sexta-feira, setembro 30, 2005

O Cinderela americano

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Está em cartaz o filme “Luta pela esperança” cujo nome original é bem mais sugestivo: “Cinderella Man” (EUA, 2005).
A direção é do competente Ron Howard, que esteve a frente de obras interessantes, como “Uma mente brilhante”, “Splash – Uma sereia em minha vida” e “Apolo 13”. Estrelando o filme, temos o bom ator Russell Crowe (como “James J. Braddock”), que infelizmente vem se tornando mais conhecido pelas confusões em que se mete fora das telas do que por suas atuações. Ele costuma se dedicar com afinco aos seus papéis. Neste, ele deslocou o ombro treinando boxe, além de outras contusões e um dente quebrado. Junto com ele, temos Renée Zellweger (como “Mae Braddock”, esposa de James), que já demonstrou sua competência em diversas obras cinematográficas. Paul Giamatti (o empresário “Joe Gould”) aparece como “o coadjuvante que rouba algumas cenas”, aliás, como já vem fazendo há algum tempo. E ainda a curiosidade de ter uma neta do Braddock real, Rosemerie DeWitt, como a vizinha “Sara Wilson”. O filme deve ter algumas indicações para o Oscar, uma vez que a Academia gosta de filmes como este, em que um “looser” dá a volta por cima. (Pessoalmente, não acredito que a Academia vá dar um Oscar seguido para filme com temática de boxe). Na verdade, os americanos deploram os “perdedores”, aqueles que não obtém sucesso na vida. Se Jesus Cristo fosse norte-americano e sua Paixão acontecesse pelas ruas do Brooklin, o cristianismo não existiria, ou vocês acreditam que um ianque sequer seguiria aquele judeu com uma cruz nas costas e renegado por seus pares? Mas quando o pobre diabo consegue reverter as expectativas e tornar-se um vencedor, aí eles aplaudem de pé. Podemos até dizer que eles cultuam personagens assim.
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Na tela vê-se a trajetória do lutador de boxe James J. Braddock (1905-1975) entre os anos de 1929 e 1935. Tem até livro – “Cinderella Man”, de Jeremy Schaap - sobre sua vida. Ele tinha alcançado o título dos meio-pesados em 1929, ganhou algum dinheiro, investiu em um negócio e perdeu tudo no Crack da Bolsa de New York. A partir dali, sua carreira de boxeador desceu pelo ralo e ele virou praticamente um indigente, com extrema dificuldade para alimentar e aquecer sua família (mulher e três filhos). Ganhava alguns trocados como estivador e teve que recorrer algumas vezes à humilhante fila do serviço social para levar algum dinheiro para casa. Eis que, subitamente, aparece a chance de sua vida: seu antigo empresário lhe arranja uma luta com um aspirante ao título que tinha ficado sem adversário. Era a chance da “Gata Borralheira” virar “Cinderela”, embora ninguém, nem ele mesmo acreditasse nisso. Acontece que a sua “fada madrinha” estava de plantão naqueles dias. Não só ele venceu Corn Griffin, como também o seguinte John Henry Lewis , candidatando-se para enfrentar o temível campeão dos pesos pesados Max Baer (1909-1959), que já tinha mandado dois adversários para o cemitério com seus socos – ele é considerado a “direita mais potente da história do boxe mundial”. (Veja abaixo fotos dos autênticos Braddock e Baer – este rasgando uma lista telefônica)
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“Mais um filme de boxe”, diriam alguns. E é verdade. Para quem viu “Touro indomável”, “Rocky, um lutador”, “Talhado para campeão” e tantos outros, qual a diferença deste? Cinematograficamente falando, não se tem nenhuma novidade. É muito bem feito, bem representado, e mesmo eu, que detesto boxe, me peguei me mexendo, acompanhando os golpes na tela, movimentando meus braços. Mas... É apenas mais um filme de boxe. No entanto, houve algo que me chamou a atenção e me levou a escrever este texto.
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James J. Braddock saiu da fila do pão para o tablado do Madison Square Garden, com praticamente toda New York e New Jersey torcendo por ele. Aquele bando de miseráveis, tornados assim pela crise do capitalismo que varreu milhares de empregos e transformou em pó as vidas de inúmeras pessoas, via em Braddock o seu redentor.
Bertolt Brecht disse: “coitado do povo que precisa de heróis”, mas aquelas pessoas precisavam de um para se espelhar, sob pena talvez de enlouquecerem. Braddock no ringue, lutando pela sua sobrevivência, era a catarse de todos que tentavam sair dos buracos infectos onde moravam (fizeram um favelão no Central Park!!) e dar uma vida melhor aos filhos. Ninguém queria estar no lugar dele. Eles se contentavam em torcer por ele. A vitória de Braddock seria também a vitória daquele lumpesinato.
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E foi isto que me chamou a atenção: a catarse aristotélica naquela gente. Só de ver um deles vencendo já os aliviava. Hoje ver apenas não basta. Somente o alívio por testemunhar o outro purgar os desejos e aspirações da massa anônima não é suficiente. Com a extrema valorização da imagem que os meios de comunicação proporcionam, todos querem o seu quinhão de exposição. É como se dissessem: “Se aquele pode, eu também posso, mesmo não tendo o talento que o faz especial, aliás, será mesmo que ele tem talento?”
E as razões que movem esta imensa massa de anônimos aspirantes à exposição não se dá só por conta de razões econômicas. O rico anônimo também quer aparecer, brilhar.
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“Contos de fada não existem. Nenhuma ‘fada madrinha’ virá tirar ninguém do borralho para fazer brilhar na corte em sapatos de cristal. Sem talento, ninguém se estabelece, pelo menos não por muito tempo”. É o que dizem para desestimular os mais afoitos. Será mesmo? Serão somente os 15 minutos da profecia de Andy Warwhol? Ou ainda: vale a pena esta luta encarniçada para chegar aos tais 15 minutos? São indagações que eu me faço e, na verdade, não consigo resposta. Olho na televisão, olho nos palcos, olho na vida política... É tanta gente que devia estar anônima, torcendo por quem tem o dom especial de catalisar os desprovidos...
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É como se todos quisessem ser as Cinderelas, nem que por alguns instantes, esquecidos de que para acontecer a história é necessário ter platéia. Ver o show é ser também parte do show. Mas como explicar isto para quem acha que se não estiver no palco é porque não existe? Mario Quintana (ave, mestre!) escreveu certa vez que as pessoas “esqueceram de tentar ser felizes de uma forma mais realista”. E que “ser feliz de uma forma realista é fazer o possível e aceitar o improvável”.
Admito ser difícil pensar assim quando o mundo a sua volta está tentando te convencer que ser feliz é almejar e conseguir o fútil, o passageiro. Entretanto, como Quintana mesmo disse, “a felicidade é um sentimento simples, você pode encontrá-la e deixá-la ir embora por não perceber sua simplicidade”.
M.S.

