sexta-feira, julho 21, 2006

Teatro de Sombras


Essa aventura daquele meu amigo, que para preservá-lo chamei de “Jerry Lewis”, me foi contada pelo meu parceiro Heitor.
Vinha o Lewis descendo pela Estrada do Alto da Tijuca. Para quem não conhece, é uma estradinha muito sinuosa, em mão dupla e em uma espécie de serrinha que liga o bairro da Tijuca à Barra da Tijuca. É muito difícil fazer ultrapassagens naquela estrada. Se um cristão tiver a má sorte de ficar atrás de um caminhão ou ônibus, está lascado. Vai ficar naquela marcha lenta por muito tempo.
Pois é. Mas, como eu dizia, lá vinha o Lewis descendo a estrada quando encontrou um ônibus bem morrinhento pela frente. A uns 10km por hora... O cara ali, desesperado atrás do ônibus e atrasado para um compromisso.
Na primeira chance que ele viu de ultrapassar o ônibus pela contramão, jogou o carro para a esquerda, socou a bota no acelerador e lá foi ele.
O que ele não contava é que o motorista do ônibus, só de sacanagem, também acelerasse. O cara na contramão, descendo o Alto e nada do ônibus dar passagem pra ele. Lá iam os dois, emparelhados, Jerry não tinha mais como voltar para onde estava, pois um outro carro encostou na traseira do ônibus. Entram numa curva e vem subindo um caminhão de bujões de gás; o ônibus acelerando; Lewis acelerando; se continuasse daquele jeito, a colisão seria inevitável entre o carro de Jerry e o caminhão. A única alternativa seria jogar o carro todo para a esquerda e subir na calçada. Eis que providencialmente surge um borracheiro bem adiante, à esquerda de Lewis. Ele nem pestaneja: entra no borracheiro cantando pneu, freando, quase um cavalo de pau, numa nuvem de poeira. Fregueses e funcionários olharam praquilo de boca aberta, mal acreditando que alguém pudesse entrar ali daquele jeito.
Nisso, Jerry sai do carro com toda a calma, quase assoviando, olha em volta, assim, displicentemente e pergunta:
- Hammm...Escuta...Quanto é que está o jogo de pneus, heim?
*

Outra.
O Heitor tinha conseguido uma casa na praia de Maricá pra nossa turma. Íamos uns oito. Heitor já estaria lá, nos esperando. Dividimos as pessoas pelos carros, o Jerry era o que melhor sabia chegar na tal casa. Teríamos que segui-lo. Olha só o perigo...
Tirante o fato dele não se decidir quando estava diante de uma bifurcação, entre entrar à direita ou à esquerda - ele optava por ir pelo meio, mesmo se tivesse uma placa no caminho – chegamos à Maricá sem problemas. Lá, só tínhamos que chegar até a tal casa, que ficava perto da praia. Seguíamos o Jerry. E era um tal de entra à direita, entra à esquerda... Daqui a pouco o carro do Lewis desapareceu. Como tinha um no grupo que sabia um pouquinho como chegar na casa, fomos atrás dele. Passamos por uma rua cheia de casas com quintal e muro baixo. Nos quintais, varais exibiam “roupas comuns dependuradas tal e qual bandeiras agitadas”, como diz na música “Chão de Estrelas”. Eis que de um desses quintais, surge o carro do Jerry, arrastando um varal, com lençol, camisola agarrado na capota e até uma calcinha pendurada na antena do carro.
- Pô! Cadê vocês???? – perguntou a alucinada criatura.
Depois de um ataque coletivo de gargalhadas, fomos ao encontro do Heitor e passamos um final de semana maravilhoso.
*

