sábado, setembro 09, 2006

Uma voz na escuridão


Um original de Marco Santos (Da série: Contos Avulsos)

A história que vou-lhes contar realmente aconteceu. Não tenho provas físicas, nem testemunhos outros além de minha palavra. Eu morava no interior, em Minas Gerais, na cidade de Conselheiro Lafaiete. Era garçom em um bar no Centro da cidade. O bar costumava fechar por volta das 22 horas. Depois, eu tinha que ficar para virar as cadeiras e lavar o chão, preparando o salão para o dia seguinte. Pouco depois das 11 horas eu fechava o estabelecimento e seguia para casa, para o merecido repouso. Morava na rua do velho cemitério, por onde eu passava sempre por volta da meia-noite. Os amigos viviam zombando de mim por andar sempre àquela hora em local tão estranho...
*
- Você não tem medo dos mortos, Siqueira?
- Eu tenho medo é dos vivos. E mais medo ainda dos vivaldinos!
Nunca vira nada de estranho naquele meu trajeto. Até que numa noite, passando pela rua, tive a minha atenção atraída por um bando de crianças que brincavam, fazendo uma enorme algazarra.
Apesar do adiantado da hora, não achei que fosse algo tão estranho assim. Entretanto, eu me surpreendi com a cena que se passou logo adiante. Quatro homens carregavam um caixão, seguindo na direção do cemitério. Parei na rua, acompanhando com os olhos aquele estranho cortejo.

- O senhor tem fogo? – soou uma voz cavernosa, atrás de mim.
*
Quase tive um infarto com o susto. Aquele homem me pareceu sair do nada e se postar atrás de mim, pedindo fósforos, com um cigarro apagado nos lábios.
- Desculpe, mas não fumo - foi o que consegui responder com voz sumida.
- O senhor me desculpe se lhe assustei – disse o homem com a voz que parecia ter saído do interior de uma gruta. Tentei aparentar naturalidade.
- Não tem problema. Boa noite.
Deixei-o atrás de mim, colocando asas nos pés para sair dali. Sem me aperceber, fui me aproximando do cortejo fúnebre que tinha visto.

*
Observei, então, algo que me pareceu estranho. Se eu diminuía os passos, os quatro homens também diminuíam. Se eu me apressasse, eles também apertavam o passo. Assustado, pensei em me afastar dali correndo na direção oposta. Foi quando vi bem adiante de mim um clarão naquela escuridão.
- Ahhh!
- Assustei o senhor de novo? Me desculpe. Eu consegui fósforos e estava acendendo o pito.
Era aquele homem de voz de catacumba. E começou a rir de modo assustador. Ele veio andando na minha direção e, assustado, novamente girei nos calcanhares e corri agora na direção do cemitério. Quando estava próximo, avistei novamente o cortejo, andando lentamente, como se esperasse por mim. Parei. Os quatro homens pararam diante dos portões de ferro do cemitério. Após um segundo, os portões abriram-se sozinhos. Lentamente. Os homens com o caixão entraram no cemitério, caminhando devagar. Eu estava paralisado pelo pavor de ver aquela cena macabra.

- O senhor conhecia o falecido?
*
Aquela voz já conhecida, sussurrada logo atrás de mim, fez com que molas invisíveis em meus pés me impulsionassem para frente. Sem dar por mim, entrei no cemitério logo atrás do cortejo. Os homens tinham parado junto a uma cova na terra e depositaram o caixão no chão. Eu não sabia para onde correr. Assustado, parei onde estava. Vi os homens acenderem velas e dizerem algumas palavras que não conseguia ouvir, provavelmente por estar paralisado de medo. Então eles começaram a se afastar, na direção da saída do cemitério, arrastando os pés, em silêncio total.
Saí dali correndo o mais que podia. Cheguei em casa suando frio. Minha mãe viu o meu rosto pálido e veio falar comigo.
- Meu filho...O que houve?
*
Tentei balbuciar algumas palavras, mas lembro que um calafrio me percorreu a cabeça e não me recordo o que aconteceu depois. Só sei que acordei com minha mãe ao meu lado, rezando.
- Salve rainha, mãe de misericórdia, vida doçura...Ah! Graças a Deus você acordou, meu filho! O que foi que aconteceu?
Foi quando contei o ocorrido naquela noite. Pela manhã, logo que acordei, fui ao cemitério. Avistei o coveiro e fui falar com ele:
- O senhor poderia me dizer se houve algum enterro ontem à noite?
- Ontem? Nem de noite nem de dia. Eu fechei o portão às cinco da tarde e só abri agora de manhã.
*
Resolvi não falar mais nada para o coveiro. Fui para o bar e tampouco quis comentar lá também. À noite, depois de fechar. Voltei para casa com o coração na mão. Fiz o trajeto habitual e nada aconteceu de estranho. Da mesma forma, nos dias seguintes não houve nenhum fato fora do normal. Já até havia esquecido daquela estranha noite. Até que em uma certa vez, passando eu pelos arredores do cemitério, voltando do trabalho, sem querer chutei uma pequena caixa de madeira. Eu me abaixei para ver o que era. Percebi ser uma caixa de fósforos. Em seguida, um calafrio me percorreu a espinha. Atrás de mim alguém falou:
- O senhor tem fogo?