terça-feira, setembro 27, 2005

Ronald Golias (1929-2005)


“Ô Cridê... Fala pra mãe que o Céu está cada vez mais engraçado! Tem anjinho se rolando de rir aqui em cima!”

Prefiro pensar que a minha infância não está morrendo. Foram meus heróis que resolveram aprontar das suas em outro lugar.
Aqui ó, Bronco: Ptbrrrrrrr... “Pernáquia, pra você!”
M.S.

segunda-feira, setembro 26, 2005

Don Adams (1923-2005)


A K.A.O.S. pode ficar tranqüila. Don Adams, o Agente 86, faleceu ontem, em Los Angeles, de infecção pulmonar, aos 82 anos.
Fico imaginando o seguinte diálogo no Céu:
- São Pedro! Não me diga que eu morri!
- Você morreu, Max.
- São Pedro, eu pedi que não me dissesse isso!
Fica com Deus, Maxwell Smart. a gente sempre vai lembrar de você.
M.S.

sábado, setembro 24, 2005

Sujaram a Casa do Homem Branco

Noutro dia, estava passando pela Praça 15 e vi o estado em que está a água da estação das barcas, especialmente ali perto dos aerobarcos. Não fica a dever em nada ao Rio Tietê, que, como diz o Jô Soares, “é o único rio sólido do mundo”. Vi também recentemente um gari da Comlurb retirar centenas de embalagens pet dessas de dois litros de refrigerante de um curso de água. Há um tempo atrás, fui dar uma voltinha no Largo do Boticário, lugar aprazível do meu Rio de Janeiro, e vi o estado em que passa por ali o Rio Carioca. E quando ele desemboca na Baía de Guanabara fica pior ainda. O governo estadual até instalou uma estação de tratamento junto a foz (vejam abaixo), para tentar amenizar os esgotos que diversas ligações clandestinas lançam em suas águas. Transformaram o rio que dá nome ao gentílico da cidade em uma vala negra.
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E pensar que o Rio já dependeu totalmente do Rio Carioca para sobreviver. Ele tem um histórico interessante. Querem ver?
A Baía de Guanabara foi descoberta por uma expedição comandada por Gonçalo Coelho, que nela adentrou em 1o de janeiro de 1502. O piloto da expedição, um certo Américo Vespúcio, acreditou que era a foz de um rio.
E como era primeiro de janeiro, resolveu batiza-lo como Rio de Janeiro. Ele já tinha batizado um outro rio, que a expedição descobrira ao norte daquela nova terra. Como era dia de São Francisco, deu este nome àquele curso d’água. Como se vê, os nomes que ele dava pegavam...
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No ano seguinte, outra expedição comandada pelo mesmo Gonçalo Coelho esteve novamente na baía formada pelo tal “Rio de Janeiro” e ali deixou alguns degredados. Como ainda não tinha rede hoteleira nem indústria da construção civil, resolveram eles mesmos construir uma casa feita com pedras na foz de um rio de águas cristalinas, que desembocavam na igualmente cristalina baía. Os índios chamaram aquela casa de “kari’ioca” (“kari’i”= homem branco; “oca”=casa, ou seja, “casa do homem branco”). A moradia dos degredados acabou dando nome ao rio. E o rio adjetivou os que nascem na cidade. Dizem os arqueólogos que esta casa foi construída na altura da atual Rua Senador Eusébio, no bairro do Flamengo. Com os sucessivos aterros o mar ficou bem longe de lá, mas originalmente ela se situava à beira-mar.
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Muitos anos depois, Estácio de Sá fundaria a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro junto ao morro do Pão-de-Açúcar. Como a cidade não poderia se desenvolver ali, o governador-geral Mem de Sá transferiu-a para o alto do Morro do Castelo e de lá ela se esparramou pelas cercanias. No século 18, o Rio de Janeiro tinha crescido bastante, já era até capital da colônia! O Rio Carioca era o principal abastecedor de água da cidade. Só que ele ficava um pouco afastado do núcleo do centro urbano. Ou se pagava a alguém para ir lá pegar água ou se mandava um escravo encher um barril e trazer o precioso líquido. A administração da cidade instituiu leis de proteção ambiental (olha!), proibindo que se desmatasse ao longo do curso do rio ou que se lavasse roupa ou desse banho em animais em suas águas.
Mas, com a cidade crescendo, foi preciso arranjar um jeito de trazer a água do Carioca para mais perto. Construíram onze fontes abastecidas pelo rio, que foi canalizado desde sua nascente, com suas águas chegando à cidade, passando pelo Morro de Santa Teresa, por intermédio de um aqueduto, hoje conhecido como Arcos da Lapa.
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Como a água chegava limpinha, a administração liberou geral: desmataram as matas ciliares ao longo do rio, passaram a lavar roupa, cavalos, jogaram esgoto... e deu no que deu.
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O homem é a única espécie que polui a própria água que bebe. Assim como as guerras no final do século 20 tinham como motivação o petróleo, eu não tenho a menor dúvida que os conflitos deste século serão por causa de água.
A Cedae utiliza cada vez mais produtos químicos para “fabricar” água potável para a população do estado. Ainda assim, desperdiçamos, poluímos e inutilizamos reservas que não são infinitas: uma hora vai acabar. Como Jacques Costeau morreu, acho que vamos ter que chamar este aí do lado para defender nossas águas.
Abaixo tem outro texto que eu fiz sobre o futuro (?) problema da água.
M.S.

