quinta-feira, março 29, 2007

Chique Chiqueiro


Prosseguindo a partir do post anterior sobre os hábitos de asseio das populações passadas. Mais um episódio da séria série “A História tem cada história”.

Bem... No capítulo anterior, falávamos do banho e da fase final de toda obra-prima culinária. Prosseguiremos falando da falta de saneamento e suas conseqüências para os habitantes do Rio Antigo.
*
Em 1853, o então presidente da Junta, o médico Francisco de Paula Cândido, elaborou o Relatório sobre a salubridade da cidade do Rio de Janeiro em geral e a febre amarela em particular para subir à Augusta Presença de S. M. o Imperador, onde fez reflexões curiosas e interessantes a respeito da Higiene Pública da capital do país. Uma delas: “O clima, isto é, o ar respirado pelos habitantes do Rio de Janeiro tem sofrido notável modificação com o crescimento da população e com as mudanças que a civilização tem operado em seus costumes”.
*
Arrá! Então a falta de educação das pessoas, os maus cidadãos que emporcalham a cidade vêm de longe? Pois é.
E o tal cientista listou alguns fatores que, na opinião dele, junto com a falta de higiene, influíam na duração média da vida das pessoas de sua época: “a emigração, o aumento da reprodução, acompanhando algumas vezes o aumento da mortalidade, a idade das paixões, onde mais se morre, afluindo para as cidades, a vida efeminada e indolente da classe abastada, a idade provecta de alguns que pode ser mais que contrabalançada pela maior mortalidade da infância (...)”. Não deixa de causar um certo espanto o comentário sobre hábitos... huum... pouco ortodoxos da “classe abastada”, especialmente por se tratar do ano de 1853, e em um relatório dirigido ao Imperador. Mas prefiro “pular essa parte”... Voltemos à porcaria.
*
O Dr. Francisco de Paula fez um cálculo curioso sobre a quantidade de dejetos que eram produzidos diariamente na cidade. Segundo ele, tomando-se por base que cada homem bota pra fora, em média, 165 gramas em fezes por dia (eu sei que tem muito cagão que faz bem mais do que isso, mas, na média, dá aproximadamente esse peso, você sabia? Experimenta arriar o barro numa balança procê ver...), isto multiplicado pela população da época estimada em 266 mil habitantes perfariam 311.220 arrobas de matérias sólidas (ou seja, cocô) a se transformarem em gases, que seriam fatalmente inalados pelas pessoas. Para animais, a estimativa dava conta de 155.610 arrobas a se volatizarem in natura diariamente.
*

Perceberam? Sentiram o cheiro da bosta? Hoje, reclamamos do gás carbônico dos carros. Na época, eles reclamavam do “gás carbônico” das pessoas e dos cavalos e outros animais que zanzavam pela cidade. Ou seja: da cocozada que ficava pelo chão, ao alcance de olhos e principalmente das narinas do povo...
*
Não é à toa que a Carlota Joaquina vivia reclamando com o Príncipe Regente D. João que essa cidade fedia a merda...
*
E, olha... Atualmente, isso não mudou muito, não. Vivemos num chiqueiro chique. Lembro que nos anos 90 eu estava ensaiando uma peça com o saudoso diretor Marcio Vianna. Ele pretendia fazer um espetáculo sobre cegos e queria que atores e público sentissem o desconforto de não enxergar. Nos ensaios, ele fez o seguinte exercício com a gente: dividiu os atores em duplas e cada um tinha que fechar os olhos e ser conduzido pelo outro pela cidade. Depois trocava. Quando fui o “cego”, caraco!, fiquei achando que a minha colega tivesse me levado para o canal do Mangue. No que a gente fica sem um sentido, os demais se aguçam. E eu, sem visão, tive meu olfato mais apurado. (Eca! Eca! Eca!) Porém, o mais engraçado é que ela me levou para andar nas ruas do centro e depois da Zona Sul da cidade! Áreas nobres! E o cheiro de bosta, mijo e lixo que impregnava meu nariz continua por aí mesmo hoje em dia. Só que nos acostumamos com ele...(Argh!)
*

Por tudo isso, pelos maus hábitos de higiene da população, o Rio foi, durante os Séculos 18 e 19, a capital da pestilência nas Américas. Cólera, tifo, peste bubônica matavam pessoas como a gente mata mosquito. Querem mais um exemplo da nojeira? Olha só.
Naquela época, o tratamento mais recomendado para todo tipo de doença era a sangria. Achavam que se a pessoa botasse o sangue ruim pra fora, ficaria curada de suas mazelas. Daí, recomendava-se sangria pra tudo: Dor de cabeça? Sangria. Diarréia? Sangria. Torcicolo no pescoço? Sangria. Calvície? Sangria. O homem ficou broxa? Sangria. E nisso, quem receitava e aplicava esse “tratamento” eram os barbeiros, que na época, não cortavam só barba e cabelo, eram também uma espécie de médicos populares. Havia uma concentração deles no Beco dos Barbeiros (que existe até hoje, na Praça 15, ao lado da Igreja do Carmo). Os doentes chegavam lá, sentavam na cadeira e o fígaro perguntava: “cabelo, barba ou sangria?” “Ah, eu estou com uma afta na língua...” “Pois então, é sangria!” O doente tirava as botinas, estendia o pé e o barbeiro passava a navalha na sola dos pés, fazendo dois cortes. O paciente ficava ali, sangrando, e vendo o sangue correr por uma pequena vala no meio do beco (que existe até hoje! Pode ir lá ver!).
Agora imaginem, uma vala de sangue no meio da rua! E desembocando no mar, ali, ao lado do Paço Imperial. Os ratos, baratas e tudo o que é bicho nojento se empanturravam naquele sangue pestilento! Bleargh!
*

