quarta-feira, fevereiro 25, 2009

Toque de gênio


Eu estava andando pela praia, quando uma garrafa bem antiga semi-enterrada na areia me chamou a atenção. Eu a desenterrei e puxei a rolha! Caraco! Ainda bem que eu estava sozinho! De dentro da garrafa surgiu uma fumaça branca e desta saiu um homem vestido com uma espécie de túnica em azul e prata.
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Não tive como não me lembrar de “Jeannie é um gênio” e dos livros de contos de Scherazade que li quando garoto. Mas... what a hell...?... Com mil tubarões, o que era aquilo? Eu sou abstêmio e nunca usei drogas na vida. Será que o sol tinha cozinhado meus Tico e Teco?
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O negócio ficou mais engraçado ainda quando o homem de túnica me falou: “Livre afinal! Eu te sou muito agradecido. Peça algo e satisfarei o teu pedido.”
Bem... Eu definitivamente preferia que a Jeannie saísse daquela garrafa. O Major Nelson demorou a levar aquele monumento para brincar de casinha. Eu seria, digamos, mais objetivo.
Tentei argumentar: “Eu posso pedir qualquer coisa? Mas é só um pedido? No livro dizia que eram três e no seriado de TV o céu era o limite!”
O “gênio” me olhou com uma expressão semelhante a da Luciana Gimenez quando um cientista tentou lhe explicar o que são partículas Mésons Pi.
Aí eu falei: “OK, tá certo. Vou fazer o pedido. Hummmm... Deixe-me ver...”
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Naquele momento, sabe-se lá o porquê, baixou em mim um caboclo socialista que nem eu era nos tempos de faculdade, ou seja, quando Frei Caneca ainda era chamado de Padre Cuia.

