quarta-feira, setembro 02, 2009

Escolhas


Certa vez, um professor de Filosofia propôs uma pergunta aos alunos: se soubessem que teriam apenas 24 horas de vida, o que fariam?
Um aluno disse que entraria numa igreja e ficaria rezando até o momento fatídico; outro, disse que cairia dentro da mulherada, passando o rodo geral. Uma colega ao lado deste, sorriu e balançou afirmativamente a cabeça, concordando, também virando uma croupier em potencial para recolher as fichas da boa vida na gandaia. Um outro afirmou que venderia todos os bens e daria tudo pros pobres; uma aluna revelou que procuraria fazer as pazes com o pai, com quem estava brigada.
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E assim, vários alunos deram a sua resposta. Até que um deles perguntou ao professor: “O que você faria, mestre?” Ele calmamente respondeu que tocaria a vida dele da mesma forma que tinha vivido até então. Ele se dizia em paz com Deus, com a família, era casado e amava a mulher e queria estar ao lado dela e dos filhos na hora derradeira. Tinha, até aquele momento, uma boa vida, combatera o bom combate e justificara a sua existência.
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Lembrei desta história lendo o noticiário sobre a morte de Ted Kennedy. Há algum tempo ele sabia que o tumor em seu cérebro o tornava um doente terminal e que a qualquer momento deixaria o mundo dos vivos. Dizia a matéria que nos seus últimos dias, ele se deliciava com taças de sorvete com biscoito e gostava de assistir ao sol se pondo, sentado, ao lado da mulher, numa cadeira do tipo espreguiçadeira, na varanda de sua casa. Nunca se revoltara com a doença, ao contrário: se dizia feliz e completo. Que tivera uma boa vida, que agradecia aos céus por ter podido fazer tudo o que fez em sua carreira de parlamentar, por ter sido o único dos irmãos homens a saber quando a morte chegaria e não ser surpreendido por ela.
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Tanto estas revelações sobre Ted Kennedy, quanto a história do professor me fizeram pensar a respeito. E, coincidentemente (ou não), há poucos dias minha mãe estava conversando comigo e se disse triste, porque sabia que estava velha e, consequentemente próxima de morrer. Ela começou a chorar, dizendo que tinha medo de morrer, que se entristecia com cada pôr-de-sol, pois significava mais um dia passado, mais um dia em direção da hora final, que deixaria os filhos e netos, o que seria de nós? Preocupações de mãe. Tentei acalmá-la, disse que todos nós caminhamos para esta hora, mas se olharmos para o caminho trilhado e vermos o que deixamos e o que aprendemos, teremos sempre a sensação de dever cumprido e ela tem razões de sobra para poder dizer como São Paulo escreveu numa epístola: “combati o bom combate, completei a carreira, guardei a fé”.
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Mesmo para quem sabe que a morte é apenas uma mudança de estágio, que temos uma alma imortal, ainda assim não é fácil conviver com a partida definitiva de alguém que amamos ou mesmo a nossa passagem. Daí, procuramos nos confortar uns aos outros, com o que melhor pudermos dizer e fazer. Recentemente, uma amiga me disse que tinha perdido uma pessoa querida e que se sentia triste. Recomendei-lhe uma prece espírita muito bonita e a oração amenizou um pouco a sua angústia. Ontem mesmo, recebi um comentário feito por alguém que, nem imagino como, chegou até um antigo post meu, aquele em que eu falava da mensagem na letra da música “I can see clearly now”, se dizendo confortada pelas palavras que leu naquele momento de angústia em que estava passando.
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Claro, palavras não vão retirar por completo a dor de uma perda. Não vão convencer a minha mãezinha de que ela deve deixar de se preocupar conosco. Mas aí eu lembro da escolha que o Ted Kennedy fez. Entre sorver uma taça de fel, de dor e angústia, ele preferiu uma de sorvete com biscoito. A procurar ver a vida com tonalidades cinzentas, ele optou por mirar o sol se pondo, numa aquarela multicolorida.
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Eu acredito que viver é mais que se trancar numa igreja para somente rezar, ou partir em busca de prazeres fáceis, ou ainda acumular e/ou dispor de bens materiais. Cada uma dessas coisas, em seu devido momento, é bom, é prazeroso de se fazer. Mas efetivamente, temos outras possibilidades.
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Escrevo este post olhando pela janela a noite estrelada. Cada pontinho de luz que vejo é um astro que nasceu, viveu e certamente vai desaparecer. Mesmo sem ter a consciência disso, cada estrela já desaparecida produziu calor benfazejo, iluminou a escuridão, inspirou poetas e cantores, cumpriu sua missão.
M.S.
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Na Rádio Antigas Ternuras, você ouve “Pavane for a dead princess”, de Ravel.

