quarta-feira, agosto 30, 2006

Eu x 6


Há uma novidade rondando a comunidade blogueira. Huumm... Talvez nem seja tão novidade assim. Mas alguém começou a pedir a seis pessoas que escrevessem sobre seis de suas características. Chamaram isso de “etiquetar”.
E o negócio se alastrou, feito pereba em menino. A minha amiguinha Giulia recebeu o convite e na hora de passá-lo adiante, me incluiu entre os escolhidos.
Então tá. Convite feito, convite aceito.
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Escrever em blogs, de forma geral, é falar do próprio umbigo. Mesmo os que escrevem sobre temas específicos, acabam falando sobre o seu próprio ponto de vista. Particularmente, prefiro falar de mim aqui pelo viés de minhas saudades. Quem me conhece, sabe que nas minhas conversas nem sou tão ostensivamente saudosista. Não fico falando constantemente nas coisas “do meu tempo”. Pelo contrário. Falo bem mais de coisas contemporâneas e sobre diversos assuntos. Mas aqui, no Antigas Ternuras, resolvi fazer diferente. E aí está uma de minhas características. Gosto de fazer as coisas do meu jeito.
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Por conta disso, vou entrar na roda das tais etiquetas, mas falando de mim pelo ponto de vista do tema deste blog. Será eu por minhas antigas ternuras.
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A primeira delas tem a ver com essa própria decisão, de ser diferente. Não estou querendo ser superior a quem quer que seja. Apenas prefiro dar o meu toque pessoal. E por isso, elejo a minha escola de samba preferida, e especialmente o seu slogan, como primeira antiga ternura que me define. Salgueiro: nem melhor, nem pior; apenas uma escola diferente.
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Embora pragmático, embora cerebral na maior parte do tempo, sou também movido por paixões. E aí, para segunda característica, escolho a impessoalidade que mais me apaixona: meu amado Mengão, clube do meu coração, antiga ternura que me tira do sério, que me faz rir e chorar, que representa o meu lado apaixonado pelas coisas de que gosto.
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Sou um virginiano típico. Dado a silêncios, um eremita que busca entender o mecanismo das coisas. Mas que também sabe ser romântico e ver as coisas do amor além do cientificismo que tanto aprecio. Por isso acredito que o filme e a música “Somewhere in Time” (Em Algum Lugar do Passado) sejam ternuras que melhor expressam meu romantismo, a terceira característica que me explica. Por conta disto, vejo a mulher que amo com brilho renovado em meus olhos e procuro me fazer melhor a cada dia. Por ela.
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Sempre tive sede de conhecer. Especialmente de conhecer o que passou; tirar minhas conclusões; aprender com o já visto. O estudo da História sempre me apaixonou. Me fez virar pesquisador. E talvez daí venha meu amor pelos livros. Quando li “O tempo e o vento”, de Érico Veríssimo, minha eterna ternura literária, vi o que definitivamente me interessava: pesquisar sobre histórias e ajudar a construir a História. Aí está a minha quarta característica.
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Meus pais (mais especificamente minha mãe) me educaram dentro de regras rígidas de conduta. Eles sempre serão minhas ternuras inesquecíveis. Com isto, virei um sujeito que procura sempre seguir as regras, minha quinta face. O que, neste país, especialmente na minha cidade, me transforma em um ET, que desliga o celular dentro do cinema, não entra com compras no elevador social, respeita filas... Coisas assim.
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Da mesma forma que tenho profundo amor pelo estudo da História e pelos livros, as Artes sempre me fascinaram. Todas, mas com especial destaque pelo cinema e o Teatro (que sempre escrevo com maiúscula, pois o Teatro que acredito é maiúsculo), ternuras de minha vida inteira. Eis aí minha sexta característica, alguém que acha o cinema e o Teatro imprescindíveis como manifestações de expressão, que teria dificuldade de se encaixar no mundo sem eles.
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Bem, amigos do Antigas Ternuras, aí está. Marco vezes 6.
Agora, segundo as normas, tenho de escolher seis pessoas para fazer a mesma solicitação. Essa é a parte mais difícil. Como se sabe, tenho milhares de leitores, todos excelentes escritores. Como escolher só seis?
Como já disse que gosto de fazer as coisas de forma diferente, vou fazer o seguinte: não incluirei os que já foram convidados por alguém, os que estão de férias, ou não vem aqui com a regularidade de outros. Indicarei os seis blogueiros mais antigos que freqüentam, e os seis mais novos, entre os que me dão a honra.
Portanto, faço o convite para (em ordem alfabética):
Bruno Mutante, Claudia, Claudinha, Claire, Dira e Paulo/Evandro.
E também para: Ana Carla, Fugu, Luma, Roby, Saramar e minha parceirinha Yumi. (Acabei de ver que minhas amigas Eduarda, Janaína, Lili e Samara ficaram de fora dos dois grupos de seis. Pois, considerem-se incluídas. Nunca fui bom em matemática mesmo...)
Escrevam como desejarem (se desejarem...). Podem escolher filmes ou músicas que os definam (caso do Paulo e Evandro, que tem blogs sobre cinema e música), ou livros (caso da Claire, que na maior parte das vezes escreve sobre literatura) ou o que quiserem.
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Com a palavra, vo6...
M.S.
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Na Rádio Antigas Ternuras, você está ouvindo o tema deste blog: “Somewhere in Time, de John Barry.

