. Era uma briga danada! Quando eu conseguia convencê-la a me deixar assistir, acabava dormindo no meio do programa. Ela me acordava e me mandava para a cama, com uma bronca carinhosa (ô, saudades de minha tia!).

Mas a minha grande lembrança da TV Tupi é o programa do Capitão Aza! Ele começava falando assim: "Alô, alô Sumaré! Alô, alô Embratel! Alô,alô Intelsat 4! Alô, alô criançada do meu Brasil! Aqui fala o Capitão Aza, comandante-em-chefe das forças armadas infantis desse Brasil!". E então cantava uma musiquinha assim: "comandando uma astronave, rasgando o céu, vou pisando em estrelas, constelações..." Ah, grande Wilson Viana! Estive com ele alguns anos antes dele falecer e conversei com o meu velho herói, olhando para ele com os mesmo olhos de menino que viajava e pisava nas estrelas junto com o Capitão Aza...
*
Na Tupi eu assistia ao Repórter Esso, com Gontijo Theodoro. Outro que, mais tarde, eu conheci pessoalmente e tive a chance de falar para ele que a sua figura fazia parte de minha infância, assim como o comercial das "Gotinhas Esso" e aquele indefectível prefixo tocado por pistons (ou seriam cornetas?).

Na minha velha TV Tupi eu assistia ao Vigilante Rodoviário (já em reprise), cantando com alegria a música-tema: "De noite ou de dia/Sempre no volante/Vai pela rodovia/Bravo Vigilante"... Lembro de ter pedido a minha mãe um cachorro policial igual ao Lobo. Claro que eu não ganhei...
*
Mas eu não via só filmes de heróis. Tinha os desenhos também. Speed Racer, Cavaleiros da Arábia, Os Herculóides, Popeye, Turma do Pica-Pau, Space Ghost, Jonny Quest, Jambo e Ruivão, Zé Colméia, Dom Pixote, Super Mouse, Plic, Ploc e Chuvisco, Pepe Legal e Babalu, Corrida Maluca, Brasinhas do Espaço...

*
A minha lembrança das tardes de domingo na casa da minha tia era lanchar às 17 horas, assistindo a Disneylândia e depois emendar com Os Flintstones. Tudo isso na Tupi.
Sem contar os seriados que são minhas caríssimas antigas ternuras: Os Monstros, Besouro Verde, A Feiticeira, Jeannie é um Gênio, Viagem ao Fundo do Mar, Túnel do Tempo, Terra de Gigantes, Thunderbirds, Stingray, Jornada nas Estrelas, o meu querido Batman!
*

Se tinha novelas na Tupi? Claro que tinha! Vi Antônio Maria, com Sergio Cardoso; Nino, o italianinho, com Aracy Balabanian e Juca de Oliveira. E ainda tinha o Grande Teatro Tupi (foto, à esquerda), com Sergio Britto e Fernanda Montenegro (quem diria que um dia eu iria trabalhar com o Sergio?)

e o Teatrinho Trol (foto à direita), que, não tenho dúvidas, me ajudaram na minha formação de ator, mesmo inconscientemente.
Foram inúmeros os programas que assisti na Tupi. Flavio Cavalcanti, Clube do Guri, Abertura (com Glauber Rocha enlouquecido fazendo um programa ultra-dinâmico), Almoço com as Estrelas, do Aérton Perlingeiro.
*
Com a decadência dos Diários Associados, o império de Assis Chateaubriand ruiu como um castelo de cartas. Em 1980, a Tupi saiu do ar definitivamente. Acho que até hoje tem ex-funcionário querendo receber o que ela não pagou.
*

Em 1996, eu fiz um curso de dublagem no prédio da Tupi. Depois de tantos anos, eu conseguia entrar lá. Dava pena ver o abandono, restos de cenário por toda parte, retalhos de sonhos de tanta gente, inclusive dos meus próprios sonhos. Lembro que eu andava por lá e às vezes fechava os olhos, me encostava em uma daquelas paredes e tentava captar as vibrações de outrora. Mentalmente pedindo a H.G. Wells que me transportasse no tempo até aqueles dias gloriosos. Talvez, quem sabe, o Capitão Aza me levasse na sua nave, rumo as estrelas. As estrelas da TV Tupi...
(A minha infância pode estar desaparecendo, como a Tupi, ou morrendo, como no caso do Carequinha. Mas os momentos vividos, ah, esses vou levar comigo para sempre, até o dia em que eu for para aquela repartição pública do filme "Depois da Morte". Aí a complicação será escolher UM só momento...)
M.S.
*************************************
Este post é dedicado ao meu Quarteto Fantástico: Claudia, Claudinha, Dira e Paulinho Patriota. Sempre fantasio que, em algum lugar no passado, nós assistíamos televisão juntos e eu sempre me levantava e perguntava para eles: "Vamos brincar de quê?"
Somos cada um de um estado, mas tenho a impressão de que todo final de semana nos reunimos em um barzinho para bater papo.
M.S.

quarta-feira, abril 05, 2006

Carequinha (1915-2006)


No final dos anos 80 eu trabalhava na assessoria de imprensa, fazendo o jornal interno. Me deram uma pauta sobre criança e eu perguntei se poderia entrevistar o palhaço Carequinha. Disseram que podia e eu fui até a sua casa.
Eu estava lá, diante de meu ídolo de infância, tendo que ter atitude profissional. Respirei fundo e comecei a entrevista (tenho a fita até hoje em algum lugar lá de casa) como um jornalista sério. No meio do nosso papo, o fã baixou em mim como se eu fosse um pai de santo! Não era mais o jornalista Marco Santos que perguntava. Era o menino Marco, o Marquinho, filho do seu Ferreira, que vivia dando cambalhota no tapete da sala, igual ele via o Carequinha fazer na TV.
Terminei a entrevista, dizendo: "E você, Carequinha, é e vai ser sempre o ídolo de todo mundo que é um bom menino. Tá certo ou não tá?" Ele riu (Meu Deus! Eu fiz o meu ídolo rir!). E ainda ganhei um cartão dele com autógrafo e dedicatória: "Ao Marco, que é amigo do Carequinha". Acho que vou emoldurar esse cartão...
Descanse em paz, querido palhaço! Nós, os bons meninos, não faremos mais pipi na cama, respeitaremos os mais velhos, exatamente como você nos ensinou. Agora vá, e ensine aos anjinhos como dar aquela cambalhota sem deixar cair o chapéu. "Tá certo ou não tá?"
M.S.