quinta-feira, abril 23, 2009

Cristais de Bacharach


Eu posso dizer que tenho uma boa carteira de shows internacionais no meu currículo. Alguns shows que assisti foram absolutamente memoráveis para mim. Não dá para descrever em palavras a emoção de ter visto ao vivo e em cores Paul McCartney, James Taylor, George Benson, Ray Charles, Frank Sinatra, Elton John, The Police, Stevie Wonder... Só para falar alguns. Mas tem um outro show que eu incluiria nesta minha lista de créme de la creme: Burt Bacharach.
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No sábado passado fui pela segunda vez assistir ao show desse que é um de meus inegáveis ídolos na canção internacional. Já tinha ido vê-lo em sua outra estada entre nós, em 1999. Mas eu acho que desta vez foi melhor ainda.
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Eu já disse num post anterior que no show do Elton John que assisti no ano passado eu revi a trilha sonora da minha juventude. Pois com Burt Bacharach revi muito mais desta trilha. Já padeci de amores e coração partido ao som de “A house is not a home” (na telinha em anexo), “One less bell to answer”, da belíssima “April Fools”... Tenho quase todos os seus discos, a maior parte ainda em LP, visto que não relançaram em CD a sua discografia no Brasil.
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E lá estava eu, assistindo ao “The Hit Maker”, como ele é conhecido por ter composto tantos sucessos, a maior parte deles com letras de Hal David. O cara está com 80 anos e ainda tem disposição (e simpatia, esbanjando simpatia!) para uma turnê mundial! Acho que é a sua última, aliás, creio que ele disse isso, se meu inglês macarrônico não me enganou. Mas tenho certeza de que ele falou que aquela seria sua última vinda ao Brasil para fazer shows. É compreensível. Se ele esteve aqui há dez anos atrás, fica óbvio que com 90 anos não vai dar para encarar uma viagem de 15 horas de avião para fazer reluzir aqui seus cristais musicais.
Uma coisa curiosa: ele está a cara do Paul Newman, quando velhinho!
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O maravilhoso show começou com uma introdução de “What the world needs now is love”. E dali, emburacou num pot-porri incluindo “Walk on by”, “I say a little prayer”, "Make easy on yourself", “This guy’s in love with you”, “Do you know the way to San Jose” (eita, como eu gosto deste baião que ele compôs e que a Dionne Warwick canta maravilhosamente!). E eu cantando junto, empolgadamente, a ponto de minha namorada me pedir para cantar mais baixo, já que eu estava virando quase um backing vocal dali da platéia.
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Mas quando chegou o segmento de canções de cinema, não deu para segurar. Nem eu nem o público que soltou o gogó, cantando junto “Raindrops keep fallin’ on my head” (de “Buth Cassidy e Sundance Kid”), por exemplo. Mas ele abriu o medley cantando uma das suas músicas de que mais gosto, “The look of Love” (de “Cassino Royale”), conforme vocês podem ver no iutiúbe em anexo. E em seguida vieram “Arthur” (de “Arthur, o milionário”), “What’s new pussycat” (de “O que é que há, gatinha?”), “World is a circle” (do excelente “Horizonte Perdido”, embora a crítica deteste este filme, dane-se, pior para a crítica), a lindíssima “April Fools” (de “Um dia em duas vidas”, assim como a famosa "I say a little prayer"), “Alfie” (de “Alfie, o sedutor”), “Wives and lovers” (que apareceu em vários filmes).
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Em determinado momento, Burt foi ao microfone e dedicou a música seguinte (“That what friends are for”, trad: “É para isso que servem os amigos”) a “dois amigos”: Lula (vaiado) e Barack Obama (aplaudidíssimo). Ele já tinha dito que adora vir ao Brasil, que aprecia a música brasileira, especialmente Milton Nascimento, Ivan Lins e Djavan.
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Embora cantando a sua voz seja fraquinha, fraquinha, o seu inglês me permitiu entender tudinho o que ele falava nos intervalos entre as canções. Numa desses intervalos ele falou que tocaria seus quatro primeiros sucessos, “que vocês até podem não gostar mas eu me orgulho muito deles”, segundo disse. Eu não conhecia estas canções, mas achei uma delas, um chá-chá-chá com direito ao som de rolha estourando feito com a boca pelo saxofonista, bem legal. Ele também anunciou uma canção dizendo que ela tinha sido gravada pelos Beatles (falou isso duas vezes!): “Baby, it´s you”, incluindo o “shá-lá-lá” do trio de ótimos cantores que o acompanhavam: Josie James, John Pagano e Donna Taylor.
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Fim do show, depois dele ter dado um baita bis, a platéia foi ao delírio quando ele voltou e nos pediu para cantar com ele “Raindrops keep fallin’ on my head” E eu soltei a voz...
Saí do Vivo Rio cantando todas as letras que eu sabia de cor do velho Burt. No dia seguinte, tasquei um CD dele no aparelho de som e me deliciei com essas antigas, mas muito caras ternuras, meus cristais de Bacharach...
M.S.
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Na Rádio Antigas Ternuras, você ouve “That what friend are for”, com Dionne Warwick, Stevie Wonder, Luther Vandross e Gladys Knight. No mês que vem, tem Dionne Warwick com Gal Costa no Vivo Rio. Tô dentro!
Na TV Antigas Ternuras, você vê duas gravações amadoras feitas no show de Burt Bacharach, de “A house is not a home” e “The look of Love”. Para assistir aos vídeos, você já sabe: clique no “x” no alto, na barra de ferramentas, que interrompe a canção.