segunda-feira, agosto 28, 2006

A Casa do Lago


“É possível amar alguém que você nunca viu?”
Essa é a pergunta que está no cartaz do filme “A Casa do Lago” (The Lake House, USA, 2006, dir. Alejandro Agresto), em cartaz nos cinemas daqui. Trata-se da refilmagem de “Siworae” (Il Mare), do coreano Lee Hyun-seung, de 2000, que nem lembro se chegou ao Brasil.
Tinha visto o trailer e achado a proposta interessante. Gosto do gênero fantástico. É uma de minhas eternas ternuras.
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Em uma casa a beira de um lago, em Illinois, Kate Forster (Sandra Bullock) troca cartas com Alex Wiler (Keanu Reeves) utilizando uma caixa de correio, aquela americana tradicional, com bandeirinha e tudo. Até aí, tudo bem. Só que ela está em 2006 e o cara em 2004. Opa! Tem viagem no tempo na parada? Já me interessou!
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Não, não tem viagem no tempo. Só a correspondência viaja no tempo. Aliás, uma árvore também faz o percurso. Sabe-se lá como, a caixa de correio criou uma espécie de portal, levando as cartinhas deles de uma época pra outra.
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No início, eles estranham. Mas depois entram no jogo e se escrevem o tempo todo, falam sozinhos como se conversassem um com o outro o tempo todo, pensam um no outro o tempo todo... Ou seja: fazem tudo o que qualquer pessoa apaixonada faz.
Ah, sim. Eles acabam se apaixonando. O que nos remete à pergunta inicial.
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“É possível amar alguém que você nunca viu?”
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O que diriam os meus milhares de leitores? É possível duas pessoas se apaixonarem por correspondência? Lembro que o cinema já andou abordando o assunto no belíssimo “Nunca te vi, sempre te amei”, título imbecil que deram aqui a “84 Charing Cross Road”, com Ann Bancroft e Anthony Hopkins.
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Tem um momento no filme que achei bem interessante: a personagem da Bullock diz algo como: “nunca houve corações tão abertos, nem gostos tão afinados”, como justificativa para o amor que surgiu entre eles, na troca de mensagens. E aí, o amor chegou por palavras escritas, pelas afinidades que ambos demonstravam ter. Isso é possível?
Sim, é.
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Há na história do filme algumas pontas soltas, especialmente pela possibilidade de se mudar o passado, o que qualquer interessado no assunto sabe que traz graves conseqüências. Mas, de qualquer forma, além de deixar aquela pergunta na cabeça de quantos o assistem, é um filme que diverte e embala os corações mais românticos.
Afinal de contas, quem não gostaria de dançar juntinho “This never happened before”, de Paul McCartney, de rostinho colado, num jardim, numa noite de inverno...
Eu gostaria.
M.S.
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Na TV Antigas Ternuras, você vê o trailer de “A casa do Lago” (mas isso aqui está ficando muito chique...)

sexta-feira, agosto 25, 2006

Sons que vinham da rua


Estava eu caminhando para o trabalho, quando cruzei com um vendedor de vassouras, andando na minha frente, apregoando os seus produtos:
"Êêê...Vassoura!"

Foi o bastante para apertar o "rewind" de um videocassete que eu tenho na memória. Tinha um vassoureiro que, duas vezes por semana, aparecia na rua em que me criei.
E que potência de voz! Lembro que uma vez eu estava no fundo do quintal, trepado numa mangueira, escutando cabelo crescer (quando eu não tinha mais o que fazer, subia numa das muitas árvores do quintal e ficava lá, bestando...) e o homem apareceu na esquina, espraiando seu vozeirão por toda a vizinhança:
"Vasssssssouraaaaaaaaaa....Olha a vassoura!...De pelo e piaçaaaaaaavaaaaaaa!"
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Os sons que vinham da rua eram muitos e curiosos na sua maioria. Tinha o vendedor de cavaco:
"Dona Capitulina, o cavaco já chegou
O cavaco tem açúcar tem gosto e tem sabor
Chora, menino, pra mamãe comprar cavaco!"

(Caraco! Como é que eu ainda lembro disso???)

Pra quem não sabe, cavaco era um canudinho de biscoito, que o homem vendia em embrulhinhos com cinco cada um. Nem lembro quanto custava, mas era uma micharia.
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Tinha o vendedor de pirulito. Esse fazia um som difuso ("Ô-ôô!"), mas que o diferenciava dos outros pregoeiros. Além disso, ele sacudia uma matraca (tabuinha, com uma espécie de arco de arame preso pelas pontas, que ao ser sacudida produzia um som pelo ir e vir do arame). Esse eu lembro. Custava 100 cruzeiros. Quando sobrava algum dinheirinho do meu negócio de troca e venda de gibis, eu gostava daqueles cones açucarados, envoltos em papel-manteiga (que dava um baita trabalho para retirar...)
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Pela minha rua passava um outro vendedor, que eu gostava de ouvir apregoar. Ele vinha carregado de coisas, e ainda contava com a ajuda de dois filhos, que praticamente corriam para alcançar os passos largos do pai. Eu achava que ele vendia de tudo, um armazém ambulante. Seus pregões eram assim:
"Cala-boca pra tirar mancha e ferrugem da roupa!
Pó de broca pra matar pulga, barata e formiga!
Tapete e colcha de chenile!
Anil, pregador e veneno pra rato!"

Minha mãe nunca comprava nada nele. Eu perguntava e ela dizia que já tinha tudo o que ele apregoava. Eu via o homem e seus dois meninos, andando naquele calorão, todos carregados de bolsas e penduricalhos. Quando alguém resolvia comprar algo, era um alívio até pra mim! Eles desciam as bolsas, para atender à freguesa e aproveitavam para pedir um copo d'água. Vi uma vez uma senhora dar limonada pros meninos. E eles falaram um “brigado”... que parecia um sussurro envergonhado. Em seguida, catavam as bolsas e lá iam de novo, perseguindo o andar apressado do pai.
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Eu também fui pregoeiro durante alguns dias. Meus amigos descobriram um depósito de picolés que emprestava caixa e cedia os gelados para a gurizada vender. A molecada da rua ia vender picolé para reforçar o orçamento de casa. Eu ia por farra, mesmo.
Recebi a minha caixa com 30 picolés de diversos sabores, que eu apregoava aos berros pelas ruas do bairro: “Aêêê...o picolé é cem! Coco, uva, maracujá, limão e milho verde!”

