quarta-feira, outubro 28, 2009

De conversa em conversa


Foi lançado recentemente o livro “Conversando é que a gente se entende”, do meu caríssimo amigo Nelson Cunha Mello, grande professor, grande ator, com quem tive a honra de contracenar muitas vezes. Aliás, durante a última peça em que atuamos juntos ele já me falava de um livro que estava aprontando sobre expressões coloquiais brasileiras. Eu estava terminando o meu livro “Popularíssimo – O ator Brandão e seu tempo” e ele o dele. Nós conversávamos sobre estas expressões e eu dizia que também era um aficionado, gostava de pesquisar e coletar as origens destas frases deliciosas que falamos tão habitualmente quase como um bordão e, em muitas vezes, nem sabemos o que significam. Por ser um estudioso de mitologia grega, acabei descobrindo muitas origens destes ditos. Ao ler autores como Câmara Cascudo, Deonísio da Silva entre outros, acabei arrebanhando um vasto repertório de explicações das expressões. Quem me lê aqui há mais tempo sabe que minhas explicações para estas expressões constituem seção fixa deste blog. Já fui até pauta de um jornal de Vitória, Espírito Santo, que fez uma matéria comigo sobre estes ditos e minhas histórias.
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Mas quero falar sobre o livro do meu amigo Nelson, que compilou mais de dez mil destas expressões, fazendo um dicionário fundamental, importantíssimo, que haverá de elucidar a quantos se interessem por saber o significado e o sentido de frases como “não vale o que o gato enterra”, “mais feliz que pinto no lixo” e “quando o cara está com azar, cai de bunda e quebra o pau”, por exemplo.
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Há uma parte do livro em que o Nelson esclarece sobre a origem de várias expressões, assim como faço aqui e esta parte é deveras interessante. Você acha de tudo lá. Desde bordões de televisão, passando por frases célebres do Teatro e da Música Popular Brasileira até frases antigas usadas há bastante tempo.
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E eu aprendi muito no livro! Tenho certeza de que quem lê-lo vai aprender também. Querem um exemplo? Sabem de onde vem a palavra “ce-cê”, como sinônimo de inhaca debaixo do suvaco? Das iniciais de “cheiro do corpo”. Diz o livro que esta palavra foi popularizada no início dos anos 40 do século passado, por intermédio da propaganda de um sabonete desodorante. Eu não sabia dessa...
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Outra ótima: “por um triz”. Olhem só que fantástico. A palavra “triz” vem do grego trikhós, que significa “cabelo”. Logo, perder (ou salvar) algo por um triz é o mesmo que perder (ou salvar) algo por um fio de cabelo, por alguma coisa mínima, muito pequena.
Mais uma: “emprenhar pelos ouvidos”. Essa é hilária. Provém da teoria de que a Virgem Maria foi fecundada pelo Espírito Santo, por intermédio de um raio luminoso que lhe passou pela orelha esquerda. E como era difícil para as pessoas acreditarem nesta história, ficou como sinônimo de “deixar-se levar por intrigas, fofocas, por informações orais sem comprovação”.
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Quem entre vocês não disse alguma vez: “ih, fulano foi para as cucuias”, significando que o tal fulano”bateu as botas”, “dançou”, “cantou para subir”, “esticou o pernil”, “bateu a caçuleta”, “foi comer capim pela raiz”? Várias vezes, não é? Sabe a razão dessas cucuias como sinônimo de morte? Do bairro chamado Cacuia, na ilha do Governador, cidade do Rio de Janeiro, onde está um cemitério, exatamente o Cemitério da Cacuia. Com o uso corrente, acabou virando a corruptela “cucuia” ou “cucuias”
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Aliás, sobre corruptelas o Nelson dá um show de bola e esclarece sobre o montão de expressões modificadas ao longo dos tempos, em muitos casos virando algo sem sentido, mas que as pessoas aceitam e passam adiante. Querem exemplos? “Batatinha quando nasce se esparrama pelo chão”. O correto é “batatinha quando nasce espalha rama pelo chão”. “Cuspido e escarrado” vem de “esculpido em Carrara”, província italiana da região da Toscana, grande produtora de mármores e onde se trabalha esta pedra de forma magnífica. “Enfiar o pé na jaca” provém de “enfiar o pé no jacá”, uma espécie de cesto feito de cipó. “Estar com bicho-carpinteiro” tem duas explicações. A mais conhecida, e que é registrada no livro do Nelson, é pela corruptela de “estar com bicho pelo corpo inteiro”, ou seja, estar inquieto. Mas há versões que garantem que esta expressão vem de um dos nomes pelo qual o escaravelho é conhecido, exatamente como “bicho-carpinteiro” (inclusive está dicionarizado), pois ele está sempre roendo madeira. Por esta vertente, “estar com bicho-carpinteiro” seria o mesmo que parecer estar sendo roído por dentro, por escaravelhos, por bichos-carpinteiros.
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No livro do amigo Nelson estão várias expressões criadas por mim, que eu usava numa peça de Teatro que encenamos juntos há alguns anos. Era uma cena em que eu falava para uma atriz “volta pra mim, vamos fazer nheco-nheco!” E ela perguntava: “O que é nheco-nheco?” e, no original, eu dizia algo como “fazer aquilo”. Num dia de ensaio, eu mandei um “gratinar o canelone”, que é como eu falo às vezes me referindo a fazer amor, fazer sexo. O diretor gostou e me incentivou a falar mais destas bobagens. E aí eu despejei meu repertório inteiro de gírias para nheco-nheco. Empolgado, eu inventei várias, a cada dia eu chegava com uma diferente no espetáculo. Olhem só as que eu criei: levar a tora pra serrar, afogar a cobra caolha, pingar iogurte no mexilhão, gratinar o canelone, fazer um cachorro quente sem pão, botar o siri na toca, temperar o chouriço, lixar a linguiça, envernizar o cabeçudo, rechear o pastel de pelo, martelar o bife. E além destas, eu dizia outras que ouvi em minhas viagens, escutando gírias salientes aqui e ali, como por exemplo: descabelar o palhaço, escovar uma tripa, dar um tapa na coelha, botar o Jabaquara em campo, repartir a peruca no meio, amassar o capô do fusca, destroncar o pescoço da girafa, botar a baratinha no espeto, botar a perereca para tomar leite de canudinho e vai por aí a fora.
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O Nelson adorava ouvir estas bobagens que eu dizia e, para meu orgulho e alegria, acabou dicionarizando tudo isso em seu maravilhoso livro. Fico imaginando alguém, daqui a não sei quantas gerações futuras, pegando o livro do meu amigo e chamando a namorada para “botar o siri na toca”... De onde quer que eu esteja, estarei rindo à socapa, com a minha melhor cara de pau.
Amigos, não deixem de ler “Conversando é que a gente se entende”, de Nelson Cunha Mello, Editora Leya, por R$ 48,86 no site da Livraria da Travessa. É sopa no mel, vai que é mole.

