quinta-feira, dezembro 24, 2009

Eu te desejo uma estrela...



Mais um Natal, mais um Ano Novo...
Esta frase pode ser dita com entusiasmo ou com desânimo. O meu desejo é que você a diga com todo ardor e júbilo possíveis. Sim, graças a Deus estamos comemorando mais um Natal; sim, dou graças por estar vivo e com saúde, com meus familiares igualmente saudáveis e todos juntos, celebrarmos o Aniversariante, recebermos mais um ano de vida. É isto o que desejo para todos.
E ouso desejar mais. Desejo fortemente que você não guarde mágoas e tristezas. Desejo que você tenha um sorriso feliz para dar a todos os seus amigos e especialmente desejo que você tenha muitos amigos fiéis para receber este presente. Desejo que você tenha sempre alimentos em sua mesa, mas também desejo que você não esqueça que muitos não tem o que comer, que é uma dádiva termos o nosso pão, e um gesto de amor reparti-lo com nosso próximo.
Desejo que você olhe para as flores, que ouça os sons da Natureza, que prove os sabores que são bons, que toque no rosto de uma criança, que sinta o perfume de quem você ama.

Desejo que você tenha dinheiro para te satisfazer as necessidades, especialmente desejo que você ganhe dinheiro com o fruto de seu trabalho, para que você o valorize.
O meu desejo é que você tenha um amor para chamá-lo de “meu amor”. Mas se você ainda não o tem, que não se entristeça. Em algum lugar do Universo há alguém pronto para se apaixonar por você.
Estes são os meus desejos... São tantos, mas são especiais.
Se me fosse concedido apenas um único desejo, eu desejaria que o meu desejo de te desejar toda felicidade possível neste Natal e por todo 2010 chegasse até você assim, distraidamente, como quem olha para o céu e vislumbra uma estrela bonita. E que você em seguida desejasse o mesmo para todos os que lhe querem bem.
Na noite da passagem de ano, acima dos fogos e cascatas, cada estrela que você olhar no céu, será um desejo de uma pessoa amiga que pensou em você.

Boas Festas. Feliz Ano Novo. Um brinde à nossa amizade.

Marco Santos


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Na TV Antigas Ternuras, você vê Karen Carpenter, uma estrelinha lá do céu, te desejar tudo de bom...com a canção natalina “Have yourself a merry little Christmas (uma de minhas favoritas)
Fotos: um novo personagem apareceu no presépio da cidade de Criciúma...

segunda-feira, dezembro 07, 2009

EM EDIÇÃO EXTRAORDINÁRIA: HEXACAMPEÃO


Bem, amigos do Antigas Ternuras...
Não resisti. O plano era ficar afastado da blogosfera por um tempo para poder me concentrar em meus trabalhos.
Mas eu e a imensa torcida do Flamengo nos tornamos HEXACAMPEÕES!

Quem me conhece, sabe que o Flamengo é a impessoalidade que mais amo nessa vida.
E lá estava eu, no Maraca, assistindo ao vivo e em cores o sexto campeonato brasileiro do meu amado Mengão.
Depois de entrar no estádio espremido feito limão, de tomar jato de gás de pimenta na cara, de escapar das porradas de cassetete que a polícia militar distribuía, generosamente, a velhos, mulheres, crianças e pessoas de bem, como eu, que estavam lá apenas ver o time campeão. O Grêmio não entregou o jogo, como diziam. O jogo foi duríssimo, dramático! Em certos momentos, partes remotas de minha anatomia ficaram trancadas, que não passava nem mosquito ensebado.

Mas com o Flamengo é assim: só conquistamos as coisas depois de muita luta. Não é à toa que o antígo símbolo do clube era o Popeye, porque este personagem sempre dá a volta por cima depois da adversidade.

Conquistamos o sexto campeonato brasileiro. Desde ontem, cerca de 33 milhões de brasileiros, uma Nação dentro de uma Nação, estão em estado de graça.
Agradeço muito a Deus por ter posto o Flamengo na minha vida. Eu teria um desgosto profundo se faltasse o Flamengo no mundo.
Conte comigo, Mengão. Acima de tudo, rubro-negro!
M.S.

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Na Rádio Antigas Ternuras, você ouve um cântico da maior e melhor torcida do mundo.

quarta-feira, novembro 11, 2009

Estou pedindo: tempo!


Aos caros amigos, clientes e fornecedores devo avisar que, por força das circunstâncias, serei obrigado a antecipar e estender o meu recesso de fim de ano. Estou com textos encomendados, trabalhos por fazer, uma série de coisas que me exigem concentração total. Tenho que entrar em modo “escritor”, o que me faz ter que dirigir minhas atenções somente para as tarefas em questão. Espero que vocês compreendam. Normalmente, eu faço recesso depois do Natal e só volto a postar na primeira semana de janeiro. Vou interromper minhas postagens e visitas agora, volto no fim de ano para o tradicional post de Natal/Ano Novo e depois só em meados de janeiro. Até lá espero ter minhas coisas bem adiantadas.
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Já que estou com essa conversa de “Cerca Lourenço”, aproveito para explicar de onde vem esta expressão, atendendo ao pedido do amigo blogueiro Julio do Bala Perdida (eu já tinha dito que atendo a pedidos, não tinha?). Daí, aproveito para bater dois pregos com a mesma martelada.
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“Conversa de Cerca Lourenço” significa que alguém está enrolando, embromando, passando a lábia, falando de modo pouco objetivo e/ou cheio de dedos. O origem da expressão é bem difusa, não há exatamente um consenso. Mas a versão mais sensata e que mais corre por aí entre pesquisadores dá conta de um beato chamado José Lourenço (1872-1946), que era muito devoto do padre Cícero Romão Batista (1844-1934) – Padim Ciço de Juazeiro do Norte/CE. O beato Lourenço (esse aí da foto) fundou uma comunidade messiânica denominada Caldeirão de Santa Cruz do Deserto (mais detalhes cliquem aqui). Isso em fins da segunda década do Século 20, lá no Crato/Ceará. Os devotos viviam da agricultura numa fazenda que foi arrendada pelo próprio Padre Cícero e toda produção era distribuída irmamente entre os que lá trabalhavam. O excedente era vendido para comprar querosene e remédios. Ficaram assim por muitos anos e até conseguiram alguma prosperidade.
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Os fazendeiros da região se incomodaram com aquela situação e começaram a espalhar que aquilo era o comunismo, que os devotos adoravam o “boi Mansinho” (só para trazer o clero local para o lado deles) e coisa e tal e tal e coisa. Por pressão da igreja, o padre Cícero dissolveu a comunidade, em 1926, transferindo-a para outra fazenda, para lá viverem nos mesmos moldes de antes. Novamente o empreendimento deu muito certo, chegando a atrair cada vez mais devotos para aquele estilo de vida, digamos, socialista cristão. O tempo passou, os fazendeiros reiniciaram as fofocas e, com a morte do padre Cícero, os membros daquela comuna ficaram sem a sua proteção.
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As queixas dos coronéis chegaram aos ouvidos do governo federal que mandou tropas para lá, em 1937. A soldadesca cercou Lourenço e seus adeptos. Conversa de lá, conversa de cá, até que resolveram invadir a comunidade, chacinando quem viam pela frente. Usaram até aviões da Força Aérea Brasileira para metralhar os camponeses, deixando mais de mil mortos. Praticamente uma reedição de Canudos, só que sem um Euclides da Cunha para relatar tudo com arte e engenho.
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Depois disso, começou a correr a expressão “cerca Lourenço” como sinônimo de , “ficar rodeando um assunto sem defini-lo com clareza”.
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É isso, moçada. Volto a postar no Natal e depois só em 2010.
M.S.

