sexta-feira, setembro 29, 2006

Que pecado! (4) - Ira



- Você está acordada?
- Arrã.
- Então vira pra cá...
- Hum... Lá vem você...
- O que eu posso fazer?
- Mas eu gosto...
De fora, vem uma voz rascante, em tom bem alto:
“Tu me mandaste embora eu irei... mas contigo também levarei... O orgulho de não mais voltar...”
- AH, NÃO! LÁ VEM ESSA DESGRAÇADA COM ESSA CANTORIA!
- Não liga, Ma... Deixa ela...
- COMO NÃO LIGA? EU DETESTO OUVIR ESSA FILHA DA PUTA CANTANDO! ELA SÓ CANTA ESSA MERDA, PARECE DISCO ARRANHADO!
- Huuummm... Continua o que você estava fazendo...
- Ela me tira até a concentração...
- E desde quando você precisa de concentração pra fazer isso?
- Desde que essa cachorra começou a lavar roupa, cantando ao lado da nossa janela!
- Melhor ela cantar do que ficar espiando a gente.
- ALÉM DO MAIS É FOFOQUEIRA???
- Ela acha que eu não percebo...
De novo, a voz ressoando pelo quarto, ainda com mais volume:
“Mesmo que a vida se torne cruel... Se transforme numa taça de fel... Esse trapo tu não mais verás...”
- INNNNNGGGGG! ESSA MULHER ME TIRA DO SÉRIO...!
- Ah, ela te tira do sério? Antes você dizia que eu te tirava do sério...
- É diferente, Li. Você mexia com meu coração, quando eu te via passando com esses cabelos morenos, descendo pelas costas.... ESSA DESGRAÇADA MEXE COM A MINHA CABEÇA! Olha, te juro... Se não fosse você me pedir muito, eu já tinha ido lá e enfiava a porrada nela! Enchia a lata dela de alegria!
- E arrumar confusão a troco de quê? Nem o marido dá jeito nessa infeliz.
A voz, em alto e bom som:
“Eu seguirei com o meu dissabor... Com a alma partida de dor... Procurando esquecer...”
- MAS EU VOU RESOLVER ISSO É AGORA! ELA QUE VÁ CANTAR ESSAS MÚSICAS DE PUTEIRO NA CASA DO...unhhhh...ai...
- O que foi, Ma?
- Dor... No peito... Forte...
- Vem cá. Deita aqui. Quer que eu ligue o ventilador? Ma?... Ma?... Não faz isso... Não faz...
“...E dará o castigo depois... O castigo a quem mereceeeeeeeeeeeeeeerrrrr!...”
M.S.
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Na Rádio Antigas Ternuras, você ouve Angela Maria cantando “Orgulho”.
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Domingo é dia de eleição. É aquele dia em que chamam a gente para dar a nossa opinião sobre a vida política. Estaremos lá. Eu estarei lá.
Desde 1989, vinha votando no Lula para a presidência. Eu me empolgava com seus discursos. E o considerava uma força da natureza. Eu o aplaudi no Comício das Diretas (aquele do milhão de pessoa na Candelária, eu estava lá), no célebre comício antes do segundo turno contra o Collor. Desfilei pela Avenida Rio Branco, feliz, com minha bandeira do PT. Sempre estive com ele, nas eleições.
No domingo, não vou votar no Lula. Como diz a canção, o meu coração “é um pote até aqui de mágoa”. Eu e tantos companheiros de luta política vimos nossos sonhos serem moídos na máquina da vaidade pessoal, da ambição desmedida, do “os fins justificam os meios”... Eu sempre fui contra isso. E continuo sendo.
Era contra o governo perverso de Fernando Henrique Cardoso, que destroçou com o emprego de chefes de família, e chefiava uma corrupção competente (porque não foi descoberta...). E continuo sendo, na figura de seu candidato, o insignificante Alkmin.
Votarei em Cristovam Buarque para presidente, por acreditar que, de fato, a Educação pode realizar uma revolução neste país.
Mas, toda a minha decepção com os últimos quatro anos, me ensinou uma coisa. Não dá para votar nos candidatos e deixar pra lá. Portanto, preparem-se, meus candidatos Denise Frossard (gov.), Jandira Feghali (sen.), Fernando Gabeira (dep. fed.) e Fernando Gusmão (dep. est.). Estarei de olho em vocês, se forem eleitos. E cobrarei. Como é da obrigação de todo cidadão.
M.S.

quarta-feira, setembro 27, 2006

Que pecado! (3) - Preguiça



(Saco...
Já são 11 horas... Tenho que levantar... Daqui a pouco a Telminha vai...)
- Mas ainda está na cama??? Vamos tratando de levantar, seu Duarte! Tenho muito que fazer e ainda nem arrumei esse quarto! Vamos, vamos, vamos!...
(Muito que fazer... Sei... Muito que bisbilhotar os vizinhos, isso sim... Sei que eu tenho que levantar. Daqui a pouco... Estou aqui pensando... Será que eu vou ter mesmo que ir lá naquele cafundó pra falar com o tal velho?... Merda... Por que o homem não mora aqui pertinho?... Devo estar com uma cara péssima. Acho que vou espantar o velho se aparecer assim... Acho que vou deixar para amanhã...)
- Duarte! Não levantou não, é? Ô estrupício, meu Deus! O que é que eu fiz para pagar esse pecado? Esse homem tem um trato com a cama! Se fosse como o vizinho que morreu trepando ainda ia bem. Mas esse aí? Hum! Nem comparece pra assinar o ponto...
(Cala essa boca, mulher!... Ando estressado, só isso... Sabia que ela ia falar do cara. Ela está assim por não poder mais ficar vigiando a vida da viúva. A tal bonitona de cabelos morenos descendo pelas costas... Como a Telminha adorava xeretar a vida deles! “pouca vergonha!”... sei... Pouca vergonha era a dela em não tirar o ouvido da casa dos outros. A bonitona viúva se mudou daqui e ela ficou sem o principal assunto...)
- Olha lá a outra... Não lava nada no tanque! Bota tudo na máquina e a roupa fica encardida daquele jeito! Olha só... Aquilo é camisa que se apresente? Não sei como o marido não troca ela por outra...
(Língua de trapo... Até parece que ela é boa dona de casa... Ah... Tenho que levantar... Daqui a pouco eu me levanto. Vou tomar banho... Fazer a barba... Deixa eu ver... Não... Preciso fazer a barba não... Ta curtinha ainda... É isso aí. Vou levantar, ligar o computador... Já, já...)
- Duarte, vem só ver a sirigaita passando de jogging! Vai pra ginástica! Devia fazer exercício no tanque, lavando aquela roupa direito!
(Fiquei de mandar o texto até amanhã... Ah! Tem tempo... De repente, entrego depois de amanhã e fica tudo certo... Está me dando fome. Acho que vou pedir pra Telminha me trazer um Toddynho... “Toddy: energia que dá gosto!”... Será que ela me traz aqui?)
- Duarte!!! Excomungado! Levanta dessa cama! Acorda pra cuspir!
- Já vou, merda!
(Ô inferno...)
M.S.
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Na Rádio Antigas Ternuras você ouve “Atlantia”, por Secret Garden.
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Hoje é dia de Cosme e Damião. Por si só, esse dia me lembra doces (literalmente...) e antigas ternuras. Ah, eu, moleque, zanzando pelas ruas atrás de sacos de gostosuras ou de cartões que me seriam transformados em guloseimas posteriormente. Como eu pegava doce neste dia! E brinquedos também, distribuídos na macumba (quer dizer, no Terreiro de Pai João d’Angola, que eu até já citei no post anterior...).
Saí hoje para ir ao supermercado e não vi crianças correndo pra lá e pra cá... Os tempos atuais não recomendam que se abra a porta para estranhos, nem as mães permitem que as crianças fiquem zanzando pela rua. A molecada fica em casa, diante do computador... Só quero ver se alguém vai receber doces por e-Mail...
M.S.

