quarta-feira, outubro 14, 2009

"Sob a luz bruxuleante de uma vela..."


Na Hora H, na hora da verdade, a gente corre por fora, abraçando causas, a ferro e fogo, acenando com possibilidades. Isso em grande estilo. Juro de pés juntos, sem meias-verdades, a olhos vistos. Não quero deixar dúvidas no ar, mas sob a luz bruxuleante de uma vela, fazendo um exame de consciência, digo que essa confusão é página virada. É hora de renovar as esperanças, de mostrar o nosso poder de fogo, de entrar para rachar. Sem dormir no ponto.
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Este texto enlouquecido aí de cima é um largo exemplo de chavões, clichês, lugares-comuns, frases feitas. A maioria dos bons escritores foge dos clichês como o diabo foge da cruz. Aliás, esta expressão é um baita dum chavão.
Diz o dicionário que clichê ou chavão são expressões desgastadas pelo uso constante, modismos que empobrecem o discurso falado ou escrito. E o pior é que essa praga se infiltra no vocabulário nosso de cada dia e é quase impossível não proferir um ou outro clichê. Especialmente quando estamos naquela conversinha besta, sem compromisso. Quem aí não entrou num elevador com o vizinho e para quebrar o silêncio não disse: “Está um calor de matar!”, “vem chuva aí”, “dia abafado, não é?”
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Porém o chavão cotidiano é um pouco mais palatável que o escrito, ou o dito nos meios de comunicação. Estatisticamente, dizem os estudiosos que o vocabulário médio das pessoas está oscilando pelas 150 palavras, e que entre os mais jovens, não passa de cem. Talvez seja verdade. Nunca se ofereceu tanta informação, tantos meios de comunicação e mesmo assim vivemos tempos em que se lê muito pouco, vai entender.
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E como não há o hábito de expandir o conhecimento pela leitura variada (jornais, livros, revistas de informação), muita gente apela para os velhos clichês na hora de falar e/ou escrever. As pessoas tem preguiça de ler. Tem preguiça de procurar um estilo elegante de escrever e-Mails, MSN, Orkut, twitter...
O tempo das pessoas está cada vez mais exíguo. Faz-se muitas coisas ao mesmo tempo, a comunicação tem que ser rápida, evitam palavras com mais de duas sílabas. A tendência é reduzir tudo para um dissílabo, no máximo, estourando, um trissílabo. Pois é. No nosso patropi, as pessoas querem ficar sussas, com tudo belê, então o negócio é no pá-pum. Falar, escrever “país tropical”, “sossegadas” ou “beleza”, toma tempo, e tempo ninguém tem de sobra.
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Atualmente, para a minha tristeza, a minha classe profissional, a dos jornalistas, é a que mais usa clichês, chavões. Eu leio os artigos nos jornais, ouço os telejornais e me pergunto para onde teriam ido a elegância vocabular dos bambas do passado, como Nelson Rodrigues, Castelinho, Rubem Braga, Joel Silveira, Drummond, João Saldanha...
Aliás, o jornalismo esportivo é o principal repetidor de chavões. Chega a dar raiva ver tanta pobreza vocabular nos coleguinhas. Antigamente, locutores diziam que um time estava atacando, avançando, subindo ao ataque, penetrando, agredindo, arremetendo, invadindo o campo adversário... Hoje só dizem: “chegando”. E só. É “chegar” para tudo, qualquer coisa que um jogador faça é “chegar”. E as palavras “vencer” e “vitória” que estão entrando em extinção? Hoje, um time não quer vencer, ganhar, alcançar a vitória. Só querem o “resultado”. Mas, com mil tubarões, o que vem a ser “resultado”?
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Às vezes tenho a impressão de que ninguém quer ser original em nada, que o mundo caminha para a padronização total e global de tudo, de roupas, de penteados, hábitos, modos de falar... Noutro dia, eu estava num shopping, esperando a sessão de cinema começar, comecei a prestar atenção nas pessoas que passavam por mim. A maioria se vestia igual, com penteados muito parecidos, todas tatuadas, quase todas com percings e rigorosamente todas falando do mesmo jeito.
Aquilo me lembrou uma linha de produção!
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Sei que estou malhando em ferro frio, fazendo tempestade em copo d’água, usando mão-de-ferro, buscando uma tábua de salvação, querendo sacudir a poeira da língua falada e escrita. Bem, trocando em miúdos, sem golpe baixo, é o que eu queria dizer. Será que vem chumbo grosso por aí?
M.S.