23 comentários:

Moacy Cirne disse...

No meu caso, caro amigo, eu procuraria ficar ao lado das pessoas queridas, ouvindo Bach, Coltrane, Pixinguinha e Luiz Gonzaga, e, vez por outra, lendo um poema de Murilo Mendes. Ou alguma página de 'Dom Quixote'.

Um abraço.

Graça Lacerda disse...

Marco, quanta nostalgia estou percebendo nestas suas palavras!
Vc acaba de postá-las e eu acabo de vê-las(pois aguardava, ansiosa, notícias do lançamento do livro, ontem), e o que encontrei me sensibilizou bastante, a ponto de ir às lágrimas.
Não fiquei triste, isso não, mas comovida e solidária, pois por pura intuição eu sei o quanto vc ama sua mãe, e está muito claro tb em seus posts essa verdade(vide dona ursa com seu fihote...)
Hoje vc está consolando, mas precisa talvez ser consolado tb...
Feliz daquele que pode, em sã consciência, dizer, como o mestre, que vai "continuar tocando a vida da mesma maneira que tem vivido até então", e estou certa de que a senhora sua mãe(que tem o mesmo lindo nome da minha...) pode tocar em frente, tranquilamente, serenamente. É uma vitoriosa! Conhecendo vc, Marco, já sabemos a qualidade da educação, do amor e da dedicação que ela dispensou a todos, nesses anos.
E olha, diga-lhe que, se depender de torcida, ela vai viver ainda nada menos que o dobro da sua existência! E que não chore mais, por favor."O coração alegre é bom remédio."
Quanto a vc, meu amigo, coragem, fé em Deus e força, vc possui bastante. Mas, caso precise:
estamos com vc; e, por uma vez, já te ofereci meu ombro, lembra?
Conta com a gente.Grande abraço.

guiga disse...

Amigo, adorei este post. Muito mesmo!
Já perdi duas pessoas que me são muito queridas. Ainda me custa, ainda choro e suspiro sempre que me recordo delas. Mas, ainda sorrio com as lembranças da convivência. E penso como tu, temos de aceitar a morte pq n há fuga possível!
E fazer como Ted, com doçura e cores alegres! :)
*.*

Luma Rosa disse...

Marco, eu nao sei o que faria! Não diria para ninguém, vai que a mensagem foi interpretada errada? Não olharia para o por do sol, olharia para as pessoas que amo, que convivo, para me despedir.
Os mais velhos se deprimem pensando que não existe futuro para eles e quando sua mãe entrar nessa, leve-a para dançar! Se não puder dançar, que olhe as pessoas felizes! Felicidade é algo contagiante, assim como a tristeza! Fica triste, não!! Beijus

Dona Sra. Urtigão disse...

Sabedoria.
Ha dias disse a minha filha que caso eu morresse hoje, seus filhos, meus netos nem teriam nenhuma lembrança de mim...Apesar de participar ativamente de suas vidas por enquanto. Mas assim que são as coisas. com certeza, participei de outras vidas deles, eassim se segue.
Mas gostei muitodo seu texto, fez-me bem lê-lo hoje, aumentou oleque de temas para reflexões.

Julio Cesar Corrêa disse...

Eu aproveitaria tudo até a últimva gota. É muito difícil dizer alguma coisa para alguém numa hora dessa, pois é uma hora difícil para todos nós. Mais ainda para quem fica, que morre de saudades. Ted Kennedy era um ser iluminado. Eu geralmente não penso na hora da minha partida, mas é bom ler a respeito para lembrarmos da nossa obrigação de vivermos bem cada momento.
abração

[Manú] disse...