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A partir de domingo, 15/11, estará no ar, no outro blog em que escrevo, o Playground dos Dinossauros, um texto meu sobre o Calendário do Sagrado Coração de Jesus. Quem é do tempo em que Cleópatra tinha medo de cobra deve lembrar dele.
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E por falar em coisa antiga, eu sou do tempo dessa música, ó:
(vídeo com 3min e 3seg)


e desse antigo comercial que a TV Antigas Ternuras gentilmente traz até você.
(vídeo com 16 seg.)

quinta-feira, novembro 05, 2009

Saudades se aprende na escola


Eu já devo ter escrito aqui que entre a minha casa e o meu trabalho eu passo por sete colégios. Em período escolar, eu gosto de ver a movimentação dos alunos nos arredores. Às vezes eu estou com o carro parado num sinal e fico observando a moçada colegial em seus uniformes, com as brincadeiras típicas de adolescente, as meninas com seus saiotes curtos, exibindo coxas e pernas de diferentes circunferências, desde o padrão vedete do teatro de revista até a chamada dublê da Olívia Palito. E elas não estão nem aí.
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Eu sempre me lembro dos meus tempos de colégio. Era um tempo bom... Ô se não era...
Estudei num mesmo colégio do terceiro ano primário até o segundo científico, passando por admissão e ginásio. Que orgulho e saudade me trazem o meu mui querido Colégio Duque de Caxias...
É este aí da foto. Claro, no meu tempo ele não era exatamente assim. Atualmente, ele até mudou de nome, virou “Escola Duque de Caxias”.
Eu tirei essa fotografia há uns dez talvez quinze anos atrás, quando me bateu uma saudade, eu me encontrava por perto e fui até lá, ver como ele estava. Era um domingo e não pude entrar para olhar por dentro, rever salas de aula onde esquentei bancos escolares, quem sabe até rever uma antiga meleca que grudei embaixo de alguma carteira (ei, não faz essa cara de nojo, não, que toda criança já grudou meleca em carteira! Vai dizer que quando pequeno você nunca colou disfarçadamente um tarugo verde debaixo do banco, na escola? Ah, tá! Sei!...).
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Tenho tantas histórias neste velho estabelecimento de ensino!... Algumas já até contei aqui, como a da vez que eu joguei uma pera na cara da menina mais sebosa da turma, me fazendo pegar suspensão e tendo que levar a mãe, e que quando eu matei aula, fui caguetado por um espírito (de porco) de uma macumba onde a avó de meu amigo de bagunças frequentava. Falei do Português que implicava com os meninos que não tomavam banho depois da aula de Educação Física por terem vergonha de mostrar o bigorrilho adolescente. O Gordo, então, com sua diminuta tripinha de porco que mais parecia uma verruga necrosada, padeceu no dia que o Portuga trancou a porta do vestiário e decretou que ninguém sairia dali sem tomar banho.
Além destas, tenho tantas outras histórias... Algumas são difíceis de descrever em palavras escritas por precisarem de gestos para que sejam entendidas.
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Lembro de uma menina que me interessou e que estudava numa sala perto do bebedouro. Para vê-la e dar aquela paquerada básica, eu ficava horas bebendo água, que nem um camelo depois de atravessar o deserto. Se me espetassem, eu esguicharia longe, que nem desenho animado do Xerife Coelho Ricochete. Ela gostava e me retribuía aqueles olhares, aquelas caras e bocas. Mas não saía disso. Um dia, me aparece no colégio o Roberto Dinamite. Ele ainda não era famoso, mas começava a se destacar no time bacalhoso sebento. Pronto! A minha musa foi ficar de papo com ele, para meu duplo desgosto: por ela falar, toda sestrosa, com outro e por esse outro ser jogador do asqueroso time rival do meu amado Mengão. Mas era só uma visita ao seu antigo colégio (o Dinamite estudou lá). Depois, a menina voltou a me dirigir seus olhares 43, mas aí eu é que não queria.
Eu era besta...
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E por falar em Roberto Dinamite, no meu tempo, o "ídolo das multidões" lá no Duque era o irmão dele, de nome Marcos, mas conhecido como Quinha. O cara era fera no futebol de salão, no handebol... Um troço impressionante! Nos Jogos da Primavera, a seleção de handebol do Duque disputava a final contra o Cruzeiro do Sul, colégio arqui-rival. O Quinha estava com o braço machucado, na tipóia, logo, não poderia jogar. Estava no banco, só fazendo número. No jogo, o Duque estava perdendo por uns três gols de diferença. O ginásio inteiro gritando o nome do Quinha. O técnico o colocou em quadra na base do desespero. Na primeira bola que ele recebeu no braço fora da tipóia, mandou um balaço que o goleiro deles está procurando por onde ela passou até hoje. Com cinco minutos de jogo, viramos e ganhamos a partida. O cara saiu nos braços da galera.
No futebol de salão, ele matava a pau na linha e no gol. Mais de uma vez eu o vi arrebentando ora como centro-avante, ora como goleiro.
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Ele não me conhecia, era bem mais velho que eu, estudava no científico enquanto eu ainda estava no início do ginasial. Mas eis que o Destino, with a little help from my friends, como diriam os Beatles, me aprontou uma boa. Vou encontrar meus amigos num almoço em comemoração ao meu aniversário naquela de “talvez, quem sabe o inesperado faça uma surpresa”, como diria aquela música do Johnny Alf, e ele fez.
Walter, um dos meus camaradas, me bota no celular para falar com o Quinha. Eu fiquei ali falando com um dos meus ídolos de adolescência, relembrando histórias que ficaram marcadas em mim e já estavam adormecidas na lembrança dele.
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Fui membro da Banda Marcial do Colégio Duque de Caxias. Tocava tarol. Miseravelmente não há uma fotozinha sequer de mim na banda. Acho que um dia vou lá no Duque para fuçar no acervo de imagens do colégio. Eu tenho que aparecer, nem que de longe, em alguma foto. Noutro dia, estava procurando sei lá o quê e achei a minha primeira camisa da banda. Essa aí da foto.
Ah... Era tão bom! Viajávamos muito com a banda, chegamos a ir a Porto Alegre participar de um desfile do Lions Club, representando o Rio de Janeiro. Quando a gente viajava, normalmente íamos de ônibus. A direção sempre fretava dois: um para os rapazes, outro para as moças e os menorzinhos. Eu inclusive. Com treze, catorze anos, eu era um guri. Podia ir junto com as moças, visto que às vezes a porrada comia no ônibus dos rapazes. Eu achava ótimo estar no meio da mulherada. Ia sempre ao lado da baliza da banda. Aliás, pra variar, me apaixonei por ela. Seu nome era Amália Rangel. Gostaria de saber como ela está hoje. Na época, era um mulherão, um corpo de Certinha do Lalau. Ela dizia que eu era uma gracinha, que se fosse um pouquinho mais velho, me namoraria. Ai, ai... (suspiro)
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Eu gostava de ir para o colégio. Tive professores maravilhosos. Lembro de cada um deles... Professoras Damiana, Nêudima, Consuelo, Gerusa... depois os professores do ginásio, do científico... alguns são inesquecíveis: Abelard Brayner, de Geografia e História.