terça-feira, abril 14, 2009

Livro dos Porquês


Noutro dia, eu escrevi um post sobre minhas curiosidades e explicava o porquê de algumas coisas. Parece que meus 17 leitores gostaram e até me pediram mais.
Como eu ando atolado de coisas para fazer e escrever um post deste para mim é vapt-vupt, peço desculpas aos que não se agradam destas informações de almanaque, mas aqui vão algumas. Bem, estas coisas que costumavam vir publicadas nos antigos almanaques são minhas ternuras de infância e eu já até escrevi sobre estes fascinantes livretos que falavam sobre tudo ou quase tudo. Desde as lua certa para cortar cabelo, pescar, plantar batata-doce e virar lobisomem, até questões científicas.
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Selecionei alguns porquês cujas explicações me surpreenderam. Quem sabe surpreenderão vocês também.
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Por que chamam as notas musicais de dó, ré, mi, fá, sol, lá si?

Essa é mais velha que coçar a virilha. Conta-se que um monge toscano de nome Guido D’Arezzo (995-1050) ensinava música para alguns estudantes. Naquela época, aprender teoria musical não era moleza. Aliás, ainda não o é. Mas não existiam notas musicais com nomes, nem a famosa pauta de cinco linhas. Eles usavam um sistema que incluía um negócio chamado neumas, umas marquinhas que se fazia ao lado das palavras a serem cantadas, indicando se seria ascendente ou descendente o trecho a ser cantado ou tocado. O velho Guido pensou que ficaria mais fácil se as notas musicais tivessem nomes simples, fáceis de serem memorizados. Daí, ele pegou um hino com sete linhas, em homenagem a São João, e foi tirando as primeiras sílabas para serem as notas.
UT queant laxis
REsonare fibris
MIra gestorum
FAmuli tuorum
SOLve polluti
LAbii reatum
SANcte Iohannes
(Tradução: "Para que teus servos, possam ressoar claramente a maravilha dos teus feitos, limpe nossos lábios impuros, ó São João.")
Quem faz palavras cruzadas sabe que o antigo nome da nota Dó é Ut. Mais tarde, fizeram duas modificações para facilitar o canto das notas, com a primeira e última terminando em vogal. O Ut virou DÓ (provavelmente derivando de DOminus, “senhor”) e San virou SI, da sigla Sancte Iohannes (São João). Isso facilitou bastante a vida da Noviça Rebelde, quando ela canta: “Dó... é pena de alguém... Ré... que anda para atrás...)
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Por que quem mata alguém é chamado de assassino?
Esta palavra vem do árabe “ashohashin”, que significa “aquele que fuma haxixe”.

