sexta-feira, março 31, 2006

Pai herói


Dia desses, estou zapeando o controle remoto da TV a cabo, dou de cara com o Stan Lee sendo entrevistado pelo Kevin Smith, um dos diretores de cinema do movimento Dogma [veja foto]. Talvez vocês não saibam quem é Stan Lee. Mas certamente vocês conhecem Homem-Aranha, Hulk, X-Men, Quarteto Fantástico, Demolidor, Surfista Prateado... Pois é. Ele criou todos estes heróis. E mais os vilões que eles enfrentam. Além de ser o “pai” de tantos heróis ele próprio é um deles para a turma que aprecia quadrinhos.
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Já escrevi aqui trocentas vezes que amo gibis, aprendi a ler neles antes mesmo de entrar na escola etc. e tal. Daí que ver o criador de alguns de meus heróis de infância ali, na TV, falando do seu processo criativo, de como criou estes seres vestidos de collant coloridos é papa-fina, coisa aqui ó, da pontinha da orelha.
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E acreditem: foi inclusive uma aula para mim, que tenho minhas modestas aspirações a escritor e sou estudioso da “engenharia” responsável pela construção de estórias...
E de quebra, ainda descobri muitas curiosidades que nem desconfiava. Querem ver uma delas?

Ele contou que uma das grande transformações que ele fez na Marvel (editora de quadrinhos de super-heróis) foi aproximar os leitores dos editores. Ele desenvolveu uma seção de cartas nos gibis que se caraterizava pela extrema informalidade, tratando os leitores com uma intimidade jamais vista nos quadrinhos. Certa vez, ele teve a idéia de juntar todos os desenhistas, editores, funcionários da empresa, todos em um estúdio para gravarem uma musiquinha que falava numa espécie de Clube dos Heróis Marvel. Na verdade, era para ser uma gozação. A música seria gravada em um disco de papelão para ser distribuído aos leitores. Ele cantou a tal musiquinha e eu quase caí para trás: era a mesma que abria os desenhos animados da Marvel na TV de minhas priscas eras – Capitão América, Homem de Ferro, Thor, Príncipe Submarino e Hulk. Ele cantou um trechinho da canção em inglês e a versão brasileira me veio instantaneamente na cabeça. Se você tem mais de quarenta vai lembrar:
Erga a cabeça/Altivo no andar/Nunca se aborreça/Sorria do azar/Por mais que você cresça/É sempre bom lembrar/Que é melhor ser assim/Pois você é, você é, você é, você é mais um valente herói do Clube Marvel/Sempre avante, a vibrar, um gigante ao estudar/Sempre ao som da canção do Clube Marvel/O quadrado fica fora nosso clube é valente/Fique atento toda hora nossa turma nunca mente/Energia em cada ação/Como faz um campeão/Um leal, valente herói/Do Clube Maaaarveeeeeeelllll!!...
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E, é claro, lembrei das musiquinhas dos desenhos da Marvel:

Capitão América lança o seu escudo/Contra os que servem ao mal acima de tudo/Avante gigante, galante, vibrante/Que a brasa queima e o mal não teima/Quando Capitão América lança o seu escuuuuuudooooo!

Tony Stark, tira onda/Que é cientista espacial/Mas também é Homem de Ferro/Elétrico, atômico, genial/Dura armadura/Homem de Ferro/É lenha pura/Homem de Ferro.

Onde o arco-íris é ponte/Onde vivem os imortais/Do trovão é o seu guarda-mor/O barra limpa, o grande Thooooooorrrrr!

Ele é o rei dos mares/Meio peixe, meio homem/Também domina os ares/Nobre Submarino
Leal Namor, dos mares é senhor!


Pobre Bruce Banner/Por lindo cano entrou/Exposto a raios gama/No feio Hulk virou
Verde monstro/É incompreendido/Grosso, massa/Luta por ser querido/Na fossa vive o Hulk, Hulk, Hulk!
E outro herói Marvel que não era deste clube mas que tinha uma inconfundível música de abertura:

Homem-Aranha, Homem-Aranha/Aí vem o Homem-Aranha/Com a teia infernal/Em combate contra o mal/Ele vem! Ele é o Homem-Aranha!...
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O curioso é que se vocês me perguntarem o que eu almocei ontem, não me lembro. Mas coisas como estas ficaram de tal forma tatuadas na minha mente que tenho a impressão que nunca vou esquecer. Nem se trocar o disco rígido!
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Entre as muitas revelações que fez o velho Stan, uma eu nunca tinha percebido: ele deu nome com mesmas iniciais a vários personagens: Peter Parker (Homem-Aranha), Bruce Banner (Hulk), Susan Storm (Mulher-Invisível do Quarteto Fantástico), Reed Richard (Senhor Fantástico), Matt Murdock (Demolidor), Scott Summers (o Cíclope, dos X-Men)... E a razão disso é que ele tem memória fraca. Segundo ele, se lembrasse do primeiro nome, saberia que o sobrenome começava com a mesma letra.
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Ele contou muitas outras curiosidades: a origem dos X-Men, como o Homem-Aranha foi recusado pelo seu editor, por que o Hulk da TV se chamava David Banner e não Bruce, como o Bob Kane, criador do Batman era expansivo... Muitas outras informações que transformaram este velho rapaz aqui em criança novamente, lembrando de um tempo em que valores como os defendidos pelos super-heróis eram almejados pela maioria da população. Hoje, vemos o ministro enganar o país, a deputada dançar por ter livrado o colega corrupto, o presidente dizer que não sabia de nada... Por isso lembro com saudade do Clube dos Super-Heróis Marvel. Lá, nós cantávamos: “Fique atento toda hora, nossa turma nunca mente...”
M.S.
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No ano passado, eu escrevi um texto sobre este assunto. Como naquela época quase ninguém lia minhas coisas, posso republicá-lo aqui para os meus milhares de leitores.
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Terça-feira, Março 29, 2005. Às 15h 29min.
Carne crua desafia o Capitão Marvel

Ontem eu passei numa banca de jornais para comprar o exemplar do mês da revista “Nossa História”. Enquanto eu esperava o jornaleiro fazer o troco, olhei em volta para ver se tinha alguma outra novidade e percebi que a banca toda estava externamente coberta por revistas de mulher nua (vários títulos).