segunda-feira, setembro 25, 2006

Que pecado! (2) - Luxúria



“Senhor?...
É pra televisão ou pro jornal?... Cof! Cof! Cof!...
Ah, sei… Eu não entendo essas coisas modernas. Me desculpe. Mas o que o senhor quer saber sobre o Manelão? Ele vivia por aqui, bebendo com a gente. Eu estava sempre com ele. Não tinha um boteco daqui da Padre Nóbrega, ou mesmo lá da Suburbana que a gente não entrasse para tomar uma.
Cof! Cof! Cof!...
Senhor?
Ah, o senhor quer saber sobre as vadiagens dele... He, he, he... Cof! Cof! Cof!… Aquilo não prestava, moço… Como ele, nunca vi. Cansei de ir pra zona com o Manelão e ver o que ele fazia com as putas...
A gente chegava de noitinha, bem de noitinha...Lá na Pinto de Azevedo... Entrava numa birosca e ficava bebendo traçado... Cachaça com Vermute, o senhor sabe... E vendo o movimento... Até que tinha uma hora que o Manelão dava um tapa assim na mesa, ó... Plaft! E dizia: ‘Vou afogar o ganso!’
Escolhia três meninas. Mas só entrava no quartinho com uma de cada vez. E lá dentro... Ah, moço... Era lept! lept! lept! lept!… A gente só ficava ouvido do lado de fora... E era aquele ai, ai, ai…ui, ui, ui… E lept! lept! lept! lept!… Dizem que puta não goza, não é? Mas com ele gozava! E tome-lhe, tome-lhe, tome-lhe... Pela frente, por detrás, na boca, nos ouvido... O homem era o inferno, moço! Quando a menina cansava, ele chamava outra... E lept! lept! lept! lept!…
Saía de lá com o sol nascendo.
Eu? Bem, eu também fazia a minha festinha. Mas com uma só. E sem zoeira... He, he, he... Cof! Cof! Cof!…
O senhor vai publicar isso?
Sei...
O segredo dele? Ah, não era segredo, não! Ele era cambono do Terreiro de Pai João d’Angola, aqui pertinho. Era protegido pelos santos. Uma vez, eu estava lá, ele foi consultar com um cabôco do bom lá no terreiro. O Manelão pediu proteção e umas coisinhas mais... O cabôco receitou um banho com sete ervas... Era nó de cachorro, marapuama, pau de resposta, cipó bravo e umas outras lá que eu não lembro... Fervia tudo e deixava esfriar. Era pra ele se banhar normal, depois jogar o banho de ervas só do pescoço pra baixo, na cabeça, não... Por último, lavar o mastro, a setupanha... he, he, he... O senhor entende, não é?... Cof! Cof! Cof!...
Depois era só cair dentro da vadiagem, que mulher nenhuma derrubava ele…
Ele sumiu daqui quando se enrabichou pela talzinha... Aquela bonitona, de cabelos morenos, descendo pelas costas... Nunca mais soube dele. Agora que o senhor veio com esse papo de morte do Manelão...
Senhor?... Ah, o senhor quer ir lá no Terreiro, falar com o cabôco?
He, he, he... O senhor tá precisando de uma forcinha?
Cof! Cof! Cof!..."
M.S.
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Na Rádio Antigas Ternuras, você ouve “Summertime”, por Fausto Papetti.
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Hoje, vários blogs estão engajados no Dia da Luta pela Ética. O nosso amigo Zeca, do Janelas Abertas, fez o convite para quem quisesse postar algum texto sobre o assunto. Eu estou com minha programação dos contos sobre os pecados capitais. Mas gostaria de marcar presença neste dia com uma frase de Eleanor Roosevelt:
“Ninguém pode fazer você se sentir inferior sem o seu consentimento”.
E, parodiando-a, eu diria que ninguém pode nos fazer de imbecil sem que a gente concorde. Neste domingo, 1 de outubro, teremos a oportunidade de deixar claro que não somos inferiores, nem imbecis. A ética passa necessariamente pelas nossas escolhas na vida.

sábado, setembro 23, 2006

Que pecado! (1) - Inveja


Nas reuniões da família Monteiro, os primos Calainho e Abel sempre atraíam as atenções. O primeiro tinha um pequeno comércio de vinhos e Abel era padeiro. Não havia uma só ocasião em que eles não discutissem. Cada um gostava de falar de seu negócio.
– O vinho é a seiva da terra – dizia Calainho. É algo de mágico!
– Mágica por mágica – retrucava Abel - acredito mais na contida neste pedaço de pão.
Os membros da família se deliciavam com aquela disputa. Ninguém ousava tomar partido.
Um certo dia apareceu, ninguém lembra de onde, uma prima distante. Seu nome era Lilibeth, mas com voz cálida ela dizia:
– Pode me chamar de Lilith...
Assim seria: Lilith. Era uma mulher magnífica. Seus bastos cabelos morenos desciam-lhe pelas costas com a fúria de uma cachoeira negra. Miríades de estrelas foram fazer morada em seus olhos. Só isso explicaria aquele brilho especial. A boca rubra, permanentemente úmida, volta e meia descortinava um sorriso de pérolas perfeitas. Todos da família se encantaram com a prima Lilith. Especialmente Calainho e Abel...
– Prima, prove este vinho – insistiu Calainho - É especial. Safra como essa não vai existir...
– Prima Lilith – acorreu Abel - separei para você este croissant fresquinho...Derrete na boca...
As discussões entre os dois mudaram de tom. Já não mais debatiam sobre a excelência do vinho ou sobre a superioridade do pão sobre os demais alimentos. Só a prima interessava.
– Obrigada, primo Calainho...Que gentileza, primo Abel...Vocês são tão carinhosos comigo...Vão acabar me estragando.
Um dia, Calainho decidiu visitá-la. Preparou uma enorme cesta com belíssimos cachos de uva e algumas garrafas de finos vinhos. Curiosamente, no mesmo dia, Abel resolveu conhecer a casa de Lilith. Queria lhe ofertar uma generosa cesta com pães, tortas, biscoitos da melhor qualidade. Chegaram juntos na casa da prima.
– Abel...Primo Calainho! Que surpresa! Por favor, entrem! E não reparem, heim! É casa de pobre...
O apreciador de vinhos se adiantou:
– Para você, Lilith. Estas uvas e estes vinhos encantariam a própria Afrodite, de quem você é gêmea.
O outro pretendente não quis ficar para trás:
– Isso é para você. Eu mesmo os cozi. Foram aquecidos com o meu carinho...
– Obrigada aos dois. Nossa! Abel, você fez o meu biscoito favorito!
Abel sorriu. Calainho, não. Na primeira oportunidade, declarou ter um compromisso inadiável e que teria de se ausentar. O primo Abel disse que ficaria mais um pouco...
– Depois a gente se fala, Calainho...
– Claro...claro...Até logo.
Na reunião de família na manhã do dia seguinte, todos sentiram falta de Abel. Alguém bateu na porta. Era a polícia, para comunicar a morte do rapaz causada por extrema violência. Não parecia ter sido assalto. Foi uma consternação geral. Lilith chorou muito. Parecia desconsolada.
Aquelas reuniões familiares jamais seriam como antes. Lilith não mais apareceu. Mudou-se e não disse para onde. Quanto a Calainho, nunca mais conseguiu tomar vinho sem sentir um gosto de vinagre. Ou seria de sangue?
M.S.
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Na Rádio Antigas Ternuras, você ouve Stan Getz tocando “Lonely Lady”.