“O meu pedido é o seguinte: quero que todo dinheiro do mundo seja reunido e distribuído em partes iguais entre todas as pessoas do planeta”. (“Pelas barbas do Che Guevara! Mandei bem”, pensei eu naquele momento)
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O homem de túnica me olhou longamente, desta vez com a expressão igual a do secretário do papa Bento 16 quando este anunciou que ia retirar a excomunhão daquele bispo que nega o Holocausto. Parecia que tinha um “isso vai dar merda!” tatuado em neon na testa dele. Mas eu mantive o pedido. Achava que se não houvesse diferenças sociais, se todo mundo tivesse a mesma quantia em dinheiro, não haveria guerra, nem injustiça, nem violência, nem perseguições, muito menos a exploração do Homem pelo Homem.
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“Que assim seja!”, disse o cara de túnica azulada. E no mesmo momento me entregou uma valise. Dentro tinha uma fortuna em notas de 1000 dólares, arrumadas em maços atados por uma cinta.
“O que é isso?”, perguntei, sem entender nada. “É a sua parte da divisão – ele respondeu - Neste momento, cada pessoa viva no planeta está recebendo uma mala igual a essa”. “Ah, tu tá de sacanagem!?!?!”, duvidei. E ele me garantiu que era verdade. A partir daquele momento, não existiam mais pobres, só ricos.
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“Minha Nossa Senhora do Bombril! Eu acabei com a injustiça no mundo! Quantos tentaram e só eu, um zé mané, consegui!”, exultei de felicidade. Agradeci muito ao homem de túnica pelo bem que ele acabara de fazer à Humanidade. Ele sorriu de um jeito muito esquisito e virou fumaça novamente, desaparecendo diante de mim.
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Fiquei pensando: “será que eu revelo para o mundo que quem acabou com a pobreza fui eu ou fico na minha?”. Como sou um cara modesto e simples, apesar de minha antiga analista discordar veementemente, resolvi que não falaria nada a ninguém. Deixaria as populações do planeta acreditando que o autor do milagre foi Deus ou qualquer uma de Suas manifestações. Fui para casa feliz da vida.
Liguei a TV a cabo para saber como os povos deviam estar agradecidos por não haver mais exploração, nem roubo, nem violência... Foi quando vi que a merda estava no ventilador. E era daqueles ventiladores industriais!
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De cara ninguém queria trabalhar, nem médico, nem advogado, nem professor, nem engenheiro, nem lixeiro... O jornalista que leu as notícias disse que nem precisava estar ali, mas fora à emissora só para dizer no microfone, para todo o país, que o chefe dele era um babaca e que estava comendo a mulher do cara. Ah, sim. E que ele se demitia para ir gozar a vida nas Bahamas.
Acho que ele não percebeu que não teria piloto de avião para levá-lo às Bahamas... Pelo menos não inicialmente...
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O que veio em seguida foi de estarrecer. Pessoas cobravam uma fortuna para fazer qualquer coisa e tinha quem pagasse. Gente que antes era muito pobre, mas trabalhava duro, resolvera não fazer nada, só torrar a sua parte. Por incrível que pareça, tinha gente com um brilho estranho nos olhos que topava fazer uma limonada gelada, pegar uma cerveja no refrigerador, abanar alguém, isso tudo por um preço exorbitante. Em 24 horas, milhares, talvez milhões de pessoas já tinham entregue sua parte do dinheiro a outros, que agora possuíam bem mais que antes de eu ter feito aquela burrada. Em pouco tempo, quem era rico e tinha perdido quase toda a fortuna quando resolvi partilhar, voltara a ter muito mais que outros, só por saber como ganhar o dinheiro dos mais otários. Claramente se via a humanidade voltar a mesma situação de antes, quando alguns detinham mais riquezas que os demais. E ainda: o mundo agora estava uma zona, uma bagunça muito pior do que antes. A violência fora multiplicada, as brigas, discussões, confusões, aconteciam por qualquer motivo.
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“Ainda bem que eu não revelei ao mundo quem tinha feito aquela zorra...”, pensei eu, querendo cortar os pulsos com barbeador elétrico cego, de tanto arrependimento.
Foi quando o homem de túnica azul e branca apareceu assim, do nada, e ficou me olhando com a expressão semelhante a do Barack Obama quando foi falar com a Hillary Clinton que talvez tivesse um emprego para ela.
“Pôxa, rapaz... Se arrependimento matasse, eu já estaria seco e cremado com as cinzas espalhadas ao vento...”, disse eu com a cabeça baixa. E ele me falou algo que deu um nó na minha cabeça: “Depois que eu te deixei naquela praia, resolvi andar por aí. Foi quando vi, num folheto jogado na rua, a seguinte frase, dita por um tal de Jim Rohn: ‘É preciso fazer as coisas certas e não certas coisas’”.
Eu não consegui responder nada. Ele prosseguiu. “Fique tranquilo. Feche os olhos. Quando você abri-los novamente, tudo estará resolvido”. Pois é. Fechei. Foi quando o rádio-relógio digital começou a tocar na cabeceira da cama. Já eram seis horas da manhã.
M.S.
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Eu gostaria de agradecer muitíssimo aos amigos que me leem e que entraram na discussão que propus no post anterior. Como disse uma das amigas blogueiras que comentaram, ficou parecendo um fórum. E a intenção era essa mesmo! Eu agradeço e me orgulho muito de cada prêmio e selinho que me deram (estão aí ao lado) ao longo da existência deste despretensioso blog, mas nada me alegra mais o coração que ver pessoas inteligentes discutirem os assuntos que proponho aqui. Como o Mastercard, isso não tem preço. Valeu, moçada!
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Na Rádio Antigas Ternuras, você ouve o eterno Louis Armstrong e a sempre maravilhosa “What a wonderful world”.