Conta-se que havia uma seita que gostava de puxar um fuminho (lembrem-se que o haxixe é feito do pólen da flor da cannabis, ou seja, da maconha...) e quando estavam doidões cumpriam à risca a ordem do seu chefe mafioso. Normalmente a ordem que o gangster dava era fazer alguém perder a vida; exalar o último suspiro; falecer, finar-se, expirar, fazer ablativo de viagem, perecer, abotoar o paletó, adormecer no Senhor, apagar, apitar, assentar o cabelo, bafuntar, bater a alcatra na terra ingrata, bater as botas, bater a caçoleta, bater a canastra, bater a pacuera, bater com a cola na cerca, bater o pacau, bater o prego, bater o trinta-e-um, bater o trinta-e-um-de-roda, botar o bloco na rua, comer capim pela raiz, dar a alma a Deus, dar a alma ao Criador, dar à casca,

dar à espinha, dar a lonca, dar a ossada, dar com o rabo na cerca, dar o couro às varas, dar o último alento, defuntar, desaparecer, descansar, descer à cova, descer à terra, descer ao túmulo, desencarnar, desinfetar o beco, desocupar o beco, desviver, dizer adeus ao mundo, embarcar, embarcar deste mundo para um melhor, empacotar, entregar a alma a Deus, entregar a alma ao Diabo, entregar a rapadura, espichar, espichar a canela, esticar a canela, esticar o cambito, esticar o pernil, estuporar-se, expirar, fazer ablativo de partida, fazer ablativo de viagem, fazer passagem, fechar o paletó, fechar os olhos, fenecer, finar-se, fincar as aspas no inferno, ir para a Cacuia, ir para a cidade dos pés juntos, ir para a Cucuia, ir para bom lugar, ir para o Acre, ir para o beleléu, ir para o outro mundo, ir-se, ir-se desta para melhor, largar a casca, passar desta para melhor, pifar, pitar macaia, quebrar a tira, render a alma ao Criador, render o espírito, vestir o paletó de madeira, vestir o pijama de madeira, virar presunto. Com o tempo, “ashohashin” virou assassino. O quê? Você não acredita? Está duvidando de mim? Espera só que eu vou falar com um cara que fuma um negócio e já conversamos...
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Por que o azul é a cor dos meninos e o rosa das meninas?
No tempo em que as galinhas ciscavam pra frente e as vacas subiam em coqueiro de tamancos, acreditava-se que maus espíritos viviam rondando o quarto das crianças.

Talvez porque os pequerruchos sempre diziam ver coisas monstruosas em seus aposentos, vai saber... Bem, o certo é que aquela gente supersticiosa botava a maior fé que as cores tinham o poder de afastar os coisa-ruim que amedrontavam as crianças. Para eles, o azul era a cor mais poderosa, por ser a cor do céu, onde Deus ou os deuses moravam. E como nas famílias o filho homem era de suma importância até mesmo para a descendência da própria família, vestiam o guri de azul, para protegê-lo. E as meninas? Ah, aquele povo estava se lixando para as filhas mulheres. Se algum monstro viesse pegá-las, tudo bem, podia levar. Logo, elas não precisavam usar a cor que dava proteção. Muito mais tarde, numa fase mais, digamos, romântica, passou-se a dizer que as meninas nasciam dentro de um botão de rosa...(Ohhhhhhhhh, que meigo!). Daí, associaram a cor rosa às criaturinhas do sexo feminino.
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Pois é, estão vendo? Como vocês conseguiram sobreviver sem saber dessas coisas? Ah, se não fosse o bom e velho tio Marco para contar-lhes estas histórias vocês iam prosseguir na sua existência sem saber essas informações tão fundamentais! Já pensou?
Tá... De nada!
M.S.
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Na Rádio Antigas Ternuras, você ouve Beatles em “Because”. Por que esta? Because it is beautiful!