Viagem ao Planeta Água

Dados recentemente divulgados pela ONU dão conta de que mais de um bilhão de pessoas, ou 1/6 da população do mundo não têm acesso à água potável. Por conta disto, cerca de três milhões morrem anualmente em decorrência de doenças provocadas pelo consumo de água poluída. Quase três bilhões de pessoas no planeta não tem acesso a água canalizada e vivem em lugares sem saneamento básico.
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Atualmente, o continente europeu passa por uma das maiores secas de sua história recente. Na França, inclusive, já está passando por sério racionamento de água. (Em tempos de fartura o francês já não é chegado a um banho, quanto mais em meio a racionamento! O banho semanal virou mensal. A inhaca deve ser daquelas de derreter a Torre Eiffel!!)
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O Brasil, ao lado do Canadá e da Rússia, é um dos países com maior abundância de água potável no mundo. Ainda assim, perto de 40 milhões de brasileiros não têm acesso à água limpa.

Recentemente, a Organização Não-Governamental ambientalista WWF encomendou ao Ibope uma pesquisa sobre o uso da água pela população. Alguns números são estarrecedores. Por exemplo: 12% dos brasileiros não estão nem aí para a eventual falta d’água e não estão a fim de mudar seus hábitos de consumo para economizar o precioso líquido.
Num expansão grosseira que eu fiz, dá cerca de 20 milhões de pessoas. Se cada uma desperdiçar um litro de água por dia, em um mês 600 milhões de litros estarão literalmente indo para o ralo. Ou seja: o consumo diário de uma cidade do porte de Vassouras, no Estado do Rio, ou Aparecida do Norte, no estado de São Paulo. Outra surpresa de estarrecer: as pessoas de maior instrução, maior poder aquisitivo são as menos dispostas a colaborar com medidas de economia e conservação de água.
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A pesquisa revela uma luz no fim do túnel: cerca de 65% dos entrevistados estão dispostos a participar de grupos para estudar e definir o uso da água ou mesmo atuarem voluntariamente em medidas relacionadas ao assunto.
Há medidas em estudo no sentido de se aumentar em dois centavos por metro cúbico de água consumida na conta doméstica para com o total arrecadado desenvolverem estudos de despoluição e aproveitamento de tecnologias para evitar desperdícios. Há, inclusive, estimativas que dão conta de que este volume de recursos chegue a 40 bilhões de reais e seja somente aplicado nas bacias de origem. O que se arrecadar no Rio de Janeiro, será gasto aqui; o que for arrecadado em São Paulo será investido lá e assim por diante.
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Algumas empresas já estão engajadas neste esforço pela economia do consumo de água. A Coca-Cola divulgou recentemente que em 2004 consumia em média 2,26 litros de água para fabricar um litro de seus refrigerantes. Há dez anos, era de 5,4 litros/litro de bebida.
Uma curiosidade: muita gente pensa que as indústrias são as maiores consumidoras de água, mas a pesquisa WWF/Ibope revelou que elas são responsáveis por 20% do consumo. Os domicílios chegam a 10% e a grande usuária é a agricultura, com os 70% restantes. E para complicar a equação só 5,9% das propriedades rurais utilizam métodos racionais de irrigação. O restante simplesmente “rega as plantas”, sem nenhum critério.
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Estou pressentindo que quando a guerra mundial pela água começar, eu ainda estarei vivo, uma vez que pretendo viver mais de 100 anos. A “Questão pela Água” vai estourar muito mais cedo do que nossa vã imaginação supõe... Daqui a pouco, uma garrafa de “Caxambu” sem gás, safra 2005, valerá mais que um “Romanée-Conti”, igual ao que o Duda Mendonça sorveu com o Luiz Ignóbil, digo, Luiz Ignácio, nos tempos em que a esperança tinha vencido o medo.
M.S.

domingo, setembro 18, 2005

Meus "Rosebuds"