Uma outra vez, fomos para uma casa em Itaipava, dos pais do Heitor. Clima de serra, beleza pura. Chegando lá, um do grupo resolve pregar uma peça no Jerry. Tínhamos levado uns belisquetes (amendoim, biscoitinhos, fandango, só besteira...). Aí o cara viu lá um saco de Bonzo. E teve a idéia de botar um pouquinho num prato junto com os potinhos de tira-gostos. Com certeza o velho Lewis não perceberia e iria atochar a mão no pratinho de Bonzo. No que ele propôs esse plano maquiavélico, o demente aqui, olhos brilhando, não só aplaudiu como se ofereceu para ajudar na encenação. Lá fui eu e o outro sádico delinqüente armar a parada toda.
Quase que deu certo.
Na hora H, estávamos na sala batendo papo, Jerry vai lá e enfia a mão no pote de Bonzo. Os dois tarados com a respiração (e a gargalhada) em suspense. Nisso, o Heitor percebe e avisa ao Jerry, sob protestos e vaias dos dois mequetrefes. Jerry provou assim mesmo. E disse que não era ruim. Mas aí já não tinha mais graça.
*
Nessas histórias, vocês perceberam que além do Jerry (que eu não revelo o verdadeiro nome de jeito nenhum) um outro cara estava em todas. O Heitor. Parceirão, grande camarada da gente.
*

Nesta quarta-feira, fim de tarde, recebo um telefonema de uma das moças do nosso antigo grupo:
- E aí? Tudo bem?
- Tudo péssimo! – ela disse, chorosa – O Heitor se matou.
*
...
*
O cara estava há muito morando no Sul do país. Sem emprego, sem ânimo, em fase de separação no seu casamento, entrou em um quadro de depressão que ficava mais grave quando ele bebia. Há coisa de umas duas semanas, ele esteve aqui no Rio. Jerry e outros amigos saíram com ele. Eu não estava nessa.
*
Aparentemente, ele parecia estar bem, falou de seus projetos e tudo o mais. Na hora de ir embora, ele se despediu de alguns com um abraço bem forte. Ficou abraçado longamente com uma amiga, falando ao ouvido dela. Disse ela que agora percebeu que ele estava dizendo adeus aos amigos.
Voltou para casa, e na noite de terça passada, esperou a esposa (ou melhor, ex-esposa) dormir, pegou o revólver que tinha comprado e deu um tiro na boca.
*
No velório - em pleno Dia do Amigo, que ironia... - eu e alguns membros de nossa turma, todos atarantados com o sucedido. Eu lembrei de nossas discussões sobre futebol. Ele, vascaíno doente. Eu, apaixonado pelo Flamengo. Discutíamos, mas nunca brigamos.
Almoçávamos juntos quase todo dia durante um período. Como conversávamos! Principalmente sobre música. Foi ele quem me apresentou ao Dire Straits. E eu, de cara, fiquei alucinado por “Sultans of Swing”.
*
A turma foi casando, os filhos nascendo, não dava mais para sairmos em bando como antigamente. O grupo se revia nos aniversários das crianças.
E de repente, estávamos ali. Num cemitério. As risadas de antes foram trocadas por sussurros à meia voz. Os bufões de tempos outros se transformavam em personagens de um Teatro de sombras, esboços pálidos de nós mesmos.
*

Todas estas histórias que contei acima passaram ali pela minha cabeça e outras mais. Via a cara de tristeza de meus antigos camaradas, nossa!, a gente nunca conseguia ficar sério mais que três minutos e no entanto passamos horas ali, olhos baços, um soluço parado no ar...
*
Levamos nosso amigo à sepultura e fomos nos afastando devagar, talvez esperando que tudo fosse mais uma das peças que pregávamos uns nos outros e de repente o Heitor surgisse ali, com aquele sorriso peculiar e dizendo: “Arrá! Peguei vocês!”
*
Para honrar nossas antigas tradições, eu falei para meus amigos: “Foi muita sacanagem dele fazer isso na véspera de uma vitória do Mengão sobre o vasco. Acho que ele sabia que ia ser vice de novo e disse: “Prefiro morrer!”.
*
Até a viúva riu.
*
Puxa, Heitor, essa sua brincadeira não teve graça nenhuma. A gente vai sentir falta de você...
Que o amor de Deus te envolva e te traga a luz que você esqueceu em algum canto.
M.S.
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Na Rádio Antigas Ternuras, você está ouvindo Dire Straits com “Sultans of Swing”. Aí, Heitor, essa é pra você...