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Essa era uma das radionovelas que escrevi. Mas resolvi mudar-lhe o feitio na apresentação aqui. Só para variar um pouquinho.
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Na Rádio Antigas Ternuras, você está ouvindo “Abismo de Rosas”, pelo sempre ótimo Dilermando Reis.

16 comentários:

Anônimo disse...

Nossa,MARCO,só de ler eu já suei frio aqui.
Santa criatividade,heheheh. No inicio pensei mesmo que fosse uma historia real sua,heheheh
Abração e parabens!!

Fugu disse...

Adorei! Arrepiante e bem escrita demais. beijo você!

Luma Rosa disse...

Antigamente era aconselhando não passar em frente do cemitério depois das seis da tarde.
Tinha muito medo. Depois, quando adolescente, cortávamos o caminho por dentro do cemitério para chegar à casa de uma amiga.
Sempre viámos uma mulher chorando em um túmulo e achavámos aquilo normal.
Um dia, às seis da tarde os portões estavam fechando e avisamos o funcinário que tinha uma mulher ainda lá dentro.
Em outro dia, a mesma mulher olhou pra nós e riu. Ficamos desconfiadas, não era um sorriso de cumprimento, era um pouco cínico. Procuramos pelo funcionário do cemitério e perguntamos, sobre o outro dia, se havia encontrado a pessoa.
O funcionário disse que não, não havia ninguém. Fomos com ele atrás da mulher para que ela fosse identificada. Não a encontramos.
Basta dizer que paramos de cortar caminho por dentro do cemitério e em outras vezes, quando não tinha jeito, pedíamos que o funcionário nos acompanhasse.
Poizé, Minas é o estado em que aparecem mais assombrações!!
Daí fiquei na dúvida se a sua história aconteceu ou não. (rs*)
Bom fim de semana!! Beijus

Paulo Assumpção disse...

Parabéns por mais um de seus brilhantes contos de terror! Este me fez lembrar de alguns que meu pai costumava nos contar sobre situações semelhantes vividas (será?) pelo pai dele, em Pesqueira (PE). Em uma delas, meu avô, também ao retornar do trabalho à noite, era seguido por alguém que nunca conseguia ver, mas apenas ouvir os passos. E, em outra, ainda na volta para casa, avistou uma mulher misteriosa olhando para a igreja e desaparecendo em seguida. É melhor eu parar por aqui, pois, do contrário, não conseguirei pregar os olhos esta noite. Grande abraço!

Claudinha ੴ disse...

Ai que medaaaaa! Eu me reunia com meus amigos para contar histórias macabras no adro da Igreja de N Sra do Carmo,lá , como todo igreja, tinha cemitério... Ficávamos com medo... Hoje me acostumei com os mortos, tenho medo dos vivos...
Você tem contos ótimos meu querido! Eu adoro ler você! Um beijo grande!

Anônimo disse...

E agora? Como vou dormir heim??
Marco querido, que história arrepiante, brrrrrr :(
Muito bem narrada pegando a gente pela curiosidade do começo ao fim, ótima!!
Lindo findi querido
beijosssssssssssssss
**Tem fogo aí? hahahaha

Anônimo disse...

Aiiiiii ke meduuuuuu!!!!!
para owww!
bem na hora ke estou indo dormir..fui ler isso!!
aiiiiiiiiii ki meduuuuuuu!!!!!!
hehehehehe.!

Anônimo disse...

Que história! Ótimo teu blog, ótima semana pra ti. Abs.

Anônimo disse...

Socorro!!! Ainda bem que li durante o dia, senão sairia correndo daqui agora mesmo. Pavoroso, mas interessante na parte quando vc acelerava, eles aceleravam, vc diminuía os passos, eles também. Ficou bem construíd a cena.
Abraços e bom domingo.

Anônimo disse...