Na primeira cena de Cidadão Kane, excelente filme de Orson Welles, o personagem “Charles Foster Kane”, murmura “Rosebud...”, deixa cair uma bola de vidro, que se espatifa no chão, e morre. A partir dali, conta-se a história daquele magnata da Imprensa (inspirado claramente em William Randolph. Hearst (1863-1951), megaempresário das comunicações que efetivamente existiu) e descreve a busca por um jornalista dos motivos dele ter dito aquela palavra. Ao final do filme, quando estão queimando alguns objetos de Kane, aparece um trenó com a inscrição “Rosebud”. Os espectadores compreendem, então, que aquela palavra se referia à sua infância pobre, mas inesquecível. Um dado curioso: “rosebud” ou “botão de rosa”, era como Hearst chamava o clitóris da sua amante, Marion Davies (Fonte: “Guia dos curiosos”).
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Recentemente, esclarecendo uma dúvida do Leônio, cara bom de chinfra de Brasília, blogueiro do excelente Modos Artificiais, lembrei deste filme. E me veio à mente a pergunta: “qual seria o meu Rosebud”? Que objeto ou imagem simbolizaria a minha infância/adolescência que, graças a Deus, não foi pobre, mas certamente foi inesquecível?
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Há pouco tempo, o Artur Xexéo escreveu na sua coluna a boa recordação que um anúncio da cama DragoFlex lhe trouxe. Pois é. Trouxe a mim também. Era uma cama de armar, feita de canos, lona e molas. Meu pai tinha comprado uma, com a intenção de tirar seus cochilos no quintal de casa, debaixo de alguma das muitas árvores que tínhamos. Mais tarde a cama passou para uma empregada da nossa casa. Ela era da pontinha da orelha, tinha um tremendo corpão (não estou me cartando, não). Seu nome era Marly. Bem, com ela fiz minha iniciação sexual, justamente naquela cama DragoFlex. Seria esta, então, a minha Rosebud? Não sei. Talvez não.
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Recentemente, assisti no Programa do Jô, a um Billy Paul para lá de decadente cantando “Me and Mrs. Jones”. Esta foi a primeira música que eu dancei coladinho com uma garota, em uma festinha no bairro onde eu morava. Tomei a “cuba libre da coragem” antes de convidá-la para dançar e fui até ela, com os corações aos pulos, temendo a rejeição. Ela topou e dançamos. Eu ainda fiquei murmurando a letra da música no ouvido dela em autêntico “embromation”, enquanto circulávamos pela pista, junto com outros casais. Ver o Billy Paul cantando esta música me trouxe à memória aquela boa sensação. Seria “Me and Mrs. Jones” meu Rosebud?
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Quando vou à feira e vejo uma banca vendendo goiabas minha boca começa a salivar. Acabo comprando uma ou duas. Não que eu goste tanto assim de goiaba. É que só de ver a fruta lembro que no quintal da casa onde eu morava tinha quatro pés de goiaba: uma da branca e três da vermelha. E que eu preferia roubar goiabas no quintal de um velho brabo, junto com meus amigos, do que comer as de casa. As roubadas tinham um sabor especial que as lá de casa não tinham. Vai entender... Seria, portanto, uma goiaba meu Rosebud?
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Acho que não tenho só um Rosebud, tenho vários. Eu poderia relacionar muitos outros, como um carrinho de rolimã, bola de gude, um exemplar do gibi “Nick Holmes” número 1, que eu achei numa banca em Curitiba, há uns cinco anos, o perfume da planta “Dama da Noite”, que tinha no jardim de casa, minha primeira camisa do Flamengo, que acabou virando meu figurino na primeira peça de teatro em que atuei na vida...
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Muitas destas coisas nem existem mais. Minha antiga casa e meu antigo bairro estão tão diferentes que é como se não mais existissem. Meus Rosebuds hoje são quadros na parede da minha memória que de tempos em tempos faço questão de tirar o pó e admira-los. Mas não me detenho muito neles. Sigo em frente. Como a nave “Enterprise”, eu também tenho que explorar novos mundos desconhecidos e recolher outras memórias que me aquecerão um dia, quando, como o apóstolo Paulo, puder dizer ter combatido o bom combate, completado a carreira e guardado a fé.
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Este texto foi escrito especialmente para hoje, 18 de setembro, dia do meu aniversário. Normalmente eu fico mais nostálgico do que o costumeiro neste dia (mas, gostosamente nostálgico) e acabo remexendo meu baú de antigas ternuras. Vocês querem saber quantos anos estou completando? Bem, se eu tivesse nascido no planeta Mercúrio, teria 207 anos; em Vênus, 81; em Marte; 26; em Júpiter, 4; em Saturno, 1; em Urano, seis meses, em Netuno, três e em Plutão, dois.
Somei tudo e dividi pelo número de planetas do nosso sistema solar e cheguei a uma bela média: 41 anos e quebradinhos. Beleza! Do ponto de vista do nosso sistema solar está é a minha idade. Sou um garoto ainda!
(Se alguém quiser saber a sua idade nos outros planetas, clique aqui.)
M.S.

quinta-feira, setembro 15, 2005

Amor e paixão em jogo


Está em cartaz um filme muito simpático e divertido. Uma daquelas comédias românticas da qual o cinema americano é especialista. Trata-se de "Amor em Jogo" ("Fever Pitch" – USA, 2005), dirigida pela dupla Peter e Bobby Farrely, que já nos deu o maravilhoso "Quem vai ficar com Mary?" e o pavoroso "Debi e Lóide".
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Os diálogos do filme talvez sejam o seu grande atrativo. As piadas são ágeis e realmente engraçadas. A dupla de protagonistas, Drew Barrymore (apareceu recentemente em "Como se fosse a primeira vez" e "As panteras detonando") e Jimmy Fallon (do fraco "Taxi") está afinadíssima. Originalmente, trata-se de uma refilmagem do inglês "Febre de bola" (1997), que por sua vez era baseado no livro "Fever Pitch" de Nick Hornby (autor de "Alta Fidelidade"), onde o personagem principal é apaixonado por futebol. Neste, Ben Wrightman é fanatizado pelo time de beisebol Boston Red Sox e, por conta do filme, ficamos sabendo que praticamente toda a cidade é capaz de perder a cabeça pela sua equipe. Eles mantêm uma rivalidade com o New York Yankers que em nada perde de Flamengo e Vasco, Palmeiras e Santos, Atlético e Cruzeiro...
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Aí já entra o primeiro aspecto curioso da história: como uma cidade, um país inteiro, podem ter como paixão um esporte tão bobo, tão sem graça como o beisebol! Pior que este só o futebol deles, aquele com a bola oval, onde um bando de parrudos corre para se jogar em cima de um jogador e impedi-lo de prosseguir correndo. Não consigo entender como conseguem gostar tanto de dois esportes tão insossos.
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Claro, estou sendo egocentrista até a medula. Com que moral, eu, que sou louco de amor pelo Flamengo, a impessoalidade que mais amo no mundo, posso criticar o esporte dos outros? Ou melhor, a paixão dos outros por determinado esporte? Talvez por conta disto o filme tenha me interessado tanto. Acho que vai interessar aos marmanjos que querem demonstrar para suas namoradas a razão deles serem apaixonados por seus clubes. O personagem do filme tenta explicar o inexplicável: por que ele é fanático pelo Red Sox. Eu também não conseguiria explicar cientificamente meu amor pelo pavilhão rubro-negro. A gente gosta e ponto final.
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Mas o problema não é gostar. É perder de vista os limites. E nisto o filme é exemplar. Ben é professor e se interessa por Lindsey Meeks, uma executiva workaholic. Neste caminho, o filme repete a conhecida fórmula "rapaz encontra moça-rapaz se apaixona pela moça-rapaz briga com a moça-rapaz reencontra a moça e termina o filme aos beijos com ela", que é mais velha que os rascunhos da Bíblia. Mas, quem se importa? É uma comédia romântica, não um filme para revolucionar a linguagem cinematográfica. Lindsey (e as amigas, amigos e familiares) vê em Ben todas as qualidades de um cara "pra casar". Ele é tão perfeito que só pode ter escondido algum problema grave. E o problema é justamente a sua paixão ilimitada pelo Red Sox. Em algum momento ele teria que perceber (e alguém lhe diz isso na lata) que ele ama o Red Sox, mas o Red Sox não o ama. Já a Lindsay tem por ele os sentimentos que ele tem pelo time de beisebol.
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Taí o grande mote do filme: até quanto nosso amor por impessoalidades interfere no que sentimos por "pessoalidades"? Aí valem o parceiro, a família, os filhos, os demais seres humanos... Por que pessoas matam e morrem por uma paixão clubística? Quando amamos alguém esperamos alguma reciprocidade – a não ser que tenhamos fortes componentes masoquistas. Afinal de contas, o amor alimenta e é alimentado pelo outro, se não, vira dor, o que é uma rima mas não é uma solução. No caso de um clube, seja de que esporte for, não há reciprocidade nenhuma. Estamos amando algo que é uma abstração e que não vai nos retribuir o sentimento. Está claro que nos sentimos felizes, com o corpo cheio de endorfinas, quando nosso clube vence. Mas, evidentemente, o fato de um clube ganhar não significa que ele nos ama. Só significa que ele ganhou aquela partida, mas poderá perder a próxima.
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Em algum momento do filme Ben percebe isto e cai nos braços de sua Lindsey. Querem saber se o Boston Red Sox vence o campeonato? Prefiro não estragar a surpresa de quem for assistir ao divertido "Amor em jogo". E quem for poderá ter a grata surpresa de se divertir e refletir. Afinal de contas, o que está em jogo não é só o amor.
M.S.