23 comentários:

Claudinha ੴ disse...

Marco...
O que eu posso dizer? Que sinto muito pela perda de seu amigo,pela bobagem que ele fez. Ficarão suas ternuras, a turma desfalcada. Suas orações certamente chegarão até ele e o envolverão de luz, para que encontre o caminho. Fique bem, beijo.

Lara disse...

Nossa Marco, fiquei muito triste com toda essa história. Fico aqui pensando o que passará pela cabeça de uma pessoa que comete suicídio? Difícil saber. De qualquer forma tomara que ele esteja em um lugar melhor, e que encontre a paz de espírito buscada.
Quando ao Vascão, tenho fé de que ganha essa Copa do brasil e em homenagem a ele hein!

beijos

Anônimo disse...

Marco,

um travo amargo me deixa sem palavras, pois sei o quanto dói perder um amigo tão querido e tão presente em nossa vida e em nossas lembranças.

Que sua alma encontre a paz.

E você, fique bem.

Abraço,

Paulo disse...

Saudosas ternuras...saudade, por certo de um infância igual a tantas outras...

Abraço, desde Portugal

Paulo

Anônimo disse...

Cara , que história triste. Você começa contando piada e termina fazendo a gente chorar. Mas talvez seja assim mesmo... a vida começa aos risos e termina aos prantos , não é verdade?

Bem , me admira o gosto musical excelente do Heitor e o horrível gosto futebolístico dele... :D

Abração e força sempre!

Fugu disse...

ô Marco,
Já entrei aqui, comecei a comentar, parei, deixei para mais tarde, entrei de novo ... Perder amigo de infarto, acidente de carro, câncer, é uma dor, mas a gente se consola pensando em forças maiores, mais poderosas, etc. Mas perder um amigo da vida toda em queda de braço com a morte dói demais. Deixa a gente perplexo diante da própria impotência. Deixa a gente com mais perguntas do que pode responder ... ou comentar. Fique com um beijo carinhoso.

Anônimo disse...

Desculpe,Marco,mas fiquei completamente sem palavras diante deste texto.
Não sei lidar muito bem com isto...
Grande abraço!!

Anônimo disse...

marco, vc comentou o post do chulé sim. Até inventou uma palavra "pichulé", que vou pedir ao Aurélio pra incorporar ao vocabulário... rs. Comentou na janelinha da UOL, acho...
Sabe que um outro blogueiro achou superengraçada a palavra?
Tá tudo lá nos comments.
PS - o seu interesse na minissérie Dulcinéia tem me motivado bastante. Obrigado. Depois volto pra ler.
Abraços.

Anônimo disse...

oi meu querido Marco,a vida prega peças na gente né ,não é facil não eu sei dói muito,mas compreendi que não podemos carregar essa tristeza ,de onde ele está do jeito que era brincalhão,ja ia te dizer,harrá parem com isso,agora estou olhando vcs e nada de tristeza vamos cantar aquela modinha que cantarolavamos nas madrugadas,sinto muito meu querido mas é assim ,se ficarmos sofrendo quem vai sofre mais ,te adoro,um grande abraço mil beijinhossss

Anônimo disse...

Marco,
sinto por Heitor que corajosamente se atirou para o lado de lá onde não existe covardia,nem depressão, nem ex-mulheres, somente amigos e espíritos de luz que o farão penar um cadinho por esse ato cometido.
Ri com as histórias, me vi na perigosa estrada do Alto que pouco passo agora, prefiro descer a serra Grajaú-Jacarepaguá.
Tenho sítio em Maricá e avistei os loteamentos e quão fácil é se perder,rsss
Heitor está e ficará na lembrança e no coração de vocês, ahhhh! e nas gargalhadas também.
Lindo findi querido,
beijosssssssssssss

Evandro C. Guimarães disse...