Feliz daquele que termina aa vida olhando para tras e percebendo o quanto foi bom e o quanto lutou.O bom é quandoa gente onsegue partir com a sensação de dever cumprido.Texto lindo o seu.Abraço grande!

Francisco Sobreira disse...

Você sabe, Marco, que eu não penso na morte, embora já esteja perto dos 70? Mas lhe digo, se me fosse dado escolher a forma de morrer, escolheria a de meu pai: dormindo. Um abraço e uma boa noite.

nina rizzi disse...

que bonito, meu caro :)
eu também ouviria música e leria. ah, e mandava o meu chefe pra [...]. y tu que quique?

beijo.

Érica disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Érica disse...

Que coisa né? Nada mais certo. As pessoas reclamam, estão sempre insatisfeitas, perdem tempo com picuinhas, coisas sem valor. Mas sei lá, acho mesmo que o ser humano é um ser complexo, e a gente não consegue viver pensando na nossa morte, que pode ser nosso último dia, nosso último céu estrelado... A gente vive pensando em amanhã. Em ter um amor, ter um filho, ter uma família. Em ser bem sucedido,viajar, acalentar os seus, dá proteção. Pessoas vivem para o futuro e acabam, esquecendo do presente. Mesmo sabendo qual o fim. Que uma hora acaba. Ai eu acho que é mais compreensível todo esse temor pela morte. Eu não gosto da morte, sinceramente, mas eu sei também que de nada me adianta gostar ou não, ela é um fato, e contra fatos, não existem argumentos. Consola tua mãezinha, ela merece abraço e chamego. A minha também tá assim, com medo. As mães são feitas para amar incondicionalmente, até largam suas vidas, de mulheres normais, e suas necessidades normais, para se dedicarem a nós, filhos.

Beijos

Claudinha ੴ disse...

Olá Marco!
Bem, eu posso dizer que quando passei por isto tudo o que eu pensava é que ia acabar de criar meus filhos e que eles precisavam de mim. Em hipótese alguma eu pensei que os deixaria. Talvez tenha me ajudado a superar. Mas o que diz é fato a pensar, pois a úncia certeza que temos desde que nascemos é de que um dia partiremos para outro plano. Também tenho meus pais e os vejo ansiosos por este motivo. Porém, pela nossa crença,sabemos que há um motivo maior para que tudo isto aconteça.
A música que colocou na rádio AT é linda, mas, especialmente hoje, ela não me faz bem. Estou muito sensível.
Continue a olhar para a noite estrelada , é o melhor. Ted Kennedy foi sábio.
Um beijo!

Anônimo disse...

Essa matéria sobre o Ted Kennedy me fez recordar uma coluna do Arnaldo Bloch, publicada em O Globo. Se não me engano, o texto era sobre a morte, e em certo momento, o Arnaldo contou uma história sobre o ex-senador Nelson Carneiro. Poucos dias antes de sua morte, o colunista o encontrou em um restaurante, se deliciando com um pudim. Segundo o Arnaldo Bloch, talvez o "último pudim de sua vida".
Assim como Nelson Carneiro e Ted Kennedy, também acredito que o fim da vida ainda pode ser doce (OK, foi um péssimo trocadilho, melhor parar por aqui). Há uma cena nesses moldes, também, no filme "As invasões bárbaras".

Marco, mudando de assunto, aproveito a visita para pedir um favor. Estou escrevendo minha monografia sobre a Confeitaria Colombo. Tenho juntado bastante material, entre recortes de jornal, fotos, depoimentos... Devo conversar, pessoalmente, como o garçom mais antigo de lá, o "seu" Orlando. Se você tiver alguma coisa, ou conhecer alguém, enfim, don't forget me!!!

Grande beijo!

Anônimo disse...

Encontrei a coluna! (Nada como o Google...)

http://oglobo.globo.com/blogs/arnaldo/post.asp?t=cronica_deste_sabado_ultimo_pudim&cod_Post=108431&a=4

DO disse...

Vc realmente é um ser iluminado,MARCO. Não sabe como este seu post vem em boa hora. É o que eu penso tambem.Mas fiquei muito curioso sobre a prece espírita que vc recomendou. Pode indicá-la??

Abraços e um otimo fds a vc.