E por falar em vala, elas eram muitas pela cidade. A mais famosa delas era a que saía do Chafariz da Carioca (vide ilustração), que ficava no largo de mesmo nome (mantido até hoje). No Século 18, a cidade tinha falta de água em seu interior. Para conseguir o precioso líquido, tinham que ir até o Rio Carioca ou pagar os escravos aguadeiros. Daí, o governo abriu 11 chafarizes no perímetro urbano. Todos abastecidos pelo Rio Carioca.

O maior deles era o que ficava junto ao Convento de Santo Antônio. A água vinha por Santa Teresa, passava pelo Aqueduto da Carioca (hoje, Arcos da Lapa, veja a figura) e desembocava no Chafariz da Carioca, onde mulheres pobres, escravos e escravas pegavam água, lavavam roupa e o escambau. Dali, a água suja seguia por uma vala que já existia na atual Rua Uruguaiana (que tinha o nome de Rua da Vala), até o mar. Pelo caminho, recebia esgoto das casas do lugar.
*

Tem uma história interessante sobre essa vala. No final do Século 18, o vice-rei Luís de Vasconcelos arrumou uma amante na Rua da Vala. Quando o marido da dadivosa senhora saía, o vice-rei ia lá afogar o ganso real. Um dia aconteceu algo inusitado. Estava lá, D. Luís, na maior saliência com a amante, quando ela ouviu sons na rua:
- Ih! É o meu marido!
D. Luís levantou-se da alcova de um salto:
- Caralhos me fodam! Ele não pode me pegar aqui! Eu sou o vice-rei!

- Esconda-se no armário!
- Ó pá! Sou português mas não sou burro! Até em piada todo mundo sabe que o armário é o primeiro lugar que os cornos procuram amantes!
- Então, alteza, cate seus panos de bunda e chispe-se pela janela, que ele já está entrando!
E foi o que D. Luís fez. Catou ceroulas, sapato, camisa, abriu a janela e pulou para a rua... atochando os pés na vala!
- Raios! Por todos os infernos! Que merda! @%&#$%§&*!!!!!!!! (Melhor não traduzir essa parte, esse blog é de família)
Daí, no dia seguinte, o vice-rei D. Luís mandou canalizar e cobrir a vala da Rua da Vala. Melhorou sensivelmente o saneamento do local. E isso, graças ao adultério da amante do representante da Coroa portuguesa. Estão vendo? Chifre é cultura e pode ser benéfico para a população.
Tempos depois, o chafariz foi desativado. E hoje, o metrô passa por baixo da Rua Uruguaiana, exatamente onde havia a famosa vala.
M.S.
**************************************************
Quando eu dou minhas aulas e faço as minhas palestras sobre História Urbana do Rio eu conto essas histórias, falo assim desse jeito que eu escrevi. Pode ser a maior “fuleragem”, como dizem no Nordeste, mas nunca recebi queixas. O povo diz que aprende e não esquece...
**************************************************
Na Rádio Antigas Ternuras, você está ouvindo “What a wonderful world”, com o grande Louis “Satchmo” Armstrong. Depois de falar de tanta merda que os seres humanos fazem, nada como uma melodia do céu para a gente lembrar do mundo maravilhoso que nos rodeia.

domingo, março 25, 2007

Avós do Cascão


E lá vamos nós para mais um texto da séria série “A História tem cada história”. Hoje, falaremos sobre um tema pra lá de prosaico:

Saneamento.

Vamos lá?
Diga-me você, ó leitor, existe coisa melhor do que chegar em casa, suado, e entrar numa ducha daquela que lava a alma da gente? Ou então acordar pela manhã e dar uma chegadinha no banheiro, sentar no trono e mandar um “número 2” com toda calma e delícia do mundo, tem coisa mais prazerosa? No primeiro caso, ao fim do banho, fechamos a torneira e tudo o mais escoa pelo ralo. Nada mais temos a ver com aquelas águas. No segundo, ao fim da “obra”, apertamos um simples botão e aquele pedaço de nós desaparece de nossas vistas sem mágoas, sem despedidas. Que coisa boa, né? Mas, olha, antigamente não era assim, não!
*
Até o Século 19, iniciozinho do 20, a quase totalidade das casas não tinha banheiro. Aquele cômodo reservado, onde lavamos o nosso corpinho sensual, onde também tiramos a famosa “água do joelho” e ainda eventualmente “esculpimos uma cerâmica”, só bem mais tarde entrou para o cotidiano das casas.
“Mas, como é que era?” – perguntariam vocês, com olhinhos fúlgidos de curiosidade.
*