quinta-feira, setembro 21, 2006

Um ator bem trapalhão


Na música “Vaca Profana”, o grande Caetano Veloso disse que “de perto, ninguém é normal”. Santa verdade! Nelson Rodrigues andou dizendo também que se a gente soubesse da vida uns dos outros, andaríamos na rua virando a cara pra todo mundo.
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Pois estas verdades se cristalizam ao ver o filme “Vida e morte de Peter Sellers” (Life and Death of Peter Sellers, USA/Inglaterra, 2004, dir. Stephen Hopkins), que não passou nas telas do Brasil, só na telinha (vai passar no HBO Plus durante vários dias de setembro e outubro), e chegou agora em DVD. Quem quiser ver o trailer, abertura, ficha técnica, basta clicar aqui.
O filme é baseado numa biografia do inesquecível detentor do papel do detetive Closeau da série “Pantera Cor de Rosa” (que ele detestava fazer, diga-se de passagem...).
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Pelo filme, se é que é verdade, Sellers (1925-1980) era mimado pela mãe, péssimo pai, péssimo marido, mau caráter, neurótico, mulherengo, viciado em drogas, egocêntrico... mas, e sempre existe um mas... um ator fantástico, o sonho de qualquer diretor que queira ter um artista excepcional para confiar um papel-chave.
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Na área do humor, eu sempre fui fã de carteirinha de dois caras: Woody Allen e Peter Sellers. Em todos os filmes que eu vi com Sellers, me esbodeguei de rir. Com “Um convidado bem trapalhão” (The Party, 1969, dir. Blake Edwards) eu passei vergonha no cinema. Ri tanto que caí no chão de joelhos. E não parava de rir! Aliás, esse filme é uma de minhas antigas ternuras.
Veja uma de suas cenas mais engraçadas, pela TV Antigas Ternuras


Na série Pink Panther, onde ele atuou, a graça não era diferente. E nos demais filmes estrelados por ele, como “O Rato que Ruge”, “Dr. Fantástico”, “Cassino Royale”... tantos que nem me darei ao trabalho de relacioná-los... Peter Sellers enchia os nossos olhos com seu talento incomum. Mesmo em papéis não necessariamente humorísticos, como no esplêndido “Muito além do jardim” (Being There, 1979), praticamente seu canto do cisne, ele dava um banho, um verdadeiro show!
Veja neste documentário em espanhol, pela TV Antigas Ternuras, algumas das mil faces de Sellers.



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Pois é. Cresci admirando Peter Sellers, me deixando impressionar com a sua capacidade em fazer tipos (meu sonho como ator é ser tão versátil como ele era; dizem que eu sou bom pra fazer tipos humorísticos, mas não chego nem aos pés da sombra dele...), nem imaginava a criatura atormentada e atormentadora que ele foi.

A mãe o preparou para ser uma estrela. Mesmo quando ele estava em início de carreira, somente trabalhando em Rádio (sim, ele participou de um programa humorístico na Inglaterra que foi um sucesso! Foi lá que ele desenvolveu seu talento especial para criar vozes engraçadas), parecendo sem perspectivas, casado, com filhos, era ela que lhe dava guarida e lhe incentivava com palavras que fariam Maquiavel corar de vergonha. O pai de Peter era um zero à esquerda. E a mãe não se cansava de dizer isso e agir como se o marido fosse uma espécie de velho abajur jogado num canto da casa. Peter via aquilo, mas não mexia um fio de cabelo em defesa do pai. Quando este esteve moribundo, a mãe sequer o avisou. Quando ele soube, o velho já estava batendo as botas. A mãe disse que não queria incomodá-lo...
Pois ele foi à forra e também não foi ao hospital para ficar com ela quando ela estava doente. Deixou a mãe morrer sozinha.
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Anne Sellers, sua primeira mulher, penou na mão dele. Quando Sofia Loren foi à Inglaterra filmar com Peter, ele se apaixonou por ela de tal forma que chegou a pedir divórcio. Só não contava que a bela peituda italiana fosse apaixonada por seu marido, Carlo Ponti, e mandasse o colega assanhado ir pastar nos gramados do Palácio de Buckingham...
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Pelo filme, vemos que a relação dele com Blake Edwards era de amor e ódio. Ambos se amavam e se odiavam. Com mais ódio que amor – este restrito aos números da bilheteria dos filmes em que trabalharam juntos.
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Com a segunda mulher, a sueca Britt Ekland (no filme, a cena em que ele a conheceu é hilária!), a paixão inicial, daquela de ficarem trancados dias num quarto de hotel, só fazendo saliência, fica ofuscada pela pancadaria e pelas cenas de humilhação em que ele a submeteu.
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Sobre o filme, a atuação de Geoffrey Rush como “Peter Sellers” é irrepreensível, mereceu os prêmios que ganhou. Rush sempre dá o showzinho dele quando atua.

Emma Watson como “Anne Sellers” também está muito bem, assim como Charlize Theron, na “Britt Ekland”. Na verdade, todo o elenco está impecável. E nota DEZ para os créditos do filme, no melhor estilo “Pantera Cor de Rosa”.
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É impressionante como, em muitos casos, pessoas que conquistam a admiração de tantos não são pessoas admiráveis. Nem sempre quem é visto como exemplo é alguém exemplar. Por trás de uma máscara pública brilhante, pode estar escondida uma face sombria e nem sequer nos damos conta disso. Nem teríamos com saber, afinal de contas, enquanto público, estamos distantes de nossos ídolos. Mas basta saber que definitivamente, “de perto, ninguém é normal”, para termos a real dimensão de que nossos ídolos são pessoas de carne e osso. Não deuses olímpicos.
M.S.

terça-feira, setembro 19, 2006

Não seria legal?


Nos anos 60 do Século passado, quando os Beatles lançaram o LP “Rubber Soul”, fizeram uma bagunça na cabeça de Brian Wilson, líder dos Beach Boys – banda californiana especializada em surf music até então. Ele chegou a dizer que “o álbum tinha roubado sua alma” (trocadilho com o título do disco, “Alma de Borracha”, em português.
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Daí, o cara resolveu que daria uma resposta aos Beatles. Fato inusitado, já que praticamente todo o mundo musical da época esperava os quatro de Liverpool fazerem algo para copiarem em seguida.
Brian se trancou numa casa e compôs feito um alucinado. Usou arranjos jamais utilizados por bandas de pop rock, chamou grandes músicos de orquestra para tocarem com ele e fez um álbum primoroso: “Pet Sounds”. Era sua resposta aos Beatles. Só que Paul McCartney e os demais rapazes da banda também ouviram este disco e resolveram fazer algo também marcante. Saiu o “Sargeant Pepper’s Lonely Heart Club Band”. Nem preciso falar mais nada, não é?...
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O Brian Wilson pirou de vez. Depois do “Sgt. Pepper” ele viu que não dava para competir com os Beatles, por mais talentoso que fosse. E era. E é. Até hoje Paul McCartney anda querendo compor com ele e já disse que “Brian é o cara!”.
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Veja na TV Antigas Ternuras, um clipe com os Beach Boys cantando "Wouldn't it be nice".

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O disco “Pet Sounds”, que eu particularmente adoro, é uma de minhas caras ternuras. Ele tem a cara dos anos 60, década em que o mundo mudou, tudo aconteceu com reflexos até nos dias atuais. Eu não vou fazer uma resenha do disco. Nessa seara, O Bruno, da Padoca do Mutante (link aí ao lado), é muito melhor que eu. Mas, hoje, um dia depois de eu inaugurar idade nova, uma das músicas do célebre disco dos Beach Boys não me sai da cabeça: “Wouldn’t it be Nice”. Exatamente como esta frase em inglês, que significa “Não seria legal?”, tem um monte de coisas que eu gostaria que acontecessem. O que vocês acham?