Quando ele descobriu que eu lia a Bíblia e sabia contar as histórias contidas neste livro, me chamava à frente da turma e pedia para eu narrar a saga dos patriarcas: Abraão, Isaac, Jacó, José... E os meus colegas prestavam a maior atenção! Devia ser o ator dentro de mim se manifestando, sem eu perceber. Uma outra professora que não esqueço era a Marília, de Português. Aprendi muitíssimo com ela. E era maravilhoso também ir para a escada de acesso à sala dos professores para vê-la subindo e olhar de relance as calcinhas dela. A moçada ia ao delírio! Aliás, por falar em calcinha, tinha uma professora de inglês que ia com uma minissaia tão pequena e se sentava tão sem-modos que a gente nas primeiras filas percebia quando ela estava com uma pequena inflamação nas amígdalas...
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Tantos ótimos professores... Joel, de Biologia; Rozendo, de Matemática; João, de Física; Gianne, de Latim e OSPB...

Mas além do corpo docente, era maravilhoso conviver com meus amigos. Hoje em dia, leio nos jornais sobre perversidades que crianças e jovens fazem uns com os outros. Por puro sadismo, por sentir prazer, espancam os mais indefesos, a ponto de tirar sangue ou mesmo deixar marcas profundas no corpo e na alma. Ir à escola para alguns é um verdadeiro suplício. Para mim, para os meus amigos, era um prazer. Não estou dizendo que éramos santinhos. Não. Eu adorava botar apelido em todo mundo, e todo mundo me botava apelido. Faziámos por gozação, não para humilhar. E ninguém daquela época virou criminoso ou teve de recorrer a psicólogo para sanar neuroses e traumas.
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Tanto é que trinta e tantos anos depois, amigos que estudaram no velho Duque, hoje são pessoas de bem, de ótima formação moral, e cultivam a verdadeira amizade. Aqueles moleques que jogavam futebol totó, futebol de botões, ou mesmo futebol no velho time Apolo Futebol Clube que criamos, ainda hoje riem e se divertem como meninos, nem levando em conta a neve do tempo que orvalhou seus cabelos. Aqueles sacanas que se apelidavam de Princesa, Boi, Filé de Borboleta, Siri, Gastão, Ossada de Dana de Teffé quando se reúnem parecem ter saído da fonte da juventude, despertando uma deliciosa inveja em quantos os vêem brincar de viver.
Um brinde a todos vocês, meus amigos, meus queridos irmãos...
M.S.

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Na Rádio Antigas Ternuras, você ouve Bee Gees, cantando “I Started a Joke”. Essa música tem uma história comigo. Um colega meu da Banda Marcial, o Luís, tocava violão maravilhosamente. Num Festival de Música no Duque ele e um outro rapaz tocaram esta música e as meninas foram à loucura. Eu vi aquilo e o chamei para ser meu professor de violão, pois acreditava que se soubesse tocar, a mulherada estaria aos meus pés. Nem aprendi a tocar suficientemente bem, nem as moças se dignaram a me olhar... Talvez eu fosse a “piada” de que fala a letra da canção.