Bem, ao longo do Brasil Colonial e mesmo do Brasil Império, tomar banho era praticamente uma cerimônia, um ritual. Não existia um cômodo específico pra isso: trazia-se uma enorme tina de madeira pro quarto, enchia-se de água quente (ou morna, ou fria, de acordo com o gosto de cada um) e começava o banho da família. Em tempos idos, toda a família tomava banho na mesma água, começando pelo chefe, depois pela mãe, o filho mais velho, assim por diante. O filho mais novo tomava banho na lama de seus parentes. Sorte dele que, como banho era uma cerimônia, não acontecia todos os dias.
*
A família branca brasileira descendia diretamente de portugueses, que, como os europeus de forma geral (posso garantir isso pelos latinos e anglo-saxões; não estudei eslavos e nórdicos detidamente) viam o ato de tomar banho como uma obrigação, e digo mais: um ato perigoso e arriscado. Explico.

De tempos em tempos, a Europa era flagelada pela Peste Negra (nome que davam à peste bubônica), que matava gente feito moscas. Em Portugal, teve grandes surtos nos Séculos 14, 16, 17 e 19. Os médicos de então, diziam que quando as pessoas tomavam banho, tiravam a proteção natural da pele. E mais: os poros ficavam abertos, propensos a pegar doenças que estavam no ar (eles não sabiam que a bubônica se pegava pelos ratos). Daí, quando um rei tomava banho, ficava de quarentena por umas três semanas, não atendendo a ninguém, não dando audiências, para que seus poros abertos não captassem nenhuma doença. Da mesma forma, se um nobre ou plebeu tomava o seu banho (anual, semestral, mensal...), ele não queria saber de contatos com quem não tivesse se lavado, pois temia pegar alguma ziquizira. Nessa, tomar banho passou a ser coisa muito perigosa, já diriam os avós do Cascão. Tal costume veio pro Brasil. Os portugueses estranhavam o fato dos índios viverem se banhando todo dia, toda hora. Os nativos, ditos selvagens, reclamavam do fedor da portuguesada, que não era chegada a uma lavação. De qualquer forma, o hábito do banho diário só entrou nos costumes locais bem mais tarde.
*

Voltemos para o Século 19. Falei do banho, agora falo do natural hábito de se “escorregar um moreno”, “arriar uns tocos”, como diria o povaréu.
Isso todo mundo fazia e faz em qualquer época, sem restrições. Tem gente que ainda “desliza o barroso” cantando “você foi saindo de mim, devagar e pra sempre...” Pois é. Mas antigamente, puxava-se o penico que jazia embaixo das camas (era de barro, ferro esmaltado ou porcelana, de acordo com as posses da família), sentava-se o buzanfã e se paria um “rabo de macaco”, que se aninhava caprichosamente no fundo da peça. Em determinada hora do dia, alguém (escravo ou membro da casa) recolhia o conteúdo barroso dos penicos, deixando-os limpos para serem novamente usados. A complicação estava em se definir qual destino dar ao conteúdo dos penicos...Aí é que estava o busílis!
*

Eram duas as opções: uma, era abrir a porta ou janela, gritar: “arreda, ioiô, que lá vai cocô!”, arremessando a “cerâmica” à sua própria sorte. Quem trafegasse pela rua, ao ouvir esse alerta, tratava de se defender do torpedo fedorento que viajava pelos ares. De forma geral, o toletão caía em alguma vala negra ou mesmo jazia pela rua, feito um galho escatológico, um resíduo do outono visceral humano (eita, que hoje eu estou com a cachorra!).
A outra opção, era despejar os penicos num barril que continha “as águas da casa” – o conteúdo das tinas de banho, das tinas de lavar louça etc. Em determinada hora do dia, um escravo da casa ou empregado da família levava este barril para despejar no mar. Ou então, contratava-se um dos “escravos-tigres”, também chamados de os “tigrados”, que eram a “Companhia de Águas e Esgotos” da época. Eles zanzavam pelas ruas do Rio de Janeiro, com um barril na cabeça. Se alguém quisesse se desfazer de suas “águas de casa”, despejava o conteúdo de seu barril no barril do escravo. Pagavam algumas moedas e o “tigrado” se incumbia de jogar os restos no mar.
*
Por que “tigrados” ou “tigres”? Bem, os negros andavam pelas ruas do Rio com um barril cheio de merda na cabeça. Com o fortíssimo calor, a bosta derretia, escorria pelas frestas do barril e, obviamente, pela cabeça e rosto do escravo, que ficava com a cara preta cheia de listras marrons, lembrando um tigre...
*