O pior era ficar ouvindo as piadinhas dos engraçadinhos de plantão: “Ô do picolé, tem de jiló?”, “Alô, picolé! Água pura ninguém quer!”, “E aí menino, o que você leva dentro?”...
Eles achavam isso tão engraçado...
Quando era alguém do meu tope a fazer a gracinha, eu invariavelmente respondia com frases envolvendo partes remotas de sua anatomia ou eventualmente algum comentário desairoso sobre sua inocente genitora. Mas, se fosse alguém maior, só me restava ignorar e seguir adiante, anunciando meus picolés.
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Eu só tive disposição para vender os sorvetinhos por três dias. Com a bola de futebol quicando no campo, imagina se eu iria andar debaixo daquela “lua” com uma caixa de picolés nos ombros... Com a féria desses três dias, fui na loja O Rei da Voz, e comprei um compacto duplo com a trilha sonora de “Romeu e Julieta”. Tenho o disco até hoje.
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Nas viagens que fiz e faço, sempre presto atenção nos pregões de rua. É claro que eu prefiro aqueles que são levados no gogó, sem amplificação. Afinal de contas, não tem graça nenhuma ficar ouvindo um mequetrefe gritar pelo alto-falante: “Pamonha! Pamonha! É o puro curau do milho verde!”
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Os antigos sons que vem da rua passam pelos meus ouvidos e acordam a minha memória: o ziiiiiiiiiiiinnnnn! do amolador de faca, o trim! trim! de campainha de bicicleta do padeiro, o fon-fon da buzina do vendedor de bolos e doces...
A sonoplastia de minhas lembranças desperta o menino que deixei no alto de uma árvore do quintal, escutando cabelo crescer. E que hoje, maiorzinho, quer manter aquele mesmo sorriso travesso e o mesmo brilho nos olhos ao ouvir as pequenas maravilhas em forma de sons que vêm da rua.
M.S.
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Na Rádio Antigas Ternuras, você está ouvindo “Pequenas Maravilhas”, com 14 Bis.

quarta-feira, agosto 23, 2006

O que eu tenho a dizer sobre a violência


Fui convidado para participar do post coletivo sobre o tema violência. Embora seja um assunto totalmente diverso dos objetivos deste modesto blog, mas atendendo à gentil solicitação da Luma, do Zeca e do DO, vou dar a minha pequena participação.
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Chegamos a um nível insuportável de violência cotidiana. Estamos no limite de ter medo de sair da casa e se o fazemos, passa pela nossa cabeça que tudo é possível de nos acontecer. Eu, que nos tempos das minhas antigas ternuras, ia para a casa do meu amiguirmão Luiz de bicicleta, saía de lá por volta da meia noite, carregando meu gravador e um punhado de fitas. Assoviando. E minha mãe nem ficava preocupada.
Hoje, tal coisa seria impensável. Nenhuma mãe, em nenhum lugar do território nacional, deixa de se preocupar com o filho adolescente fora de casa depois das oito.
Quando tinha reunião no clube de várzea em que eu jogava futebol, passava perto de uma boca de fumo. E se a gente se aproximasse muito, os próprios traficantes e maconheiros do pedaço nos tocavam de lá, dizendo: “Sai daqui! Isso não é lugar pra criança!” Hoje, o tráfico é basicamente composto por crianças. Que estão sempre a recrutar outros meninos, outros falcões.
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Eu gosto de lembrar de minha infância e adolescência. Quem me lê há algum tempo já percebeu que eu tenho muitas histórias felizes para contar. As crianças e adolescentes de hoje, que histórias terão para narrar daqui a 20, 30 anos? Quais serão suas antigas ternuras?
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Infelizmente, a violência não está somente na bala perdida, na arma do assaltante, na ameaça à nossa integridade física. Estamos tão cercados pela violência que nem nos apercebemos de suas múltiplas formas. Na impaciência do motorista em esperar o idoso embarcar no ônibus; na falta de tolerância com as pessoas; no lixo que se joga pela janela do carro, ou mesmo que o pedestre joga na rua; no completo desrespeito pelos outros da parte de quem atende e fala ao celular no cinema e no Teatro, da mesma forma os que conversam em voz alta durante o filme ou a peça; são muitas as violências cotidianas.
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O que fazer para reverter este estado de violência? É preciso uma ação de Estado? É necessária uma ação da sociedade?
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Modestamente, acho que, sim, é caso de ação política governamental, e sim, é urgente uma ação social de cidadania. É muito fácil culpar o governo, enquanto se inunda a cidade de lixo; é mais confortável detonar os políticos corruptos e depois descaradamente furar uma fila grande, ao encontrar um amigo.
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Mas não eximo os políticos de culpa. Nem quem os elege. Os erros e desvios são bem mais profundos do que supõe nossa vã filosofia.
Neste momento, as televisões estão divulgando a propaganda eleitoral gratuita. Vemos gente que roubou, se locupletou, corrompeu, se deixou corromper, tocou o maior festival de “farinha pouca, meu pirão primeiro”, de “salve-se quem puder”, de “quero levar vantagem em tudo”... com a maior cara de pau, daquela de necessitar de óleo de peroba como cosmético ou loção pós-barba. A história política recente nos dá, cada vez mais motivos para abominar a pérfida natureza humana. Nos tempos do FHC, vimos todas aquelas falcatruas, toda corrupção para se conseguir maioria no Congresso e aprovar leis como a da reeleição. Valeu tudo. Era briga de foice no escuro. O Serjão comandava a rede de caminhões de lixo político, comprando votos no varejo, e consciências no atacado.
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Aí chegou o tempo da “esperança”. Tempo em que tolamente acreditamos que podia existir uma outra forma de se governar, com clareza, com transparência, com honestidade. E aí assistimos ao mesmo desfile de lixo político que víamos antes, só que com pior competência para esconder, para escamotear. (E aí nem sei se foi bom para que pudéssemos conhecer a lama que corria solta e que nem sabíamos...)
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Ligo a TV e vejo alguns rostos que deveriam estar somente no noticiário policial. E eles prometem bondades, e eles mentem, e eles enganam, e eles, ou boa parte deles, conseguirão se reeleger.
Quando os vejo desfiando na telinha o seu rosário de promessas, só me ocorre uma expressão.
Se você quer saber que expressão é essa, clique abaixo. Mas, MUITO IMPORTANTE: Por favor, NÃO clique se você está no ambiente de trabalho; NÃO clique se tiver crianças por perto, NÃO clique se você não gosta de ouvir palavras mais fortes.
Mas se a sua indignação não tiver limites, clique aqui e cante comigo no próximo Horário Eleitoral Gratuito.
M.S.

domingo, agosto 20, 2006

Três histórias...