quarta-feira, outubro 28, 2009

De conversa em conversa


Foi lançado recentemente o livro “Conversando é que a gente se entende”, do meu caríssimo amigo Nelson Cunha Mello, grande professor, grande ator, com quem tive a honra de contracenar muitas vezes. Aliás, durante a última peça em que atuamos juntos ele já me falava de um livro que estava aprontando sobre expressões coloquiais brasileiras. Eu estava terminando o meu livro “Popularíssimo – O ator Brandão e seu tempo” e ele o dele. Nós conversávamos sobre estas expressões e eu dizia que também era um aficionado, gostava de pesquisar e coletar as origens destas frases deliciosas que falamos tão habitualmente quase como um bordão e, em muitas vezes, nem sabemos o que significam. Por ser um estudioso de mitologia grega, acabei descobrindo muitas origens destes ditos. Ao ler autores como Câmara Cascudo, Deonísio da Silva entre outros, acabei arrebanhando um vasto repertório de explicações das expressões. Quem me lê aqui há mais tempo sabe que minhas explicações para estas expressões constituem seção fixa deste blog. Já fui até pauta de um jornal de Vitória, Espírito Santo, que fez uma matéria comigo sobre estes ditos e minhas histórias.
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Mas quero falar sobre o livro do meu amigo Nelson, que compilou mais de dez mil destas expressões, fazendo um dicionário fundamental, importantíssimo, que haverá de elucidar a quantos se interessem por saber o significado e o sentido de frases como “não vale o que o gato enterra”, “mais feliz que pinto no lixo” e “quando o cara está com azar, cai de bunda e quebra o pau”, por exemplo.
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Há uma parte do livro em que o Nelson esclarece sobre a origem de várias expressões, assim como faço aqui e esta parte é deveras interessante. Você acha de tudo lá. Desde bordões de televisão, passando por frases célebres do Teatro e da Música Popular Brasileira até frases antigas usadas há bastante tempo.
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E eu aprendi muito no livro! Tenho certeza de que quem lê-lo vai aprender também. Querem um exemplo? Sabem de onde vem a palavra “ce-cê”, como sinônimo de inhaca debaixo do suvaco? Das iniciais de “cheiro do corpo”. Diz o livro que esta palavra foi popularizada no início dos anos 40 do século passado, por intermédio da propaganda de um sabonete desodorante. Eu não sabia dessa...
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Outra ótima: “por um triz”. Olhem só que fantástico. A palavra “triz” vem do grego trikhós, que significa “cabelo”. Logo, perder (ou salvar) algo por um triz é o mesmo que perder (ou salvar) algo por um fio de cabelo, por alguma coisa mínima, muito pequena.
Mais uma: “emprenhar pelos ouvidos”. Essa é hilária. Provém da teoria de que a Virgem Maria foi fecundada pelo Espírito Santo, por intermédio de um raio luminoso que lhe passou pela orelha esquerda. E como era difícil para as pessoas acreditarem nesta história, ficou como sinônimo de “deixar-se levar por intrigas, fofocas, por informações orais sem comprovação”.
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Quem entre vocês não disse alguma vez: “ih, fulano foi para as cucuias”, significando que o tal fulano”bateu as botas”, “dançou”, “cantou para subir”, “esticou o pernil”, “bateu a caçuleta”, “foi comer capim pela raiz”? Várias vezes, não é? Sabe a razão dessas cucuias como sinônimo de morte? Do bairro chamado Cacuia, na ilha do Governador, cidade do Rio de Janeiro, onde está um cemitério, exatamente o Cemitério da Cacuia. Com o uso corrente, acabou virando a corruptela “cucuia” ou “cucuias”
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Aliás, sobre corruptelas o Nelson dá um show de bola e esclarece sobre o montão de expressões modificadas ao longo dos tempos, em muitos casos virando algo sem sentido, mas que as pessoas aceitam e passam adiante. Querem exemplos? “Batatinha quando nasce se esparrama pelo chão”. O correto é “batatinha quando nasce espalha rama pelo chão”. “Cuspido e escarrado” vem de “esculpido em Carrara”, província italiana da região da Toscana, grande produtora de mármores e onde se trabalha esta pedra de forma magnífica. “Enfiar o pé na jaca” provém de “enfiar o pé no jacá”, uma espécie de cesto feito de cipó. “Estar com bicho-carpinteiro” tem duas explicações. A mais conhecida, e que é registrada no livro do Nelson, é pela corruptela de “estar com bicho pelo corpo inteiro”, ou seja, estar inquieto. Mas há versões que garantem que esta expressão vem de um dos nomes pelo qual o escaravelho é conhecido, exatamente como “bicho-carpinteiro” (inclusive está dicionarizado), pois ele está sempre roendo madeira. Por esta vertente, “estar com bicho-carpinteiro” seria o mesmo que parecer estar sendo roído por dentro, por escaravelhos, por bichos-carpinteiros.
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No livro do amigo Nelson estão várias expressões criadas por mim, que eu usava numa peça de Teatro que encenamos juntos há alguns anos. Era uma cena em que eu falava para uma atriz “volta pra mim, vamos fazer nheco-nheco!” E ela perguntava: “O que é nheco-nheco?” e, no original, eu dizia algo como “fazer aquilo”. Num dia de ensaio, eu mandei um “gratinar o canelone”, que é como eu falo às vezes me referindo a fazer amor, fazer sexo. O diretor gostou e me incentivou a falar mais destas bobagens. E aí eu despejei meu repertório inteiro de gírias para nheco-nheco. Empolgado, eu inventei várias, a cada dia eu chegava com uma diferente no espetáculo. Olhem só as que eu criei: levar a tora pra serrar, afogar a cobra caolha, pingar iogurte no mexilhão, gratinar o canelone, fazer um cachorro quente sem pão, botar o siri na toca, temperar o chouriço, lixar a linguiça, envernizar o cabeçudo, rechear o pastel de pelo, martelar o bife. E além destas, eu dizia outras que ouvi em minhas viagens, escutando gírias salientes aqui e ali, como por exemplo: descabelar o palhaço, escovar uma tripa, dar um tapa na coelha, botar o Jabaquara em campo, repartir a peruca no meio, amassar o capô do fusca, destroncar o pescoço da girafa, botar a baratinha no espeto, botar a perereca para tomar leite de canudinho e vai por aí a fora.
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O Nelson adorava ouvir estas bobagens que eu dizia e, para meu orgulho e alegria, acabou dicionarizando tudo isso em seu maravilhoso livro. Fico imaginando alguém, daqui a não sei quantas gerações futuras, pegando o livro do meu amigo e chamando a namorada para “botar o siri na toca”... De onde quer que eu esteja, estarei rindo à socapa, com a minha melhor cara de pau.
Amigos, não deixem de ler “Conversando é que a gente se entende”, de Nelson Cunha Mello, Editora Leya, por R$ 48,86 no site da Livraria da Travessa. É sopa no mel, vai que é mole.

M.S.
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Na TV Antigas Ternuras, você vê o Nelson Cunha Mello sendo entrevistado no Programa do Jô, falando sobre as expressões de seu livro.

quarta-feira, outubro 21, 2009

Maria Solteirona


Numa noite dessas, tive um sonho enlouquecido. Bem, até aí nada de novo. Meus sonhos são sempre enlouquecidos. Eu nunca usei droga nenhuma e costumo dizer que nem preciso. Com os sonhos que tenho, parece que eu misturo LSD com Nescau e tomo um copo cheio na hora de dormir.
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No sonho, eu estava em alguma antiga cidade. Eu andava pelas ruas e ao cruzar com algumas pessoas elas me disseram: “Moço, cuidado com o fantasma da Maria Solteirona”. Eu achei aquilo muito curioso e perguntei que raio de fantasma era aquele e me explicaram que naquele lugar, houve uma mulher de nome Maria que morrera sem ter se casado. E como ela tinha cantado para subir virgem, sem ter colocado a baratinha no espeto, vagava à noite, com uma arma na mão, atrás de homens desacompanhados e quando os encontrava, os ameaçava com a garrucha. Disseram eles que teve muito homem que viu a Maria Solteirona, mas poucos sobreviveram para contar a história.
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Eu avisei a vocês que meus sonhos são coisa de maluco...
Bem, eu ouvi a história que me contaram e disse que não acreditava nisso, que estava com vontade de perambular pela rua porque queria chupar manga. E continuei a caminhada.
Daí que eu fiquei sozinho no lugar, ouvindo aquele zunido de vento nas árvores. Foi quando eu vi uma mulher vestida de noiva, com grinalda e tudo, com uma baita espingarda na mão. Ela era branquíssima, parecia que tinha talco no rosto. Nisso, o vento parou. Com o susto, cheguei a cair para trás. A aparição me apontou a arma e disse, com uma voz de filme do Vincent Price: “Você não acredita em mim, não? Pois vai ter que casar comigo ou vai morrer...”
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Eu me lembro da nítida sensação de aperto no peito e na garganta. Eu queria falar, tinha na mente a frase: “Espera... Calma... Vamos conversar...” Mas não saía nada! E aquela mulher branca, toda de branco se aproximando, dizendo que eu ia morrer.
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Foi quando minha namorada me acordou, perguntando porque eu estava gemendo e me debatendo. Meu pijama estava empapuçadão, meu coração batia no ritmo da seção de tamborins do Salgueiro. Caraco... Que mal estar!
Contei para ela o sonho que tive, rimos juntos e voltamos a dormir. Ela, bem mais rápido. Eu fiquei com receio de voltar para aquele pesadelo.
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A sensação de que eu estava vivenciando aquela história foi tão grande que depois procurei saber o que significa sonhar com fantasma. Há quem diga que são más notícias e há quem assegure que é sorte durante três dias.