O curioso nesta história era onde os “tigres” despejavam o conteúdo dos barris. No mar, diante do Paço Imperial (veja na ilustração, no círculo vermelho). Ou seja, vários barris de titica eram despejados defronte ao Palácio do Governo Imperial brasileiro. Imagina fazerem isso em Brasília, diante do Palácio do Planalto! (Até já posso ouvir meus amigos blogueiros DO e Marconi Leal dizendo: “hoje a bosta está DENTRO do Palácio do Planalto!”)
*
Já imaginaram o cheiro que as ruas do Rio tinham naquela época? E o mar, nas proximidades do Centro? Eca! Eca! Eca!
*
Este post está ficando muito grande. Continuo na próxima postagem. Tem outras historinhas interessantes sobre hábitos de Higiene do Rio Antigo. É só aguardar.
**************************************************
Na Rádio Antigas Ternuras, você está ouvindo Simone cantando “Saindo de mim”, em homenagem ao que sai de nós... “de uma forma sincera...definitivamente”...

quarta-feira, março 21, 2007

Ainda festejando...


O Antigas Ternuras completou dois anos. Então, vamos comemorar! Quer dizer, vamos continuar comemorando!
Na semana passada, republiquei um texto postado aqui entre 2005-2006. Agora, vou republicar um texto do segundo ano de criação do blog, entre 2006-2007.
Escolhi este daí debaixo.
Espero que gostem, como eu gostei de relê-lo.
M.S.
*************************************
Meu primeiro amor

Bem, amigos do Antigas Ternuras... Não sei vocês, mas eu lembro direitinho da primeira vez que eu me apaixonei. Não estou falando da minha primeira namorada. Eu me refiro à primeira criatura fêmea por quem caí de amores; o meu primeiro amor.
*
Eu tinha 7 para 8 anos. Estudava na Escola 7.19 França. Todos os colégios daquele tempo, no antigo estado da Guanabara, tinham um número antes do nome. Não me perguntem o porquê.
Naquela época, eu estava morando com a minha tia, no bairro carioca da Piedade. Eu já era o capetinha que todos os professores de minha vida escolar tiveram a oportunidade de conhecer. Mas havia alguém que me fazia sossegar o facho, só com a sua presença. O nome dela era Elizabeth. A coisa mais linda desse mundo. Muito clarinha, longos cabelos negros, que ela amarrava em rabo de cavalo com uma graciosa franjinha quase lhe cobrindo os olhinhos cor de jabuticaba madura. Nossa! Quando ela sorria na minha direção, acontecia um certo fenômeno na minha fisiologia: minhas tripas viravam purê, o coração parava e meu sistema auditivo rateava, só captando uma espécie de zumbido.
*
Se ela sabia que eu era apaixonado por ela? Não sei, acho que não. Obviamente eu nunca disse. Talvez tivesse percebido pela minha cara de anjo pidão quando olhava para ela. Uma vez pensei escrever um bilhete para a Elizabeth. Anônimo, é claro. Estava escrevendo quando minha mãe me pegou no maior flagra! Quis morrer ali mesmo. E morria um pouco a cada vez que minha mãe comentava que o “Marquinho estava apaixonado por uma tal de Elizabeth” com os vizinhos, com meus parentes, com o verdureiro, o açougueiro, o veterinário que ia vacinar a nossa cachorra, com Deus, o mundo e mais a população do bairro. Acabei desistindo do bilhete anônimo. Ficava lá, amando a menina em segredo. Ou quase.
*

É uma coisa curiosa essa a de amar alguém secretamente. Pelo menos para mim era. A gente olha para a pessoa amada e põe mãos nos olhos, acariciando-a silenciosamente. A pele não sente, mas o coração pressente. Amamos um ser físico, idealizando uma criatura abstrata que só existe na nossa mente. Dá uma gastura, mas é um sofrimento gostoooso, que nem coçar frieira e bicho do pé.
*
Era assim que eu amava a Elizabeth. Sonhava com ela, imaginava que cresceríamos juntos, eu já entrosado com a família dela, namoraríamos, noivaríamos e casaríamos. Viriam os filhos, os almoços na casa de nossos pais, macarrão com almôndegas ou então inhoque. Como vocês podem ver, em matéria de sonhar e prever o futuro eu era pior que a Mãe Diná!
E a menina lá, sem ter a mínima idéia do futuro que eu estava sonhando por nós dois.
*

Elizabeth foi meu primeiro amor e minha primeira desilusão. O castelo de algodão doce dos meus sonhos se desfez amargamente numa bela tarde de sol.
A direção da escola já tinha avisado a todas as turmas que em determinado dia viria um fotógrafo para tirar fotos dos alunos em slide, para fazer um monóculo. Acho que vocês já tiraram foto assim. O cenário era uma mesa, sobre ela uma placa com o nome da escola, à esquerda um globo terrestre e atrás um mapa do Brasil. Cada aluno sentava, cruzava os braços sobre o tampo da mesa, sorria e clic.
*