1 - As águas dos rios, da chuva, do céu... entram pela terra, atravessando sedimentos.
Numa gruta, gotas lentas deslizam religiosamente o pó elemental...bem devagar, praticamente desconhecendo que exista o Tempo. Vão formando no céu da boca da terra, um dente, uma estalactite, que cresce rumo ao chão, querendo encontrar algo.
Lá em baixo, igualmente sem pressa, a mesma gota carregada de resíduos que forma a estalactite, constrói um outro dente na terra, em sentido inverso. Nasce a estalagmite.
Ambas estão fadadas a se encontrar. Como eu e você. É uma questão de tempo...
*

2 - E no princípio era o Vazio. De algum lugar, partiram dois pontos se deslocando no espaço...E em um segmento daquele universo, seus olhos se cruzaram e aquele olhar contava da vida de cada um...tudo o que tinham visto, ouvido, sentido naquela vastidão. E perceberam que se amavam... Mas como eram retas paralelas, estavam condenados a se encontrarem somente no infinito. Ou a subverterem as leis do Cosmo...
*

3 - Ele viu a imagem da moça e sentiu o coração apertar. Será que a conhecia de algum lugar, de algum tempo?
Não tardou e começaram a se falar.
E eram tantos encontros (bem mais que os poucos desencontros), tantas afinidades, a certeza de que se pertenciam foi crescendo. Escalaram juntos montanhas de esmeraldas, uniram mãos e lábios em campinas verdejantes, sonharam juntos sol, lua, mar e estrelas.
Tiveram de se afastar para se aproximarem na dimensão do pensamento.
Até que se reencontrem. Mesmo no infinito. Mesmo depois do tempo do Tempo passar.
*
(Estas histórias são partes avulsas de uma peça que pretendo escrever)
M.S.
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Na Rádio Antigas Ternuras, você está ouvindo “Karen’s Theme”, com Richard Carpenter.

sexta-feira, agosto 18, 2006

“What a glorious feeling...I’m happy again!”

Sabe quando uma coisa que você está esperando com muita ansiedade dá certinho e ainda supera suas expectativas?
Pois é.
Eu estou que nem esse cara aí do vídeo.



Ando dançando na rua, parecendo o Gene Kelly, em “Cantando na Chuva”.

“I’m singing in the rain..... Just singing in the rain... What a glorious feeling... I’m happy again!”...
M.S.
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Na TV Antigas Ternuras, você está vendo Matt Harding, um americano que resolveu viajar pelo mundo, dançando “Sweet Lullaby” (Nature’s Dancing Mix), do Deep Forest. Se você está feliz como eu, escolha uma música e dance bem no agito da sua cidade, de preferência ao meio dia, hora mágica dos românticos loucos...

quarta-feira, agosto 16, 2006

Vila Boa, Goiás...


Em 1986, estive em Goiânia a trabalho. De lá, quis conhecer a cidade de Goiás, terra de alguém que muito admirava: a doce Cora Coralina. Eu não a viria. Ela tinha ido morar com Deus exatamente um ano antes. Mas me consolaria por andar por onde ela tinha andado, olhar onde ela resvalou os olhos, conheceria a casa que lhe velou o sono e os sonhos...
Assim fui.
*

Ao chegar na cidade, uma forte impressão de que já a conhecia. Comecei a andar pelas suas ruas estreitas com uma estranha familiaridade. Eu sentia mesmo que já tinha andado por lá. Cheguei até a ouvir vozes, que segredavam somente ao meu ouvido!
*
Estive na casa de Cora, a velha Casa da Ponte sobre o Rio Vermelho, rio que por tantas vezes levou as lágrimas de Cora para longe dali. A casa estava vazia, mas a energia de sua senhora ainda pairava por lá. Eu a senti muito intensa.
*
Percebi no ar o cheiro forte do açúcar no tacho de cobre, revirado pela mão obreira, calejada, sábia de seus movimentos no preparo do doce, do confeito que regalava os olhos e a boca.
E me encostei naquelas paredes grávidas de tantas histórias, que viram o tempo e a vida passar no ritmo modorrento do Rio Vermelho.
*

Me deu saudade de Dona Ana, de Aninha...da menina que corria por aquelas pedras, da velha senhora que a cantava com palavras de amor. Me deu saudades de quem não conheci, mas de quem era irmão, era filho, era quem queria deitar a cabeça em seu regaço para ouvir sua voz: “me conta, minha Cora... Me revela, Dona Ana...”
*
Ali, as palavras me chegaram à mente, todas encadeadinhas. Foi só passar para o papel do jeito que elas se achegaram em mim, feito gato que quer carinho. Escrevi, com força, sulcando o papel, com a ligeireza necessária para não perder nada. E me saiu assim:
*
“Levei meus olhos pra sair em procissão pelas ruas de Goiás.
No chão, as pedras gastas pelos pés de mil passos.
No ar, mais de dois séculos de histórias mil vezes recontadas.
O Rio Vermelho ainda corre lá. Como uma espécie de veia, pulsando, conduzindo o sangue da cidade. Cidade que tem coreto, fonte e velho de pijama sentado na soleira.
As velhas, vela na mão, piscam molemente os olhos baços, na ladainha pra Sant’Ana.
Vila Boa de Goiás...
Teus mortos guardam cada esquina e as vozes que às vezes se ouve, são os cantos de uma musa antiga que ficou encantada e virou música.
Na velha Casa da Ponte, penso ver alguém na janela. Eu me detenho, respeitoso, e peço:
“Dá licença, dona Cora?”

Dedicado a Cora Coralina, ao Lázaro e família, e ao povo de Goiás, que me deu a honra de expor estes versos na Câmara de Vereadores da cidade.
M.S.
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Na Rádio Antigas Ternuras, você ouve “Somewhere in Time”, trilha sonora eterna deste blog.

segunda-feira, agosto 14, 2006

64?


Exatamente neste ano corrente, Paul McCartney completou 64 anos (em 18 de junho). Tinha muita gente esperando ele chegar nessa idade para ver se estariam confirmadas as previsões feitas na sua canção “When I’m Sixty-Four”, gravada no antológico “Sargeant Pepper’s Lonely Hearts Club Band”, dos Beatles.
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Eu gosto muito dessa música e ela me chamou a atenção já na primeira vez que ouvi o famoso álbum. Uma banda de rock gravando um fox-trote? Coisas dos Fab Four...
Até hoje, quando ouço aquela famosa introdução com um clarinete, não resisto e sorrio. Pois é. Paul chegou aos 64, mas desmentiu um pouco a música, que diz no início: “When I get older, losing my hair...Many years from now...” A gente olha o velho Macca e não o acha tão velho, muito menos o vemos perdendo cabelo. Eu estou muito mais losing my hair que ele...