Fiquei sabendo que noiva fantasma é coisa antiga, que existem muitas histórias, muitas lendas sobre isso, cada cidade tem a sua. Talvez pelo fato de vestirem branco com tecido transparente, talvez pela consequência social de uma mulher ser largada no altar... Aí já comecei a refletir sobre o assunto. Imaginei a pressão de uma sociedade machista e patriarcalista sobre a mulher para que ela exercesse sua função reprodutora que garantisse a perpetuação da família. E se ela era abandonada perto de deixar o celibato - uma anomalia que rotula a mulher como “solteirona” e antigamente a deixava estigmatizada por toda a vida, tendo que zelar pelo seu bom nome e sua virtude - aquele fato se transformaria numa carga excessivamente pesada que só poderia ser aliviada pela morte. E ela seria obrigatoriamente enterrada com o vestido de noiva (hábito que vem desde o Século XVII), acabando por se transformar um assombração.
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O assunto já estava ficando para lá de interessante. Resolvi pesquisar para saber se existiu mesmo alguma “Maria Solteirona”. Entrei na internet e... achei um monte de história de fantasmas de noivas e solteiras.
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Encontrei a lenda de “Ale Coelhinha”, uma mulher loura, solteira, razoavelmente bonita, embora dentuça, e que gostava de cair na noite, passando o rodo na rapaziada. Parecia que ela tinha calor na bacurinha e dava mais que chuchu na cerca. O comportamento liberal da moça provocou a inveja de uma vizinha solteirona que se incomodava com o fato da Coelhinha sair todas as noites caçando algum homem que quisesse afogar a cobra caolha nela. A rancorosa escreveu uma carta anônima, como se fosse de um dos rapazes que passaram pela cama da Ale, dizendo que tinha transmitido AIDS para ela. Desesperada, a moça foi fazer o exame. Quando saiu o resultado, ela nem quis abrir para ver. Acreditando que estava mesmo com a doença, foi para casa, colocou o envelope debaixo do travesseiro, tomou veneno e se matou. A invejosa, quando soube, deu boas gargalhadas. Mas quando foi dormir, sonhou que a loura lhe aparecia, fazendo acusações e prometendo que continuaria em espírito frequentando os mesmos lugares onde pegava os rapazes.
E muita gente viu suas aparições nas boates...
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Na Paraíba, em João Pessoa, no bairro de Engenho Velho, tem uma lenda que fala de Branca Dias, uma bela moça, noiva de um bom rapaz, que recebeu propostas indecorosas de um padre taradão, que queria botar a tora para serrar com ela. Como ela se recusasse, ele a denunciou à Inquisição e ela virou picanha assada nas fogueiras do Vaticano Grill. A partir daquele momento, muita gente passou a ver o fantasma da moça vagando pelas ruas do lugar.
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Em Minas Gerais, terra mater de todas as lendas urbanas que envolvem fantasmas, tem a da noiva de Congonhas que foi abandonada pelo noivo que resolveu virar padre. Em total desespero, ela se matou, cortando os pulsos, no próprio seminário (onde hoje está a Escola Municipal Fortunata de Freitas Junqueira) e a partir de então, ela vive assombrando os alunos, ora nos corredores, ora no banheiro feminino (ainda bem. Já pensou um moleque com o passarinho de fora, urinando, e dá de cara com a noiva fantasma? Na hora o pinto dele murcha e vira uma verruga!).
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Em Faxinal, no Paraná, certa vez uma família estava andando pela estrada a noite quando a criança que estava com eles viu uma moça de branco, sentada numa pedra, fazendo crochê. Ela disse para a mãe: “Olha que moça bonita!” A mãe olhou na direção que ela apontara e não viu nada. A mulher ficou intrigada e foi pesquisar para saber se havia alguma história esquisita acontecida por ali. Soube, então, que um noivo matou a noiva, pouco antes de se casar, e jogou o corpo exatamente naquele lugar.
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A história mais próxima da minha “Maria Solteirona” é a da “Noivinha fantasma do Cemitério da Água Verde”, em Curitiba. Diz-se por lá que uma noiva foi abandonada pelo noivo e acabou morrendo de desgosto. Então passou a vagar como alma penada pelo lugar, abordando homens desacompanhados que passam por ali, procurando um outro noivo. Ai que mêda!
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Vejam só que coisa... Eu tenho um pesadelo com noiva fantasma (que não sei como se instalou no meu subconsciente) e acabo descobrindo um assunto interessantíssimo para post.
E você, já viu alguma noiva fantasma?
M.S.

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Na Rádio Antigas Ternuras, você ouve o tango “Por una cabeza”, orquestrado por Astor Piazzola para o filme “Perfume de Mulher”.

quarta-feira, outubro 14, 2009

"Sob a luz bruxuleante de uma vela..."