Carolina disse...

realmente, sabemos que nascemos para morrer, mas não gosto de pensar que um dia vou morrer, na verdade sinto um pouco de medo, de ser dolorido, de ir embora antes da hora, não sei é estranho pensar sobre a morte...

Jose Ramon Santana Vazquez disse...

Desde mis --- HORAS ROTAS ---

y --- AULA DE PAZ ----

TE SIGO . comparto tu blog

con un fuerte abrazo y

Saludos cordiales de amistad:




afectuosamente :
ANTIGAS TERNURAS





jose

ramon…

Dilberto L. Rosa disse...

Tetricamente belo e poético, meu caro primo... Guardei por alguns instantes em que lia o texto os olhos de minha amada, os sambas-canções que ouvi ao lado de meu avô falecido, as partidas de futebol pela TV com meu pai, os conselhos intermináveis de minha mãe e o pôr-do-sol no mar de São Luís... uardarei tudo isto no último suspiro, mesmo não temdo combatido todo o bom combate que deveria ter feito! Abração e força para sua mãe!

Edimar Suely disse...

O Silêncio!

"O silêncio ajuda sempre
Quando ouvimos palavras infelizes
Quando alguém está irritado.
Quando a maledicência nos procura.
Quando a ofensa nos golpeia.
Quando alguém se encoleriza.
Quando a crítica nos fere.
Quando escutamos a calúnia.
Quando a ignorância nos acusa.
Quando o orgulho nos humilha.
Quando a vaidade nos provoca.
O silêncio é a gentileza do perdão que
se cala e espera o tempo."

Smack!

Edimar Suely
jesusminharocha2.zip.net

_Maga disse...

Gosto muito de refletir sobre a vida e seu fim... é um aprendizado nem sempre fácil, mas que torna tua mais limpo, claro e belo. obrigada por mais esta oportunidade.

um abraço

Anônimo disse...

Eu sou da turma do seu professor. Eu não fico me consumindo para vaticinar sobre o momento derradeiro. Até porque ele pode ser daqui a 5 minutos, ou daqui a 40 anos... Então é melhor permanecer lindinha, sendo útil a cada dia, cuidando de mim da melhor maneira.Assim, se eu morrer amanhã ninguém vai em casa reparar se eu deixei uma pia inteira de louça suja pra lavar, ou se minhas unhas estão horrorosas. Morro com tudo em ordem, no momento que Deus quiser.
Brincadeirinhas à parte, espero que o coração de sua mãe se abrande e que ela tenha muitos e muitos dias felizes até Deus quiser!

ARMANDO MAYNARD disse...

A morte não manda aviso. Para morrer basta estar vivo. Desde que nascemos é a única certeza que temos. Morrer não deve ser tão ruim, apesar da separação dos que ficam e que tanto amamos. Por melhor que seja esta vida, às vezes a morte nos faz descansar ou parar de sofrer. Ruim são as doenças, as dores, os sofrimentos, as intervenções cirúrgicas, o tempo no hospital, quando muitas vezes se morre aos pouquinhos, devagarzinho, em cima de uma cama, anos dependendo de todos, para tudo e a família ali sofrendo junto, gastando o que tem e o que não tem, se desfazendo de bens que levaram uma vida para adquirir, a fim de custear tratamentos caríssimos, que em muitos casos de nada adiantará. É triste, é duro, mas é a pura realidade. Mas a morte é o destino de todos, dela ninguém escapará, quer seja rico ou pobre. A pensar que muitos, com sua riqueza, arrogância, prepotência, vaidade, orgulho, beleza e poder, se acham os donos do mundo e pensam que nunca morrerão. Coitados, é preciso que alguém os avise. Caro Marco, cuida bem da sua mãe e que a mesma tenha muito anos de vida. Você é um privilegiado, a minha se foi no ano 2000, a saudade é grande, mas fazer o que, é a vida. Um abraço, Armando.

Tina disse...

Oi Marco!

O texto está perfeito, as analogias sem par. Triste saber / viver / lembrar da saga da família Kennedy. Sou admiradora deles, nunca desistiram da luta.

Eu não tenho, é nossa única certeza. É uma mudança, como você disse. Fim.

beijos querido amigo, obrigada pelo carinho de sempre.

PS: Aceita parabéns "bem" atrasado?