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Na TV Antigas Ternuras, você vê um vídeo de 56 segundos que poderíamos intitular, usando uma frase feita, como: “a necessidade faz o sapo pular”.

20 comentários:

Moacy Cirne disse...

Chavão, clichê, lugar comum:
assim NÃO caminha a escrita.
Mas assim caminha a humanidade.

Um abraço.

Érica disse...

É verdade, gente faz pouco da língua. E assim, muito mais que o fato do tempo ser curto (que apesar de ser, no fundo, nem é tanto assim) todo mundo anda meio preguiçoso. Uma conversa no msn, informal, rápida, sucinta, então cria-se uma linguagem, um neologismo tosco que acaba se tornando gramática, sem regra. É muito louco isso.
Não gosto dos clichês, mas também depende, tem uns que eu vez ou outra uso, algumas frases feitas;
"Tudo vai dá certo", "Amigos são pra essas coisas" etc. Acho muito natural, não existe quem não o faça, já está plantado na gente.
Enfim, beijos!

DO disse...

Só !!!

DO disse...

O exemplo que dei acima é o novo vernáculo da "petizada" pra concordar com o papo,Marcos.

Outro dia encontrei um antigo atleta dos meus tempos de futsal,nos cumprimentamos,e qdo comecei a falar ,tudo que eu ouvia era SÓ !!!

Meu DEUS!!

Abraços!!

As Tertulías disse...

Maravilha de postagem...

Claudinha ੴ disse...

"Eu já sabia", Marco! "Você não dá ponto sem nó"! Abriu seu post com "chave de ouro, com este texto". A nova preguiça de escrever/aprender impera e abreviar ou empobrecer o vocabulário é "trocar seis por meia dúzia". As pessoas se comunicam "a toque de caixa" numa rapidez que não vai levá-las a um "denominador comum". E pelo que vejo, "do Oiapoque ao Chuí", temos este problema. Espero que possamos ainda ver "a luz no fim do túnel" e que nossa amada língua portuguesa não morra!
"Em nível de" imaginação, você é sempre brilhante!
Beijo!

Jack disse...

É realmente assim, os clichês facilitam, e muito, a vida de quem nem quer pensar antes de falar ou escrever... ou tem preguiça... A falta de originalidade às vezes me assombra também. Parece que no nosso tempo de adolescente a gente não era tão massificado como eles são hoje... Será que temos saída? Bom final de semana, ou seria fds?
Beijo

Dilberto L. Rosa disse...

Falou e disse, rs! Gosto dos chavões para brincar, como um recurso, nunca como linha da escrita, mas, enfim, cada um na sua e o último a sair que apague a luz, ré, ré! Muito bom o videozinho e o final, onde lembraste das "pessoas-clichês", o que mais tem hoje em dia é isso! Tatuagem e brinco, sinônimo de rebeldia em outras épocas, virou peça idiota e lugar-comum... Trágico! E e´só! Abração, primão: primo da Vanusa e sobrinho-neto do Ary!

Graça Lacerda disse...

Mc,
vc naum vai crer, mas naum é só a sua classe q vai mal das perna em termos de lggem...
Plazando ou naum, o fato é grave, mermão!!!
Do uma dica, blz?
Nós, profs. de portuga, profissas da lg, tb vemos isso correr solto pelaí...
Axo q o internetês tb chegou para ficá.
O q tenho visto!!!
E assim vai, para nossa estupefatação e nossa alta sensibilidade (ainda!) e cuidados para com a 'elegância' no falar e escrever, como você disse.
Bjs, fuuuuuuuuuuiiiii!!!!
E corre senaum naum me alcanssa!!!!

Luma Rosa disse...

Oras, quando estamos relaxados, relaxamos no falar e no escrever. Profissionalmente as pessoas deveriam falar e escrever conforme o nicho a que participam lhes pede. Eu particularmente não escrevo e falo como faço no trabalho. Chavões, cliches, futilidades, modinhas, fazem parte da vida do homem, desde sempre! Boa semana! Beijus,

MARCOS DHOTTA disse...

