domingo, agosto 28, 2005

O Chico francês e a Chica brasileira

Em 1938, o príncipe de Joinville, François-Ferdinand-Philippe, filho do rei de França, Louis Phelippe de Orleáns, esteve no Rio de Janeiro, como membro da tripulação da corveta “Hercule”. Na ocasião, ele conheceu a princesa Francisca Carolina, irmã de Pedro II, então com 14 aninhos.

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E o François caiu de amores pela princesa brasileira... Vendo o retrato da moça, a gente até acha que ela tinha os seus encantos, visto que, de forma geral, a descendência de D. João VI e de D. Carlota Joaquina estava mais para “cão chupando manga e de aparelho nos dentes” do que para “apolos e afrodites”... E a tendência era piorar, visto que os casamentos eram feitos por procuração e arranjados entre representantes das famílias nobres. Não importava sentimentos ou beleza e sim a descendência de sangue azul. Para casar com um brasileiro e viver no meio do mato, só um tribufu topava, já que não conseguiria um bom casamento na Europa. Para despertar o interesse dos príncipes, enviava-se um retrato da noiva. Acontece que os pintores daquele tempo utilizavam um sistema que podemos dizer ser “tataravô do Photoshop”. Eles melhoravam e muito a aparência das barangas, digo, das princesas e o noivo caía feito um patinho. Numa dessas, Pedro I teve de aceitar D. Leopoldina e Pedro II acabou engolindo D. Teresa Cristina, duas princesas muito simpáticas e agradáveis, mas feias de dar susto em criança.
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Mas, voltando ao François-Ferdinand. Ele se encantou pela Francisca, deixou a cidade, mas é de se supor que tenha firmado algum compromisso. Afinal de contas, princesas bonitas e dando sopa só são comuns em desenhos da Disney.
Em 1840, seu pai, o Rei de França, Luis Felipe de Orleáns, deu-lhe a missão de viajar até a ilha de Santa Helena para trasladar os restos mortais de Napoleão, que lá tinha morrido e sido enterrado. (Vejam o quadro que fizeram com a cena da morte de Bonaparte)

Como se sabe, o corso baixinho que chacoalhou com a Europa em fins do século 18 e início do 19, foi aprisionado naquele rochedo administrado pelos ingleses.
Na viagem, antes de chegar a ilha, François-Ferdinand, que era excelente navegador, embicou o seu navio “La Belle-Poulle” na direção de Salvador, onde fez uma curta escala. Isso é fato: o navio que ia pegar os restos mortais de Napoleão fez um pit-stop na Bahia. Pena que não parou depois de pegar o Bonaparte. Já pensou a festa que a baianada iria fazer? No mínimo, iriam levar o corpo do corso até a igreja do Senhor do Bonfim, ao terreiro do Gantois e ao antepassado de Antonio Carlos Magalhães! E todo mundo, Napoleão inclusive, atrás do trio a óleo de baleia (não tinha eletricidade), pedindo muito axé a todos os santos.
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Depois que François-Ferdinand chegou à Santa Helena, iniciaram as cerimônias fúnebres, e pelo que li no site francês Le retour des cendres, foram muito bonitas. A chegada do caixão com o corpo de Napoleão na França foi uma apoteose quase tão grande como a que os baianos fariam.

Os festejos duraram meses. Quem tiver a chance de ir à França, poderá ver no memorial da igreja de Saint-Louis des Invalides, o túmulo monumental de Bonaparte.

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Depois da festa, começaram as negociações envolvendo o casamento do príncipe de Joinville com a princesa Francisca Carolina. Nesta fase, estiveram envolvidos, o Imperador do Brasil, o Rei da França, o Conselho de Estado francês, o Papa, Deus, o mundo e mais alguém. O barão de Langsdorff e emissários franceses chegaram ao Rio de Janeiro para tratarem do dote, de como seria a cerimônia, enfim, essas coisas românticas que envolvem casamentos de nobres.
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Depois de todos acertos feitos, o Chico francês e a Chica brasileira casaram-se no Palácio da Quinta da Boa Vista, Rio de Janeiro, em 1 de maio de 1843. Decerto que a festa foi belíssima. Depois do casório, os noivos seguiram para Paris. Óbvio. O amor do príncipe era grande, mas não a ponto de trocar a mais civilizada cidade do mundo pelo balneário onde porcos e vacas andavam diante do Paço Imperial...
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Um dado interessante: parte do dote da princesa foi terras na província de Santa Catarina. Embora residissem na corte de Louis Philippe, ainda assim eram proprietários de vasta propriedade no sul do Império brasileiro.
Com a célebre rebelião acontecida em 1848, vários nobres preferiram fugir de Paris. A guilhotina de 1789 ainda estava presente na memória. Os príncipes de Joinville optaram por sair do país para morar em Londres. Na capital inglesa, tiveram alguns problemas financeiros e resolveram passar nos cobres o dote da princesa. Venderam as terras brasileiras, onde nunca estiveram, para uma empresa colonizadora alemã. Esta enviou levas de colonos para fundar lá, em 1851, a Colônia Dona Francisca, posteriormente transformada na cidade de Joinville, em Santa Catarina.
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Eis aí o curto relato da história dos príncipes de Joinville e da proximidade de Napoleão Bonaparte com o Brasil. Sei que os historiadores detestam quando alguém se reporta a fatos históricos de maneira apenas “factual”, como dizem. Mas a gente tem que admitir: a História tem cada história...
M.S.

6 comentários:

Anônimo disse...

Como não tenho este preconceito de boa parte dos meus colegas de ofício e sou um curioso a respeito das histórias de bastidores dos Bragança, adorei sua narrativa. Uma coincidência (será?): no momento em que cheguei à parte sobre as festividades envolvendo o translado dos restos mortais de Napoleão, fogos estouraram por aqui. Além de coisas do além, pensei também que fosse algum efeito especial que você tivesse aprendido a colocar no blog. Aliás, até imagens animadas estão sendo colocadas por aqui. O aprendiz superou rapidamente o mestre, hein?

Marco disse...

Amado mestre, quem sou eu para supera-lo...
Mas fico contente por você ter apreciado e aprovado (especialmente com a aprovação vindo de um professor de História! Olha a minha responsabilidade!)
Abração!
P.S. Ri muito com a história dos fogos. Isso eu não sei fazer, mas se você me ensinar eu faço direitinho!

Anônimo disse...

Esta pode ser a nossa 4ª lição. Hehe! Por falar nisso, acabei de lhe enviar um e-mail para iniciarmos a 3ª.

Anônimo disse...

Detestamos a História factual, contanda de forma monótona e enfadonha. Uma delicia sua narração. Quem dera que meus amigos de profissão pudessem falar da História assim.

Marco disse...

Caraco! Leônio, você é professor de História??? Que nem meu personal teacher de template? Menino! Está provado: mentes de igual vibração acabam se atraindo. Sem nem ter esta expectativa, com este blog, acabei achando a minha "tchurma".

Marco disse...

Putz! Revisei trocentas vezes o texto e ainda assim sai com erro!
Pessoal: o príncipe de Joinville conheceu a Francisca Carolina em 1838 e não 1938! O dedo escorregou na datilografia e aí saiu a data incorreta.
Obrigado, Paulo, pela observação.