Não seria legal...
...Se a gente pudesse sentar com amigos numa pracinha, à noite, só pra papear, jogar conversa fora, sem medo de ser assaltado?

...Se as pessoas pudessem voltar a colocar cadeiras na calçada para ver as crianças brincado na rua e poderem conversar em paz, sem serem ameaçadas pela atual violência?
...Se tivéssemos políticos interessantes, decentes e competentes para votar para os principais cargos eletivos e ficássemos até em dúvida sobre qual seria o melhor entre tão bons?
...Se todas as crianças tivessem acesso à educação, e ficassem na escola por oito horas por dia, aprendendo, brincando, tendo noções de cidadania, enquanto seus pais e mães (todos os pais e mães) estivessem em um trabalho digno?
...Se montar uma peça de teatro voltasse a ser algo relativamente fácil e barato como o era até os anos 70, e não tivéssemos que precisar de patrocínio, de estar nas mãos de diretores de marketing de empresas, que decidem o que deve e o que não deve ser montado segundo seus critérios?
...Se todos pudessem ter acesso às peças de Teatro, e não só uma minoria que tem dinheiro pra pagar os altos preços dos ingressos?

...Se a gente pudesse ficar juntinho pra sempre com o amor de nossa vida?
...Se os idosos fossem sempre respeitados pelos mais novos?
...Se as crianças fossem melhor assistidas pelos mais velhos?
...Se as pessoas de talento tivessem chances reais de desenvolverem suas aptidões?
...Se todos resolvessem cuidar com carinho do meio ambiente, com a certeza de ser o melhor investimento que poderíamos fazer para o mundo?
...Se todos fizessem a sua parte para que todas estas coisas efetivamente acontecessem?
Não seria legal?
E não seria legal se eu pudesse fazer uma festa de meu aniversário com todos os meus amigos blogueiros?
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Se quiserem conhecer o site dos Beach Boys, é só clicar aqui . Essa música que falei está tocando direto lá.
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Muito obrigado pelas felicitações dos amigos: Claudinha, Helena, Nina, Samara Angel, Lili, Fugu F., Giulia, Ronie e Paulo. Obrigado, gente! Meu aniversário foi mais feliz ainda por contar com a amizade, o carinho e a lembrança de vocês.

sexta-feira, setembro 15, 2006

O amor está no ar!


Parece que a primavera, tão próxima, está contagiando corações.
Tenho visto tantos casais em arrulhos d’amor pelos cantos da cidade, que só posso crer que as pessoas resolveram abrir as janelas do coração e as encontraram floridas e inundadas de sol.
No outro dia, fui assistir ao filme do grupo “Casseta & Planeta” (onde dei boas risadas, diga-se de passagem...) e um fato interessante aconteceu enquanto eu esperava a sessão começar. Estava lá, com um copão de pão de queijo, com o pensamento distante... E perto de mim, um casal de pombinhos arrulhantes me dava o mote para uma crônica neste blog, que sempre celebrará o romantismo como eterna ternura.
*
Como dizia Dalton Trevisan, um de meus favoritos, “todo escritor é um vampiro de almas, sempre à espreita de uma frase ou uma conversa dita pelo próximo”. E como os enamorados em questão não faziam a menor força para ocultar aquela paixão, meus ouvidos receberam, com muito bom grado, aquela troca de carícias verbais, aquelas “silly love words”, como diriam os franceses...
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- Eu já te disse que te amo hoje?
- Já, mas nunca é demais...
- Mas eu tenho que dizer que te amo de cinco em cinco minutos. O meu médico me receitou...
- Ahhh...Isso é um santo remédio!
- Então me diga rápido: quem é o meu amor?
- Sou eu...
*

Que este casal sirva de exemplo para tantos quanto tem alguém a quem amar. Se você está neste caso, já disse hoje “eu te amo” para quem mora em seu coração? O seu peito se aperta quando está longe dela? Você já a olhou com olhos de quem sabe que os seus dias seriam muito mais tristes se ela não tivesse surgido na sua vida? Já telefonou pra ela só para ouvir a sua voz e ganhar o dia com isso? Já ligou, mesmo que fosse de um orelhão, pra desejar um bom dia e deixar quem recebeu a ligação com cara de pastel, com olhos distantes e um sorriso bobo nos lábios, que nem uma bronca de chefe consegue desfazer?
*
Começa a sessão e minha atenção se volta para as trapalhadas daqueles adoráveis malucos. Muitas risadas depois, ao fim do filme, uma cena entre o Murilo Benício e a Maria Paula numa praia, com um belo luar ao fundo, ao som de um coral de surfistas (os caras) cantando “ó o auê aí, ô...”, me fez sorrir diferente...
O personagem do Benício diz pro da Maria Paula:
- Eu já te disse que eu te amo muito, muito, muitão?
- Mas eu também te amo, muito, muito, muito, muito, muitão...
*
Você anda triste? Sua vida amorosa caiu na rotina?
Pois seus problemas acabaram! Ligue já para o seu amor e diga que ligou só pra falar “eu te amo”.
Aproveita, convida para assistir ao filme dos Cassetas e namore bastante no cinema...
Só tenha cuidado com escritores blogueiros, também românticos apaixonados, que possam estar por perto...
M.S.
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Na Rádio Antigas Ternuras, você ouve “Dindi”, na voz deliciosa de Sylvinha Teles. Que coisa linda, não? Dizer para quem amamos que ela “é a coisa mais linda que existe”...

quarta-feira, setembro 13, 2006

Tudo começava ao girar um botão...


Ontem a Rádio Nacional completou 70 anos. Uma data marcante para a história das comunicações do País e para o escriba deste blog, visto que definitivamente a Rádio Nacional sempre será uma de minhas mais caras e antigas ternuras.
*

Para quem tem menos de 40 anos, talvez a Nacional não signifique muita coisa. Mas para nosotros, mais...huuumm... experientes, ela representa uma viagem ao mundo mágico da imaginação, com delícias incomparáveis. Perguntem aos pais e avós de vocês. Talvez eles lembrem o que é acompanhar o “Direito de Nascer”, ou “Jerônimo, o Herói do Sertão”, construindo na mente a história, todo o cenário, os personagens, somente a partir dos sons que saíam daquela caixinha encantada.
*

O “Direito de Nascer” eu não ouvi, também não sou tão velho assim; mas “Jerônimo”? Ah... Não perdia um capítulo! Ainda hoje eu sei cantar todinha a música-tema:
Quem passar pelo sertão
Vai ouvir alguém falar
Do heróis desta canção
Que eu venho aqui contar
Se é pro bem, vai encontrar
O Jerônimo protetor
Se é pro mal, vai encontrar
O Jerônimo lutador
Filho de Maria Homem nasceu
Serro Bravo foi seu berço natal
Entre tiros e tocaias cresceu
Hoje luta pelo bem contra o mal
Galopando, está em todo lugar
Pelos bravos a lutar sem temer
Com Moleque Saci pra ajudar
Ele faz qualquer valente tremer...
*

Lembro de mim, garotinho ainda, acompanhando atentamente “Histórias do Tio Janjão – Do tempo em que os bichos falavam”. Ou gargalhando, ouvindo “Balança Mais Não Cai”, especialmente com o quadro “Primo Pobre, Primo Rico”. Sem nem sequer imaginar que no futuro, eu seria amigo do “Ratinho Timóteo” (feito pelo radioator Gerdal dos Santos) e do “Primo Pobre”, inesquecível criação do meu diletíssimo Brandão Filho.
*
E os cantores e cantoras? Eu me recordo que quando andava de trem, ou de lotação, vinham os vendedores de Modinhas, revistinhas com as letras dos principais sucessos lançados pelo Rádio. Eu pedia pra comprarem pra mim e depois ia imitar os artistas. Precisavam me ver cantando “Conceição”, que nem o Cauby Peixoto! Quem diria que muitos anos depois eu iria fazer este número em Teatro, na peça “Nas Ondas do Rádio”, que escrevi e apresentei em 2002, com enorme sucesso...
*