Disse Paul que quando compôs a música, pensava no pai. A idéia de fazer 64 anos ao tempo do Sgt. Pepper para ele era algo tão distante como imaginar, naquela época, que um dia nos comunicaríamos com as pessoas usando caixinhas pouco maiores que isqueiros.
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Lembro que na época em que ouvi a música e fui traduzindo-a com meu inglês macarrônico, pensei como seria quando eu tivesse chegado a este número mágico. E ainda hoje, quando continuo bem distante dos 64, continuo imaginando como será.
No meu arquivo de antigas e inesquecíveis ternuras, guardo duas situações que pensei vivenciá-las quando estivesse perto dessa idade. Ou mesmo antes. Ou ainda depois.
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Eu era rapazinho e jogava futebol num clube de várzea. Todo domingo tinha jogo. Nas noites de quarta-feira, fazíamos reunião na sede para sabermos quem seria o adversário de domingo e traçar as táticas para a peleja. No fim da reunião, eu gostava de ficar batendo papo com meus amigos ali pelas imediações. Bem perto, tinha um colégio. Eu e os rapazes aproveitávamos para jogar uns picilones para as mocinhas que saíam no fim das aulas. O Seu Francisco nos fazia companhia. Sempre com a sua velha bicicleta de guerra, permanecia junto com a gente, participando das conversas. Se alguém perguntasse o que ele estava fazendo ali a resposta invariavelmente era: “Estou esperando a minha gatinha”.
*

A "gatinha" do Seu Francisco era a sua esposa, de um casamento de trocentos anos, que fazia a alfabetização do Mobral naquela escola. Ambos deviam estar na casa dos 64 anos, conforme a canção do Paul. Ele a levava de bicicleta todos os dias e ficava esperando ela terminar os estudos, aprendendo unir letras na leitura e a domar a mão na tarefa de escrever. Quando a esposa saía da escola, eles se davam aquele beijinho tradicional de namorados, ela assentava no quadro da bicicleta, ali entre o selim e o guidom, e lá iam felizes para casa.
Eu, garoto ainda, olhava aquela cena e intimamente me prometia ter aquele mesmo carinho com quem estivesse comigo na idade que os dois tinham.
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Uma outra situação que guardo em minha cristaleira de antigas emoções, diz respeito a uma passagem que li em “Solo de Clarineta”, autobiografia de Érico Veríssimo. Lá, ele conta que possuía o hábito de ficar ouvindo música, ao cair da tarde, sentado no sofá da sala, de mãos dadas com sua esposa Mafalda.
Lembro que quando li aquilo era jovenzinho, mas essa parte nunca esqueci. Fiquei imaginando a cena. Os dois (também por ali, na casa dos 64...), em silêncio cúmplice de quem se ama e se comunica por pensamento, ali no sofá, ouvindo melodias de mãozinhas entrelaçadas. Era também uma cena que eu prometi que repetiria na devida época.
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Esperar por quem a gente ama; dividir com ela momentos de carinho e prazer. Não é preciso termos 64 anos para isso. Na verdade, eu tenho certeza que Seu Francisco sempre teve aquele carinho com a esposa. Assim como o Érico e D. Mafalda construíram uma relação de afeto ao longo da vida a dois, que tornava muito normais gestos de ternura como aquele.
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Releio o que escrevi e vejo no céu a lua piscar um olho cúmplice para mim. Apenas sorrio. Digo intimamente que não esperarei pelos 64 para fazer cumprir as minhas promessas...
M.S.
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Na Rádio Antigas Ternuras, você está ouvindo “When I’m Sixty-Four”...

sexta-feira, agosto 11, 2006

Inesquecível


TIAGO – Vô...Por que tem de ser assim?
AVÔ – Todas as coisas seguem uma lei, Tiago. Não existe a lei da gravidade? Leis dos homens, leis divinas?...Não há como fugir dessa lei, desse ciclo: nascer...viver...morrer...
T – Mas dói muito, vô...Minha mãe me disse para ver a morte como se fosse uma viagem. Mas quando meu pai viajava eu não sentia dor. Depois que ele se foi de vez...puxa! Dói demais!
A – O que dói é a incerteza. Quando alguém faz uma viagem longa, nós até podemos sentir saudades. Mas temos a certeza de que a pessoa vai voltar e isso nos consola. Quando alguém morre, não estamos certos se vamos revê-lo. Por isso dói tanto...Veja a morte como uma transformação. Você já deve ter visto algum filme mostrando a fecundação humana. Aquela cobrinha se junta com um carocinho e faz o milagre da vida. Você já pensou que já foi uma célula e que se transformou nesse rapaz tão bonito? Pois então! Nós estamos sempre em transformação. Quando morrermos, nos transformaremos em outra coisa.
T – É... Só que a gente não sabe conviver com a certeza da morte. É como se fosse um crime ou uma doença grave que a gente sempre vê acontecer com os outros. Até que acontece perto da gente...
A – Nós temos mais medo da morte do que de ficarmos doentes. E, muitas vezes, certas doenças são piores do que a morte. Veja, Tiago, nós estamos aqui no cemitério. Nesse momento você está ouvindo alguma coisa?
T – Não.
A – E por que?
T – Ora, vô... Estamos cercados por mortos. Eles não fazem barulho...
A – E se eu te disser que estamos cercados por vida? Veja, ali naquelas flores sobre o túmulo de seu pai... O que você vê?
T – Nossa! São abelhas!
A – Elas estão retirando o pólen e o néctar das flores. Sugam a doçura da seiva da vida sobre uma caixa de morte. E vão transformar tudo em alimento para outras abelhinhas. A vida tem de seguir. Onde você vê silêncio de morte, existe toda uma sinfonia de vida. Uma sonata de zumbidos, bater de asas...Além das abelhas, borboletas, milhões de outros insetos, micróbios, aves estão na azáfama cotidiana para continuarem vivos. Nossos sentidos são muito limitados...
T – É verdade, vô... Queria que o senhor estivesse sempre comigo para me ensinar coisas.
A – E quem disse que não vou estar? Mesmo depois que eu também me for, mesmo quando chegar o momento em que você descobrirá as coisas por si, ainda assim eu estarei perto de você.
T – Shhh...Vô, olha! Um beija-flor! Está vindo sugar as flores do papai! Quem sabe não é ele mesmo que veio me dizer que está bem e que estará sempre ao meu lado?
M.S.
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Neste domingo será mais um Dia dos Pais. E eu já não tenho o meu desde que tinha sete anos, o que significa dizer que nunca pude lhe dar um presente realmente meu. E ele me deu tantos... Principalmente, me deu uma sólida formação, me deu valores que ele acreditava e em que também acredito, me deu ensinamentos que eu deveria passar para meus filhos, se eu os tivesse.
Não pude lhe agradecer por estes presentes.
Mas quando vejo o homem que me tornei, acho sim, que acabei lhe dando alguns presentes. Onde quer que ele esteja, verá que o filho dele seguiu-lhe os passos e vive com a honestidade que ele tanto pregava. Que respeita seus semelhantes como ele respeitava. Que ama intensamente como ele amava.
A história acima tem o título “Sonata”, é mais uma das radionovelas que eu escrevi, em 2002, no tempo em que gravava para uma rádio comunitária.
Relendo-a, vi que o menino que conversa com o avô poderia ser eu mesmo, com todas as dúvidas que tive ao longo de tantos anos. E que esta história poderia ser a minha história.
Para você, meu pai, para que saiba que sempre, pra sempre, me será inesquecível. Feliz Dia dos Pais...
M.S.
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Na Rádio Antigas Ternuras, você está ouvindo Natalie Cole e seu pai Nat, cantando juntos “Unforgettable”.