segunda-feira, abril 06, 2009

Limites


Agora, falando sério. Dia desses, assisti a três filmes em seguida, o que sempre faço quando a programação tem muita coisa que me interessa. Aparentemente, nenhum dos três que assisti tinha nada a ver um com o outro. Será mesmo? Vejamos: o primeiro é sobre um guerrilheiro argentino que vai para Cuba e inicia, junto com Fidel, uma revolução com menos de 30 soldados contra todo um exército e mais o apoio dos EUA. O segundo, um belo filme francês tratando de jovens moradores da periferia de Paris que se encontram num colégio público. O terceiro era a história de um velho totalmente intolerante com diferenças raciais e étnicas e que justamente odeia o fato de seu bairro ter sido “tomado” por negros, latinos e orientais. É. Aparentemente, nenhum filme tem nada a ver com o outro.
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Mas, espera lá. No primeiro, o tal guerrilheiro, que era conhecido como “Che Guevara, dizia que “uma revolução não é troca de tiros de fuzil”, que “um povo que não sabe ler, nem escrever é um povo facilmente dominável”. No segundo, a gente vê jovens imigrantes ou filhos de imigrantes (japoneses, africanos, antilhanos, católicos, islamitas, ateus...) que enfrentam os professores e dizem que não veem sentido em aprender as coisas que lhes ensinam, onde uma jovem admite que não aprendeu nada naquele ano letivo. No outro, o velho se recusa a conversar com um padre jovem que “acabou de sair do seminário”, vive chamando o seu jovem vizinho hmong (povo que vive no sudeste asiático, os do filme, vem do Laos e da Tailândia) de “rolinho primavera”, que cospe de nojo só de olhar os orientais passando por sua calçada. Huuuummm... Não é que os três filmes tem mesmo um a ver com o outro?
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Mas, em que pese eu recomendar “Che” e “Gran Torino” – o primeiro e terceiro filmes que vi naquele dia – quero falar-lhes de “Entre os muros da escola” – o segundo. O filme foi feito de forma a parecer um documentário, os atores são mesmo jovens da periferia parisiense, eles fazem personagens com nomes iguais aos seus na vida real, e não me admiraria se eles tivessem de fato aquele comportamento em sala de aula. Embora apareçam outros professores, o filme se detém num que dá aula de francês, e que na maior parte do tempo, tem uma paciência de velho chinês aposentado e quando sai da linha faz com que a classe se incendeie. Os alunos, pelo menos boa parte deles, gostam de afrontá-lo. Especialmente o malês Sulleyman.
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Vendo aqueles alunos, fiquei imaginando que nas salas de aula daqui do Brasil não deve ser diferente. E nem falo das salas da periferia. Em qualquer sala de aula, há alunos testando, expandindo limites, afrontando professores.
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Não deu outra. No jornal O Globo de 29/3, na pág. 25, saiu a matéria: “Pit-alunos levam professores a procurar divã”. Fala de jovens, em boa parte filhos de ricos, estudantes de escolas particulares que tem ultrapassado todos os limites, inclusive enfrentando os mestres, levando-os ao estresse.

Vejam algumas declarações: “Uma aluna de uma professora com mais de trinta anos de magistério discordou do número de faltas e a abordou na rua, cobrindo-a de socos e pontapés”. Essa outra é pior: “Uma professora percebeu que objetos estavam sumindo em sala de aula. Resolveu conversar com a turma, explicando que não se deve mexer na propriedade alheia. No dia seguinte, uma pit-mãe de uma criança de 9 anos ameaçou lhe arrebentar a cara por supostamente ela ter chamado o filho de ladrão”. (Querem ler uma outra matéria impressionante? cliquem aqui)
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Não faz muito tempo e eu escrevi um post que falava da falta de limites que pais estão deixando transparecer na educação dos filhos. A matéria fala exatamente disso. Tem aluno que, de maneira contumaz, chega atrasado na aula. O professor reclama e no dia seguinte a mãe aparece para dizer que o professor tem que entender o garoto, coitadinho, que não consegue acordar cedo. Escolas proíbem os alunos de usarem celular durante a aula. Pois não é que os pais ligam para os filhinhos, no meio da aula, para perguntar o eles querem almoçar, lembrar que tem médico, dizer que vão se atrasar... Agora, vai dizer aos genitores que eles estão errados!
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Eu bem que queria saber o que Che Guevara falaria de uma situação como essa... “Endurecer pero sin perder la ternura jamás”? E o velho ranzinza admiravelmente bem representado por Clint Eastwood em “Gran Torino”? Será que ele pegaria o seu velho rifle e, rosnando, miraria bem entre os olhos desses pais e filhos?
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Vivemos tempos difíceis... Como diria o Barão de Itararé: “Este mundo é um porco-espinho a rolar sobre si mesmo”.
M.S.
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Amigos, peço que me perdoem pela ausência e por não atualizar mais amiúde este blog. Mas ensaiando dois espetáculos, cuidando dos afazeres de um dos meus empregos, dando aulas, escrevendo artigos acadêmicos... Não é moleza, não!
Aproveito para convidar os meus amigos cariocas para assistirem ao espetáculo “Via Sacra”, em que participo (faço o papel de “Poncius Pilatos), cuja apresentação será somente no dia 10, sexta-feira santa, às 19h, no interior da Igreja de São João Batista, na Voluntários da Pátria, em Botafogo. Quem puder e quiser ir... me dará muita alegria!
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Na TV Antigas Ternuras, você vê o trailler de “Entre os muros da escola”.