Minha primeira impressão foi a de estar em um açougue, com diversos tipos de carne pendurados nos ganchos. Nenhuma novidade. Este tipo de revista já existe há muito tempo e inunda as bancas com a exposição de moças saradas em academias e nos photoshops da vida. Mas naquele pentelhésimo de segundo a espera do troco, eu me lembrei das bancas de jornais da minha infância/adolescência, lá em mil-novecentos-e-não-vem-ao-caso.
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Naquela época, quando ia até uma banca de jornais, meus olhos juvenis se deparavam com uma infinidade de gibis de super-heróis e eu, maravilhado, contava e recontava os caraminguás, obtidos com sobras de mesada e frutos da minha iniciativa financeira (leia-se: venda de garrafas de refrigerantes vazias e algum alumínio/cobre/metal que tivesse conseguido e vendido nos ferros-velhos de antanho).

Minha dificuldade era escolher, entre tanta oferta, qual super-herói eu iria levar para casa: Fantasma, Mandrake, Capitão América, Príncipe Submarino, Super-Homem, Superboy, Cavaleiro Negro... ou o meu sempre favorito Batman.
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Era o que revestia as bancas de jornais da minha infância: gibis de super-heróis. Hoje, não costumo ver crianças em bancas. Os gibis estão raros e caros. E adolescente quando entra numa banca, quase que invariavelmente pega revistas de televisão (se meninas) ou pega as “Sexy”, “Playboy” e congêneres (se meninos). Não é preconceito, é estatística.
Antigamente, as bancas exibiam revistas que defendiam valores como bravura, honra, sagacidade. Hoje, mostram publicações em que o forte é desejo, tesão e invasão de privacidade.
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Veja bem. Não estou fazendo nenhum comentário moralista. Diria que é um comentário “conformista”. Sei muito bem que os tempos são outros, o público consumidor é outro, as mentalidades também.
Tudo isto é só uma constatação de que o que me movia para as bancas de jornais da minha adolescência era, por exemplo, aquela música do “Clube dos Super-Heróis Marvel”:
Erga a cabeça
Altivo no andar,
Nunca se aborreça
Sorria do azar
Em tempos atuais, creio que uma das músicas que melhor define a ida às bancas é:
Baba, baby, Baby baba...
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Não entro no mérito de qual época é melhor. Você, que me dá o prazer de ler, que faça a sua escolha. Talvez exista aquele que considere esta conversa como ociosa, visto que nada vai mudar, a Carne Crua venceu a luta contra o Capitão Marvel.
Mas a minha ida ontem à banca de jornais me deu a oportunidade de refletir em todas estas coisas. E isto nunca será ocioso. Como disse certa vez Millôr Fernandes, “livre pensar é só pensar”. E foi o que fiz. Livre pensei.
M.S.

quarta-feira, março 29, 2006

Feijão ou sonho?


Creio que vocês já perceberam que eu sou um saudosista inveterado. Realmente, eu dou imenso valor às minhas reminiscências. Mas quem me conhece mais de perto sabe que eu também sou extremamente pragmático quando a situação assim o pede. Diante de um problema, costumo arranjar uma solução objetiva. Em último caso, adoto o famoso "o que não tem remédio, remediado está". Meu saudosismo convive muito bem com a minha objetividade, embora pareça contraditório.
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Está em cartaz aqui no Rio um filme que coloca o espectador diante de um dilema:
prezar as antigas tradições ou ser pragmático e garantir a sobrevivência?
Trata-se de "Clube da Lua" ("Luna de Avellaneda", 2004, Argentina, dir. Juan José Campanella). Eu não costumo ter muitas simpatias por argentinos e vascaínos. Aliás, sempre digo que a Argentina é o vasco do mundo e vice-versa. Mas reconheço que senti pena dos caras quando vi, em tempos recentes, um monte de gente diante das portas cerradas dos bancos argentinos, querendo sacar seu dinheiro sem conseguir. A derrocada da economia porteña jogou muita gente na miséria, gente que tinha um padrão razoável de vida. Especialmente aposentados e funcionários públicos. Aposentado eu ainda não sou (huummm, tá looonge...), mas servidor federal, sim! E se o Brasil entra neste buraco que os hermanos entraram?
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No filme, um clube de subúrbio de Buenos Aires, em fins dos anos 50, vivia abarrotado de gente. Os milhares de sócios eram moradores das redondezas, trabalhavam nas redondezas e levavam seus respectivos familiares para dançar, ouvir tangos ou simplesmente se divertir no "Luna de Avellaneda". Namoros começaram ali, casamentos aos montes aconteceram naquele clube, tantas histórias bonitas... O negócio era tão família, que até uma criança nasceu lá, durante uma festa, com todos os milhares de sócios esperando, em silêncio, a criança ser apresentada e chorar no microfone.
Com a crise argentina nos anos 90 o clube entra em brutal decadência. Os oito mil sócios caem para uns trezentos e olhe lá.

Goteiras, reboco caindo, o clube precisa de uma boa reforma, mas não tem um centavo no caixa. E para piorar, ganham uma multa de milhares de pesos da prefeitura. Um cassino faz uma proposta de compra das instalações e ainda oferece 200 empregos para os sócios. Entre os que votariam a proposta, o cenário é desolador. Desempregados, subempregados, gente demitida, sem plano de saúde para os filhos e até sem dinheiro para comer.
O que fazer? Deixar de lado a tradição e os bons momentos do passado e vender? Ou ficar com um clube falido e sem condições para se reerguer, mas que atende com cursos a dezenas de crianças, algumas das favelas vizinhas?
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Comida na mesa ou antigas ternuras? Feijão ou sonho?
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Com isto, a gente vê pessoas que outrora foram orgulhosas (falar em argentino orgulhoso chega a ser pleonasmo...) e que hoje vivem dando trambiques, fazendo "gato" na luz elétrica, na TV a cabo...(na foto, estão tirando um aparelho de dentes de um menino com alicate porque a mãe não tem dinheiro para ir ao dentista e o plano de saúde foi cancelado)
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Destaque para a atuação de todo o elenco, sem exceção, para a trilha sonora (tem uma música que junta tango com samba) e para a direção que soube construir um belíssimo filme, sem usar o recurso do panfleto para tratar de um momento gravíssimo por que todo um povo está passando.
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A gente sai do cinema pensando: o que está acontecendo aqui ao lado pode acontecer aqui? Nosso ambiente político desse jeito que a gente está vendo. A economia, por enquanto vai bem, mas... Sei não, sei não... Ai que mêda!
E você? Optaria pelo feijão ou pelo sonho?
M.S.