segunda-feira, setembro 12, 2005

"Filho é igual a pum: você só agüenta o seu."

Estava eu no vagão, pensando na morte da bezerra, quando entrou um cidadão gritando esta frase. Eu tive que rir. Não satisfeito, ele emendou a segunda: “Mulher feia é igual a ventania: só quebra galho!” Eu ri um pouco mais alto. Aí ele emendou a terceira: “O dia que suor tiver valor, sovaco de pobre seca”. A esta altura eu já estava gargalhando. Eu sou assim: se eu acho alguma coisa verdadeiramente engraçada eu rio sem me segurar. Mas se eu não acho graça, não há Cristo que me faça rir. Por isso não gosto de ver “A diarista”, “Sob nova direção”... Não consigo sequer esboçar um sorriso com essas besteiras.
Mas o homem que entrou no trem, anunciando uma revista com uma seleção das melhores frases de pára-choques e de cara me ganhou. Custava só um real. Irresistível.
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Desde pequeno, sempre gostei destas gotas de sabedoria popular. Onde eu morava, tinha um caminhão (do Seu Valdemar) onde ele escreveu no pára-choque: “Um dia tropeçarás no teu orgulho e cairás nos meus braços”. Aqui pra nós, é bonito pra caramba, não é? Tenho de confessar: já usei esta pérola como cantada. Não arrumei nada, mas ela sorriu.
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Até chegar ao meu destino fui lendo a revista e me deliciando com as máximas que o povo cria, adapta ou copia. Sei que teve gente que fez até tese de mestrado sobre frases de pára-choque de caminhão. Mas são ótimas, mesmo. Uma espécie de filosofia universal. Algumas são claramente inspiradas em filósofos, como a socrática: “Só sei que não sei de nada...” Outras, poderiam ser assinadas por um Platão, um Aristóteles, vejam se não: “Quando nosso amor virar cinzas, lembre-se que eu mandei brasa.” ou “Tantos pedestres, tão pouco tempo.” Olha que coisa mais cartesiana, do tipo “penso, logo existo” que “Tudo na vida muda, até a surda muda” e “Rico acompanha procissão, o pobre persegue o santo”.
Diga-me com sinceridade se Schopenhauer, com todo o seu niilismo, não poderia dizer: “Tivemos 500 anos para aprender...E ainda deu errado!”
Existe toda uma lógica formal na frase: “Mulher é igual a lençol: da cama para o tanque, do tanque para a cama.” Só não vê quem não quer.
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Eu me orgulho do meu povo em saber que caminhões brasileiros estão correndo pelas estradas, levando escrito no pára-choque delícias como: “Jesus salva!...E passa para Moisés que chuta e é goooooooollll...” A força da modernidade globalizada inserida na sentença: “É nóis no DVD, porque fita é coisa de pobre...”
E o amor filial, tão decantado entre caminhoneiros, que pode ser verificado na frase: “Devo tudo à minha mãe, mas já estou negociando.”
Nenhuma sinalização de trânsito poderia ser mais pragmática e com mais conteúdo simbólico do que: “Você deve ter mais cuidado ao ultrapassar que o Capitão Gancho ao coçar o saco”. E por falar em pragmatismo, temos esta pérola de objetividade: “Quem dá aos pobres nunca será uma bicha rica”.
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Não tem jeito: “Quem gosta de motorzinho é dentista”. Afinal de contas, “Bom mesmo é dinheiro, muié e bicho de pé”.
E frase de pára-choque caminhão. É claro.
M.S.