Naquela tarde ensolarada, tão logo tocasse o sinal do fim das aulas ao meio-dia, todas as turmas deveriam descer para o pátio e entrar em fila para tirar a foto. Quando a minha turma desceu já havia uma multidão na fila e não parava de chegar gente. Estava uma balbúrdia, uma azucrinação que as coordenadoras não conseguiam controlar, por mais que ameaçassem os alunos. Eu estava eletrizado, cheio de idéias para bagunças. Mas aí veio a Elizabeth e ficou a umas três pessoas na minha frente. Eu não gostava de tocar zaralha na frente do meu pequeno amor. Tive que me comportar.
A fila andava devagar, pelo visto aquilo iria durar muito tempo. Foi quando senti uma baita vontade de “tirar uma água do joelho”. Chamei a coordenadora e perguntei se poderia ir ao banheiro. Ela disse que poderia, mas eu perderia o meu lugar na fila. Olhei pra frente, tinha umas trinta pessoas. Olhei pra trás, tinha umas cem. Tudo bem, eu ia agüentar, disse para a coordenadora.
*
Acontece que criança não é como adulto, que pode passar horas com vontade de fazer xixi desconfortavelmente na boa. À medida que a fila andava, aumentava a vontade de me esvair em mijo. Comecei a suar frio. Mentalmente rezava para todos os santos de plantão e mais os reservas, suplicando que aquela fila andasse rápido. A cabeça começou a doer, os gritos dos moleques só pioravam a situação, eu olhava para o rostinho da Elizabeth e até amenizava a minha agonia, mas a situação ficava desesperadora. Eu já estava perto da mesa onde as fotos estavam sendo tiradas, faltava pouco, bastava segurar mais um pouquinho, olhei para a Elizabeth, alguns pingos fugidios escapuliram e umedeceram a cuequinha, a mesa cada vez mais próxima, se ao menos a criançada parasse de gritar, olha! eu já podia até divisar os continentes no globo terrestre sobre a mesa onde bateríamos a chapa, mas eu senti que a catástrofe era iminente. Faltava bem pouco, consegui ver o mapa da África no globo, mas e todo aquele Oceano Atlântico?, não vai dar pra segurar!

Foi quando botei o Cabo da Boa Esperança pra fora e me aliviei ali mesmo. Na fila. Na frente de todo mundo. O jato da urina batia nos cascalhos do pátio fazendo um barulhinho engraçado, mas era encoberto pela gargalhada de todo mundo que estava naquela maldita fila. Todos riam, todos apontavam para o menino que fazia xixi na frente de todo mundo, todos gargalhavam...inclusive a Elizabeth.
*
Urinei até o final, dei as três sacudidinhas regulamentares, guardei o bicho e continuei na fila. As risadas ainda ecoavam por todo o pátio, entretanto eu nem ouvia mais. Nem sequer escutava a bronca que a coordenadora estava me dando naquele momento. Sentia meu corpo todo anestesiado. Olhei para a Elizabeth com a certeza de que meus planos para com ela tinham escoado para o ralo. Nada mais de namoro, noivado, casamento, filhos, macarrão aos domingos... Como eu poderia continuar apaixonado por uma menina que me viu, de pinto de fora, fazendo xixi?
*

Chegou a minha vez de tirar a foto. Sentei, cruzei os braços, sorri automaticamente, olhei para a câmera, clic.
*
Peguei minha pasta e tomei a direção do portão da escola, no rumo de casa, naquela tarde tão bonita. Seguia em silêncio, vez ou outra chutando pedras que encontrava. Fazia noite na minha alma, mas o sol teimava em perfurar as folhas das árvores, salpicando meu caminho de gotas de luz.
M.S.
************************************
E vocês, caros amigos, lembram do seu primeiro amor?
************************************
Na Rádio Antigas Ternuras, vocês estão ouvindo “João e Maria”, com Chico Buarque e Nara Leão.

sexta-feira, março 16, 2007

É tempo de festejar!...


E assim se passaram dois anos...
Parece que foi ontem: fui no blog Mente Inquieta, da coleguinha Isabela Saes e, por um engano no template dela, acabei abrindo um blog. Isso aconteceu em 16 de março de 2005. De lá para cá, tanta coisa rolou, conheci tanta gente incrível, li escritos fantásticos de amigos blogueiros. Tive a chance também de fazer novos amigos, que chegaram aqui, sabe-se lá como, e me deram e dão o prazer de me ler. Fico emocionado quando leio, por exemplo, o Zeca, do Janelas Abertas, me dedicar um post e ver queridos amigos comentando lá e dizendo que gostam de me ler. Ao Zeca e a todos, muito obrigado pelo carinho. Quando comecei a escrever aqui neste blog, quase ninguém me lia. Talvez só meu amiguirmão Luiz, que nunca me falta em momento nenhum de minha vida e já se vão mais de 40 anos de amizade. Hoje, vejo no contador que se aproxima de 50.000 visitas!!! Caraco!
*

Bem, hoje é dia de festa no Antigas Ternuras. Tem bolo e champagne para quem me der a alegria de vir aqui comemorar comigo. No segundo aniversário do blog, resolvi fazer o seguinte: selecionei dois textos entre os que já publiquei aqui. Um, saiu aqui no primeiro ano da criação do blog (entre 2005-2006, o texto “Vai com Deus!”, que está abaixo). O outro, foi postado ao longo do segundo ano (2006-2007) e devo republicá-lo na próxima terça-feira. Dois anos, dois textos no “Vale a pena ler de novo”.
*
Muito, muito obrigado a vocês, pela sadia convivência nesses dois anos. Vocês, amigos, blogueiros ou não, são e serão minhas eternas ternuras.