terça-feira, fevereiro 17, 2009

Quando tudo é nada


Dia desses, estou indo para casa quando paro o carro num sinal e vejo um prédio todo pichado. Ao lado de um dos garranchos, estava escrito: “Quando tudo se resume a isso...”
Ora, ora... Temos um pichador filósofo aqui... Seu “pensamento” não deixa de ser uma variação do niilismo (Doutrina segundo a qual nada existe absolutamente). Depois de seis mil anos de civilização, segundo o Aristóteles do spray, o sentido da vida seria melecar prédios, paredes, monumentos... Pois é. Por que ninguém pensou nisso antes?
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Sei perfeitamente que não há criatura sobre a face da terra que vá convencer a um pichador que sair pela madrugada vandalizando coisas públicas ou privadas é uma imbecilidade. Eles veem sentido nisso. Eu confesso não ter nenhuma competência para entender o que vai pela cabeça desses moços.
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Noutro dia, leio em O Globo uma matéria em que pais admitem que não tem controle sobre os filhos. Primeiro procuraram as escolas, depois os psicólogos e agora já estão na Justiça perguntando: “Seu juiz, o que faço com meu filho?”
A reportagem conta que numa audiência para decidir a guarda de uma criança de dez anos, nenhum dos pais queria ficar com o moleque por não conseguirem contê-lo. Pressionado, o pai topou ficar com ele, mas estabeleceu uma condição para a juíza: “Eu aceito ficar com a guarda, desde que a senhora diga a ele o que ele pode e o que não pode fazer”.
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O pais criam seus filhos sem estabelecer limites e depois não sabem o que fazer com o “monstro” que criaram. Ou até tentam justificar a excessiva permissividade e demonstram o seu total despreparo. Como no caso do pai do rapaz que foi preso por traficar drogas e armas de dentro da própria casa, aqui no Rio de Janeiro. O genitor apareceu nos jornais, com a cara mais tranquila, dizendo que permitia que o filho cultivasse e fumasse maconha dentro de casa: “Eu não discrimino ninguém. Prefiro que ele fume maconha dentro da minha casa. Acho que a Polícia Federal está fazendo um circo por causa disso.”
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O pior é que este “fenômeno” não está limitado ao Brasil. Recebi um e-Mail que trazia a mensagem de uma secretária eletrônica de uma escola da Califórnia. Mas que podia e pode perfeitamente se aplicar às escolas brasileiras. Vejam se não:
"Olá! Para podermos ajudá-lo, por favor, ouça todas as opções:
- Para mentir sobre o motivo das faltas do seu filho - *tecle 1*
- Para dar uma desculpa por seu filho não ter feito o trabalho de casa - *tecle 2*
- Para se queixar sobre o que nós fazemos - *tecle 3*
- Para insultar os professores - *tecle 4*
- Para saber por que não foi informado sobre o que consta no boletim do seu filho ou em diversos documentos que lhe enviamos - *tecle 5*
- Se quiser que criemos o seu filho - *tecle 6*
- Se quiser agarrar, esbofetear ou agredir alguém - *tecle 7*
- Para pedir um professor novo pela terceira vez este ano - *tecle 8*
- Para se queixar do transporte escolar - *tecle 9*
- Para se queixar da alimentação fornecida pela escola *tecle 0*
Mas se você já compreendeu que este é um mundo real e que seu filho deve ser responsabilizado pelo próprio comportamento, pelo seu trabalho na aula, pelas tarefas de casa, e que a culpa da falta de esforço do seu filho não é culpa do professor, então desligue e tenha um bom dia!"

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Tenho uma amiga que me contou que uma vez a filha pequena estava aprontando tanto, fazendo tanta mal-criação que ela perdeu a paciência e deu uma palmada na menina. Ato contínuo, se arrependeu profundamente, pegou o telefone e ligou para o pediatra da filha, perguntando, aos prantos, se a filha não cresceria revoltada com ela por causa daquela palmada.
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Pois é. Diante de tudo isso, só posso dizer que no meu tempo, no tempo das antigas ternuras, as coisas não eram assim, não! Nossos pais não hesitavam em descer a raquete na gente se preciso fosse, crescíamos sabendo nossos limites, respeitávamos professores e até mesmo os temíamos (em que pese eu ter sido meio encapetado e ter feito pequenas diabruras no colégio como já contei aqui, nem ousava enfrentar professores). Hoje, amigos meus no magistério dizem que cansaram de ser ameaçados até mesmo de morte por alunos, garotos ainda, a quem eles chamaram a atenção. E quando eles convocam os pais, quase invariavelmente ainda são também ameaçados pelos genitores, que deveriam por os filhos na linha.
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Eu e meus irmãos tivemos uma criação rígida demais até. E nenhum de nós virou fora-da-lei, serial killer, muito pelo contrário. Desde muito pequenos, e até hoje, os três são considerados pessoas educadas, gentis, que respeitam o próximo. A imensa maioria de meus amigos de infância e adolescência são hoje pessoas de bem, chefes de família, muitos tem profissões simples, uma vez que não tiveram oportunidades de estudo como eu tive. Mas posso dizer que a minha geração, ou pelo menos as pessoas que conviveram comigo, receberam limites dos pais e da escola.
Não era difícil entender o que ia pela nossa cabeça. O nosso “tudo” se resumia em crescermos, tocarmos as nossas vidas com as famílias que constituiríamos. E os pais estavam certos de, parafraseando o apóstolo Paulo, terem combatido o bom combate, completado a carreira e encaminhado filhos para viver em sociedade.
M.S.
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Na Rádio Antigas Ternuras, você ouve Lulu cantando “To Sir with Love”, tema de “Ao mestre com carinho”.