Ela é muito metida

Li no jornal de sábado sobre o lançamento da autobiografia da bailarina australiana Toni Bentley. O título é “A entrega – Memórias eróticas” (No original: “The Surrender”). No livro, ela fala da sua “libertação física e espiritual encontrada por meio do sexo anal”.
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A matéria traz um trecho da obra. Achei melhor não transcrever. Ela diz que não faz propaganda do sexo anal, mas, olha, não parece. A impressão que passa é de tentar convencer às mulheres que entubar uma brachola tem os seus encantos. Veja só o que ela disse na entrevista de divulgação da sua obra:
“Com este tipo de sexo, experimentei uma sensação física, psicológica e espiritual única de me deixar levar, me soltar”.
Viu só? Sentar num banquinho de carne pode dar um barato maior que LSD!
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A matéria tem fotos e causa uma certa surpresa ver aquele corpinho magro de bailarina agüentar uma pemba com tanto altruísmo. Pela resenha, ela descreve o chouriço de seu parceiro – que ela chama de “Homem A” – como algo “definitivamente muito grande” (sic!). Olha, pela foto dela de costas que está na matéria, com aquele corpitcho, algo me diz que ela extraiu as amígdalas num dos...hum...intercursos com seu parceiro. E no texto ela dá mostras de que encara de frente (quer dizer, de costas) a clava forte, não foge à luta e ainda vê o lábaro estrelado!
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Até aí tudo bem. Sexo anal para ela é pinto. Metaforicamente, os políticos vêm fazendo muito pior com o povo há muito tempo. O que me deixa ensimesmado (sempre quis usar esta palavra...) é outra coisa. A moça gosta de alguém que lhe empurre a janta de volta para a goela, mas e daí? Botou suas ...hum...reflexões no papel e conseguiu editora. A esta altura já virou best-seller. Lamento que outras pessoas com outras reflexões e doidas para publicar um livro não tenham a mesma sorte da moça, que é muito metida e bem gozada. Eu adoraria publicar, por exemplo, a minha dissertação de mestrado. Ela demonstra a importância da Imprensa para a realização do histórico censo de 1920 e na comemoração do Centenário da Independência, em 1922. Tenho também vários contos, um premiado inclusive, e estou certo de que não terei facilidades de conseguir editora. Outras pessoas, talvez mais talentosas do que eu, também têm dificuldade para chegar ao livro.
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Mas se para conseguir publicar é preciso esticar a veia do pescoço, morder o travesseiro e sentir uma unha no calcanhar, vou logo avisando: ESTOU FORA!
M.S.

sexta-feira, setembro 09, 2005

A bela (surpresa) da tela


Só a frase: "o personagem não pertence ao ator; o ator é que pertence ao personagem", já me faria aplaudir o excelente filme "A bela do palco" ("Stage beauty", EUA/Alemanha/Inglaterra, 2004), em cartaz na rede Estação. Entretanto, o filme é bem mais do que esta frase.
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Baseado em um ator que realmente existiu, Edward "Ned" Kynaston (1640-1706), provavelmente o último e certamente o melhor a representar papéis femininos ao tempo em mulheres não podiam atuar em Teatro [veja foto dele à direita] , o filme descreve primorosamente uma época em que o rei e os poderosos de então iam assistir às peças. Bons tempos aqueles! Não tenho notícia de nenhuma ida ao Teatro (qualquer Teatro) do Mr. Bush ou do Mr. Blair ou mesmo do Sr. Da Silva.
Pois no Século 17, onde pontificava na Inglaterra o rei Charles II, a nobreza ia ao Teatro e ainda patrocinava peças, vejam vocês! Aliás, no filme o próprio rei também dá uma de ator e se veste de mulher para jogos teatrais em seu palácio (veja a foto abaixo)

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Em rápidas linhas, eis o argumento: Ned Kynaston (Billy Crudup, que esteve recentemente no admirável "Peixe grande e suas histórias maravilhosas", de Tim Burton) está no auge de sua carreira de ator, famoso e incensado por seu desempenho nos papéis femininos das peças de Shakespeare. Eis que sua camareira, Maria (a bela e talentosa Claire Danes, "mocinha" de "Exterminador do Futuro III"), pretende se tornar atriz, apesar da proibição de mulheres atuarem. Para isto, ela o observa em cena, adquirindo inclusive seus maneirismos. Por intervenção de uma outra aspirante aos palcos, Nell Gwinn (Zoe Tapper) [veja a foto da atriz original, que realmente existiu] , que também era amante do rei Charles II (o sempre ótimo Rupert Everett), cai, por decreto real, a proibição de mulheres representarem. Isto faz com que a carreira do "especialista" Kynaston decline, ao mesmo tempo em que Maria passa a ser a grande sensação dos palcos. Mas eis que, em determinado momento, é preciso que ela represente bem o papel de Desdêmona, justamente a pièce de résistence de Kynaston.
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Crudup transmite perfeitamente a personalidade dupla do protagonista, incluindo sua arrogância, sua afetação e toda a dubiedade de seu comportamento amoroso/sexual. É curioso observar que na primeira parte do filme, quando ele atua em travesti, as cenas no palco tenham aspecto farsesco, absolutamente risível. A gente chega a se perguntar se era assim mesmo que se representava ao tempo de Shakespeare e na fase imediatamente posterior a ele, que é o tempo do filme. No entanto, vemos a cena final de "Othelo" ganhar uma dimensão e uma força de fazer a platéia (do filme e da peça) perder o fôlego. Nunca vi, em toda a minha vida, uma cena final deste clássico shakespeariano representada com tanto arrebatamento e impacto emocional como a mostrada no filme.