Tim-Tim!
************************************

Vai com Deus!

É tempo de férias, de relaxar... Então, que tal Boquete? Ou talvez você queira Pica? Ah, já sei: você prefere Cagar, não é?
Calma, queridas leitoras! Não precisam fechar esta página, achando que eu enlouqueci.
Eu explico. Um minutinho só.
*
Quando eu trabalhava em assessoria de imprensa, uma de minhas tarefas era descobrir pautas para os jornalistas. Volta e meia eles telefonavam para lá atrás de uma nota ou de uma sugestão de matéria. Os colunistas, então, ligavam na sexta-desesperados, pois tinham de fechar as colunas de sábado, domingo e segunda. Por conta disso, nos meus momentos de folga eu me debruçava no Anuário Estatístico, atrás de alguma coisa que pudesse interessar os meus coleguinhas.
*
Certa vez eu estava lendo a relação de todos os municípios brasileiros e me divertia com os nomes engraçados, como Varre-e-Sai (RJ), Passa e Fica (RN), Não-me-Toque (RS), Mato Leitão (RS), Bofete (SP), ou mesmo com Nova Iorque (MA), Barcelona (RN), Califórnia (PR), Xangri-Lá (RS)...
Mas o grande barato eram as cidades batizadas com nomes sugestivos, como Fartura (PI), Saudades (SC), Alegria (RS), Segredo (RS)... Fiquei pensando: será que os habitantes de Feliz (RS) são felizes? E em Concórdia (SC), ninguém briga? Como seriam os indicadores de doenças da cidade de Saúde (BA)? E em Segredo (RS), não tem fofoca? O povo de Caridade (CE) honra o nome da cidade? Será que em Fartura (PI) o povo tem do bom e do melhor?
Senti que essa idéia poderia dar samba. Quando um jornalista ligou pedindo sugestão de pauta eu entreguei essa.
*

O cara adorou a idéia. Ele a apresentou ao seu editor, que também gostou e a matéria saiu. Meia página. Usando as sucursais e o escambau.
Na nossa conversa, eu comentei com ele aquela famosa frase de pára-choque de caminhão: “Os rapazes de Ponta Grossa não se casam com as moças de Curralinho”. Mas concordamos que seria uma grosseria usar esse tipo de coisa, por mais tentador que fosse.
Pois é.
O jornalista Paul Yancovic sucumbiu à tentação. Ele teve uma idéia semelhante à minha, só que levou para um outro lado. Abriu o mapa-mundi e saiu procurando cidades que tivessem nomes...hum...digamos...um pouco safadinhos. E para o meu pasmo, encontrou cidades com o nome de Boquete, Pica, Cagar e outras de igual calibre...
*
A matéria do cara ficou hilária. A gente chega a desconfiar de que aquilo é mentira. Foi quando o jornalista que há em mim resolveu conferir. Caí dentro da internet e...
Não é que as cidades existem mesmo!
*
Examinemos, pois, estas cidades tão singulares.
Boquete, por exemplo, fica no Panamá, na sua parte ocidental. Pelas fotos parece ser um lugar aprazível. É uma área montanhosa (1.200 metros acima do mar). Faço duas sugestões para hospedagem: o Isla Verde Suites, com diárias entre 60 e 80 dólares. (Veja foto)

Caso alguém esteja interessado e saber mais desta bela cidade, é só clicar aqui. O site tem som e aparece um tucano dançando e convidando você para “escape to Boquete”. Duvido que você não vá sentir vontade. Mas cuidado com a culinária do lugar. Eles abusam da pimenta. Abusar em Boquete pode deixar você com a boca ardendo.
*

Prefere praia? Então vá a Bosta. Esta belíssima praia fica na Escócia, na ilha Grande Bernera. Se a praia é uma bosta? Bem, ela é mais limpa que o Piscinão de Ramos. Agora, no alto verão a temperatura da água de lá não ultrapassa os 13 graus. Quer conferir o lugar? Então clique aqui, aqui e aqui.
*
Se o seu caso é descansar em um lugar tranqüilo, então Cagar é a sua melhor escolha. Essa também fica na Escócia, que está se revelando um lugar de nomes mais que exóticos. Caso você queira passar suas férias lá, pode fazer o circuito Cagar-Bosta. De acordo com o site Geo-Edinburgh, este aprazível lugar é uma pequena colina, no distrito de Sutherland, com 377 metros de altura. A localização exata está aqui. O jornalista Yancovic afirma na matéria que quem se aventurar a ir até lá, deve levar jornais e revistas, pois ler é o melhor a se fazer em Cagar. Deve ser mesmo...
*
Na Libéria, África, tem um lugar que honra o nome. É Foda. Fica num fim de mundo, está cercado pela miséria mais miserenta e ainda padece com uma guerra civil sem sentido. Pode ser que o seu lado humanista leve você a ter vontade de conhecer o lugar que é Foda. Se for este o seu caso, conheça as características de lá clicando aqui.
*
Se você é macho mesmo, então o seu caso é Bicha. Para ir até lá, só com muita testosterona. O lugar fica no Kosovo e foi palco do pega-pra-capar entre albaneses e sérvios, que lutaram para ficar com a Bicha. Ao lado, você vê uma foto do local.