Caríssimo Marco. Tens razão! O amontoados de chavões empobrece o texto de qualquer um. Mas as vezes quando estamos relaxados, despreocupados... Seja no verbal ou na escrita,caimos na tentação. Abração.

Janaina disse...

Adorei, Marco! Sabe que uma das minhas palavras preferidas é bruxuleante? hahaha! Estapafúrdio é a primeira.
Mas alguns "grandes escritores" usam os clichês. Não gosto deles (dos clichês). Mas eles estão aí...
Beijão.

Anônimo disse...

Ic!
Desculpa, Marco, estou bruxuleante hoje...
Tomei champagne demais...
Sei que você vai me entender...
Ic....
Ueeeeba!!!
Pergunta pra Syl que ela te conta!
Bjão!

Tom disse...

BaH,Q TeStU MaIx ClIxEh,mIgUxXu mArCo!
(sério, eu levei quase dez minutos pra escrever isso... é o fim...)

Bem, eu, pessoalmente, gosto de chavões e ditados, e os repito com prazer - aliás, me divirto com pessoas que usam esses chavões todos SEM SABER USÁ-LOS... poderia ser um novo assunto prum post futuro, e aí?^^

Abração, Marco!

Francisco Sobreira disse...

Muito bom o seu texto, caro Marco. Me chamou, principalmente, a atenção, a denúncia d o fato de os jornalistas de hoje estarem seguindo os mesmos chavões, clichês, lugares-comuns, usados pelas pessoas no dia-a-dia. Dos esportivos, então, nem falar. Você se esqueceu de uma expressaozinha chatíssima que vem sendo usada hÁ muitos anos nas entrevistas na tevê, a tal do "com certeza" (argh!). Agora, o que significa "sussa"? Procurei no Aurélio, mas não encontrei a palavra. Um abraço e um bom dia.

Graça Lacerda disse...

Marco,
você não vai acreditar, mas não é somente a sua classe, de jornalistas, que anda em estado de alerta, no quesito linguagem...
Falando ou escrevendo, o fato é grave, meu querido!!!
Dou-lhe um exemplo, quer ver?
Nós, professores de português, profissionais da língua, também constatamos esse fato alastrando-se por aí...
Penso também que o 'internetês' chegou para ficar...
O que tenho visto!!!
E assim vamos acompanhando tudo isso acontecer, para nossa estupefação, e nossa alta sensibilidade (ainda!), para os devidos cuidados com a 'elegância' no falar e escrever, como você disse.
E quanto aos chavões, principalmente na mídia, penso ser apenas falta de (tempo, será???) originalidade, personalidade, criatividade...
Você é dos poucos que se salvam, com um vocabulário denso, primoroso, esculpido...
Parabéns, sempre!
Ah, e qualquer semelhança com o comentário acima não é mera coincidência, é tentativa mesmo de tradução... pois vocês sofrem com os chavões e nós professores com as gírias e o internetês...
Embora... relaxemos, que dependendo da hora e do interlocutor, não faz mal nenhum em deixar o formalismo da gramática um pouco, e utilizarmos uma fala coloquial...
Mas com critério:
'Bjs'...

DO disse...

Marco

Vim te convidar pra comigo comemorar mais um aniversário do "Ramses".

Tem novidade por lá.



Abração!!

As Tertulías disse...

Ótimo, ótimo e ótimo Blog!!!!!!!!!!!!!! Ricardo

cristinasiqueira disse...

oi Marco,

Então,"adorei milhões",eita chavãozinho digno de Caríssimas Catrevagens.
Beijos,

Cris


venha me visitar
www.cristinasiqueira.blogspot.com

Mimi disse...

Pois é... tenho uma amiga muito boa que insiste em escrever "kerida" para mim no msn e até palavrão foi modificado, bom, não vou escrever isso aqui no teu lindo blog, mas ó, eu fiquei abismada!
Entretando, os jovens que moldem a realidade deles conforme sua preferência... Não luto contra, acho até engraçado e informal, mas nem sempre faço uso da linguagem ultra-moderna.

beijos mil!