segunda-feira, março 27, 2006

Eu na Família Morcegos

Alvíssaras, meus queridos milhares de leitores! (Como já expliquei aqui, se o Luiz Fernando Veríssimo e o pessoal do Casseta e Planeta, que têm milhares de leitores, dizem que só possuem 17, eu que tenho uns 17 assumo que possuo milhares)
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O grande Dilberto, líder do excelente blog Morcegos (link aí ao lado), acaba de indicar o Antigas Ternuras como "Blog da Semana". Eu me sinto muito honrado e agradeço penhorado (na Caixa Econômica Federal...). Podem ir lá conferir e verão um blog do balacobaco, com textos memoráveis de um (também) saudosista assumido. Como vocês podem ver, não sou o único a cultuar antigas ternuras pelo ambiente virtual...
No blog, ele criou a Família Morcegos e me convidou a entrar como um "primo". Sou um cara que sempre foi fascinado pelo Batman e que tem "batmarco" como endereço de e-Mail. Logo, assumo a minha condição de membro do clã dos quirópteros, com muito prazer e gosto.
Ele recentemente fez a convocação da "Família" para que cada um fale de sua profissão. Atendendo ao chefe do clã, mando o meu depoimento.
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Como já disse aqui, sou jornalista e ator, embora a minha principal fonte de renda seja o meu emprego como funcionário público. Neste emprego, trabalho como pesquisador em um projeto de levantamento histórico e tenho que redigir textos. Obviamente, o fato de eu ser jornalista ajuda bastante.
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Sei que minhas duas profissões exercem um certo glamour sobre as pessoas. Admito que carregam um certo romantismo mas, acreditem, têm muito trabalho por trás delas e não é fácil encontrar um mercado tranqüilo para ambas. Existem muitíssimo mais jornalistas e atores desempregados ou trabalhando fora de suas respectivas áreas do que supõe a vã filosofia de muita gente. A concorrência é muito grande e nem sempre os melhores conseguem as boas colocações.
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Não pensem que basta ser bonito e com corpo perfeito para ser ator. Nem que seja suficiente ter tirado boas notas em redação nos tempos de colégio para enfrentar a carreira de jornalista. Ambos requerem talentos especiais e muita, mas muita vocação e disposição para ralar e não chegar à novela das oito ou à bancada do Jornal Nacional. Isso é para pouquíssimos.
Por ter emprego, não posso fazer TV ou cinema. Na verdade, eu prefiro mesmo Teatro, e foi nele que construí minha modesta carreira. É preciso ter alguma vocação para passar boa parte da noite ensaiando um espetáculo, depois de cumprir expediente durante o dia. Neste momento, estou ensaiando a peça "A Via Sacra", para ser estrearmos um pouco antes da Semana Santa (farei o "Poncius Pilatos").

Como jornalista, trabalhei alguns anos em assessoria de imprensa. Escrevia no jornal interno, preparava releases, organizava coletivas, sugeria pautas para jornalistas. Esta foi a minha vivência diretamente com a minha área.

Mas ainda que já não trabalhe lá, não deixo de ser jornalista, pois aplico o método de investigação jornalística no meu atual trabalho, além de escrever como jornalista também.
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Bem, é isso. Obrigado meu caro "primo" Dilberto, que do Maranhão comanda a nossa "Família" com o talento que Deus lhe deu. Se quiserem conhecer os demais membros do clã, basta clicar aqui.
Críííííí, pra todos. (Isso é tchau em morceguês)
M.S.

sexta-feira, março 24, 2006

Por um momento

Tem um ditado que diz: "Não existe felicidade e sim momentos felizes". O que é a pura verdade. Ou alguém acha que é possível ser feliz em todos os momentos da vida?
Em nossa existência, há momentos que são únicos na capacidade de nos propiciar prazer até mesmo na hora de recordar o quanto eles foram prazerosos.
É mais ou menos este o tema de "Depois da vida", um filme japonês que passou aqui no Rio em cópia única há alguns anos. Depois, saiu em DVD e eu o comprei.
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A história do filme é absolutamente fascinante. Saí do cinema com a cabeça a mil. Seguinte: No filme, as pessoas depois de mortas são enviadas para uma repartição pública do tempo antigo. (mais ou menos como era uma agência do INPS há uns 40 anos atrás). Chegam lá sempre numa segunda-feira. Esperam para serem atendidas em um salão com bancos. Ao serem chamadas, elas se dirigem a sala de um dos funcionários que está por trás de uma mesa mais velha que os rascunhos da Bíblia. Ali, ele explica à pessoa que ela está morta e que aquele lugar é uma espécie de lugar intermediário antes dela ser encaminhada para a Eternidade. (Imaginem a cara que os japonesinhos fazem quando descobrem que bateram a caçoleta). Naquele lugar, elas tem de escolher um, apenas um momento de suas vidas que fosse particularmente marcante e feliz para que ser ali encenado, filmado e posteriormente projetado para que eles o vissem e fossem para a Eternidade levando aquela sensação e com aquela lembrança. Os falecidos teriam até quarta para escolher o tal momento. Na quinta e sexta-feira ele seria produzido e filmado, no sábado projetado, quando subiriam para a Glória.
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Mas o difícil era justamente escolher o tal momento. Eu não quero dar muitos detalhes sobre o filme, imaginando que um dia desses vocês o vejam numa locadora e queiram
assisti-lo (e eu recomendo!). Mas teve um personagem que disse para o seu atendente: "eu não tive nenhum momento especialmente marcante. Minha vida foi absolutamente comum. Eu saía cedo para o trabalho, voltava no início da noite, jantava com a minha esposa e íamos dormir. Não acontecia nada de excepcional".
Para casos como este, os funcionários de lá tinha uma alternativa. Levavam a pessoa para uma sala, onde havia um aparelho de videocassete e uma televisão. Para ali, traziam fitas VHS (era uma repartição bem antiga. Não tinha DVD ou CD ou computador) contendo toda a vida do sujeito. Bastaria que ele visualizasse algumas fitas, escolhendo o momento que desejasse perpetuar.
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Parece simples? Pois é. Saí do cinema pensando: "E se fosse assim que acontecesse? Que momento eu escolheria para levar para a Eternidade?"
Nunca consegui chegar a uma conclusão. Já revi o filme umas duas vezes e não consigo decidir por nenhum momento especial de minha vida. Não por ela ser como a do personagem que teve de assistir à própria vida por haver levado uma existência banal. Muitíssimo pelo contrário! Tive e tenho uma vida – graças a Deus! – muito feliz, repleta de momentos de puro êxtase. Daí a minha dificuldade de escolher.
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Mas na última vez que assisti ao filme, pensei em três momentos muito especiais. Talvez escolhesse um deles. Vou reparti-los com vocês.
Momento 1- A primeira vez em que fui ao Maracanã para assistir a um jogo do Flamengo.