quarta-feira, fevereiro 11, 2009

Ser ou não ser


Dia desses, a excelente blogueira Adelaide Amorim do Umbigo do Sonho me indicou para um post-corrente. Como tento fazer desta desambiciosa página um blog temático, não costumo entrar em post-correntes. Mas resistir a um pedido da Adelaide, quem há de? Além disso, considerei inteligente esta idéia, que mexe com livros, uma antiga e eterna ternura deste vosso modesto escriba.
Diz o seguinte:
1- Pegue um livro
2- Abra na página 161
3- Localize a quinta frase completa nesta página
4- Transcreva a frase para o blog
5- Indique cinco blogueiros para fazerem o post-corrente
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Eu entendi que era para eu citar o livro que estou lendo no momento: “Shakespeare: O mundo é um palco: uma biografia”, de Bill Bryson. E aqui vai a quinta frase completa da página 161:
“Na época de Shakespeare não havia Henrique VI, parte II, mas A primeira parte da contenda entre as duas famosas casas de York e Lancaster, enquanto Henrique VI, parte III era A verdadeira tragédia de Ricardo, duque de York e do bom rei Henrique VI – ‘mais interessante, mais informativo, mais grandiloquente’, nas palavras de Gary Taylor”.
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Este trecho fala de duas das peças históricas de Shakespeare, Henrique VI parte II e parte III, que tratam da vida do último rei da Casa de Lancaster, Casa esta inimiga da de York (ambas são ramos de família real inglesa).
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Pois é. Resolvi aproveitar este post-corrente para falar deste livro interessante que estou lendo atualmente. Eu comecei a lê-lo como um dos preparativos para as aulas que darei num curso profissionalizante para atores. Recentemente, o diretor da Cia. teatral onde atuo conseguiu aprovação para iniciar na Companhia um curso de formação de atores profissionais. E ele me convidou para cuidar da cadeira História do Teatro, acho que porque eu tenho um certo interesse por História e por Teatro (mesmo não sendo nem historiador, nem graduado em Artes Cênicas...).
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Entre os assuntos que pretendo abordar certamente estará o Teatro Elizabetano, em especial o de Shakespeare. Daí, comecei a ler esta biografia do bardo e estou adorando! Especialmente por descobrir muitas coisas interessantíssimas que desconhecia. E eu adoro aprender coisas novas...
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Para começar, vocês sabiam que existem pouquíssimas informações comprovadas sobre o bardo de Stratford-upon-Avon? E que há quem diga que talvez ele nunca tenha existido? Até o famoso retrato (esse aí ao lado) pelo qual todo mundo conhece o dramaturgo ocidental mais importante de todos os tempos não é comprovadamente dele. Sequer se sabe quem o pintou! E mais: talvez tenha sido pintado depois da morte do William.
Há dúvidas até quanto à grafia do seu nome. De próprio punho, o homem só deixou 14 palavras escritas, sendo em seis oportunidades o seu nome, assinado como “Willm Shaksp”, “William Shakespe”, “Wm Shakspe”, William Shakspere”, Willm Shakspere”, “William Shakspeare”. O mais engraçado é que a forma com que o conhecemos hoje (William Shakespeare) nunca foi usada por ele. É mole ou quer mais?
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Da morte do rapaz, em 1616, até os dias de hoje, centenas, quiçá milhares de pesquisadores fuçaram ou fuçam tudo o que possa se referir ao seu tempo, peneirando qualquer informação útil. E não encontraram muita coisa. Quando eu estava pesquisando sobre o Brandão Popularíssimo para o meu livro, levei cinco anos e passei os olhos em milhares de periódicos e dezenas de livros. Graças aos céus achei muita coisa. Pois um bando de gente esteve ou está na cola de Shakespeare e não consegue quase nada. Mas o pouco que levantaram é bastante curioso. Vejam se não é:
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- William Shakespeare casou-se com Anne Hathaway (evidentemente, não a atriz de Diário da Princesa, Diabo veste Prada e Agente 86...) quando tinha 18 anos e ela 26! E mais: ela estava grávida. E mais 2, a Missão: cerca de 40% das mulheres daquela época se casavam de bucho cheio. E a gente achando que a saliência passou a comer solta somente em tempos recentes...