M.S.
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Na TV Antigas Ternuras, você vê o Nelson Cunha Mello sendo entrevistado no Programa do Jô, falando sobre as expressões de seu livro.

20 comentários:

Luma Rosa disse...

Parabéns para seu amigo Nelson pela publicação e à você pela contribuição!! Sucesso!! Beijus,

DO disse...

Interessantíssimo,Marco. Assim como vc nos presenteia sempre com estas explicações da nossa língua,o seu amigo tbem fez um grande favor a muitos.
Valeu a dica e sucesso a ambos.

Abração!!

Moacy Cirne disse...

Fiquei curioso. Bastante.
Um abraço.

Graça Lacerda disse...

Quanta expressão você criou, Marco!
Algumas delas (a maioria) nós já conhecemos... mas vi algumas novas... muito criativo, você!
O livro do Nelson é uma boa pedida, e também fiquei curiosa, como o Moacy.
Não sabia da 'cucuia' e nem da 'emprenhar pelos ouvidos' e nem da 'batatinha quando nasce' (nossa, essa é muito interessante!).
Quer saber?
Acho melhor comprar o livro. Obrigada pela dica...
Um grande abraço, meu querido.

Francisco Sobreira disse...

Faço ideia, Marco, de quanto você gostou desse livro, você que (como eu) adora essas expressões populares e tem nos deliciado com a origem delas. Um abraço.

* Falando de livro. Você pode adquirir o "Cenas Brasileiras" enviando um e-mail para a editora. Ei-lo: edufrn@editora.ufrn.br

Érica disse...

Que legal, adorei os "ditos", achei engraçadíssimo. Super interessante essa idéia de por os significados dessas expressões. Eu adoro dicionário, um ótimo pai.
Beijão

As Tertulías disse...

Que maravilha! Delirei com esta postagem. Magnífica!!!!!!!!
(Voce sabe a origem da palavra "Marmelade"? Quer que te conte?)