Na briga Marlene x Emilinha, eu sempre fui Marlene. Mas depois que conheci as duas, conversei bastante com elas, as entrevistei pro meu banco de dados sobre a História do Rádio, fiquei sem preferida. Gosto das duas, indistintamente. Lamentei muito o passamento da Miloca. E até hoje, quando encontro a Marlene, lembro das fofocas sobre o povo do Rádio que ela me confidenciou.
Nunca vou esquecer da Emilinha, a “Favorita da Marinha”, toda faceira, cantando “Se a canoa não virar, olê, olê, olá... Eu chego lá!”... Ou da “Favorita da Aeronáutica”, a talentosíssima Marlene, cantando “Lata d’água na cabeça, lá vai Maria, lá vai Mariiiiiia...”
*
As duas eram as grandes damas dos programas de auditório da Nacional. Especialmente no “Programa César de Alencar”. Lá em casa, às 15 horas dos sábados, aquela célebre musiquinha ressoava pelos cômodos:

Essa canção nasceu pra quem quiser cantar
Canta você, cantamos nós até cansar
É só bater (plá, plá, plá, plá!)
E decorar (plá, plá, plá, plá!)
Pra recordar vou repetir o seu refrão
Prepare a mão (plá, plá, plá, plá!)
Bate outra vez (plá, plá, plá, plá!)
Esse programa pertence a vocês!

Quando eu fiz o personagem “César de Alencar” no Teatro e entrava em cena dizendo, como ele fazia, “Alô! Alôô! Alô!”, a platéia vinha abaixo...
*

Em 1994, o ator e diretor Sergio Britto me convidou para o elenco e também ser um dos pesquisadores da peça “Na Era do Rádio”. Foi ali que emburaquei no assunto “Rádio” e em especial, na Rádio Nacional. Montei um banco de dados a partir das minhas pesquisas e principalmente com base nos muitos artistas da RN que eu entrevistei e que acabaram virando meus “amigos de infância” (alguns já o eram, sem eles mesmos saberem...). Destes, destaco, além do Gerdal e do Brandão, Hélio do Soveral, Nádia Maria e Ênio Santos, entre os que já foram pro andar de cima, e a cantora Elen de Lima, minha querida amiga...
Amigos de eu freqüentar a casa. E mais outros que são tantos que relacioná-los encompridariam muito este post.

Além dos próprios artistas, eu virei amigo dos familiares deles também. Cito, por exemplo, minha grande amiga Isabela Saes, neta do meu ídolo Lauro Borges, mentor e principal personagem da “PRK-30”, um dos melhores programas humorísticos de todos os tempos. Aliás, eu já contei aqui, foi graças a Isabela que eu criei este meu blog.
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E aí está... 70 anos de um sonho chamado Rádio Nacional. Muita gente do passado diz que a RN foi, nos tempos áureos do Rádio, o que a Rede Globo é hoje, na Era da TV. Eu discordo. Guardadas as devidas proporções, a Globo não tem a dimensão que a Nacional possuía. O “Plim-Plim” não teve cinco orquestras contratadas, nem todos os maiores comunicadores, nem os maiores cantores, todos assalariados da emissora, que foi a primeira a projetar a arte do Brasil para todo o mundo. Nos bons tempos da Nacional, ela era ouvida, em ondas curtas, até em Moscou! E recebia correspondência de ouvintes de lá.
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Pelo microfone da Rádio Nacional passaram grandes artistas da música, do Teatro, da cultura... Lembro com saudade de programas que preenchiam minhas tardes e noites de guri. Recordo de “Incrível, Fantástico, Extraordinário”, com o inigualável Almirante (ali, aprendi a gostar de histórias de terror...), de “As Aventuras do Anjo”, de “Um Milhão de Melodias”... E hoje me orgulho de ter todos estes programas em fita cassete, que guardo como tesouro!
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Parabéns pelos 70 anos da Nacional! Eu agradeço pelos sonhos que ela me proporcionou em minha infância. E fez tantos outros sonharem antes de mim... Tudo começava ao girar um botão... Durante muitos anos, esse gesto foi repetido várias vezes ao dia em milhares de lares brasileiros. O aparelho de Rádio, aquela caixinha mágica, foi, por décadas, mais um parente a conviver nas casas. Todas as noites, as famílias voltavam as atenções na sua direção. Era o “oratório” das gentes, pobres e ricas, que só tinham que deixar a imaginação preencher as molduras que as vozes carregadas em erres colocavam à disposição dos ouvintes.
Muitas de minhas ternuras começaram pela Rádio Nacional... Eu me sentia parte de um universo especial, quando ouvia o locutor falando “amigo ouvinte”... Ah, querida emissora! Nas suas ondas, o barco da minha imaginação sempre navegou com brisa leve, a partir de um simples toque em seu dial... Que vivas para sempre, como um monumento à arte e ao talento do Brasil. E como um marco do menino Marco, com sua eterna cabeça de sonhos...
M.S.
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Na Rádio Nacional do Antigas Ternuras, você ouve Cauby Peixoto e a sua eterna “Conceição” (no Teatro eu cantava igualzinho, podem acreditar...)

segunda-feira, setembro 11, 2006

Teste para monge budista


Há cerca de um ano atrás, escrevi um texto sobre a falta de civilidade e cidadania das pessoas, não só daqui do Rio, mas de diversos outros lugares deste Brasil varonil. Tudo o que está descrito no texto, que republico resumidamente aqui no Antigas Ternuras, continua valendo. Aliás, posso dizer que a situação piorou bastante.
Recentemente fui ao cinema e lá, em diversas ocasiões, eu tive que fazer exercício de respiração, recitar mantras, para não explodir e sair descendo o braço num bando de mal-educados. Pegar um cineminha hoje em dia virou teste para monge budista. Daqueles iluminados, que já transcenderam a existência terrena e sublimam tudo.
O que não é, definitivamente, o meu caso. Fico na poltrona pensando em coisas materiais como escopetas, metralhadora AR-15, bazucas...Que Deus me perdoe.

Como diria um de meus ídolos, o Calvin (da tirinha “Calvin e Haroldo”):
"É difícil ser religioso quando certas pessoas nunca são incineradas por raios."
Ou ainda:
"Às vezes eu penso que o sinal mais forte da existência de vida inteligente em outra parte do universo, é que eles nunca entraram em contato conosco."
M.S.

