segunda-feira, abril 03, 2006

Domingo no parque


A lua teimava em competir com as muitas gambiarras daquele parquinho de terreno baldio. Um bando de crianças voava pelas cadeirinhas do carrossel. Um torvelinho de sons, gritos, risadas, música.
O rapaz estava num estande, recebendo três bolas de meia, recheadas com serragem. A uns três, quatro metros dele, várias latas empilhadas caprichosamente, desafiando a sua mira. Ele atira a primeira bola e...blaaaannng! Voa lata para tudo que é lado. Sobram duas. O homem do estande facilita as coisas, colocando uma sobre a outra. Duas bolas, duas latas, duas chances de ganhar uma prenda barata. Segunda bola disparada, a lata de cima dá uma cambalhota e cai. O rapaz sorri com o canto da boca, igualzinho como ele viu fazer o Little Joe, do Bonanza. Apura a mira e... Erra! Por pouco.
*
O que mais tinha de diversão naquele parque? Ele já passara pela Roda Gigante, ora vendo lá do alto gente parecendo formiguinha, ora vendo lá de baixo formigas correndo que nem gente. Já tinha ido e vindo na barca vai e vem, suas mãos estavam ardendo de puxar a corda para fazer a canoinha navegar até o céu. Atirou (e errou) argolas, comeu pipoca cor de rosa de groselha, só não rodara no carrossel por que era para crianças e o seu orgulho de 14 anos não permitiria.
O rapaz pensava na próxima atração que tentaria – não sobrara muita coisa – quando a avistou do outro lado do parque. Instantaneamente, revoada de borboletas no estômago. E a sensação de que o coração parara de bater por um longo segundo. O nome dela era Cristina.


Ela vinha andando, sorrindo, iluminando o caminho com aqueles olhos verdes que fazia o moço perder o seu próprio caminho. Vinha de braços dados com duas amigas. Todas felizes, todas rindo aquele riso da nossa linda juventude.
O rapaz já a conhecia desde que ela tinha uns dez anos. Ambos pegavam o mesmo ônibus para ir ao colégio, embora não estudassem no mesmo lugar. Naquela época, não reparara muito nela. Eram crianças e os interesses giravam em outras órbitas. Com o passar do tempo, Cristina ganhou redondezas curvilíneas que praticamente a transformavam em outra pessoa. Um dia, ele a viu estendendo roupa no quintal, usando um shortinho que fez seus hormônios borbulharem como uma garrafa de Sidra Cereser. Cristina falava “oi” quando o encontrava e já era o bastante para fazer suas vísceras virarem mingau de sagu.
*
E lá estava ela, com suas amigas, deslizando como sereia em terra, sua gargalhada o transformando em Ulisses, sem estar amarrado no mastro do navio. “Pense, pense, pense...”, com o coração batendo na vertigem da barca vai e vem, ele precisava fazer alguma coisa, o momento era aquele. Tomou a direção do único estande onde ainda não fora.
*
Poucos minutos depois, os alto-falantes fanhosos do parque anunciavam:
“Sistema de radio-difusão do Parque União. Rapaz de camisa xadrez azul dedica música à moça de saia branca e blusa verde como prova de seu carinho e afeto”.
Em seguida, entrou no ar os sons de um disco velho, cheio de estalidos:
“Sonhar contigo
Por toda a vida
Sonhar contigo, ser só seu
Minha querida...”

*
Levou algum tempo para Cristina perceber que ela correspondia à descrição do locutor. Não demorou nadinha para ela distinguir o rapaz de xadrez azul que olhava para ela com um sorriso pálido, quase deixando aparecer o coração batendo na entrada da garganta.
A moça levou a mão à boca, prendendo o riso. Olhou para as duas amigas, ambas mal contendo a gargalhada. As três cravando os pares de olhos no rapaz até estourarem de rir e se afastarem jogando a cabeça para trás, cabeleiras expostas sob a luz das gambiarras. O disco tocou até o final, mas a moça já nem ria mais, entretida em atirar argolas para ganhar um sabonete Gessy na barraca das argolas.
O rapaz permaneceu onde estava, ouvindo o som de latas desabando dentro dele. As crianças no carrossel gritavam alto, ele sentiu que uma mão lhe dava tapinhas nas costas:
“É, Marco...Não deu sorte...”
*
Ele queria se afastar dali. Foi com algum esforço que moveu as pernas chumbadas na terra do parque, jogando uma após outra na direção da saída. Mal conseguia ouvir a música seguinte, que vazava pelos alto-falantes fanhosos:
“Não, eu não consigo acreditar no que aconteceu
É um sonho meu
Nada se acabou
Venha me dizer sorrindo que você brincou
E que ainda é meu, só meu o seu amor...”
M.S.

15 comentários:

Desiree disse...

vou ter que voltar para ler o texto, mas agora to caindo de sono e só vim responder a sua msg

obrigada de coração pelas indicações, eu percebi que vários amigos seus tem aterrizado no meu canto e com msgs deliciosas! preciso agora parar e retribuir as vistas, mas esses dias tem andado tão corridos!

e essa de grup é super engraçado.... vc leu o texto? vale a pena, é divertidíssimo... e aí a gente saca que só fica "velho" quem quer e há pessoas tão novas, mas tão mais velhas que eu, viu?

beijocas e vou dormir

Anônimo disse...