Julio Cesar Corrêa disse...

O livro deve ser interessante, já que usamos expressões que, às vezes, desconhecemos o significado. Por exemplo, dourar a pílula. O que seria isso, meu Deus?!
abração

Claudinha ੴ disse...

Olá Marco!
Adoro expressões e tenho as minhas que, aliás, meus alunos repetem até depois de formados. Mas não são tão engraçadas. Só achei que o seu amigo deveria ter mencionado a autoria das expressões, lá no Jô ele citou coisa sua e não deu crédito! Não vale!
Tenho certeza de que se você escrevesse este livro, além de dar todos os créditos (não sei se ele deu na obra, falo do programa), com toda certeza seria muitíssimo mais engraçado!
Beijo.

Claudinha ੴ disse...

Ah, mas nenhuma expressão ganha da: "Escutando cabelo crescer".
Eu sou fã desta, é genial!
Beijo.

As Tertulías disse...

Aqui a resposta, como voce pediu (espero que os outros leitores nao pensem que sou "metido".e "besta".. meu Deus!):
Aí vai...
Marmelade => quando Mary Stuart (Stewart) era ainda Dolphine de Franca (muito antes de ter sido "retornada" à Escócia), adoeceu com algum problema intestinal... a partir deste momento passou a gostar de uma forma de comer frutas (ameixas), cozidas, feitas como compota... sim... e comia e comia loucamente... e suas servicais diziam, quando traziam as tais frutas para ela: "Marie est malade" (Marie está doente).
Imaginas já que de "Marieestmalade" para "Marmelade" nao demorou muito, né?

Adorei todos os teus comentários - nossa, como enriquecem o meu Blog! Adoro gente inteligente!

Um abraco forte, Ricardo

cristinasiqueira disse...

E que show!
Fico pensando numa expressão que me intriga muito.Meu pai falava com um ar de pausa solene:"vamos e venhamos"


-De onde?para onde?

Vou procurar o livro .Interessantíssimo!Super trabalho.

Volto sempre,vamos e venhamos aqui é muito bom.

Beijos,


Cris


Tem novas postagens nos blogs.

[Manú] disse...

Ê saudade de vir aqui ler os seus textos!Comos empre pitorescos!Adorei os últimos posts,o do sonho que vc teve foi hilário!rsrsrsr Quanto ao livro do seu amigo,muito bacana!quero ler! :) Abração!

Dilberto L. Rosa disse...

Rapaz, por aqui a estória do "siri na toca" teria outra conotação: no Maranhão, chama-se vulgarmente de "xiri" a "xereca" dos cariocas... Enfim, correndo para achar este livro! Abração!

Anna e Cesar disse...

Lendo seu blog, o post que fala sobre expressões me lembrou uma muito usada no nordeste: "MORREU MARIA PREÁ", vc deve conhecer.
Mas, gostei de estar aqui, blog feito por uma pessoa inteligente, sem dúvida!
Tenha uma noite tranquila e um excelente final de semana prolongado!

Cláudia disse...

Que legal...

Adorei a dica querido

Beijo no coração.

Cláudia disse...

Que legal...

Adorei a dica querido

Beijo no coração.

Julio Cesar Corrêa disse...

Valeu, Marco pela explicação. Essa frase me causava um incômodo, pois sempre que ouvia, não sabia como me reagir. Uma outra, que parece ter o mesmo significado é a tal da...eu não sei se é "conversa de cerca Lourenço" ou "seca Lourenço". Se vc tiver tempo e saco para me explicar, agradeço.
abração e ótimo resto de semana

Alice disse...

Então é assim. Fiquei um tempo distante (eita final de faculdade dûr), mas acabei percebendo que a vida fica sem graça se não der uma passadinha aqui. E passar pra atualizar a leitura depois tudo de uma vez só é impossivel! Os textos densos do Marco merecem dedicação individualizada. O jeito é passar aqui regularmente para aprender com ele, uma pitadinha por vez.

Grande abraço

Anônimo disse...

parabens pelo blog...
Na musica country VIRGINIA DE MAURO a LULLY de BETO CARRERO vem fazendo o maior sucesso com seu CD MUNDO ENCANTADO em homenagem ao Parque Temático em PENHA/SC. Asssistam no YOUTUBE sessão TRAPINHASTUBE, musicas como: CAVALEIRO DA VITÓRIA, MEU PADRINHO BETO CARRERO, ENTRE OUTRAS...
é o sonho eterno de BETO CARRERO e a mão de DEUS.