Eu era moleque, tinha 14 anos, e fui com um grupo de amigos da minha rua. Nem minha mãe ou nenhuma das mães colocou empecilhos. Naquele tempo não existia nem de longe a violência que existe atualmente. Era um Fla x Botafogo. No grupo de umas sete pessoas, os dois mais velhos, o Leleco e o Alcir, eram aqueles a quem a gente tinha de acatar as ordens. E nós os respeitávamos. Fomos de trem. Já foi delicioso por aí. O balanço do trem, aquele barulhinho "catraque-catraque" que aumentava mais a nossa ansiedade por chegar logo no Maraca, mas que fazia com que a gente curtisse o passeio... A chegada na estação Derby Club, o mar de torcedores dos dois times saindo dos vagões, ocupando os espaços, os gritos de "Mengô!" e de "Fogô!", as gozações (sem violência nenhuma) entre os aficionados dos dois clubes...
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No nosso grupo tinha torcedores de um e de outro. Eu, Tininho, Alcir, Wilson e Washington defendendo as cores do sagrado pavilhão rubro-negro. Leleco e Zé Russo, vestindo o pano de chão alvinegro. Entramos na geral do Maraca! A visão das torcidas na arquibancada, o tapete verde onde o jogo aconteceria, meu Deus, senti um prazer que palavras não conseguiriam descrever. Quando o Flamengo entrou em campo, se eu morresse ali, certamente seria enterrado com um sorriso de orelha a orelha. Vencemos. 2 x 1. Um maravilhoso fecho para um maravilhoso dia. Em meu corpo percorriam litros de endorfinas que me davam uma sensação de felicidade que nenhuma droga química no universo jamais poderia dar.
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Momento 2 – A pré-estréia do espetáculo "Na Era do Rádio".

Eu estava no elenco da peça e tinha sido também um dos pesquisadores que alimentou o roteirista – Clovis Levy - e o diretor – Sergio Britto – com tudo o que tínhamos levantado sobre a história da caixinha mágica. Durante os ensaios, eu não estava bem nos meus personagens. Tinha levado umas broncas do Sergio por isso, o que aumentava mais o meu nervosismo. Meus papéis eram de comédia e eu não estava conseguindo fazer ninguém rir. Aquilo me incomodava muito, pois sempre dei conta dos meus personagens e, embora não seja nenhum Paulo Autran, me orgulhava (me orgulho) de ser um ator eficiente. Na última semana de ensaios eu finalmente peguei os personagens de jeito. Na pré-estréia, cheio de convidados, eu fiz o espetáculo com tal gana, que fui considerado como um dos melhores do elenco. O meu "Ary Barroso" foi considerado como antológico. Os jornalistas que foram cobrir a apresentação quiseram falar comigo, os fotógrafos pediram para eu e um outro ator repetirmos algumas cenas. Quem é ator sabe quando a gente "mandou bem". No momento da cena a gente já tem essa sensação. É fantástico.

Depois do sufoco dos ensaios, ter o prazer de dominar uma cena, a certeza de fazer uma bela temporada ( e fizemos! Era comum termos atores famosos querendo falar com a gente no camarim, dar parabéns, abraçar, beijar!)... Tive outros grandes momentos de prazer com o Teatro e espero tê-los muitas vezes ainda. Mas aquela pré-estréia me trouxe sabores que eu não conhecia... Poucas vezes dormi na minha vida com a leveza que eu tive naquela noite.
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Momento 3 – Um determinado dia da viagem que eu e Sylvia fizemos para a Espanha. A gente estava namorando há um ano mais ou menos. O dólar estava convidativo: 1,19 reais. Tínhamos a grana e a vontade de cair na estrada. Escolhi a Espanha e propus a ela, que topou na hora. E nessa viagem de sonho, estávamos em Madri e um dia resolvemos ir a Ávila, cidade da passional Santa Teresa. Já tínhamos conhecido Toledo e El Escorial. Tudo maravilhoso. Mas naquele dia de sol esplêndido, pegamos o trem na estação de Atocha (a mesma que os terroristas explodiram em 11 de março de 2004) e fomos conhecer Ávila, cidade onde estão as mais bem conservadas muralhas medievais de toda a Europa.

Para mim, que sou confessadamente apaixonado por História, estar na Espanha era como uma criança ir para a Disneylândia. E, sabe-se lá o porquê, eu caí de amores por Ávila de uma forma inacreditável. Tudo deu maravilhosamente certo naquele dia. Conhecemos o convento onde Teresa d’Ávila viveu e morreu – até o seu claustro! – fomos nas muralhas – belíssimas! – na igreja onde está enterrada Joana, a Louca, filha dos reis católicos Fernando e Isabel, almoçamos muito bem, conhecemos a igreja de San Vicente e a sua incrível história, vimos a tranqüilidade das pessoas nas ruas, tivemos provas da extrema amabilidade de um dos moradores de lá... Saímos de Ávila nas nuvens. Toda a nossa viagem foi um sonho. Mas guardo com imenso carinho e prazer aquele dia que passamos na simpática cidadezinha espanhola. Ali, cheguei a pensar que depois de me aposentar passaria lá meus últimos anos. Tivemos ali a união entre o prazer e o conhecimento. E todo o prazer que o conhecimento pode proporcionar. E conhecer as delícias que o prazer nos outorga.
*
Taí. Se eu morresse e fosse para um lugar como aquela tal repartição do filme japonês, provavelmente escolheria um desses momentos para serem eternizados. Como eles fariam isso, nem tenho idéia e nem seria da minha conta. A minha parte seria escolher como passaria a minha eternidade. Levar comigo um destes prazeres me faria uma alma feliz, nem um pouco penada.
*
Escrevi lá em cima que costumo emprestar o DVD "Depois da Vida" para os amigos. E depois faço a eles a pergunta que não quer calar e que faço também a vocês:
Que momento de suas vidas vocês levariam para a eternidade?
M.S.