Na Hora H, na hora da verdade, a gente corre por fora, abraçando causas, a ferro e fogo, acenando com possibilidades. Isso em grande estilo. Juro de pés juntos, sem meias-verdades, a olhos vistos. Não quero deixar dúvidas no ar, mas sob a luz bruxuleante de uma vela, fazendo um exame de consciência, digo que essa confusão é página virada. É hora de renovar as esperanças, de mostrar o nosso poder de fogo, de entrar para rachar. Sem dormir no ponto.
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Este texto enlouquecido aí de cima é um largo exemplo de chavões, clichês, lugares-comuns, frases feitas. A maioria dos bons escritores foge dos clichês como o diabo foge da cruz. Aliás, esta expressão é um baita dum chavão.
Diz o dicionário que clichê ou chavão são expressões desgastadas pelo uso constante, modismos que empobrecem o discurso falado ou escrito. E o pior é que essa praga se infiltra no vocabulário nosso de cada dia e é quase impossível não proferir um ou outro clichê. Especialmente quando estamos naquela conversinha besta, sem compromisso. Quem aí não entrou num elevador com o vizinho e para quebrar o silêncio não disse: “Está um calor de matar!”, “vem chuva aí”, “dia abafado, não é?”
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Porém o chavão cotidiano é um pouco mais palatável que o escrito, ou o dito nos meios de comunicação. Estatisticamente, dizem os estudiosos que o vocabulário médio das pessoas está oscilando pelas 150 palavras, e que entre os mais jovens, não passa de cem. Talvez seja verdade. Nunca se ofereceu tanta informação, tantos meios de comunicação e mesmo assim vivemos tempos em que se lê muito pouco, vai entender.
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E como não há o hábito de expandir o conhecimento pela leitura variada (jornais, livros, revistas de informação), muita gente apela para os velhos clichês na hora de falar e/ou escrever. As pessoas tem preguiça de ler. Tem preguiça de procurar um estilo elegante de escrever e-Mails, MSN, Orkut, twitter...
O tempo das pessoas está cada vez mais exíguo. Faz-se muitas coisas ao mesmo tempo, a comunicação tem que ser rápida, evitam palavras com mais de duas sílabas. A tendência é reduzir tudo para um dissílabo, no máximo, estourando, um trissílabo. Pois é. No nosso patropi, as pessoas querem ficar sussas, com tudo belê, então o negócio é no pá-pum. Falar, escrever “país tropical”, “sossegadas” ou “beleza”, toma tempo, e tempo ninguém tem de sobra.
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Atualmente, para a minha tristeza, a minha classe profissional, a dos jornalistas, é a que mais usa clichês, chavões. Eu leio os artigos nos jornais, ouço os telejornais e me pergunto para onde teriam ido a elegância vocabular dos bambas do passado, como Nelson Rodrigues, Castelinho, Rubem Braga, Joel Silveira, Drummond, João Saldanha...
Aliás, o jornalismo esportivo é o principal repetidor de chavões. Chega a dar raiva ver tanta pobreza vocabular nos coleguinhas. Antigamente, locutores diziam que um time estava atacando, avançando, subindo ao ataque, penetrando, agredindo, arremetendo, invadindo o campo adversário... Hoje só dizem: “chegando”. E só. É “chegar” para tudo, qualquer coisa que um jogador faça é “chegar”. E as palavras “vencer” e “vitória” que estão entrando em extinção? Hoje, um time não quer vencer, ganhar, alcançar a vitória. Só querem o “resultado”. Mas, com mil tubarões, o que vem a ser “resultado”?
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Às vezes tenho a impressão de que ninguém quer ser original em nada, que o mundo caminha para a padronização total e global de tudo, de roupas, de penteados, hábitos, modos de falar... Noutro dia, eu estava num shopping, esperando a sessão de cinema começar, comecei a prestar atenção nas pessoas que passavam por mim. A maioria se vestia igual, com penteados muito parecidos, todas tatuadas, quase todas com percings e rigorosamente todas falando do mesmo jeito.
Aquilo me lembrou uma linha de produção!
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Sei que estou malhando em ferro frio, fazendo tempestade em copo d’água, usando mão-de-ferro, buscando uma tábua de salvação, querendo sacudir a poeira da língua falada e escrita. Bem, trocando em miúdos, sem golpe baixo, é o que eu queria dizer. Será que vem chumbo grosso por aí?
M.S.

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Na TV Antigas Ternuras, você vê um vídeo de 56 segundos que poderíamos intitular, usando uma frase feita, como: “a necessidade faz o sapo pular”.

quarta-feira, outubro 07, 2009

Eu me recordo


Sempre que me perguntam qual a minha lista de melhores filmes que eu vi na vida não deixo de incluir no topo da relação uma obra cinematográfica que me é particularmente querida: “Amarcord”.
Tem um outro filme que é minha paixão particular: “Em algum lugar do passado”, cuja trilha, inclusive, é a minha música favorita de todas que existem. Mas eu não relaciono este em listas de melhores filmes. Ele tem valor sentimental para mim. Esteticamente, bem sei que ele não é nada de especial, embora não seja, definitivamente, um filme ruim.
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Mas “Amarcord” tem, para mim, valor sentimental e é uma obra maravilhosa esteticamente, cinematograficamente e outros “mentes”. É, ao meu ver, o grande filme de Fellini, que só filmou coisa boa. No dialeto da região italiana em que ele nasceu (na cidade de Rimini), Amarcord significa “Eu me recordo”. Com o filme, ele relembra, com uma saudade gostosa, de sua infância/adolescência, dos personagens que foram parte de sua vida, mesmo naqueles tempos difíceis do fascismo italiano.
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Eu já assisti a este filme 16 vezes e volta e meia pego o DVD e me deixo levar por aquelas lembranças fellinianas. Quem não o viu, não sabe o que está perdendo.
Lembro que quando minha mãe o assistiu, nos anos 70, quando ele foi produzido, chegou em casa e disse que tinha visto um filme que a fizera lembrar de mim. Isso porque aparece um garoto, que segundo ela, fez gracinhas que eu devia fazer na escola. “Êpa!” – protestei eu, indignado. “Eu sou muito comportado, não faço gracinhas nem travessuras no colégio”. Eu disse isso com a maior cara de pau, sem nem ficar vermelho. Lembro que minha mãe olhou para mim com uma cara que dizia: “arrã... sei... Quem não te conhece é que te compra.”
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Ela não me disse qual era o tal garoto (aparecem vários). Nem precisou. Quando vi o filme, soube direitinho qual era. E digo mais: se eu tivesse visto as cenas quando tinha aquela idade, provavelmente faria o mesmo ...Bwa-ha-ha-ha-ha-ha... (Essa é minha risada satânica...)

Ah, Fellini... A gente sabe que uma pessoa é gênio quando consegue nos falar diretamente ao coração e mente, mesmo sendo de época, cidade, país diferentes...
Essa cena do filme que está aí em cima, por exemplo. Olha, tinha dia que o almoço lá de casa era bem parecido, com minha mãe ameaçando um dia sumir no mundo, avisando aos berros que ia dar uma coça com fio de ferro no meu irmão se ele voltasse a pegar minha máscara de mergulho para tomar banho na caixa d’água de casa dizendo que era o “Príncipe Submarino”...
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Soube que o Arnaldo Jabor voltou a filmar e quis justamente fazer uma espécie de “Amarcord” de sua geração, o seu “Eu me recordo”. Pois é. Acredito que todo mundo tenha o seu “Amarcord”. Se pudesse fazer um filme, com certeza faria o meu “Amarcord”. Como ninguém me dá grana para filmar o meu filme de recordações, escrevo num blog bem na linha “Amarcord”, e é o que tenho procurado fazer por aqui já há quatro anos.
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Pois vocês sabem do que “eu me recordo”?
Eu me recordo de minha mãe me chamando para tomar o meu prato de mingau feito com maizena e chocolate em pó Bhering e depois eu discutia com meus irmãos para saber quem ia raspar a panela. O mesmo acontecia quando tinha angu... Eu me recordo de pedir para brincar na chuva e insistir muito para minha mãe deixar e quando ela concordava eu fazia a festa até ela me chamar para tomar banho, passar álcool na cabeça e tomar uma colherada de Rhum Creosotado ou vinho moscatel para não me constipar...