- Das cerca de 3 mil peças encenadas em Londres, entre 1564 –ano de nascimento de WS – e 1642 – quando os teatros da cidade foram fechados – só chegaram aos nossos dias mais ou menos umas 230, incluindo as 38 de Shakespeare.
- Um tarado obsessivo sem mais o que fazer na vida contou e descobriu que toda a obra de Shakespeare tem 138.198 vírgulas, 26.794 dois-pontos, 15.785 pontos de interrogação, 884.647 palavras, sendo que ele se referiu a “amor” 2.259 vezes, a “ódio” em 183 oportunidades, usou 105 vezes a palavra “maldito” e 226 vezes o adjetivo “sangrento”.
- No catálogo da Biblioteca Britânica quando se põe “Shakespeare” aparecem 13.858 citações. No Google, aparecem 66.400.000 resultados da pesquisa (detalhe: se você escreve “Deus” no Google obtém 60.900.000 de citações).
- A época e especificamente o ano em que William nasceu foi pródiga em doenças como tuberculose, sarampo, raquitismo, escorbuto, varíola, disenteria, tifo e vários tipos de febre, sem contar o pior dos males: a peste negra (hoje chamada de peste bubônica), que dizimou a população européia. Só em Stratford, cidade natal de Shakespeare, 200 pessoas morreram disso no ano em que ele nasceu. A mortalidade infantil era pesada: de cada 100 bebês que nasciam 16 espichavam o pernil. No ano em que o bardo veio ao mundo, a proporção de bebês mortos foi de 66 em 100. A questão não era “ser ou não ser” e sim “sobreviver ou não sobreviver”. A expectativa de vida era de 35 anos em alguns distritos londrinos e 25 em outros.

- Ao tempo dele, havia leis rigorosas e ridículas aos olhos modernos. Pagava-se multa por deixar patos soltos nas vias públicas, por pegar pedra no chão da rua (“apropriação indébita de cascalho urbano”) ou por receber hóspedes sem permissão. Tinha a Lei da Touca, que obrigava todo mundo a usar esta peça de vestuário ao invés de chapéu.
- Shakespeare quando chegou a Londres deve ter se admirado da Catedral de São Paulo. Lá dentro, mesmo durante os cultos e pregações do sacerdote, carpinteiros, advogados, camelôs, anunciavam aos berros seus produtos e serviços; crianças brincavam pelos corredores, mendigos arriavam um barro ou tiravam uma água do joelho pelos cantos, pessoas levavam lenha e acendiam fogueiras para se aquecer... Enfim: uma balbúrdia que faria o mercado persa parecer o shopping Daslu!
- Um mistério: as peças de Shakespeare encenadas no seu Globe Theatre tinham enorme presença popular. Algumas sessões aconteciam ao meio dia e sempre com a platéia cheia. Como isso poderia acontecer se o populacho trabalhava no pesado de seis da manhã às seis da noite, às vezes até estendendo o expediente até as 20 horas?

- A rainha Elizabeth I e depois seu sucessor James I costumavam assistir às representações de peças de Shakespeare. Perto do fim da vida, Elizabeth vivia desleixada, com os poucos dentes que lhe sobravam totalmente escurecidos e com o espartilho desabotoado, a ponto de deixar os peitos de fora. Era vista assim no camarote real. Seu sucessor não ficava atrás. Diziam que ele adorava ver as representações teatrais manipulando o próprio pênis por cima da roupa, digamos, fazendo “bilu-bilu” na cobra. Aliás, os hábitos de higiene dos dois e da nobreza em geral eram os piores que se pode imaginar. Chamá-los de “porcos” é ofender a dignidade desses pobres animaizinhos...
- Shakespeare morreu em 1616, mas não se sabe de quê. Em sua tumba, numa igreja de Stratford-upon-Avon, tem uns versinhos bem medíocres despejando uma maldição sobre quem mexer nos seus ossos. Ele teve três filhos: Suzanna (faleceu em 1649), Hamnet (o único filho homem, morreu aos 11 anos, em 1596) e Judith (falecida em 1662).