quarta-feira, março 22, 2006

Sorriso de Carmem


Um original de Marco Santos
Personagens:
Otávio Murilo
Carmem
Narrador
NARRADOR – Otávio Murilo era leitor inveterado de livros de bolso. Tinha preferência especial por novelas de suspense, de espionagem, policial... Vivia imaginando que a qualquer momento iria se envolver em uma estória como as que lia, cheia de mistério, sexo, romance. Embora morasse no Rio, ele trabalhava como mecânico de refrigeração em uma firma paulista. Nos finais de semana, ele voltava para a cidade maravilhosa para rever a mãe e o seu pequeno apartamento em Jacarepaguá. Ele preferia ir e voltar de trem. Era o seu toque de romantismo e mistério. Imaginava que aquele trem de prata, que ligava o Rio à capital paulista fosse o seu Oriente Express. Via os passageiros, e na sua fantasia, ficava imaginando que aquele seria um espião da CIA, aquela outra carregava em sua mala papéis que interessavam a uma potência estrangeira... Certa vez ele viu na estação uma mulher de pele muito clara, com óculos escuros e lenço nos cabelos cor de cobre. Ela estava sentada num banco, com o olhar distante. Foi o que bastou para a sua imaginação fértil começar a trabalhar. Imaginou-se abordando a mulher, mas como era tímido, sabia que não teria coragem. Mas eis que a mulher olhou para ele, sorriu...Vencendo a timidez que lhe chumbava as pernas, aproximou-se.
CARMEM – Você tem fogo?
NARRADOR – Aquele era um dos típicos diálogos de novela policial. A loura misteriosa, ele diante dela e a falta de um isqueiro no bolso...
OTÁVIO MURILO – Não, desculpe.
NARRADOR – Ele temia que a chance de continuar a conversa tinha se esfumaçado com a falta de fogo para o cigarro.
CARMEM – Não tem importância. Estou precisando parar mesmo...
NARRADOR – Além da voz rouca, Otávio Murilo estava encantado pelo sorriso daquela mulher. Que sorriso! Vencendo a timidez ele perguntou se poderia sentar. Com a concordância, ele se sentiu animado a continuar a conversa.
OTÁVIO MURILO – Você também vai para o Rio?
CARMEM – Sim, vou. Como é o seu nome?
OTÁVIO MURILO – Otávio Murilo. E o seu?
CARMEM – Carmem.
NARRADOR – O rapaz não conseguia desviar os olhos daquele sorriso. Estava mesmerizado, hipnotizado por aquelas pérolas dentais. Ela não era uma mulher especialmente bonita. Mas certamente não era feia. Tinha um certo exagero de maquiagem que incomodava Otávio Murilo. Entretanto, o brilho daquele sorriso enigmático fazia de Carmem uma estrela de Hollywood na visão do rapaz.

CARMEM – Você mora em São Paulo?
OTÁVIO MURILO – Não. Apenas trabalho aqui. E você?
CARMEM – Não.
NARRADOR – Ela apenas respondeu "não". Poderia querer dizer "não moro em São Paulo" ou "não quero falar sobre isso". O tom enigmático só fazia excitar a imaginação do rapaz.
OTÁVIO MURILO – Você alugou uma cabine ou vai de poltrona?
CARMEM – Poltrona. No segundo carro. Número 23.
NARRADOR – Um calafrio percorreu a espinha do rapaz. Os deuses estavam conspirando a seu favor.
OTÁVIO MURILO – Também vou no segundo vagão. A minha poltrona é a 22...
CARMEM – Nossa! Que coincidência...
OTÁVIO MURILO – Poderemos conversar...Quer dizer, se você não preferir dormir...
CARMEM – Não. Gosto de conversar...
NARRADOR – Entraram no vagão e procuraram suas poltronas. O trem partiu e os dois conversaram durante toda a viagem. Otávio Murilo estava cada vez mais encantado. Ficava imaginando comentários engraçados só para ver aquele sorriso. Ao chegar no Rio de Janeiro, combinaram de retornar para São Paulo no mesmo trem, na noite de domingo. Otávio Murilo contava as horas, os minutos para rever Carmem e seu sorriso enigmático. Na verdade, ela toda era um enigma. O seu andar era diferente, o jeito displicente de seu braço... Otávio Murilo estava fascinado pela moça. No domingo à noite, ele chegou à Central procurando-a com avidez. Ao encontrá-la sentada com os mesmos óculos escuros, o mesmo lenço misterioso a envolver os seus cabelos cor de cobre ele respirou aliviado.
OTÁVIO MURILO – Olá, Carmem. Como foi o seu final de semana?
CARMEM - Foi bom. Apenas bom. Eu comprei bilhete de cabine dupla. Fiz mal?
NARRADOR – Ela falou isso sorrindo aquele sorriso que o tirava do sério. Ela comprou cabine dupla! E queria que ele viajasse com ela! Se soubesse nem teria comprado o seu bilhete de poltrona. Mas na viagem anterior, ela não quis dar telefone, dizer endereço, nada que pudesse estabelecer contato. Foi melhor assim. O clima de mistério típico dos livros que tanto apreciava seria bem maior. Otávio Murilo entregou o bilhete de sua poltrona ao funcionário da ferrovia, que retirou o canhoto e lhe desejou boa viagem. Nem esperou para procurar a cabine de Carmem.
(Som de alguém batendo na porta)
OTÁVIO MURILO – Sou eu, Carmem.
NARRADOR – A porta abriu e a moça o recebeu com o sorriso que tanto o encantava. Otávio Murilo, com o corpo possuído por algum demônio da paixão, abraçou Carmem e a beijou longamente. O trem partiu. Ele despiu-se apressado, com gestos nervosos. Deitou-se no pequeno leito e ficou admirando a figura de Carmem, que o estava observando com placidez. Carmem, então, retirou os óculos, colocando em uma pequena mesinha onde já estavam dois copos com água. Com gestos delicados, mas firmes, removeu a peruca de cabelos cor de cobre, depositando-a na mesma mesinha. Em seguida, com o indicador e o polegar em forma de pinça, retirou o olho de vidro, o esquerdo, mergulhando em um dos copos com água. Desabotoou a blusa lentamente. E ao abrir o sutiã, antes teve o cuidado de remover a prótese mamária. Com gestos hábeis, abriu a saia e desprendeu a perna mecânica, tendo o cuidado de prendê-la entre a mesinha e a cama. Sentou-se ao lado do rapaz, que lívido, acompanhava aquele desmanchar sem pronunciar sequer um som. O golpe de misericórdia foi quando ela removeu a dentadura, deixando-a cair mansamente no outro copo com água. Com agilidade, ela deitou-se ao seu lado, chamando-o para si. Otávio Murilo olhou para Carmem, quer dizer, para a metade da Carmem que estava ao seu lado, visto que a outra metade jazia espalhada pela cabine. Olhou com tristeza para o sorriso de Carmem, pérolas imersas num copo, gargalhando desafiadoramente através do vidro. Aquele corpo, ou meio corpo, que estava ao seu lado estendia a comissura dos lábios murchos, pedindo um beijo. Otávio Murilo fechou os olhos e a beijou. Com a respiração ofegante, sugava-lhe o ar da boca, como uma ventosa. As mãos subiram pelos braços da moça até chegar no pescoço. Ele começou a apertar com força crescente. Até não sentir mais o sopro vital sair daquela boca gengivosa. Depois, levantou. Vestiu-se devagar, limpou cuidadosamente com um lenço todos os traços de sua passagem pela cabine, deu um último olhar para o sorriso de Carmem, submerso na água clara do copo e saiu.
M.S.