Certas lembranças, meu caro, mesmo quando (ligeiramente) amargas, são enriquecedoras. Um abraço.

Anônimo disse...

Mano Marco:

Emocionante!

E o desfecho,com "Caminhemos",não poderia ter sido mais sereno de bela melancolia.

Parques de diversão parecem ser manufaturados também para urdir momentos marcantes de nossa adolescência: estigmas de ingenuidade que deixará de ser ponte pênsil pelo aprendizado. Quem não viveu situações assim,tão bem patenteadas por ti neste pleno e adorável texto?

Fora amor platônico? O tempo extinto na tua vida e nas notas musicais oferendadas à mocinha linda,mas não em teu romântico memorial da pubescente desilusão!

Deste conto,mix entre a hora anterior e a presente,surgiu,mais que evidente,a qualidade da forma. Foi preciso fazer a comunicação daquele espaço de relembrança.

O recado foi bem dado,uma rima e uma verdade.Você aprendeu que o exterior é artificial,mas o interior não admite subterfúgios.

Obrigado por compartilhar conosco um fragmento de tua vivência.

Tenha uma terça-feira bem papa fina!

Anônimo disse...

Muito bonito o texto!!!

Kisses

Fernanda

Marco disse...

Querida Desirée: Eu só indico aos meus amigos os blogs que tem substância e o seu, com certeza é um desses. Essa estória do "grups" é realmente engraçada. Volte sempre que quiser. É um grande prazer para mim vê-la por aqui. Beijão!

Caro mestre Moacy: Todos nós temos nossos momentos doces e também os amargos. Mas a vida é isso, não é? Uma bebida amaroadocicada que a gente sorve ora em grandes goles, ora aos bebericos. Um forte abraço.

Mano Paulinho: Antes, uma pequena correção. A música final se intitula "Impossível acreditar que perdi você", um grande sucesso do Marcio Greick (coisas do meu tempo...). A música que eu dediquei é a memorável "Sonhar contigo", do Adilson Ramos.
Tenho incríveis momentos passados em parquinhos de terreno baldio como este. E também em circos. Onde me criei, tinha muitas áreas assim. Hoje, não sobrou nem o campinho onde aprendi a jogar futebol.
Sobre a moça, bem, desilusões fazem parte de nossas vidas, não é? Tenho a fantasia de que todas as minhas paixões de adolescente que me rejeitaram hoje são matronas, cheias de filhos, ré! ré! ré!... Mas sei que nem sempre isso aconteceu.
De qualquer forma, hoje a Cristina pode contar para os filhos: "olha, um dia me dedicaram música em parquinho!"
Um grande abraço pra ti.

Querida Claire: Volte sempre que quiser. Você é de casa. Um beijo.

Celina, querida, que bom vê-la por aqui. Fico contente que tenha gostado deste meu despretensioso relato. Beijo pra você.

Fernandinha: Você gostou? Fico feliz. Tenho certeza de que se ainda existisse parquinhos como aquele (será que ainda existe?) alguém te dedicaria uma música. beijo.

Anônimo disse...

...Passando, Marco. Na correria. Gostei muito do texto. É só comigo ou esses parques sempre vêm carregados de melancolia? Zapeando: no meu ritmo particular de apreciação fílmica, conheci "A viagem de Chihiro" ontem. Em busca de ternura. Você já viu? Que achou?

Anônimo disse...

Marco querido,
li e reli como se fosse um filme,não me chamo Cristina mas já me vesti de branco e verde,já recebi recadinhos em parquinhos, já acertei muita lata[mais que errei],já me banhei com sabonete Gessy[ainda lembro do aroma],já sorri de menino apaixonado mas nunca esnobei ou gargalhei dele[pelo menos na sua frente,rs].Muito lindo seu conto,lembranças boas de um tempo fabuloso onde éramos felizes e sabíamos.
beijossssssssssssssss

Claudinha ੴ disse...

Marco, mais ternuras que me encantam. Eu me lembrei de minhas idas as parquinhos e aquele tempo de sorrisos fartos. Seu texto me fez conhecer o adolescente lindo que ainda mora dentro de você... Beijo de giro de carrossel.

Anônimo disse...

Oi Marco,
Mais um texto fabuloso. As lembranças às vezes nos deixam assim.
grande abraço!

Anônimo disse...

Hehehehe... paralelo futurista , só se o Hopi Hari fosse do lado da minha casa e eu pudesse escolher a música que toca nele. E a menina que eu gostasse fosse junto. Ficou difícil demais. Por isso , nem vou mais pensar nisso , nem na mudança de nome. Padoca sempre será padoca.Até minha próxima mutação.

Um abraçO!

Anônimo disse...

Marco, bons stempo aqueles em que se ouvia música nos alto-falantes, parques com rodas-gigantes, dedicação de música a uma paquera, amigas passeando de braços dados,... Acho que isto ficou no passado. E a narrativa faz isto à tona.
Belo texto. Parabéns.