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Olhando as rodas

As pessoas dizem que sou preguiçoso por sonhar minha vida deste jeito
Elas me dão todo tipo de aviso com o objetivo de me iluminar
Quando eu lhes falo que estou legal, olhando sombras na parede
Você não sente falta do menino daquele grande tempo que você não é mais?
“Watching the wheels” (Olhando as rodas) de John Lennon

Vivemos tempos complicados. Nunca se discutiu tanto cidadania e ela nunca foi tão pouco praticada. Hoje os maus hábitos viraram norma e o pior é que as pessoas nem acreditam que eles sejam realmente maus. Pois bem, querem um exemplo? Chegou a hora desta gente bronzeada saber de uma coisa absolutamente incrível: houve um tempo em que as pessoas iam ao cinema para assistir ao filme.
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Acreditem, ninguém conversava na sala de cinema. Podia ser o maior “poeira” (Tradução: cinema desconfortável, cadeiras de madeira, sem ar condicionado) que todos respeitavam os limites da conversação até o sussurrado: “quer um drops?” Barulho em cinema, só das risadas, quando passava comédia, ou dos gritos, quando era terror/suspense. No máximo, um gaiato dizia uma piadinha. Lembro quando fui assistir à “Tubarão”, naquela cena em que o personagem do Richard Dreiffus mergulha e vai investigar um barco afundado, aparece uma cabeça flutuando. Pois é. Antes dela aparecer, um gaiato que já tinha visto o filme gritou: “só a cabecinha!” Foi um susto e uma gargalhada geral. Ah, tinha um tipo de barulho consentido. Era quando passava filme da distribuidora “Condor Filmes”. Aparecia em desenho animado um condor, pousado no alto de um monte e, de repente, ele alçava vôo e atravessava a tela, formando a frase “Condor filmes apresenta”. Quando o bicho surgia, o cinema quase todo irrompia histérico, fazendo “Shhhh! Shhhh!”, ou seja “espantando a ave”. E como se ela “ouvisse”, batia as asas e ia formar a tal frase. O povo achava uma graça danada nesta bobagem!...Mas perto do que acontece nas salas de cinema de hoje, aquilo era de uma inocência boçal.
*

Não vou nem falar do celular, porque isso não existia no tempo em que Adão era escoteiro.
Hoje eu vejo suplício no meu lazer. Ir ao cinema pode ser extremamente desagradável. As pessoas conversam em voz alta, atendem ao celular, quando não ligam elas próprias para perguntar qualquer besteira. Tudo isto durante a sessão! Às vezes eu me sinto como se fosse a única pessoa do Rio de Janeiro que desliga o celular durante o filme. E as conversas em voz alta? Acreditem, eu já ouvi um casal discutir a relação durante um filme!
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“Ó tempora, ó mores!”. Para quem não conhece latim: “ó tempo, ó costumes!”
Vejo tudo isto com olhos de quem sente realmente falta “daquele tempo que não é mais” como está na letra da canção de Lennon. Como ele, vejo as rodas rodando e não tenho outra alternativa a não ser deixá-las seguirem.
*
Recentemente, o grande Zuenir Ventura escreveu nO Globo sobre o assunto, desenvolvendo uma reflexão de que este tipo de (mau) comportamento era devido à TV. As pessoas agem nas salas de cinema como se estivessem nas suas próprias salas, assistindo à novela das nove.
Talvez.
*

Mas eu acredito que esta não seja a única explicação, nem mesmo a principal. Tenho outra teoria. Acontece que estamos vivendo tempos em que se acha o mais importante satisfazer os próprios desejos, sem se importar se esta satisfação vai incomodar o próximo ou não. Algo como: “se o celular é meu, eu atendo ele onde eu quiser. As pessoas precisam falar comigo e eu preciso ouvi-las. Fim de papo.” Ou ainda: “ah, eu paguei o ingresso e vim ao cinema com a minha namorada ou com meu amigo. Eu preciso falar com eles sobre o filme ou sobre o que me der na telha”.
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Todo este estado de coisas, toda esta indigência que a vida moderna nos traz, me faz pensar na música, “Watching the wheels” (“Olhando as rodas”), do bom e velho Lennon:
“Eu estou sentado aqui olhando a rodas rodarem, rodarem
Eu realmente adoro vê-las girando
Já não monto no carrossel
Eu tenho que deixa-las seguirem”
M.S.
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Na Rádio Antigas Ternuras você está ouvindo “Watching the Wheels”, com o meu, o seu, o nosso eterno John Lennon.

sábado, setembro 09, 2006

Uma voz na escuridão


Um original de Marco Santos (Da série: Contos Avulsos)

A história que vou-lhes contar realmente aconteceu. Não tenho provas físicas, nem testemunhos outros além de minha palavra. Eu morava no interior, em Minas Gerais, na cidade de Conselheiro Lafaiete. Era garçom em um bar no Centro da cidade. O bar costumava fechar por volta das 22 horas. Depois, eu tinha que ficar para virar as cadeiras e lavar o chão, preparando o salão para o dia seguinte. Pouco depois das 11 horas eu fechava o estabelecimento e seguia para casa, para o merecido repouso. Morava na rua do velho cemitério, por onde eu passava sempre por volta da meia-noite. Os amigos viviam zombando de mim por andar sempre àquela hora em local tão estranho...
*
- Você não tem medo dos mortos, Siqueira?
- Eu tenho medo é dos vivos. E mais medo ainda dos vivaldinos!
Nunca vira nada de estranho naquele meu trajeto. Até que numa noite, passando pela rua, tive a minha atenção atraída por um bando de crianças que brincavam, fazendo uma enorme algazarra.
Apesar do adiantado da hora, não achei que fosse algo tão estranho assim. Entretanto, eu me surpreendi com a cena que se passou logo adiante. Quatro homens carregavam um caixão, seguindo na direção do cemitério. Parei na rua, acompanhando com os olhos aquele estranho cortejo.

- O senhor tem fogo? – soou uma voz cavernosa, atrás de mim.
*
Quase tive um infarto com o susto. Aquele homem me pareceu sair do nada e se postar atrás de mim, pedindo fósforos, com um cigarro apagado nos lábios.
- Desculpe, mas não fumo - foi o que consegui responder com voz sumida.
- O senhor me desculpe se lhe assustei – disse o homem com a voz que parecia ter saído do interior de uma gruta. Tentei aparentar naturalidade.
- Não tem problema. Boa noite.
Deixei-o atrás de mim, colocando asas nos pés para sair dali. Sem me aperceber, fui me aproximando do cortejo fúnebre que tinha visto.

*
Observei, então, algo que me pareceu estranho. Se eu diminuía os passos, os quatro homens também diminuíam. Se eu me apressasse, eles também apertavam o passo. Assustado, pensei em me afastar dali correndo na direção oposta. Foi quando vi bem adiante de mim um clarão naquela escuridão.
- Ahhh!
- Assustei o senhor de novo? Me desculpe. Eu consegui fósforos e estava acendendo o pito.
Era aquele homem de voz de catacumba. E começou a rir de modo assustador. Ele veio andando na minha direção e, assustado, novamente girei nos calcanhares e corri agora na direção do cemitério. Quando estava próximo, avistei novamente o cortejo, andando lentamente, como se esperasse por mim. Parei. Os quatro homens pararam diante dos portões de ferro do cemitério. Após um segundo, os portões abriram-se sozinhos. Lentamente. Os homens com o caixão entraram no cemitério, caminhando devagar. Eu estava paralisado pelo pavor de ver aquela cena macabra.

- O senhor conhecia o falecido?
*
Aquela voz já conhecida, sussurrada logo atrás de mim, fez com que molas invisíveis em meus pés me impulsionassem para frente. Sem dar por mim, entrei no cemitério logo atrás do cortejo. Os homens tinham parado junto a uma cova na terra e depositaram o caixão no chão. Eu não sabia para onde correr. Assustado, parei onde estava. Vi os homens acenderem velas e dizerem algumas palavras que não conseguia ouvir, provavelmente por estar paralisado de medo. Então eles começaram a se afastar, na direção da saída do cemitério, arrastando os pés, em silêncio total.
Saí dali correndo o mais que podia. Cheguei em casa suando frio. Minha mãe viu o meu rosto pálido e veio falar comigo.
- Meu filho...O que houve?
*
Tentei balbuciar algumas palavras, mas lembro que um calafrio me percorreu a cabeça e não me recordo o que aconteceu depois. Só sei que acordei com minha mãe ao meu lado, rezando.
- Salve rainha, mãe de misericórdia, vida doçura...Ah! Graças a Deus você acordou, meu filho! O que foi que aconteceu?
Foi quando contei o ocorrido naquela noite. Pela manhã, logo que acordei, fui ao cemitério. Avistei o coveiro e fui falar com ele:
- O senhor poderia me dizer se houve algum enterro ontem à noite?
- Ontem? Nem de noite nem de dia. Eu fechei o portão às cinco da tarde e só abri agora de manhã.
*
Resolvi não falar mais nada para o coveiro. Fui para o bar e tampouco quis comentar lá também. À noite, depois de fechar. Voltei para casa com o coração na mão. Fiz o trajeto habitual e nada aconteceu de estranho. Da mesma forma, nos dias seguintes não houve nenhum fato fora do normal. Já até havia esquecido daquela estranha noite. Até que em uma certa vez, passando eu pelos arredores do cemitério, voltando do trabalho, sem querer chutei uma pequena caixa de madeira. Eu me abaixei para ver o que era. Percebi ser uma caixa de fósforos. Em seguida, um calafrio me percorreu a espinha. Atrás de mim alguém falou:
- O senhor tem fogo?