Eu me recordo quando os telefones eram pretos, as geladeiras e fogões eram brancos, as casas de minha rua eram “simples, com cadeiras na calçada e na fachada escrito em cima que era um lar”... Eu me recordo de tomar hidrolitol; de, no botequim, dividir um grapette e um litro de água mineral com gás com meus amigos, pois não tínhamos dinheiro para comprar um refrigerante para cada um... Eu me recordo de pegar vagalume e esfregá-lo na camisa para ficar brilhando, de capturar libélulas para amarrar uma linha fina no rabo dela, soltá-la e ficar controlando feito pipa no ar... Eu me recordo de deixar a janela do quarto aberta para sentir o perfume de “dama da noite” que exalava do jardim, de olhar pra lua e desenhar a figura de São Jorge nela com a ponta do dedo... Eu me recordo de chegar feliz no colégio para ver meus amigos, sair com eles para jogar totó, trocar gibi e livrinhos de bolso; de torcer para o professor mandar a Therezinha apagar o quadro só para ver o fundo das calcinhas dela quando levantava o braço... Eu me recordo de ficar sentado na beira do campo, mordiscando um talo de capim, esperando o sol baixar para começar a jogar futebol, de ficar triste em casa quando chovia no final de semana, impedindo a sagrada pelada de sábado e domingo...

Eu me recordo de ir ao parquinho ver as lutas com lutadores do programa Telecatch Montilla, de vaiar o Mongol e o Verdugo, e aplaudir o Demônio Cubano e o Leopardo... Eu me recordo de ficar torcendo para começar a ventar e para isso eu cantava a musiquinha: “vem, vento, caxinguelê, cachorro do mato quer me morder” e quando dava para colocar a pipa no alto, desafiar os outros cantando: “Tá com medo, tabaréu, sua linha é de papel”... Eu me recordo de minha mãe tomar susto toda vez que entrava no meu quarto e dava de cara com um mega pôster na parede do Fio Maravilha com a camisa do Mengão; de excursionar com o time em que eu jogava, o Sociedade Esportiva Codajás, e fazer cantoria no ônibus, especialmente entoando o hino do clube, cujo refrão era "ê calunga, esse time não pega macumba, calunga..."

Eu me recordo de juntar dinheiro da mesada, passar na Ultralar e comprar um compacto simples do Bread ou da Gladys Night and the Pips ou do James Taylor e correr para a vitrola da marca ABC A Voz de Ouro e botar o disco para tocar até quase furar... Eu me recordo de ir ao cinema nos domingos, voltar para casa, reunir os amigos da rua e contar o filme todo, inclusive representando cada personagem, de economizar na passagem de ônibus para comprar um sorvete daquelas máquinas com vidros de xarope colorido... Eu me recordo de brincar, de rir, de chorar...
Ah, como eu me recordo de ter sido uma criança feliz!
M.S.

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Eu quero agradecer de coração à amiga Samara que me deu um selo The Best 2009 (mas não tenho conseguido entrar no blog dela para linká-lo) e ao amigo Marcos Dhotta que também me ofereceu o selo "Este blog tem e faz História" e pediu que eu o repassasse para três blogueiros que escrevessem textos de recordações. Bem, atendendo ao pedido do Marcos, repasso este belo selo que aí está para o blog Playground dos Dinossauros, em que também escrevo, para o Morcegos e o Transmimentos de Pensações.


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Na TV Antigas Ternuras, você vê, lá em cima, uma das muitas cenas hilariantes do filme “Amarcord”, de Fellini. E aqui embaixo, um lindo clip com a música “Rio Antigo”, de Nonato Buzar e Chico Anísio. Eu não sou do tempo de quase nada que a música fala, mas ela tem o exato clima que eu quero passar neste post. Eu também quero muita coisa que não existe mais no Rio Antigo ou nas cidades do Antigo Brasil, mas que eu sei que era e é muito bom.

segunda-feira, setembro 28, 2009

Ripa na Chulipa, Lúcifer!