Se quiser conferir informações sobre o lugar, o site é este.
*
Se você gosta de esportes radicais, então o seu negócio é Pica. E ela está lá, te esperando no Chile, próximo ao deserto de Atacama. Dunas belíssimas (veja a foto ao lado)

confira só clicando aqui e aqui. Diz este site que para entrar em Pica é só pegar um desvio na autovia Carretera Panamericana, pouco depois de Pozo Almonte. Lá tem hotéis, restaurantes e pousadas. Só tenha cuidado com o sol do lugar. Quem abusa em Pica, acaba todo assado.
*
Tenho outra sugestão para o povo que gosta de emoções fortes: Bunda. Sentir o friozinho na espinha quando está nos picos de Bunda é o sonho de muita gente. Veja a foto do lugar.

Este belo panorama fica no sul da Austrália, leia maiores informações clicando aqui e aqui. Se você estiver a fim de Bunda, pode ficar tranqüilo que Bunda é limpinha. Caso você decida por essa beleza, tenha cuidado ao entrar no mar. Lá tem muitos tubarões que adorariam morder você numa parte macia localizada nas suas costas.
*
Não tenho certeza, mas acho que você vai gostar de Racha. Esta pequena ilha na Tailândia, quente e úmida é tudo o que você pediu a Deus. Você vai urrar de prazer só de chegar perto dessa Racha. Entre no site do grande hotel que tem lá, o The Racha, que você vai ver como é bom gozar em Racha.
*
Quer entrar numa fria? Então Chupa. Fica na Carélia, no noroeste da Rússia. Se quiser escrever para lá, coloque no envelope “Chupa na Carélia”. Se o sujeito do Correio não achar que você está de sacanagem com ele a carta chega.
O lugar é bonitinho (foto ao lado)

Veja a localização de Chupa clicando aqui e lendo o texto de Ricardo Prego. Chupa e Prego parece que foram feitos um para o outro. Outro site onde você pode pegar informações é este aqui. Lá tem um festival de inverno onde fazem muitos bonecos de neve. Boneco e Chupa parece que também foram feitos um para o outro.
*
Mas se você quer conhecer um lugar de gente famosa, prefira Busseto. Fica na Itália e é a terra de Verdi. Ah, nada como a ópera e a grande Busseto de Verdi! Conheça esta bela comunidade clicando aqui. Tem várias fotos e explicações sobre Busseto, suas mulheres e seu jeitinho de ser. Que bela Busseto! Merece ser vista, se você nunca viu Busseto na vida.
*
Esta aí, moçada. A agência Antigas Ternuras Tur, leva você aonde você nunca pensou que iria. Faça as malas, atualize o passaporte, escolha o destino, boa viagem e vá com Deus!
M.S.
*************************************************
Na Rádio Antigas Ternuras, você ouve a canção de aniversário que embalou minha infância: “Parabéns, Parabéns”, com meu querido amigo Carequinha. Lembra dessa?


Minha amiguinha Samara me deu este prêmio e eu fico muito feliz por exibi-lo aqui. Muito obrigado, Samara.

terça-feira, março 13, 2007

Anjos no inferno


Uma radionovela original de Marco Santos
Personagens: Maria da Consolação, Maria das Dôres e Narrador.

NARRADOR – As duas irmãs, Maria da Consolação e Maria das Dores chegaram juntas à casa do pai. Por sobre a cabeça de uma, o xale negro de viúva. No coração da outra, o veneno da infelicidade.
MARIA DA CONSOLAÇÃO (MC) – Pai, esta sua filha é só tristeza. Morreu a luz da minha vida, aquele que dava o meu sustento e do meu filho. Ai de mim! Ai de mim!
MARIA DAS DÔRES (MD) – Paizinho, eu não agüento mais o Dalvan. Minha vida é uma chaga só. Os sete infernos não se comparam com a minha casa se é que se pode chamar aquilo de casa.
MC – Pai, como eu amava aquele homem, como ele era bom para mim. Era só eu suspirar de desejo por alguma coisa e ele atendia. Todo dia trazia da rua sonho quentinho, embrulhado com barbante fino e me dizia: “pro meu doce”.
MD – Meus olhos estão secos de tanto chorar. Quando ele chega, vindo da roça ou vindo do bar, cisma que eu quero matar ele. Aí meu lombo é que sofre. Eu apanho sem nem saber porquê. Eu peço a ele de joelho que me poupe. Sabe o que ele diz? “Você é o meu encosto!”