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Essa é mais uma das radionovelas que escrevi quando gravava programas em uma emissora de rádio comunitária. Tenho divulgado algumas aqui. Lembro particularmente dessa, por que deu um certo trabalho para gravar. Os atores, diretor e técnicos do estúdio ficavam prendendo o riso durante a gravação da fala final do narrador (eu fiz o "narrador"). Quando finalmente conseguimos gravar a última fala, foi uma explosão de gargalhadas no estúdio. Dedico este texto a Edgar Allan Poe, uma de minhas eternas ternuras.
M.S.

sábado, março 18, 2006

Tesouro da (minha) Juventude


Não sei vocês, mas eu adoro começar um texto com a expressão: “Não sei vocês, mas...” Acho que já perceberam isso.
Então, vamos lá: Não sei vocês, mas eu nunca me desfiz de nenhum de meus discos em vinil. Alguns estão de tal forma impregnados de minhas antigas ternuras que se constituem em meus tesouros da juventude (nome de uma enciclopédia que eu tenho e que é uma deliciosa antiga ternura. Um dia falo sobre isso).
Tenho disco que me consolou depois de paixões que não deram certo. Alguns compactos simples foram minha única companhia em noites de solidão. Nunca poderia me desfazer de nenhum deles. Seria como amputar parte de mim.
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Imagino que este post vá agradar especialmente ao Ronie e seus candangos, moçada boa do blogteco Modos Artificiais (link ao lado). Assim como ao nobre Bruno, confeiteiro-mor da Padoca do Mutante (link igualmente ao lado). Ambos blogues altamente recomendáveis. Aliás, um dia desses, o Mutante me falou sobre um filme em produção tratando da vida do Marvin Gaye. Saber disso me deixou salivando de expectativa. Fiquei de escrever um post sobre o Marvin e um dia desses cumpro a promessa.
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Passemos, então, ao que interessa. Comprei um aparelho de som novo e fiz questão que ele tivesse entrada para toca-discos. Agora só falta comprar um pick-up para voltar a ouvir minhas preciosidades em forma de bolacha preta com um furo no meio.

Lembro que o primeiro disco que comprei, em mil novecentos e não vem ao caso, foi um compacto duplo com quatro músicas de filmes, todas compostas por Henry Mancini. O carro-chefe era o melosíssimo tema de “Romeu e Julieta” (direção de Franco Zefirelli). Eu tinha visto o filme e me apaixonado pela Olivia Hussey (eu costumava me apaixonar por atrizes de cinema. Alias, ainda continuo. A Jennifer Connely sabe disso. Ou deveria saber). Comprei este disco com a grana que ganhei vendendo picolés (coco, uva, maracujá, limão, milho verde e creme holandês...Lembro como se fosse hoje!)
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A partir daí, qualquer dinheiro que eu arrumasse, ou seria entregue ao dono da banca de jornais em troca de gibis ou ia direto para o setor de discos da Ultralar (hummm... Melhor eu pular esta parte, se não entrego a idade e vai ter gente pensando que eu fui garçom na Santa Ceia e comissário de bordo do 14-Bis...)
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Houve um tempo em que o “Jornal Hoje” lançava músicas como tema de abertura. E eu sempre acabava comprando os compactos.








Dessas, tenho “Evie” (com Johnny Mathis), “Rainbow Rockin’ Chair” (com Majority One), “What'll I do” (com Tony Gregory and The Family Child), “Don’t Turn Around” (com Black Ivory), “Stop! Look! Listen” (com Diana Ross e Marvin Gaye), “If” (com Bread, uma das músicas mais lindas já feitas)...










Como, de forma geral, eram baladas, quando rolavam as famosas festinhas na casa do Jurandir - era quem tinha uma varanda grande e uma lâmpada de luz negra - (o esquema era: batida feita com Q-Suco de pêssego e leite condensado, pastinha feita com sopa de cebola da Knorr e creme de leite e som na caixa!), eu assumia a aparelhagem de som e botava tudo para tocar na hora do mela-cueca (imagino que a atual mocidade nem sequer supõe o que seja isso... esses moços, pobres moços, ah se soubessem o que eu sei...).
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Lá na minha localidade, fui eu quem lançou “Gladys Knight and The Pips” (conhece essa Brunão?), por intermédio do compacto simples “Neither One of Us” – que bem depois de eu ter comprado o disco foi tema de abertura do Jornal Hoje...
Lembro que o meu amigo Alcir, uma espécie de meu “Obi Wan Kenobi” da música, ficou doido quando ouviu.


E por falar no Alcir, foi ele quem me apresentou à banda espanhola de soul music “Barrabás”, autor do mega-sucesso “Woman”, que quando tocava nas festinhas, fazia a moçada chacoalhar a caveira até cansar. Aliás, foi o Alcir quem me apresentou a vários artistas que eu desconhecia: Donnie Elbert, Johnny Nash, Timmy Thomas...
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Não posso deixar de falar nas trilhas de novela. Sei que até hoje elas fazem sucesso. Mas quando a Globo começou a lançar os discos, era uma forma da gente conhecer artistas que não tinham álbuns lançados no Brasil (Stylistics, por exemplo) e tomar conhecimento de músicas fantásticas de artistas já consagrados. De todas as minhas trilhas da época, destaco a “Bandeira 2 Internacional”. Uma preciosidade, senhoras e senhores! Até hoje fico alucinado em ouvir, por exemplo, “How Can You Believe”, música instrumental solada na gaita por um certo Eivets Rednow, um rapazola cego que já era conhecido na época como Stevie Wonder (perceberam o anagrama?). Pois é.