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Nas reconstituições de época, os ingleses costumam ser imbatíveis e neste "A bela do palco" continuam dando o show habitual. Cenários e figurinos são perfeitos, a direção de arte é capaz de fazer pirar carnavalesco de escola de samba, os diálogos são magistralmente escritos, a fotografia é belíssima.
No elenco, todos estão ótimos: além dos citados, podemos incluir o sempre correto Edward Fox e a luxuosa coadjuvância de Ben Chaplin, Hugh Bonneville e Richard Griffiths. Os demais, com pequenas participações, também se saem muito bem. A direção de Richard Eyre é perfeita, conseguindo retirar dos atores o melhor de cada um e criando belas molduras para a história que está sendo narrada.
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Se você acha que este filme faz lembrar "Shakespeare Apaixonado" está redondamente enganado. Ambos são tão semelhantes quanto uma taça de Château Lafite-Rothschild e um copo de Cantina de São Roque. Alias, depois de ver o desempenho de Claire Danes, a gente fica imaginando como a Gwineth Paltrow pôde vencer a Fernanda Montenegro no Oscar...
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Para mim que também sou ator, um filme como este dá um nó na cabeça, especialmente nos momentos em que Kyneston começa a se questionar sobre a importância de atuar, ou nos seus esforços em melhorar sempre, ou ainda nas dúvidas que assediam o personagem Maria... Há uma complexa (para nós, atores) discussão sobre arte e vida que não há como não instigar quem já entrou num palco para representar.
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Por fim, fica a deliciosa frase que o rei Charles II disse no camarim para os atores, depois de ter visto a peça: "vocês falam em tragédias e mortes, mas depois vamos sair para jantar".
Cai o pano.
M.S.

terça-feira, setembro 06, 2005

A Solução Final


Para os políticos, pobre é um negócio que incomoda. Eles só ficam pedindo coisas, só falam em desgraça, são feios e poluem o visual de quem está acostumado a ver coisas bonitas. Os políticos devem dar graças a Deus por só ter que se envolver com esta gente de quatro em quatro anos. No fundo, eles pensam como aquele personagem do Chico Anysio que dizia: “pobre tem é que morrer!”
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A gente tem visto as imagens da desgraceira toda causada pelo furacão Katrina, no sul dos Estados Unidos. E vemos a forma com que o governo federal norte-americano está tratando do assunto. Quando o desastre aconteceu, o George W. Bush estava de férias (acho tão engraçado um presidente tirar férias...), pescando em seu rancho texano. Fico imaginando que tão logo passou o furacão houve o seguinte diálogo entre o presidente Bush e um assessor:
ASSESSOR (se aproximando do Bush, na beira do lago onde ele está pescando) – Er...Sr. presidente...
BUSH (impaciente) – What a fucking hell...Que que é, heim?
ASS – Desculpe, senhor presidente, mas temos um probleminha...
BUSH – Oh shit...O que foi desta vez? Se for aquela maluca que está acampada aí na porta do rancho para falar comigo sobre a merda do filho dela que morreu no Iraque, esqueça! Eu não vou falar com ela!
ASS – Não, senhor presidente, é um pouquinho mais grave. O furacão Katrina arrasou com o Mississipi, o Alabama e a Louisiana. Falam em milhares de mortos, milhões de desabrigados.
BUSH – Ah isso... Algum contribuinte importante nosso morreu?
ASS – Não senhor. Basicamente, só negros pobres e miseráveis.
BUSH – Sei...Tá, tá, tá, depois eu vejo isso!
E só muito mais tarde e muito a contragosto ele foi se inteirar da situação.
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Provavelmente morreram mais pessoas em decorrência deste furacão do que no 11 de setembro de 2001 (Tem gente falando em mais de 10 mil mortes causadas direta ou indiretamente pelo Katrina). Mas é evidente que a ação do governo está sendo bem diferente. Em New York, morreram ricos e pobres, certamente com mais baixas entre os ricos. O inimigo era humano, atacou sem aviso, sem dar chance dos poderosos se protegerem. Além disso, daria uma bela chance de acionar a indústria bélica, grande contribuinte de Bush. Em New Orleans e outras cidades, o inimigo foi um acidente natural. Houve tempo para quem tinha carro, dinheiro e lugar para ficar poder sair com antecedência. Praticamente só ficou quem não tinha para onde ir.
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As imagens e notícias que chegam de lá são terríveis. Não bastasse a força dos ventos, a ação das águas que inundaram tudo, ainda teve (ou tem) outros problemas. A região é cercada de pântanos, cheios de cobras e crocodilos. Com a cheia, eles invadiram a cidade. Pessoas que estavam andando pela rua, com água pela cintura, ou que estavam boiando em algum pedaço de madeira foram atacadas por jacarezões enormes. Gente que estava em casa, tentando salvar seus pertences se deparavam com cobras que vinham pela porta da frente. Mas o pior inimigo não foram estes animais. Foi o próprio homem. Em meio àquele Inferno de Dante, saqueadores, estupradores, invadiam os domicílios e faziam estrago maior que qualquer crocodilo. E quando alguém corria para pedir ajuda era confundido com um saqueador pelo Exército e polícia sendo imediatamente abatido a tiros. Parecia cena de “A volta dos mortos-vivos”. Só que sem zumbis. Estão achando corpos de gente morta de tudo o que á jeito: crianças degoladas, velhos mortos a pauladas...
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O furacão deu o mote para uma nova “Solução Final”, sem câmaras de gás, sem fornos. Estão matando negros pobres de fome, de sede, por falta de atendimento, isolados em um cenário desolador. E quem ainda não morreu pelo cataclisma, talvez não escape do surto de pestes que vão assolar aquelas cidades. Cadáveres estão apodrecendo sob as águas em casas e ruas, ratos vão espalhar leptospirose para tudo o que é lado, os diques de contenção continuam rompidos. O custo para reconstruir as cidades afetadas vai igualar ao que foi gasto na guerra contra o Iraque. Só que uma guerra envolve muitos interesses econômicos altamente lucrativos. Reconstruir as casas de pretos pobres não rende tanto dinheiro assim...
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A novela “América” trata de pessoas do Brasil e do México que tentam o “sonho norte-americano”. Acham que lá vão viver melhor que em seus lugares de origem. Olha, depois de ver como o governo ianque trata seus próprios cidadãos, acho que quem está querendo “fazer a América” deveria pensar duas vezes.
M.S.

sábado, setembro 03, 2005

Assim falou Bakunin


"Assim, sob qualquer ângulo que se esteja situado para considerar esta questão, chega-se ao mesmo resultado execrável: o governo da imensa maioria das massas populares se faz por uma minoria privilegiada. Esta minoria, porém, dizem os marxistas, compor-se-á de operários. Sim, com certeza, de antigos operários, mas que, tão logo se tornem governantes ou representantes do povo, cessarão de ser operários e pôr-se-ão a observar o mundo proletário de cima do Estado; não mais representarão o povo, mas a si mesmos e suas pretensões de governá-lo. Quem duvida disso não conhece a natureza humana."
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Mikhail Bakunin (1814-1876), anarquista russo. Opôs-se radicalmente ao frio e cínico Netchaiev, outro anarquista, por este pregar ações contrárias ao anarquismo, alegando que “os fins justificavam os meios”.
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M.S., pela transcrição.