quarta-feira, agosto 09, 2006

Tem a minha palavra

A minha ligação com a palavra vem de muito tempo. Diz a minha mãe que com um ano eu já falava palavras difíceis como “liqüidificador”. Será? As mães nos vêem tantas gracinhas que quase nos rescrevem a biografia.
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Na maior parte do tempo sou quieto. Era assim desde muito novo. Gosto de ficar com meus pensares. Às vezes quando falo, jorro, inundo com palavras, como um dique furado a que não se conseguisse tapar. Aí depois, eu volto a quietude. Deixo que o dique jorre para dentro de mim.
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Comecei a ler muito novo, de quatro para cinco anos. Meu pai chegava em casa, tomava banho, botava o pijama e ia deitar para ler O Globo. Minha mãe, depois se juntava a ele e lia um livro, ou uma parte do jornal. Eu me enfiava entre eles e ficava perguntando: “Que palavra é essa?”, “O que é que está escrito aqui?”, “Lê pra mim essa parte?”
O que eu mais gostava que me lessem era a parte dos quadrinhos, e meu pai o fazia com particular prazer. Ele apreciava gibis e as tirinhas cômicas do jornal, especialmente “Ferdinando e a Família Buscapé”. Assim, fui aprendendo a domar as palavras escritas. Pela paixão de vê-las impressas. Pelo desafio que elas me impunham.
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Antes de aprender a ler, eu já gostava de fingir que lia. Minha mãe conta que certa vez, eu vi uma lata de manteiga Aviação, que estava entre os guardados de meu pai. Daí, eu peguei a lata, botei o dedinho no rótulo e “li” em alta voz, escandindo as sílabas: “Man-tei-da”! Aí abri a lata e ela estava cheia de pregos: “Ué! Não é manteida!”
E minha mãe, com a paciência que só as mães têm, me explicou que meu pai tinha aproveitado a lata de manteiga vazia para por pregos. Mas acho que fiquei desapontado assim mesmo.
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Quando finalmente comecei a ler, virei um devorador de livros e gibis. Nada saciava minha imensa sede. Minhas primeiras vítimas foram as enciclopédias Lello Universal, de meu pai, e Tesouro da Juventude, de meu tio Jair. Hoje ambas pertencem a mim. E tenho muito carinho por elas. Eram o meu Google e Internet naqueles tempos. Verdadeiras chaves para a Terra da Fantasia e do Conhecimento. E eu me raspava para lá freqüentemente, aquilo fazia a diferença entre meus amigos de rua e eu.
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A palavra falada também me encantou sempre. Ir ao Teatro e ver/ouvir um texto sendo magnificamente pronunciado e interpretado tem para mim um valor incalculável. Se a música é a fala dos deuses, a palavra dita, própria, medida, cabida, ressoada, é praticamente um sinfonia.
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Neste texto, quero saudar a palavra. Essa minha velha companheira de folguedos, amiga confidente em meus silêncios, parceira em arroubos, sempre junto a mim. É você, palavra, tão presente e importante em minha vida, que até o amor me chegou por seu intermédio. E é você que leva o meu sentimento todos os dias em letras, palavras.
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E para celebrar a flor-palavra, exalto um de seus maiores jardineiros, que a cultivava com seu jeito simples, mas com a sabedoria dos simples. Eu o celebro e louvo, amigo Mario Quintana, pelos 100 anos que teria se não tivesse se encantado. Foi você quem me ensinou que, “o amor é quando a gente mora um no outro”. Você também me mostrou o que fazer com meu coração de minino adolescente. Isso porque você também o era, como pude ver nestas suas linhas:

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Eu queria trazer-te uns versos muito lindos
colhidos no mais íntimo de mim...
Suas palavras
seriam as mais simples do mundo,
porém não sei que luz as iluminaria
que terias de fechar teus olhos para as ouvir...
Sim! Uma luz que viria de dentro delas,
como essa que acende inesperadas cores
nas lanternas chinesas de papel!
Trago-te palavras, apenas... e que estão escritas
do lado de fora do papel... Não sei, eu nunca soube o que dizer-te
e este poema vai morrendo, ardente e puro, ao vento
da Poesia...
como uma pobre lanterna que incendiou!
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Ah, Mario... Mestre querido!... Uma vez disse:
“O leitor que mais admiro é aquele que não chegou até a presente linha. Neste momento já interrompeu a leitura e está continuando a viagem por conta própria”.
E não foi o que fiz e faço? E não é o que mais me agradaria naquele que me lê? Que enfurnasse suas próprias velas a partir de meu barco e viajasse, olhos distantes, em busca de seus próprios rumos?
Que essas recordações aqui provocadas alcancem alguém, que como você, também diga:
“Essa lembrança...mas de onde? de quem?
Essa lembrança talvez nem seja nossa,
mas de alguém que, pensando em nós, só possa
mandar um eco do seu pensamento
nessa mensagem pelos céus perdida...”
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Para sempre fiel a estas lembranças. Tem a minha palavra.
M.S.
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Na Rádio Antigas Ternuras, você está ouvindo “Palavras ao vento”, na voz eterna de Cássia Eller.

domingo, agosto 06, 2006

Coisas do meu tempo


Bem, amigos do Antigas Ternuras... Vejam vocês que coisa. Noutro dia, entrei numa papelaria para comprar um caderno que usaria para fazer anotações nas minhas pesquisas na Biblioteca Nacional. Cheguei nas prateleiras dos cadernos e o primeiro que eu vi foi um com a Hello Kitty na capa. Passei para outra pilha e dei de cara com um ostentando o Dado Dolabella na capa (????). “Esses caras estão de sacanagem comigo”, pensei com meus botões. Próxima pilha, e lá está a Britney Spears (??????), olhando pra mim. E as outras capas se dividiam entre o filme da vez da Disney, uma mulher marombada, com a camiseta molhada, a Sandy e o Júnior e por aí vai.
Vou escrever uma frase inédita neste blog:
No meu tempo, não era assim, não!
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Meus cadernos escolares tinham esta capa, aí, à direita. E esta contracapa, aí na esquerda. Você acha cafona? Brega? Patriótica demais?