Ele chegou a lançar um LP intitulado “Alfie” como Eivets Rednow, onde tocava gaita, bateria, teclado... E eu deixei de comprar este disco! Até hoje fico procurando por ele em sebos.
A outra música do Stevie no “Bandeira 2” também é memorável: “Think of Me As Your Soldier”. É linda! Excelente para dançar agarradinho (o tal “mela-cueca que eu falei...).
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Tenho um disco que é uma verdadeira obra-prima: “First”, primeiro disco-solo de David Gates, o líder e mentor do conjunto Bread. Não há uma música sequer que a gente não aplauda de pé. E tem um outro LP que me é particularmente caro: “Sweet Baby James”, de James Taylor, em que tem “Fire and Rain”.

Lembro que uma vez, estava numa fossa danada, daquelas de juntar cachorro em volta, por causa de uma criatura fêmea (aliás, aquela que eu citei no post em que abordei o filme “Banzé no Oeste”, do Mel Brooks) e ouvia “Fire and Rain” direto. Quase gastei os sulcos do disco! Quando assisti ao show do James Taylor (duas vezes: uma no Rock in Rio 1 e outra no Rock in Rio 3), e ele tocou esta música, não pude deixar de lembrar daquela memorável dor de cotovelo.
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Vocês repararam que eu só coloquei música em inglês, não é? Pois é. Naquela época a gente só ouvia músicas cantadas em inglês. Até artistas brasileiros gravavam com nome estrangeiro e músicas na língua de Shakespeare, James Joyce e do pessoal da Barra da Tijuca. Tinha o Light Reflections (“Tell me you once again, that you know, that I’ die…”), o Pholhas (“ ’Cause I still remember she made me cryyyyyyyyy…”), o Terry Winter (“On a summer day/ (On a summer day)/ I met you/ Summer Holliday/ (Summer Holliday)/One of few” – esta música ele fez com um grande amigo meu, o Deuclides Gouvea, que assinava como “Dell Clyde”)… Nossa! A lista seria grande!
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Eu gostaria que este post fosse lido ao som dessas músicas que eu citei. Que começasse pelo barulhinho da agulha encostando no disco, seguido daquele chiadinho característico... E quando chegasse nesta parte do texto, coincidisse com o fim do disco, com a agulha chegando ao final do sulco, parasse lá, com o prato continuando a girar... Em silêncio.
M.S.

quinta-feira, março 16, 2006

Chegou a hora de apagar a velinha...


...Vamos cantar aquela musiquinha
Parabéns (fiufiufiuuu...)
Parabéns (fiufiufiuuu...)
Pelo seu aniversário!
Antigamente, depois de cantar o “Parabéns pra você” se emendava com essa cançãozinha, gravada pelo palhaço Carequinha no tempo de “Dom João Charuto”. As novas gerações cantam a musiquinha Xuxa. Mas a minha antiga ternura é aquela.
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Tudo isso é pra dizer que o blog Antigas Ternuras está completando seu primeiro ano exatamente neste dia 16 de março. Valendo a frase lugar-comum: “parece que foi hontem!” (com “H” mesmo).
De lá para cá, nossa!, conheci tanta gente, tantos blogs incríveis, pessoas tão talentosas com quem tenho aprendido tanto...
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E pensar que eu entrei nessa por acaso (se é que acasos existem). Foi o seguinte: Eu tinha dirigido uma leitura de peça teatral lá na companhia onde atuo. Nesta leitura reencontrei a Isabela Saes, minha querida Isa, a Bela. Conversamos, ambos somos jornalistas e atores, trocamos e-Mail e telefone. Um dia ela me escreve avisando que tinha feito um blog – o excelente “Minha Mente Inquieta” (link aí ao lado), que também aniversaria hoje - e pediu para eu dar uma passada lá. Fui. Quis deixar um recado, mas ela não tinha clicado no botãozinho que disponibiliza comentários para todos. Para comentar, tive que abrir um blogspot. Eu nunca tinha pensado em criar blog. Na hora de escolher o nome, sei lá por que, me veio à mente aquela bela canção do Tito Madi, “Ternura Antiga”. Como sempre fui cultor de um varandão da saudade, decidi que seria “Antigas Ternuras” e que eu trataria de lembranças de bons momentos vividos.
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Da comunidade blogueira, não conhecia ninguém. Só a Isa, a Bela. Avisei aos meus amigos que estava com um blog, mas poucos o visitaram.
Eis que nem sei bem como, gradativamente fui conhecendo pessoas e sendo conhecido. De outubro, quando instalei contador, para cá já mais de 2.000 visitas. Claro que isso é nada perto das 1500 visitas diárias que o blog da Bruna Surfistinha recebe. Mas prefiro os meus poucos visitantes. São poucos, mas são todos bons. Os de lá, certamente têm motivações bem diversas do que aqui aparecem.
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Dos grandes “amigos de infância” que eu fiz nesse tempo, um merece uma atenção especial. Reconhecidamente, eu sou uma anta em informática, mas para assuntos técnicos do blog recebi o auxílio luxuoso de um recém-amigo, de uma generosidade incrível. Eu o chamo de meu “personal teacher de template”, pois foi quem me ensinou a fazer link, colocar ilustração, me ajudou a incrementar o Antigas Ternuras e sempre dá aquele show na hora de fazer resenhas de filmes em seu memorável blog “Cinelândia” (link ao lado). A Isa, a Bela é a “madrinha” do Antigas Ternuras e o Paulo o “personal teacher” da Casa. Então, vou dividir o primeiro pedaço entre os dois e fica tudo certo.
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Gostaria de brindar com todos os que me lêem, com uma taça de champagne virtual. Tim-tim, amigos! Todos vocês ajudaram a fazer a minha vida mais feliz nestes últimos 365 dias. Um brinde!
M.S.

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Para celebrar a data especial, republico o primeiro texto deste blog.

16 de março de 2005, às 16h30min.
Antigas Ternuras

Olá você.
Por circunstâncias inusitadas, acabei criando este blog. E pretendo com ele disponibilizar um espaço para mostrar e discutir assuntos que gosto.
O nome "Antigas Ternuras" foi inspirado na belíssima canção de Tito Madi, de nome "Ternura Antiga". Quem já teve a oportunidade de ouvi-la na voz do Tito e ao vivo como eu tive, sabe o porquê de eu chama-la de belíssima.
Pois é.
Quem visitar este blog encontrará sempre temas ligados à História, a fatos localizados Em Algum Lugar do Passado (aliás, meu filme favorito...).
Sei que isto despertará comentários inteligentes e criativos do tipo "quem vive de passado é museu" etc. Alguém disse certa vez que o povo que não estuda a sua História está condenado a repetir seus erros. (Repararam no negrito?). Eu costumo dizer que quem despreza o seu passado, se perde no presente e não constrói o seu futuro.
Daí que eu, descaradamente, me declaro apreciador das boas coisas de antigamente, daquelas antigas ternuras que dão sempre prazer muito grande de relembrar.