As moças se casaram, mas só a mais nova teve filhos e uma neta, que morreu sem filhos, encerrando a descendência direta de William Shakespeare.
- A obra do bardo de Stratford só chegou aos nossos dias graças a dois de seus amigos e colegas atores, John Heminges e Henry Condell, que após a sua morte reuniram quase todas as peças dele num volume e o publicaram, em 1623, sob o título: “Comédias, dramas históricos e tragédias de Mr. William Shakespeare”. Se não fossem estes dois heróis, provavelmente toda a produção dele teria desaparecido.
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No livro há outras curiosidades sobre o grande dramaturgo. Suas peças são as mais representadas na história do Teatro universal. Nelas se pode visualizar todas as fraquezas e características humanas. A fala de Hamlet “ser ou não ser, eis a questão” é a frase teatral mais famosa do mundo, superando inclusive outra da mesma peça: “Há algo de podre no Reino da Dinamarca”. Tanto uma quanto outra podem ser largamente utilizadas no Brasil, no que se refere à nossa política. É ou não é?
(Em tempo: o post-corrente pede para eu indicar cinco outros blogueiros para também participarem. Faço as indicações, mas os indicados não tem nenhuma obrigação de dar prosseguimento ao jogo. Só se sentirem vontade, tá? Aí vão: Janaina do Alfarrábio, Dilberto, do Morcegos, Claudinha, do Transmimentos de Pensações, Rose, do Jóias de Família e Itiro do Gaijin. Fiquem à vontade, amigos!)
M.S.
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Recebi o selo “Veja Blog – Seleção dos Melhores Sites/Blogs do Brasil”, por terem selecionado este meu despretensioso blog. Não acho que o Antigas Ternuras seja tudo isso, não, mas fico feliz e orgulhoso por alguém o considerar como tal. Aliás, somos um dos blogs da semana, segundo eles. A Rosária Mendes, blogueira muito simpática, me ofereceu o selo “Olha que blog maneiro” o que muito me honra e a quem agradeço de coração. Ambos já estão na Galeria de Prêmios do Antigas Ternuras.
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Na Rádio Antigas Ternuras, você ouve Johnny Mathis e o Tema de Romeu e Julieta (A Time for Us).

terça-feira, fevereiro 03, 2009

Good Times


Quem me lê há mais tempo, sabe que eu sou nacionalista, sem ser xenófobo, que gosto de valorizar nossas coisas, nossa cultura. Embora eu saiba me expressar e compreenda razoavelmente o inglês e o espanhol, não faço disso profissão de fé, nem me deslumbro com a cultura anglo-saxã. Muito pelo contrário. Culturalmente falando, os EUA não dão nem para a saída com a gente. Nossa cultura é muitíssimo mais rica que a deles, ganhamos de goleada.