Tudo bem. Respeito a sua opinião. Só que hoje, quem estudou com estes cadernos, tem uma antiga ternura para lembrar. Acho difícil que daqui a trinta anos alguém vá lembrar de um caderno especial que teve com o Dado Dolabella na capa.



Hoje, lembro com sorriso nostálgico que meus cadernos de antigamente, incentivavam o amor pela Pátria e ensinavam a cantar o Hino Nacional. (Saber cantar o Hino Nacional, além do seu valor cívico de símbolo de cidadania, ainda serve para não fazer feio de quatro em quatro anos, na abertura dos jogos da Seleção Brasileira).
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Outra coisa dos meus antigamentes. Estava folheando um livro, quando dou de cara com as imagens do dinheiro de meu tempo de guri. Ah, que saudade! Eu recolhia garrafas de refrigerante nas casas para vender na quitanda, e ganhava cinco cruzeiros!

Vivia sonhando em um dia conseguir ter “um cabral” (mil cruzeiros, dinheiro para caramba naquela época, pelo menos para uma criança). Pela manhã, eu saía de casa para comprar pão e leite com uma nota do Pedro II (200 cruzeiros). E tinha que trazer o troco!
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Tinha uma charada que fazíamos com a nota de cinco cruzeiros, a nota do índio (esta aí ao lado). Está valendo pra vocês?
Olhem na imagem do lago com as vitórias régias e me digam: “Cadê o jacaré?” (Se não
conseguirem descobrir, abram os comentários que eu revelo lá)
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É impressionante como a memória da gente é uma espécie de cristaleira de emoções. A aventura de recordar é quase tão prazerosa quanto a alegria de reencontrar alguém que não vimos há muito tempo. E talvez se aproxime do prazer de reencontrar quem estivemos procurando.
M.S.
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Na Rádio Antigas Ternuras, você está ouvindo “João e Maria”, com Chico Buarque e Nara Leão.

sexta-feira, agosto 04, 2006

Futebol é pra homem!


Ultimamente, tenho pensado muito nos meus amigos do tempo de moleque, da rua em que me criei. Tem batido a vontade de pegar o carro e dar uma passadinha lá para ver quem encontro, quantos ainda estão morando na área, como estão...
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Noutro dia, eu me lembrei das minhas peladas no campinho onde praticamente aprendi a jogar futebol. Recordei especificamente uma determinada ocasião que fazia com que o futebol fosse especial. O último dia do ano, quando era disputada a tradicionalíssima pelada de solteiros contra casados. Até aí, nada de mais, não é?
Só que todos nós jogávamos vestidos de mulher. Era o famoso clássico “Pirabundas x Vagaranhas”.
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O Estádio João Careca, o “Carecão”, ficava engalanado. No lado do barranco (a bola só saía de um lado, do outro havia um barranco que limitava o nosso campinho), pessoas se empoleiravam para ver aquele espetáculo. No lado oposto, ficava uma enorme fileira de gente, acompanhando a lateral que dava pra rua. Era ótimo, pois eles impediam que a bola pudesse parar sob as rodas dos poucos carros que trafegavam na rua. E também impediam que uma porca, que vivia zanzando por ali com seus bacorinhos, entrasse campo adentro.
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E o monumental estádio da Rua Marambaia estava assim, pronto para receber os dois times de moçoilas. Nem imagino quem teve aquela idéia de jerico, só sei que foi aprovada por unanimidade. As mulheres dando duro em casa, preparando a ceia, e os homens enfiando o pé na jaca e jogando futebol. Eram tempos bem machistas.
Cada atleta tinha que se fantasiar de mulher da maneira que quisesse. Filhas, irmãs, esposas eram convocadas para aquele esforço de botar um monte de barbados parecendo elenco de apoio de “Priscila, a rainha do deserto”.
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Para mim, arranjaram um vestidinho de festa caipira. Era estampado em azul, curtinho, cheio de babados, mangas bufantes. Olha, não é por estar na minha presença, não, mas eu fiquei uma gata! Quando calcei o meu par de Ki-Chute, aí destruí corações! Me ofereceram maquiagem, mas recusei, tá pensando o quê.... Ficou só no vestido mesmo, com sunga de praia por baixo. Diziam que quando eu corria, aparecia o fundo das calcinhas, olha só o esculacho!...
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Mas teve gente que caprichou no visual drag-queen. Era hilário ver respeitáveis chefes de família com meia arrastão, bolsa tiracolo, peruca, batom... E o mais engraçado era ninguém ficar fazendo gestos afetados. Não! Éramos somente homens vestidos de mulher, o que é que tem? Futebol era coisa séria.
Do time dos casados eu gostaria de destacar um personagem inesquecível: o Bigode.
Era um alagoano com cara de cangaceiro, um baita bigodaço, que parecia uma taturana negra. Quando não enchia os cornos de cachaça, passava por nós com cara séria, só “bom dia”, “boa noite” e olhe lá. Nos finais de semana, quando encarava uma “marvada”, ele relaxava um pouco mais. Eu não lembro o nome dele. Quando ele chegou na rua, logo se enturmou com o pessoal da pelada. E aí no jogo, eu só chamava ele de “Bigode”. O apelido pegou. Jogava de zagueiro, sério, espanando tudo o que via pela frente.
No que ele apareceu no campo de saia, meia arrastão “mamãe-vou-à-zona”, blusinha estampada, rímel, rouge, batom vermelho sob aquela bigodaça, peruca e bolsinha...A galera quase se mijou de tanto rir.
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Lembro que uma vez apareceu alguém que não lembro exatamente quem, acho que era o Seu Antonio Careca, com uma caixa parecendo câmera de fotógrafo lambe-lambe, com tripé e tudo. A gente se juntou naquela pose clássica de time de futebol, o cara posicionou a câmera, gritou “olha o passarinho!”, a frente da caixa abriu e apareceu um boneco esguichando água na gente. Nem me perguntem por onde... Ê baixaria...
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Antes do jogo, Carlim Berreba, costumava aparecer com uma garrafa de Fogo Paulista para aquecer os atletas. E poucos dispensavam aquele aquecimento. Eu era um desses, já que tinha 15, 16 anos por essa época. Se hoje em dia eu praticamente não bebo, imagina naquele tempo.
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Tudo pronto para o jogo começar, cada time com seis de cada lado (normalmente, o campinho pedia dois times com cinco, mas era festa), obviamente não tinha juiz, o que dava um atestado de alta periculosidade ao confronto: doze caras vestidos de mulher, alguns cheios de uca nas idéias e todos querendo ganhar.
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Eu era atacante do time dos solteiros, marcado pelo Bigode, que ficava me acompanhando com aquele bafo de cachaça no meu cangote. Num dos jogos, na primeira chance, dominei a bola, joguei debaixo das pernas dele, peguei do outro lado e ele me deu uma pernada, me levantando a dois metros do chão.
- Não foi nada! Fui na bola! – vociferou o cíclope, vestido de vagabunda do Mangue.
Segue o jogo. Naquele estado em que estavam os atletas, do céu da boca pra baixo era “bola” e qualquer dividida era “terra de ninguém”.
Se alguém reclamasse, ouvia a seguinte pérola:
- Futebol é pra homem!
Isso dito por um sujeito de vestido tubinho estampado, colar de pérolas, peruca loura, sapato de boneca e batom vermelho vamp ficava bem curioso.
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Esses jogos eram disputadíssimos. Terminavam 12x11...coisa assim. Eu fazia muitos gols. Nessa época, eu jogava direitinho e além disso, estava com o “bico seco”.