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Essa era uma das radionovelas que escrevi. Mas resolvi mudar-lhe o feitio na apresentação aqui. Só para variar um pouquinho.
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Na Rádio Antigas Ternuras, você está ouvindo “Abismo de Rosas”, pelo sempre ótimo Dilermando Reis.

quinta-feira, setembro 07, 2006

Setembro


Já estamos no nono mês do ano. A mim, parece que o reveillon foi ontem e, imaginem, já nos aproximamos do próximo.
Sempre gostei de setembro. Desde algum tempo, é o mês em que tiro férias. Ele é ótimo para viajar. Tanto no hemisfério norte quanto no sul do planeta, é mês de temperaturas amenas, de sol forte em quase todos os dias. Gosto de setembro também por ser o mês de meu aniversário.
*

Não desgosto de agosto. De forma alguma. Tenho nele uma data muitíssimo especial, para sempre meu “feriado nacional” (dia em que olhei o amor nos olhos). Mas setembro me é especial. Coisas boas costumam me acontecer neste mês. Como um bom virginiano, aprecio misticismos. Tarot é uma deles. Assim que passar o meu aniversário (e findar meu inferno astral, como dizem os astrólogos...) vou já saber o que os arcanos têm a me dizer.
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Entro em setembro realizando coisas que gosto. Está sendo um mês positivo para mim. Trabalho no Projeto Histórias das Estatísticas Brasileiras (1822-2002), e acabamos de lançar o primeiro volume da obra (já está a venda). Nele, escrevi o maior capítulo do livro e todos os perfis biográficos. A foto da capa é de minha autoria e não é por estar na minha presença, mas ficou muito bom.
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Como sabem, sou também ator. E acabo de estrear um novo espetáculo, chamado “Nhoque em tempos de crise”, de Vitor Hugo Marques. Estou me divertindo muito em fazê-lo. Não é nenhuma superprodução como as que participei no tempo em que trabalhava com o Sergio Britto, mas é digna e tem agradado ao público que nos tem prestigiado.

*
O mês começa e o inverno cisma de aparecer. Caminho pela rua de uma tarde branca, com vontade de ouvir pássaros pipilando. Infelizmente, não vejo nenhum pelos galhos das árvores urbanas e indiferentes. Vejo um operário trajando a camisa do Mengão, feliz, assoviando. Bom sinal. Mesmo em momentos de adversidade, nós, rubro-negros, temos um joie de vivre, uma alegria de viver que os torcedores daquele time da Força das Trevas, aquele que carrega uma cruz de sofrimento, nunca terão.
Entro em uma padaria, na dúvida se compro ou não aquele Mil Folhas que está piscando os olhos sedutoramente para mim. Sem mais porquê, começo a cantarolar “Alegria, Alegria”. Olho para o doce e penso:
“Eu vou, por que não? Por que não?...”
Enfim, chegou setembro. É primavera no meu coração.
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Na Rádio Antigas Ternuras, você está ouvindo “Sol de Primavera”, na voz marcante de Beto Guedes.

terça-feira, setembro 05, 2006

Lua e Mar - A mais bela história de amor


(Da série: Contos avulsos)

E se enluaravam de felicidade
Naquela cidade que não tem luar
(Mar e Lua, Chico Buarque)

Numa rodoviária do interior, eles buscavam sonhos, com esperança e apreensões. Ele, decidido a conhecer o seu futuro. Ela, travando um combate interno entre a insegurança e a confiança no porvir.
*
E então se viram. Eram dois personagens colocados ali pelo Universo, que os tinha conduzido àquele lugar sem nem avisar o porquê. Numa troca de olhares entre ambos, foi como se uma história de passados, de séculos e milênios ali se reiniciasse, sob a pena do Destino. A moça empalideceu. O rapaz foi até ela.
- Moça, você está bem?
- Só um pouco tonta. Deve ser o cansaço.
- Eu busco uma água pra você.
Ele tinha gestos duros de quem lida no campo, mas compensados com a doçura na voz. Seus olhos não conseguiam se desviar dos da moça.
Ele trouxe a água, sentaram-se num canto da rodoviária.
- Prazer, moça. Meu nome é Lucimar.
A moça riu, mostrando os dentinhos separados, um jeito sapeca e tímido no olhar.
- Olha só... Eu também me chamo Lucimar. Mas o meu povo me chama de Lua...
- Que coincidência... Meus amigos me chamam de Mar...
*
Em volta dos dois, uma colméia de passos apressados, a vida urbana rodando suas engrenagens, vidas e histórias se entrecruzando. Mas para LucimarLua e LucimarMar, o Livro de Gênesis começava ali. Tudo o mais estaria por vir, por ser escrito, construído, nomeado.
- Eu estou indo pra outra cidade. Procurar emprego. Aqui não tá dando conta, não.
- Eu também estou seguindo com a vida. Tem cidade perto daqui que está precisando de moça pra trabalhar numa farmácia.
- Daqui a pouco sai o meu ônibus.
- O meu também.
*
No pouco tempo que tinham, derramaram palavras, riram das tantas coincidências... Nem perceberam que o Tempo é bicho manhoso; se disfarça de jabuti quando precisam dele, mas se o deixam de lado, volta a ser uma lebre veloz.
Lua deixou-se invadir por uma calma de flor no campo, que espera o tempo certo de desabrochar. Mar se viu encantado pela moça. Deixava ela contar suas histórias e bebia suas palavras como o mar sorve o leite de prata dos reflexos da lua cheia. Por onde o destino escondera aquela prenda?
*
A voz metálica nos alto-falantes trouxe os dois do céu pro chão.
- Esse é o meu ônibus. Preciso ir.
- Mas, Lua, e eu não vou te ver de novo?
- Se Deus quiser, sim.
- Será que foi coincidência a gente ter se esbarrado aqui?
- Sinhá Dona Fifi diz que coincidência não existe. Os bons espíritos sempre dão um jeito de juntar quem tem que ser juntado. E eles me deram um presente hoje, no meu aniversário.
- É hoje? Seu aniversário? Pois então você vai ganhar um presente meu.
*
Entraram numa pequena lojinha ali perto.
- A senhora tem camiseta?
- Tem, mas tem pouca. Pro seu tamanho só tem essa.
Era uma sem manga, em tonalidade de amarelo, que deveria atrair todos os canários da região. O rapaz tirou a que estava vestindo e a deu à moça. Vestiu a que acabara de comprar.
- Procê sempre lembrar de mim. Feliz aniversário.
*
Caminharam até a plataforma onde Lua teria que pegar o ônibus.
- Mar, você gosta de mim? Posso acreditar?
- Veja nos meus olhos a resposta.
E a moça leu naquelas pupilas uma história de buscas, de querências, de um porto que finalmente recebeu um barco.
- Quero saber se você gosta de mim também. Me dê a sua mão.
Como se a mão da moça fosse uma flor aberta em pétalas, separava cada dedo e o beijava, do polegar ao mindinho, dizendo “você gosta”, “você não gosta”, “gosta”, “não gosta”... No último dedo, ele teve a certeza de que ela, sim, gostava.