Hoje, 28 de setembro, há exatos cem anos atrás, nascia, em New Heaven, Connecticut/USA, Alfred Gerald Caplin, que se tornou conhecido como Al Capp. Bem sei que a maioria dos meus 17 leitores estará se perguntando: “E nós com isso?”. Pois é. Para mim, é uma data importante. Al Capp foi o criador da história em quadrinhos “Ferdinando”, também conhecida como “A Família Buscapé”. E sabem por que é importante para mim? Eu comecei a aprender a ler nas tirinhas do Ferdinando no jornal O Globo. E depois, prossegui nos gibis dele, publicados pela Rio Gráfica (hoje, Editora Globo).
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Era a historieta favorita de meu pai. Lembro que ele chegava do trabalho já com o jornal debaixo do braço (na época, o Globo era vespertino, saía pouco antes das 18h). Ele tomava banho, jantava, botava o pijama e ia pra cama ler pacientemente o seu jornal, de cabo a rabo. Minha mãe ficava ao lado dele e adivinhem que se metia entre eles e ficava buzinando a paciência dos dois, perguntando tudo?
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Naquele tempo, a penúltima página do segundo caderno dO Globo era toda dedicada a tirinhas de quadrinhos: Fantasma, Tarzan, Nick Holmes, Mandrake, Pafúncio, Reizinho, Brucutu, Flash Gordon, Príncipe Valente...e Ferdinando! Meu velho dava boas risadas com a aventuras do pessoal de Brejo Seco, o vilarejo onde o moço vivia com sua mãe, Chulipa Buscapé, e seu pai, Lúcifer Buscapé, e mais muitos outros personagens maravilhosos, como a boazuda Dulçurosa Suíno, que vivia abraçada com um porco e cheia de moscas voando por cima, a Violeta, sempre perseguindo Ferdinando para casar, até que um dia conseguiu pegá-lo na corrida anual do Dia de Maria Cebola, o índio Gambá Solitário, Joe Cabeleira e vai por aí a fora.
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Como meu pai gostava, eu perguntava para ele do que ele estava rindo. E ele, com paciência de um relojoeiro chinês aposentado, me lia os balões e me dizia cada palavra escrita. Eu acabei decorando algumas palavras e sabendo todas as letras. Não demorou muito e eu já estava juntando uma letrinha na outra, perguntando o que não entendia.
Portanto, para mim, os quadrinhos do Ferdinando são ternuras para lá de antigas e muito queridas. Não posso deixar de homenagear quem me ajudou a despertar para a leitura.
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Al Capp era de família bem pobre, filho de imigrantes da Lituânia. E para piorar ainda mais a situação, quando o moleque tinha nove anos foi atropelado por um bonde e perdeu uma perna. Aquilo seria definitivamente marcante em sua vida.
Quando ele contava com 19 anos, descobriu a tira de quadrinhos Mutt e Jeff, de Bud Fischer. No que ele soube que o desenhista ganhava três mil dólares por semana com aquilo, resolveu tentar seguir seus passos e sair da merda em que ele e a família estavam atolados até o pescoço. Criou uma historieta, chamada “Coronel Gilfeather”, e a enviou para a agência Associated Press. Ele se deu bem, arranjou um emprego ganhando seus trocadinhos, mas ele queria bem mais.
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Seis meses depois, resolveu se mudar para New York e tentar a sorte. Por azar, ou melhor, por sorte, foi atropelado de novo. Não perdeu nenhum pedaço do corpo, e seu atropelador era ninguém menos do que Ham Fischer, criador dos quadrinhos Joe Sopapo. Fischer saiu do carro para ajudar Capp a catar seus papéis espalhados pelo chão e quando viu que eram desenhos acabou contratando-o como assistente. Ele ficou algum tempo com Fischer, mas ele queria bem mais do que ser um mero auxiliar. Criou uma historieta chamada “Li’l Abner”, onde um rapagão caipira vivia aventuras no interiorzão americano. Mandou os quadrinhos para o King Features Syndicate, que gostou, mas pediu que ele transferisse o personagem da roça para a cidade grande, com o que Capp não concordou. Ele tentou outro sindicato, até conseguir, em 1934 (há exatos 75 anos atrás), um contrato com a United Features. E estourou tanto nos EUA, como no mundo afora.
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Capp gostava de dar nomes absurdos para os seus personagens, a começar pelo próprio protagonista (“Li’l Abner” em inglês é “Pequeno Abner”, como chamavam o Ferdinando, um cara daquele tamanho, vejam só...). Era difícil até de traduzir. Tiveram que recriar em português toda a nomenclatura dos caipiras de Brejo Seco (Dogpatch, no original). Eu até creio que os tradutores fizeram um ótimo trabalho. Vejam só: Mammy Pansy Yokum virou “Chulipa Buscapé”; Lucifer “Pappy” Yokum era o “Lúcifer Buscapé”, Daisy Mae, virou “Violeta”, Moonbeam Mcswlne passou a ser a tal “Dulçurosa Suíno”, Lonesome Polecat e Hairless Joe, eram “Gambá Solitário e Joe Cabeleira”.
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Ferdinando herdou a sua força descomunal de sua mãe, Chulipa, e a ingenuidade de seu pai, Lúcifer, que era um moleirão covarde, de vez em quando tomando uns catiripapos da esposa. Aliás, só devia ter “ripa na Chulipa” quando o velho Buscapé passava o rodo na velha. Já até imagino ela gritando naquela hora do “vamuvê”: “Vem, Lúcifer! Mete fumo que o cachimbo está aceso!”.
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O grande barato nas histórias da Família Buscapé era a crítica que o Capp fazia do modo norte-americano de vida, da sanha destruidora do sistema capitalista, que devorava os excluídos, e até debochava com muito talento do macarthismo, a doutrina de caça às bruxas que perseguiu tanta gente sob a acusação de práticas comunistas. Brejo Seco era uma representação da América e eu diria até de vários lugares do planeta. O leitor ria daquelas aventuras sem talvez perceber que estava rindo de si mesmo.
Por sua capacidade de fazer rir criticamente, Capp recebeu elogios de ninguém menos que John Steibeck, autor de “A leste do Éden”. Steinbeck inclusive recomendou Capp para o Prêmio Nobel de 1953. Disse ele: “Para mim, só Cervantes e Rabelais souberam criticar tão causticamente e essa crítica ser aceita e divertir a tantos. Ele é o melhor escritor do mundo”.
Li’l Abner já foi desenho animado, filme com Buster Keaton (1940) e com Peter Palmer e Julie Newmar (a estonteante Mulher-Gato do seriado Batman) em início de carreira (1959). Foi musical na Broadway mais de uma vez e eu confesso que adoraria participar atuando em uma montagem brasileira da Família Buscapé.
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Muita gente diz que a invenção mais genial de Al Capp foram os Shmoos. Eram criaturinhas divertidas que se transformavam em qualquer alimento que a pessoa desejasse. Bastava olhar para eles com fome que eles alegremente viravam frango assado ou pernil. Davam ovos, leite e manteiga de graça.

Os shmoos se reproduziam facilmente e seriam capazes de acabar com a fome no mundo. Todavia, nas historietas, os capitalistas identificaram nos bichinhos os grandes inimigos do sistema e acabaram convencendo Ferdinando e os habitantes de Brejo Seco que eles deveriam morrer para que todo mundo voltasse a ser explorado como sempre aconteceu.
Essas historietas em pleno macarthismo fizeram muita gente ficar de olho atravessado para Al Capp.
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Ah... Saudades de ver meu pai lendo e gargalhando com as aventuras de Ferdinando... Por isso, aqui vai o meu muito obrigado a Al Capp. Ele morreu em 1979 (há exatos 30 anos), doente, entrevado em cadeira de rodas. Desde 1977 já não mais desenhava seus incríveis personagens que levaram um certo menino a começar a se interessar por leitura, e que posteriormente não parou mais, lendo tudo o que lhe cai nas mãos.
Deus te abençoe, Al Capp. Se ninguém lembrou de seu centenário de nascimento, este eterno menino não te esquece nunca.
M.S.

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Na TV Antigas Ternuras, você vê um engraçadíssimo desenho animado de Ferdinando intitulado “Dia de Maria Cebola” (Sadie Hawkins Day). Neste dia, criado por Ezekiah Hawkins, pai do “dragão” Sadie Hawkins, para desencalhar a filha tribufu, havia uma corrida em que os solteirões seriam perseguidos pelas encalhadas de Brejo Seco. Se uma das “beldades” conseguisse agarrar um solteiro, ele teria que se casar com ela. Era a grande chance de Violeta (Daisy Mae) pegar Ferdinando (Li’l Abner) de jeito. O animador deste desenho foi Dave Fleischer, o mesmo de Popeye. Isso pode ser percebido nas características de Chulipa...
(Se o filme der uma travada, mexam no botãozinho para adiantar e depois retroceder a imagem)