Depois do jogo, todo mundo ia pro boteco do Zico, onde descia um engradado de Brahma estupidamente gelada para a alegria das vagaranhas e das pirabundas. Eu e poucos outros, tomávamos Fanta Laranja ou Grapette.
Era a hora das reclamações:
- Aquela bola saiu!
- Saiu o cacête! Foi gol legítimo!
Ah, sim. Nessa hora o pagode costumava comer solto. Samba de acompanhar na palma da mão que nem esse do Zeca, que vocês estão ouvindo.
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Ah, tempo feliz... Por incrível que pareça, ninguém tirava fotografia da gente (as fotos deste post são meramente ilustrativas). Toda essa farra ficou sem registro. Aquelas imagens, entretanto, estão vivamente impressas na parede da minha memória.
Por onde andam as pirabundas e vagaranhas da Rua Marambaia? Ô meu Deus...O que eu não daria por uma máquina do tempo!
M.S.
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Na Rádio Antigas Ternuras, você está ouvindo o grande Zeca Pagodinho e o “Samba pras Moças”.

quarta-feira, agosto 02, 2006

Quem não se comunica...


Lá vamos nós para mais explicações sobre a origens de expressões conhecidas. Para quem está chegando agora, saiba que pesquisar sobre isso é uma de minhas queridas e antigas ternuras.
E hoje abordarei duas expressões ligadas a problemas de comunicação. A primeira é:
Não entender patavina.
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Confesso que já usei muitas vezes esta expressão sem entender patavina sobre sua origem. Já ouvi gente dizendo que talvez envolvesse patos, já que quando um bando deles cisma de fazer esporro parece que ninguém está se entendendo.

Mas não tem nada a ver com os bichinhos. E sim com o historiador Tito Lívio.
Ele viveu em tempos de grande agitação. Basta saber que ele foi contemporâneo de Júlio César e dos imperadores Augusto e Tibério. Morreu em 17 d.C., o que significa dizer que também viveu no tempo da infância e adolescência de Jesus Cristo.
Embora ele seja reconhecido como um homem de vasta cultura e de importante obra, ele falava um péssimo latim. Por ter vivido em tempos atribulados, não pôde estudar na Grécia, para onde os ricos mandavam seus filhos com o intuito de adquirirem luzes culturais. Daí, ele falava como os habitantes da sua cidade, Patavium – hoje Padova (Pádua) - os patavinos. Não era fácil entender o que ele dizia... Por suas costas, as pessoas comentavam sofrer de patavinismo, ou seja, não conseguiam compreender o que Tito Lívio falava. Como conseqüência, veio o não entender patavina.
Aliás, conheço um porteiro de prédio que é discípulo de Tito Lívio...
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A outra expressão que gostaria de contar a origem é a famosa
Nhenhenhém.
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O seu significado, como todos sabem, é aquela conversa chatinha, monótona, às vezes lamurienta, outras vezes cheias de promessas vagas, um papo que não leva a lugar nenhum. Ou seja: basta ouvir qualquer político falando e você tem aí um belo exemplo de nhenhenhém.
Sua origem é indígena. Nheë, em tupi, quer dizer “falar”. Quando os portugueses chegaram ao Brasil, ficavam naquela falação entre eles, diante dos indígenas, que não entendiam patavina. Na verdade, achavam aquela língua muito estranha e profundamente desagradável. Daí, diziam que os lusos ficavam a dizer “nhem-nhem-nhem”. E hoje, a gente sabe que aquele caô todo era o mais puro nhenhenhém, mesmo.
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Vem aí o Horário Eleitoral Gratuito. O momento em que alugarão nossos ouvidos para falar muito nhenhenhém, achando que não entendemos patavina.
Entendemos, sim. Os últimos acontecimentos na política, desde as patifarias dos tempos de FHC para conseguir aprovar a reeleição, passando pelo mensalão, sanguessugas e outros quetais da atualidade, nos tem feito entender tudinho o que eles querem! Eles querem é poder! Poder com a vida da gente, poder com a nossa paciência, poder com dinheiro público! (huummm...acho que esta parte final está com erros de digitação, mas creio que vocês entenderam...)
M.S.
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Na Rádio Antigas Ternuras, você está ouvindo João Bosco e sua “Linha de Passe”.