Ô Marcos, por favor! Eu tenho horror de histórias de terror (risos) Nem ia ler, mas você tem um jeito de prender nossos olhos nestas histórias, de nos fazer grudar no enredo. Que coisa!
Se eu tiver pesadelos hoje, o senhor será o culpado.
rsrsrsrsrsrsrs.
Como sempre, uma história muito boa e esse jeito de ir levando a gente, sem perceber até o final é muito bom.
Obrigada.

Beijos e um excelente semana para você.

Ana Carla disse...

Rs... passo dois dias sem acessar a net, e olha só quantas novidades!!! Vc escreve MUITO bem, Marco! E sinto falta, quando não posso ler. Beijão!!

Janaina disse...

AAAaaiiiiiiii!!! Que horror.
Paraaaaa!! E se eu não dormir hoje, quero saber de quem é a culpa. Humpf.
Marco, eu vi que você me etiquetou sim. Obrigada, querido. Beijos!!

Anônimo disse...

Caramba, muito bom!!!!!!

Adorei!!!!!

Como é isso de novelas radiofonicas??

Você cria histórias fascinantes e que predem qualquer um... o começo de falar "não tenho provas e tal" colocando em formato de relato pessoal também foi uma ótima sacada!!!

beijos

Vendetta disse...

Marco, que história foi essa!!!???
Eu volto e tá tudo macabro???
hahahha!
Saudades de te ler, querido!
Um beijão!

Marco disse...

Levaram susto? Detesto parecer sádico...mas a intenção era essa! Estou treinando para virar o Stephen King brasileiro.

Grande DO: Que bom que você gostou!

Querida Fugu F.: Se você se agradou, fico contente.

Querida Luma: Menina! Esse teu comentário é quase uma outra história de terror! Não quer escrevê-la, não? Merecia! Eu sempre tive um medo danado de cemitério, velório, caixão...Mas ao mesmo tempo essas coisas me fascinavam ( e ainda fascinam). Embora essa história seja ficção, este cemitério de Lafaiete realmente existe, minha tia morava perto dele. Eu costumava brincar lá. Nunca vi (graças a Deus!) nenhuma alma penada por lá. Mas ouvi trocentas histórias como esta sua. Concordo contigo. Minas Gerais é o estado com o maior número de fantasmas por metro quadrado! Não é à toa que adoro aquele lugar!

Grande Paulo: Pois é, amigo... Estas histórias arrepiantes... Já ouvi cada uma, que você nem imagina! Que bom que gostou!

Minha doce Claudinha: Arrá! Também gosta de uma história de terror, não é? Imagino o quanto de histórias apavorantes não tem em Ouro Preto... Fico muito feliz por você gostar de ler minhas histórias, porque eu também adoro ler as suas.

Ficou com medo, Marcíssima? Ora, você tem uma “costela” pra se escorar, em caso de mêda! Eu fico muito contente por você ter se agradado com a minha história.

Olá, Angélica. Obrigado por você ter vindo ao Antigas Ternuras. Tive dificuldade em ler o seu comentário. Algumas coisas eu não entedi (o que é “para owww?”)

Valeu, Rodrigo! Obrigado pela força

Cara Claire: Essa é mas uma tentativa na área do terror, que é uma antiga ternura. Sim, a foto é do inconfundível e sensacional Bela Lugosi, o eterno Drácula.

Grande Rubo: Bateu o medão? Ôpa! Então atingi o meu objetivo! Que bom que você gostou!

Ô, Saramar, desculpe! É que eu gosto do gênero terror. E se você, mesmo com medão, ainda seguiu a história té o fim, bem... Fico contente, né? Espero que não tenha nenhum pesadelo!

Puxa, Ana Carla, obrigado... Fico até sem jeito com os seus elogios...

Querida Janaína: Te assustei? Desculpe...Ré! Ré! Ré!... É só você não andar por volta da meia noite por perto de nenhum cemitério... mas se andar, e alguém te perguntar se tem fogo, não pare, corra!

Querida Maga: Gostou mesmo? Puxa! Legal! No ano 2002, eu fui convidado para participar de gravações de novelas radiofônicas, como ator. Depois, me pediram para escrever algumas histórias. Fiz 84 delas. Já postei algumas aqui. Que ótimo você ter gostado.

Ora, ora... Veja quem voltou de férias! Achou macabra a minha história? Pois é. Mais uma de minhas tentativas no gênero. Que bom que você voltou!

Valeu, moçada! Abraços e beijinhos e carinhos e ternuras sem ter fim!

Anônimo disse...

Marco,

conseguiu me provocar calafrios com essa história. Se alguém aparecesse agora ao meu lado pedindo fósforos, acho que cairia durinho na hora. Excelente! Adorei.

Abração.