Foi quando a beijou. Um beijo cheio de urgências, de ternuras represadas, de um amor que ultrapassava frestas e obstáculos, como o vento deitando os cabelos das campinas verdejantes.
*
Lua entrou no ônibus. Mar ficou a observando por longo tempo. Até que o veículo dobrasse na esquina e sumisse de seus olhos. Um aperto que ele sentiu no peito era sinal que ela tinha saído dos seus olhos para se alojar num espaço ao lado do seu coração.
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Na Rádio Antigas Ternuras, você está ouvindo “Todo azul do mar”, com 14 Bis.

sexta-feira, setembro 01, 2006

A palavra é...


Noutro dia, eu estava conversando com uma pessoa muito querida sobre gravidez na adolescência. É impressionante como as estatísticas afirmam ser cada vez maior o número de meninas, com idade a partir de 10 anos, iniciando a vida sexual e até a engravidando.
*

A revolução nos costumes de um lado e as conquistas na contracepção de outro, quando juntas, produziram uma forte liberação da libido. Um dos aspectos negativos foi o desleixo justamente com os cuidados contraceptivos. Por ignorância, desinformação ou mesmo por falta de juízo, os jovens se iniciam no sexo sem os devidos cuidados, acarretando em uma criança que nasce da irresponsabilidade de duas outras crianças.
*

Com isto, o número de abortos (especialmente entre jovens de maior poder aquisitivo) aumentou de modo assustador. O volume de crianças abandonadas (especificamente entre os de baixo ou nenhum poder aquisitivo) acompanhou percentual semelhante. Mais uma conquista (?) da modernidade.
*
Pois é. Eu já fui adolescente e naquele tempo, na minha geração, estas estatísticas de adolescentes grávidas não eram tão expressivas. Minha irmã brincou de boneca até os 15 anos e suas coleguinhas eram tão infantis quanto ela. Nos meninos, os hormônios explodiam por volta dos 12, 13 anos. Mas, na imensa maioria das vezes, em questões de sexo, os rapazes só podiam apelar para, digamos, soluções individuais, já que as meninas faziam o maior jogo duro. Não que não tivessem vontade, mas as pressões da sociedade e especialmente da família enchiam-nas de terror ao simples pensamento de engravidarem antes de casar.
Uma amiga da mesma idade que eu me contou que quando ela era adolescente, viviam recomendando que tivesse cuidados com vaso sanitário fora de casa e até com beijo na boca. Diziam que ambos podiam fazê-la engravidar. Certa vez, num baile, um rapaz roubou um beijinho dela. Pronto! Ela ficou aos prantos, dizendo: “ele me beijou na boca! Estou grávida!”
As moças só conseguiam permissão para namorar depois dos 16 e assim mesmo, naquele esquema de ficar no portão até as 22h, e quando a luz da varanda piscasse, era hora de entrar (maldita luz da varanda! Já me tirou do bem-bom trocentas vezes!). Namoro na época, era só “beijinho, beijinho”; e, quando as coisas esquentavam, “tchau, tchau...”
*
Mas estou falando de namoro, e para isso, nós, rapazes, também teríamos que ter mais de 16 anos. E antes? Como é que se dava vazão à toda aquela ebulição hormonal adolescente?
*
Olha, vou confessar a vocês: com a rapaziada do meu tempo valia (quase) tudo!
Vocês acham que estou brincando? Passemos para alguns exemplos.
*

Uma tarde, Armando Zóio (tinha esse apelido por ter um olho virado para o Oiapoque e o outro pro Chuí. Já viram que o cara era lindão, né?) estava sozinho em casa, sendo acometido por um tesão inesperado. Foi quando ele olhou para a trouxa de roupa suja que a sua mãe tinha deixado ao lado do tanque. Huuummm... Aquelas formas arredondadas...aquele jeito sensual e provocante que todas as trouxas têm... Ele foi se chegando, com os olhos embaciados pelo desejo... A pobre trouxa não conseguiu resistir à sua lascívia. Ele a violentou ali mesmo. Depois, saciado em seus desejos carnais, foi para rua e contou tudo pra gente. Acompanhamos aquela história boquiabertos. Claro, a gozação comeu solta, mas pude perceber que para alguns o relato sugeria possibilidades...
*

Outro exemplo. Na Rua Marambaia, onde me criei, certa vez abandonaram um velho Buick 1952, azul de capota branca. Em pouco tempo, o carro foi depenado em suas peças que poderiam render algum trocado no ferro-velho. O que sobrou virou área de lazer para a garotada. Um dia, um maluco que nem sei quem foi, desenhou uma mulher pelada no banco da frente. Quem já viu um desses carros lembra que o banco da frente era inteiriço, parecia um sofá. Pois é. Na mulher pelada desenhada, eles fizeram um furo na altura da... da... de vocês sabem aonde. Pronto! Tinha até fila para fazer saliência com o banco do Buick! Como ele era de molas, o próprio movimento característico ficava favorecido. Eu, de longe, via aquela agitação e ainda ficava sacaneando os caras:
“Ó... Cês vão prender o pinto nessa mola e aí é que eu quero ver!”
*
Outro exemplo de como a moçada da minha época buscava alternativas para dar vazão a toda aquela, huum, energia.
Dona Dolores tinha uma porca. (Já sei que tem gente rindo aí...). A bichinha era criada solta, vivia até entrando no nosso campinho na hora da pelada. De tardinha, sem ninguém precisar ensinar, ela voltava pro chiqueirinho dela, na boa. Pois bem. Eu ouvi dizer, que numa certa noite, o Jorge Negão, o Zé Russo, o Dilsinho Bundão e o Adílson Preguiça (olha só os nomes...Parece até chefes do PCC, né?), todos tomados pela luxúria, resolveram visitar a porca.

Chegando lá, os cafajestes se acercaram da pobre vítima, cheios de palavras doces e... curraram aquele projeto de presunto ali mesmo. Um por um, todos deram vazão aos seus desejos primitivos, naquela bacanal interespécies.
Quando eu ouvi a história, me apressei em apurá-la. Todos negaram veementemente. Juraram de pés juntos que era mentira.
Hum... Sei não.
Bem, mas o caso não acabou ali. Passou um tempo, a porca deu cria. Foi um monte de gente ver e...ó! surpresa das surpresas!... Da ninhada, tinha um porquinho bem pretinho, um amarelinho e cheio de sardas, um com o traseiro avantajado...e um que não se esforçava para disputar as tetas da mãe: ficava todo preguiçoso num canto do chiqueiro...
*

Mas o pior era quando a porca resolvia passear com a prole. Não sei o porquê, mas sempre que estávamos jogando bola, ela entrava no campo com os bacorinhos, como se estivesse levando-os para rever os pais desnaturados que a abandonaram, sem assumirem a responsabilidade do que fizeram com ela...
E a gente às gargalhadas: “Vai lá, porquinho, vai pedir a bênção ao papai!”
*
Hoje a moçada adolescente leriam estas histórias como se fossem ficção científica, contos acontecidos no planeta Saturno, sei lá... Talvez não consigam imaginar que sexo na adolescência, bem diferente dos tempos atuais, era algo tão raro quanto ver um cometa numa noite de lua cheia.
M.S.
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Na Rádio Antigas Ternuras, você está ouvindo “Sexo”, pelo Ultraje a Rigor.