Rapaz, você nos levou dos risos às lágrimas neste post. As histórias narradas na primeira parte são muito engraçadas e calam fundo para quem teve um grupo de amigos sacanas(no bom sentido)durante a adolescência. Lembrei-me das histórias engraçadas da minha rapaziada da época do segundo grau.
A segunda parte foi uma porrada. Não perdi nenhum amigo assim, mas, não sei porque, lembrei dos amigos que perdi em vida, agora afastados e estranhos. A vida deve ser assim mesmo. E encerrando com um assunto que tem "tudo a ver": dá-lhe mengão!!

Anônimo disse...

Sinto muito, muito mesmo... e admiro sua capacidade de escrever sobre qualquer coisa, mantendo a coerência e o bom humor... percebi sua dor muito mais no coment que deixou no meu blog, do que aqui... e queria que nunca mais doesse...
Beijo,se cuide! Faço uma oração especial pelo seu amigo hoje...

Anônimo disse...

Marco , pra ouvir e puxar algumas das canções da Wonkavision , vá em http://www.tramavirtual.com.br/artista.jsp?id=147 e confira algumas coisas. Comece por Powerbossa , depois Quando 16 e aí o resto das coisas... (tem que se cadastrar na Trama... nada muito difícil e bastante útil!)

Abração!

Anônimo disse...

Puxa, puxa, que puxa, Marco!! Ainda bem que vc tem boas memórias, boas histórias pra contar desse amigão. E de outros. E o que fica é a sensação de que somos todos quase iguais. Quase. ... suspiros... Beijão pra você.

Anônimo disse...

Interessante a sua vida, querido amigo Marco, tanto como expectador quanto como coadjuvante e ator principal. Adoro as suas histórias... Sinto pelo seu amigo, mas ele deixou com você as boas lembranças, das quais pudemos participar por instantes. Grande beijo.

Anônimo disse...

Te abraço forte, forte.

Anônimo disse...

Até tem rádio, hein? :P

Janaina disse...

Marco, perder pessoas que amamos é sempre triste. Deixa uma lacuna imensa. Fica bem... Um superbeijo.

Anônimo disse...

Marco, adorei esssa do Jerry. Aqui em BH, quando a gente vê uma situação ou uma boa piada com uma boa saída como esta, dizemos.: "isto é coisa de carioca...". Claro que é no bom sentido. No sentido de ter o bom-humor e saber improvisar pra se safar de uma situação que poderia ser, digamos, constrangedora.

Anônimo disse...

Querido Marco, que triste! Dizer o quê? Ficam as doces e ternas lembranças do Heitor. Com certeza ele estará para sempre nos corações de amigos como vc.

Querido, não sei o que fazer com meu recanto, opine por favor.
Um beijo grande e uma semana linda pra vc.

Paulo Assumpção disse...

Marco, estava pensando encontrar aqui sua resenha a respeito de "Superman - O Retorno" e me deparei com a notícia da morte de seu amigo. Fiquei sinceramente comovido, mas penso que melhor homenagem o Heitor não poderia receber: ser lembrado por seus momentos de felicidade, confraternização com os amigos e celebração da vida. Meus sentimentos!

Marco disse...

Meus caros amigos: agradeço muitíssimo pelas manifestações de pesar. É muito triste levar um amigo à sepultura. Bem mais é ver pais enterrarem um filho. A nossa turma está muito triste com o ocorrido. Mas no sábado nos reunimos e decidimos celebrar a vida, a nossa amizade. A vida segue e seguimos com ela da melhor forma que podemos. Fique com Deus, Heitor.
Um forte abraço para todos. E bola pra frente.

Varais Santista disse...

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