Revolução dos bichos

“(...) mas num instante de eloqüência Bola-de-Neve arrastou a todos. Com sentenças ardentes, pintou um quadro de como poderia ser a Granja do Bichos quando o trabalho sórdido fosse sacudido de sobre os ombros de todos. (...)

Porém exatamente neste momento, Napoleão levantou-se e, dando uma estranha olhadela de viés para Bola-de-Neve, soltou um guincho estridente que ninguém escutara antes.
Ouviu-se um terrível ladrido lá fora e nove cães enormes, usando coleiras tachonadas com bronze, entraram latindo no celeiro. Jogaram-se sobre Bola-de-Neve, que saltou do lugar onde estava, mal a tempo de escapar àquelas presas. Num instante, saiu porta fora com os cães em seu encalço.” (pág. 45/46)
Eric Blair, vulgo, George Orwell (1903-1950)

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O trecho acima é do livro “Revolução dos bichos” (“Animal Farm”), em cuja história Orwell faz um paralelo entre a Revolução Bolchevique de 1917 e o ocorrido numa fazenda de sua fábula, quando os animais, liderados pelos porcos Sansão, Bola-de-Neve e Napoleão, tomaram o poder.
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“Havia uma claríssima evidência de prática sistemática de caixa dois. Eu tentei discutir isso na direção. Estavam amedrontados porque era o grupo do Lula e do Zé Dirceu, duas figuras da maior presença. Eu achei a questão tão grave que resolvi levar ao encontro nacional do partido, no Espírito Santo, onde havia de 600 a 800 delegados. Fiz um pronunciamento da tribuna, alertando o partido sobre a gravidade do que estava acontecendo. Comecei a falar, usei a expressão de que estávamos diante do ovo da serpente e que o partido claramente tinha de ter consciência do perigo representado pelo que estava ocorrendo. Eu estava falando e vi o Zé Dirceu levantar-se e ficar de frente para o plenário e de lado para mim. Eu continuei falando e o vi fazendo movimentos diante do plenário. Em seguida houve uma troca de gestos entre ele e alguns delegados do ABC (paulista).

Este grupo se levantou e partiu para cima de mim para interromper pela força o meu pronunciamento. Eram umas 20, 30 pessoas. Vieram para me dar porrada. Meus amigos levantaram, foi uma confusão. A convenção foi interrompida. Na seqüência eu fiz minha carta de desfiliação porque estava sendo eleita a nova direção nacional e o Zé Dirceu era candidato a presidente (...)”

Cesar Benjamim (economista e professor da UERJ, um dos fundadores do PT e membro do partido até 1995)
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No texto acima, Cesar relata, em entrevista à revista Época (27 de agosto/2005), o que aconteceu quando ele começou a descrever, na convenção nacional do Partido dos Trabalhadores, em 1995, as maracutaias do PT, ocorridas nas eleições do ano anterior.
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Qualquer semelhança entre as duas situações NÃO é mera coincidência.
M.S. (ex-eleitor militante do PT)

Oprah Winfrey


Noutro dia, por intermédio do blog da minha amiga Isabela, cheguei à página da Lia – o Lounge. Parece que ela é coleguinha, mas não tenho certeza. Lá, vi (entre vários) um post interessante onde revela ter descoberto que o prenome daquela apresentadora-ícone americana, Oprah Winfrey era “HARPO” de trás para a frente. Ele disse que provavelmente a Oprah teria um irmão chamado OHCUORG, um outro de nome OCIHC, e ainda um OPPEZ e um OMMUG, além do “intelectual da família, o LRAK”. Grande sacada! Ri muito.
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Acontece que num dia desses, vi o “The E! True Hollywood Story” sobre a Oprah e aí desfez a mágica. O nome dela era para ser “Orpah”, conforme aparece na Bíblia, no Livro de Ruth. Só que os pais dela não souberam pronunciar direito e aí o escrivão mandou “Oprah”, mesmo.
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Alias, curiosa a história da moça. Seus pais nunca sequer namoraram. Um dia, Mr. Winfrey estava zanzando pelo estado do Mississipi, encontrou uma senhorita, passou-lhe aquela baba de quiabo e a levou para atrás de uma árvore. Depois do “Oh, yes! Oh, yes...” ele foi embora. Nove meses depois nasceu o resultado do amasso. Pelo menos o cara teve a decência de registrar a filha.
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Oprah Winfrey teve uma infância muito pobre. Segundo ela contou, brincava de montar em porcos e correr atrás de galinhas por não poder ter uma boneca. Nem sua mãe, nem seu pai tiveram outros filhos (viu, Lia? Nada de anagramas de Groucho, Chico, Zeppo, Gummo nem do Karl). Por ter uma voz envolvente e personalidade magnética, entrou para o rádio, acabou na televisão e virou fenômeno de mídia. A menina que brincava com porcos hoje é a maior fortuna feminina do show business americano. E poderia ser mais rica se não desse pilhas de dólares para instituições culturais pobres e para campanhas de caridade.
Seu programa é transmitido para todo USA, sendo assistido por milhões de espectadores.
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E pensar que tudo começou quando um caipira levou outra caipira para trás da horta...
M.S.