Entretanto, eu lamento e muito que brasileiros prefiram o inglês ao português, que certas palavras de nossa língua estejam desaparecendo, sendo trocadas por correspondentes na língua de Shakespeare, Walt Disney e dos profissionais de marketing que escolhem nomes de edificio aqui no Rio. Um exemplo? As palavras “infantil” e “juvenil” em breve serão consideradas como termos do português arcaico. Hoje em dia, tudo o que se refere a crianças é “kids” e o que envolve jovens é “teen”. Quando criança, eu tomava “Melhoral Infantil” (nem sei se existe isso hoje em dia). Se fosse atualmente seria “Melhoral Kids”. Não sei vocês, mas eu prefiro do jeito que era.
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Hoje eu valorizo nossa cultura, nossa música. Mas admito que no meu tempo de mocinho, no tempo das antigas ternuras, eu não era assim. Quase não ouvia MPB! Só queria saber de ouvir Beatles, Stevie Wonder, Marvin Gaye, Dionne Warwick, Diana Ross, Carpenters, Jackson 5, Paul Simon, James Taylor, Carole King, Carly Simon, Isaac Heyes, Elton John...
No meu radinho e no meu gravador cassete, praticamente eu só tocava música americana ou inglesa. Tudo bem, fazia uma exceção para a Elizeth Cardoso, a Elis Regina, um Chico Buarque, um Caetano... Mas eram exatamente isso: exceções. Eu, babacamente, só queria saber de músicas cantadas em inglês.
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Pelo menos não era o único. A minha geração inteira só ouvia MPA ou MPI (Música Popular Americana ou Inglesa). Naquela época, cantor brasileiro que se lançava tinha que inventar um nome em inglês se quisesse fazer sucesso. Nas rádios, tocavam músicas de Mark Davis (ou melhor, Fábio Júnior, esse aí da foto ao lado), Christie Burg (que fez mais sucesso como Jessé, seu verdadeiro nome), Chrystian (esse mesmo cujo nome verdadeiro é José Pereira da Silva e que hoje canta música sertanojo em dupla com Ralf),
Light reflections
Morris Albert (Maurício Alberto, aquele da música “Feelings”), Lee Jackson, Terry Winter, Paul Bryan (o tecladista cego Sergio Sá), Dave McClean, Steve MacLean (ou Hélio Costa Manso), Michael Sullivan (ou Ivanílton de Souza Lima, aquele cara que compôs vários sucessos com Paulo Massadas) de duplas ou conjuntos como Manchester, Light Reflections, Pholhas, Sunday (fizeram um pusta sucesso com “I’m gonna get married”) e vai por aí afora.
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A gente, que ouvia, poderia jurar que o cara era americano. E em muitos casos eles sequer sabiam falar inglês! Li numa entrevista, faz tempo, onde um desses, acho que o Hélio Costa Manso, do Sunday, disse: "As letras eram compostas por quem não sabia nada de inglês e corrigidas por quem tinha alguma noção". O baixista Oswaldo Malagutti, do Pholhas, cujo maior sucesso foi “She made me cry”, disse numa entrevista que eles tiravam os versos de suas canções de um livro dos anos 30 chamado Inglês Como Se Fala. Eles viam uma frase interessante e aí copiavam. Depois procuravam outras no mesmo livro e saíam emendando, olha só que fuleiragem!
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Enquanto isso, nós, os babacas, tocávamos essas músicas até furar o vinil, as levávamos para as festinhas, para aquela indefectível hora do mela-cueca, crente que estávamos consumindo produto Made in USA, quando na verdade era tudo cantor “paraguaio”!
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Para manter a ilusão, os caras não se apresentavam na TV, nem faziam shows, porque senão ficaria escancarada aquela patifaria. Eram bons vendedores de discos, mas deixaram de ganhar muito dinheiro por não poderem se apresentar em shows. Eu lembro de ter visto alguns deles na televisão, quando resolveram assumir. Vi o Terry Winter cantando “Summer Holiday” (que ele fez em parceria com meu amigo do peito Deoclides Gouvea, ou melhor, “Dell Clyde”, conforme está no selo do disco), o Light Reflections, o Morris Albert...
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Hoje quando eu ouço uma dessas canções no rádio do carro não deixo de me transportar para aquela época. Ainda tenho as fitas cassete daqueles anos 70, em que gravei “Tell me once again”, “Listen”, “Don’t say goodbye”, “Hey girl”...
As fitas, obviamente, não tocam mais. Por isso, estou baixando todas essas músicas em mp3 e colocando no computador, no player... Vejam só que coisa curiosa: da época em que meu pai nasceu até quando morreu, ele só conheceu um tipo de mídia de reprodução de músicas – o disco de vinil. Eu nasci no tempo do vinil, passei pelo cassete, pelo CD e estou no mp3. E sabe-se lá o que virá pela frente! Eu já fui do hi-fi e hoje sou do wi-fi!!!
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As melodias de minha adolescência ainda mexem comigo. Fazem direitinho a ligação mente-coração, trazendo recordações, fazendo o velho músculo bater mais forte, na marcação, como um contrabaixo da emoção. E bem sei que, como bem disse o Gonzaguinha (na música “Começaria outra vez”): nada foi em vão.
M.S.
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Na Rádio Antigas Ternuras, você ouve “My Dear”, cantada pela dupla Manchester. Ou melhor: Jane e Herondy. Esses mesmos! Daquele sucesso super-hiper-ultra-mega-blaster-brega “Não se vá”. A gente tem que admitir que eles eram melhores cantando em inglês...