MC – O que é que eu faço com os meus desejos de mulher, meu pai? O meu homem me deixava na porta do paraíso com aquele jeito manso de tocar no meu corpo. E ele nunca se cansava. Era todo o dia, todo o dia. Depois de me saciar ele me dizia baixinho: “tem agrado pra você”. E sabe o que era? Corria para o bolso do paletó e encontrava lá jóia folheada, pacote de bala azedinha, tudo o que eu mais gostava.
MD – Ultimamente nem me procurar mais ele me procura. Diz que tem outra pra servir ele. Vira pro lado e dorme e eu que me vire pro outro sem gemido. Ele me acorda pela manhã com sopapão, me pegando pelos cabelos. “Sua porca, o que que você faz em casa que não limpa nem isso?” Pai, eu tenho que limpar o penico dele?
MC – Pai, me dê a sua bênça. Eu volto pro meu canto, pro meu lar onde o corvo da morte pousou. Não quero mais saber de homem. Nem do Seu Quinzinho da quitanda, que pega na minha mão e me olha com aquele olho de cachorro pidão. Ele diz que compreende o meu sofrimento, que quer me dar outra chance de ser feliz. Não quero nem saber...Nem olho quando ele encosta a minha mão nas coisas dele...E quando ele roça a barba no meu cangote e me chama de mulher cheirosa eu nem ouço. Ele quer ir lá em casa de noite, bem de noitinha...Eu digo que ele pode ir se quiser...Até deixo a porta da rua encostada. Mas não esqueço o meu falecido!
MD – Vou indo, meu pai. Me dê a sua bença. Está na hora daquele traste chegar. Meu feijão está no fogo e tenho que cuidar da casa. Tão exigente! Só quer comer o feijão se o alho for bem queimado antes. Vou me lavar com sabão cheiroso. Quem sabe ele hoje me quer...
***************************************
Na Rádio Antigas Ternuras, você está ouvindo Maria Bethânia e o “Coração Ateu”.

sexta-feira, março 09, 2007

Heloísa e Abelardo


- Abelardo? Onde estás?
- Aqui, meu amor. Siga a minha voz...
- Oh, adorado!... Faz um ano que nos encontramos neste mesmo lugar que nem mesmo sei onde é. Sou conduzida até aqui por meus passos tão logo o manto da noite vem nos recobrir.
- Amor meu... E eu sempre estou e estarei aqui. Mesmo que as sete muralhas de Jerusalém desabem; mesmo que o céu rasgue de alto a baixo como a cortina do Templo de Salomão, mesmo que...
- E eu também estarei aqui.
- Mas... Sinto tristeza na sua voz.
- A sombra de meu tio traz medo e terror ao meu coração.
- Eu já te disse que te amo muito?
- Já. Mas é sempre bom ouvir.
- E você sempre ouvirá. No vento roçando nas folhas das árvores, no murmurar das águas dos rios, nas voltas das ondas do mar deslizando pela areia...
- Nossas paralelas se encontram no infinito...
- Onde os encontros perenes acontecem...

- Tuas palavras são como a noite estrelada, que me abraça com seu manto e me protege.
- Em muitas ocasiões me aflijo por não estar ao teu lado, amada Heloísa, te estendendo o braço quando tropeças, te sorrindo quando tudo parece tão triste ao derredor... Mas, tolo que sou, não percebo que estou sim, perto de ti... No som do teu sorriso, Em cada um de teus pensamentos felizes, No calor do sol que te dá bom dia, No canto dos pássaros que vão te enfeitar as manhãs, aí estou...

- Abelardo, minhas mãos estarão nas suas, meu beijo em sua boca, meu perfume em suas narinas. Estudarei com afinco a maior magia do mundo para parar o mundo e o tempo, só para ter você e ser de você. Meu tio e tutor ergue-se entre nós feito intransponível muralha. Ergo as mãos aos céus pedindo forças para ultrapassar seus obstáculos.
- Pare o tempo e o mundo. Eu à espera, te espero. Te esperarei enquanto o firmamento se sustentar sobre nossas frontes.
- Shh... Silêncio, amado meu... Alguém se aproxima...
Passos ressoaram nas pedras do chão salpicado de prata clara da luz da lua que perfurava o vidro da janela. Os personagens se calam. Um rapaz vê um dos livros desalinhado na estante. Vai até ele e o acerta. Ao ver o título, sorri e diz mentalmente: “preciso escrever sobre isso”....
M.S.
************************************
A história de Abelardo e Heloísa aconteceu na França, na Idade Média. Eu a li - e me encantei por ela - quando era bem jovenzinho, o que significa dizer que aí está mais uma de minhas antigas ternuras. Quem quiser saber de mais detalhes sobre estes dois religiosos, por favor clique aqui.
Já tenho postado aqui pequenos contos que escrevo baseados em clássicos famosos, contos estes que situo em uma biblioteca. Sempre achei que depois que eu vou dormir os personagens saem dos livros e das estantes para conversarem sob a luz da lua...
(Túmulo de Abelardo e Heloísa, no Cemitério Père Lachaise, em Paris.)


***********************************


Na Rádio Antigas Ternuras, você ouve Nx-Zero e seu grande sucesso “Razões e Emoções”.