Anônimo disse...

E sobre o meu nome que você diz lembrar personagem de Harry Potter... o meu segundo nome é que tem uma história interessante(acho eu). Quer ver? Jünger lembra o discípulo de Freud Jung. Só que no meu nome acrescenta-se ER e TREMA, que é uma das formas de fazer o comparativo em alemão. Com j maiúsculo significa discípulo, aprendiz. Com j minúsculo significa "mais jovem". E Medina, bem, Medina é coisa das arábias... rs (cultura inútil)
Abraços.

Marco disse...

Dira querida: Imagino que até possa existir parquinhos de terreno baldio como esse da minha história. Mas acho difícil que essa história aconteça. No outro dia, o Fantástico mostrou como os adolescentes paqueram atualmente. O rapaz disse que chega diante da moça e pergunta: "E aí? Já é ou já era?" Aí, se a moça está a fim diz: "Já é!" e eles "ficam". Mesmo tomando uma gargalhada pela cara como eu tomei, prefiro como era antigamente.
Você começou dois namoros na roda gigante? Uau! Eu nunca tive essa chance.
Um beijo carinhoso.

Grande Lúcio: Curioso, eu não sinto melancolia quando vejo um parquinho (se bem que aqui no Rio, parquinho como esses da minha infância/adolescência só no subúrbio do subúrbio!). Eu não assisti ao "A Viagem de Chihiro". Mas ouvi muitos comentários favoráveis. Abração!

Ah, querida Marcia! Você pegou bem o espírito da coisa! Aqui no Antigas Ternuras, a minha intenção é sempre fazer meus amáveis leitores recordarem seus bons momentos. Eu já até imagino você sorrindo, com o olhar distante, diante do monitor lembrando dos galanteios que lhe dirigiram, dos sonhos de adolescência iluminados pelas gambiarras do passado.
Um beijo grande!

Querida Claudinha: Também imagino que você tenha conhecido muitos parquinhos como este. Sim, eram tempos de sorrisos fartos. Como diz a música, "nossa linda juventude, página de um livro bom". Acredito que tenha um adolescente dentro de mim (meus escritos saem direto de sua pena), mas a vida, essa mãe severa, vive me admoestando dizendo: "Marco, tenha juízo! Você agora tem responsabilidades!" E eu bem querendo ir para o parquinho, derrubar latas e andar na roda gigante! Um beijo de algodão doce procê.

Querida Carlinha: Nossas lembranças são nossas válvulas de escape para a gente não pirar de vez. É como assistir aos filmes antigos que você tão bem analisa no seu maravilhoso Purviance. Beijo!

Grande Bruno: Olha, não sei não, mas mesmo se rolasse tudo isso que você descreveu ainda acho que lea e os seus amigos iriam achar o maior mico. Eu tenho minhas dúvidas se você iria correr esse risco, ré, ré, ré...
Que bom que a Padoca continuará aberta com essa razão social e o mais importante: servindo as guloseimas de hábito. Abração!

Pois é, amigo Rubo: Ficou no passado, mas o nosso passado é um bumerangue que sempre retorna.
Além de lembrar o Rúbeo Hagrid, seu nome ainda tem semelhança com meu psicanalista preferido? Ora, eu sou Junguiano até a medula! Um forte abraço! E já que você está sempre por aqui, vou tratar de colocar o link para a sua página no Outras Palavras.

Querida Claire: Vou te confessar uma coisa. Por medo de me expor, de correr riscos, perdi muitas oportunidades de concretizar paixões de adolescência. Cada vez que eu tomava um balde de água fria como esse que eu tomei naquele dia do parquinho, ficava mais tímido, mais retraído, quando deveria tomar aquilo como percalço de caminho e seguir adiante. Durante muito tempo temi ser rejeitado e ter o sentimento de ter falhado. Hoje não sou mais assim. Embora, não me sinta exatamente confortável quando alguma coisa que planeja não dá certo. Mas levo mais na esportiva que antes. Um beijo.

Anônimo disse...

eu não tinha lido.
passei correndo ontem por aqui, percebeu né?
Pois bem, hoje eu vim depois que me perguntou...
E cara,
eu voltei no tempo tão rápido que um foguete teria inveja.
Domingo...parque...
aqui em Itape, eles se armavam no Orto Florestal, hoje não se armam mais aqui.
Mas, esta dedicatória, as músicas...sei bem o que é isso. Nossa e como sei.
Já me dedicaram...e a barca com corda, eu ia sempre sentada na frente da minha irmã...ela quem puxava...
eu fechei os olhos...e viajei.
no tempo...
sabe, mas embora eu tenha uma tremenda saudade, ela não é amargurante...acredita, lembro com saudade, mas de uma coisa boa.
uma saudade boa, eu diria.

um beijo querido.
beijo grande...

e
te dedico
" sonhar contigo...por toda vida...."
beijo

Marco disse...

Querida Claudia: Eu sabia que você ia gostar. Este texto, este parquinho tem o seu jeitinho, o jeito da sua cidade. Eu imaginava que você tivesse vivido situações como essa, em um parquinho como esse. Beijo.