Isto inclui o estudo da História em todas as suas manifestações, seriados antigos de TV, programas da Era do Rádio, propagandas e jingles do tempo do Rádio a válvula e da TV a lenha, gibis, heróis, personagens e personalidades do "tempo do Onça", incluindo a origem desta expressão...Tudo isto e muito mais o leitor deste blog encontrará por aqui. E alguma poesia também, é claro.
Portanto, se você gosta destes assuntos, abra uma cerveja "Portuguesa" casco escuro, ou um "Crush" geladinho e divirta-se!
M.S.

segunda-feira, março 13, 2006

Vade retro


O filme “Terra Fria” não é do gênero terror. Mas é aterrorizante. Não vou fazer a resenha, opinar se o filme é bom ou ruim. Não. Prefiro falar exclusivamente de sua temática.
No estado norte-americano do Minnesota, em meados dos anos 70, uma mulher entra para trabalhar numa companhia mineradora que contrata mulheres por que a lei assim a obriga. Os homens que trabalham na empresa não as querem lá. E por conta disso dão vazão a um repertório de perversidades de fazer Torquemada parecer Mickey Mouse. O filme é baseado em fatos realmente acontecidos com Lois Jenson, a tal mulher.
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Embora o filme afirme ser baseado na história contada por Lois em livro, depois de ter ganho o primeiro processo por assédio sexual da história americana, não podemos garantir que aquelas cenas realmente aconteceram. Tudo parece crer que sim, mas não li o livro.
Saí do cinema com uma determinada cena na cabeça. Uma das mulheres da mineradora foi até o banheiro químico (aquelas cabines). Quando ela estava lá dentro, seus colegas de trabalho começaram a sacudir a cabine até derrubá-la no chão. Eis que a moça sai de lá, tossindo, coberta de produtos químicos e excrementos. E os caras rindo daquela barbaridade. Vejam só. Rindo, achando muita graça naquilo. Tudo isso gratuitamente. Só por que ela é mulher. Só por que ela é mais fraca.
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A desculpa que aqueles homens davam para infernizar a vida das funcionárias, para mim não cola. Que elas estavam tirando o emprego deles e que outros homens estavam desempregados etc. Não, para mim não foi por isso. Se fosse assim, um desempregado pegaria um empregado e o torturaria, por que afinal, ele, o empregado, estava tirando o lugar de quem estava sem emprego.
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Aquela história me fez lembrar do livro “Grande Sertão: Veredas”, de Guimarães Rosa, que, aliás, está fazendo 50 anos de publicação. No livro, Riobaldo fala no diabo o tempo todo. Mas não do diabo, aquela figura chifruda que a Igreja inventou para amedrontar os fiéis. Deste, ele fala:
“Tem diabo nenhum. Nem espírito. Nunca vi”.
Para ele, “o diabo regula seu estado preto nas criaturas”. De acordo com Riobaldo, o diabo está dentro dos homens (seres humanos), é parte do homem. Para o personagem, o diabo é a maldade dos homens.
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Tenho dito aqui o quanto ando desiludido com a natureza humana. Os exemplos de barbaridades cometidas ontem e hoje são tantos que nem vale a pena exemplificar aqui. Para cada uma Madre Teresa de Calcutá ou para cada Chico Xavier existem dezenas, centenas de homens como os da companhia mineradora, que até vão a igreja rezar para um deus que eles acreditam abençoar os atos que cometem contra os mais fracos.
“O diabo na rua, no meio do redemunho”.
A gente sai de casa para enfrentar o “sei lá que vem pela frente”. Sempre foi assim, mas de uns tempos para cá a gente começou a achar que o mal não está no desconhecido, no sobrenatural. Aqueles a quem devíamos chamar de irmão. Aquele que recusa ajuda a uma idosa que caiu na rua. Aquele que vive somente para si. Aquele que se compraz, rindo da desgraça alheia.
Está nas últimas frases de Grande Sertão: “O diabo não há! É o que digo, se for...Existe é homem humano. Travessia.”
M.S.

sábado, março 11, 2006

Uma fábula moderna

Então, todos os aparelhos de TV da cidade foram queimando. Como uma regra em cadeia. Pof, pof, pof...
No início, as pessoas se assustaram, princípio de pânico, ó noite de meu Deus. Depois começaram a rir.
Rir. Rir. Rir.
Riram da cara de susto que fizeram, riram um para a cara do outro. Riram do barulho engraçado nas TV quando tudo queimou, riram no escuro. Riram.

As pessoas começaram a colocar cadeiras na calçada, rindo da barriga doer. Os primos, os tios, os cunhados, todos saíram para visitar as cunhadas, os sobrinhos e as primas. Só para conversar e rir.

Contaram velhos casos, as crianças jogaram búrica, rodaram pião – baianinha, machadinha, pião sereno, pião sarapa – correram no pique-bandeira, garrafão, “sempre que a carniça é nova”, até passaram vagalume na roupa pra ficar brilhando.
Namorados foram para a pracinha, de mãos dadas, beijo na contra-luz da auréola da lua.
Então, os aparelhos de TV voltaram a funcionar. Um a um. A voz metálica, monocórdica, hipnotizante.

E as pessoas voltaram para casa, botaram as cadeiras para dentro, as crianças largaram as fieiras, bolas de gude, bandeiras, apagaram o risco do garrafão, amarelinha, a carniça correu. Os parentes se despediram e prometeram aparecer qualquer dia, mesmo sabendo que nunca mais voltariam.
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Eu escrevi este conto (não mudei uma vírgula), cujo nome é “Fricção Científica – Uma fábula moderna”, há bastante tempo. Eu o transformei em trabalho para a faculdade. Tinha de fazer um audiovisual para uma matéria que eu não lembro o nome. Para ilustrá-lo, pedi a dois amigos, Reynaldo Campos Pereira (autor do primeiro desenho) e Sidney Puterman (este era meu colega de faculdade, acho que ele nem lembra dos outros desenhos que ilustram este post) para esboçarem algumas cenas para mim. Depois, na sonorização, fui para a casa do meu outro grande amigo Sergio Coelho onde varamos a noite, escolhendo músicas (“Gente Humilde” foi uma delas, que eu lembro), gravando a locução.
O conto, o trabalho de faculdade... Nossa! O futuro blog Antigas Ternuras nascia ali e eu nem percebi.
M.S.