segunda-feira, fevereiro 20, 2006

Sururu de Capote


A comunidade gay está em festa. E deixemos eles festejarem. Passaram tanto tempo oprimidos que quando aparece um momento para comemorar, a gente tem mais é que deixar os caras na paz.
Mas a festa a que me refiro deverá acontecer na próxima entrega do Oscar. O grande filme favorito para levar o careca mostra que os brutos também amam (os outros brutos). E para Melhor Ator, tem um candidato que também é favoritíssimo: Phillip Seymour Hoffman. Ele deu um show representando o jornalista e escritor Truman Capote (que era homossexual assumido), no filme "Capote" (USA, 2005, dir. Bennet Miller). Imagino que vai ser o maior sururu se pintar Capote com Brokeback! (sururu como sinônimo de festa, bagunça, agito)
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E entre concorrentes ao Oscar de Melhor Ator, realmente Phillip está sobrando. Sua caracterização de Truman Capote está excelente. Não é tarefa fácil representar personagem que viveu há bem pouco tempo. E ainda por cima alguém que tinha características tão fortes e marcantes como o Capote original. Representar alguém assim é caminhar no fio da navalha: um cochilo e acaba resvalando na caricatura.
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Por isso, representar personagens contemporâneos pode consagrar, mas também pode detonar a carreira de um ator. E olha que eu tenho um palpite que vamos ter dobradinha de oscarizados que representaram pessoas que viveram até recentemente. Naquela foto dos vencedores das principais categorias, em Melhor Atriz acho que vai pintar... Reese Whiterspoon, por seu desempenho em "Johnny e June". Não que ela esteja fantástica no papel, mas fez um bom trabalho, num tipo de personagem que Hollywood adora premiar. Além disso, é uma atriz que está batalhando para ocupar o trono de "namoradinha da América", vago desde o ocaso de Meg Ryan. E a Reese vai meter o queixo (que é enorme!) para levar essa.
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Em "Capote" não temos a biografia do jornalista e autor literário (e ator bissexto, que eu assisti em "Annie Hall" e no hilário "Assassinato por Morte"). Vê-se lá a "biografia" do seu livro "A Sangue Frio": como ele foi escrito e o seu processo de elaboração. O livro é excelente. Eu o li há bastante tempo e posso garantir que é leitura vertiginosa. Logo nas cenas de abertura do filme, a gente percebe que se trata de uma obra muito bem conduzida. Já ganha o espectador de cara.

A história começa em 14 de novembro de 1959, no Kansas, quando Perry Smith e Richard Hickock assassinam a família Clutter de forma hedionda. Eles são presos. Truman Capote (1924-1984), junto com sua amiga e assistente, a também escritora Nelle Harper Lee (autora de "To Kill a Mockinbird", livro que gerou o filme "O Sol é para todos", com Grregory Peck), se aproximam das pessoas envolvidas no crime: quem viu os corpos, o xerife da cidade, o agente do FBI que estava investigando o caso, e, é claro, os dois acusados de assassinato.
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Se inicialmente Capote pensava em fazer uma matéria para a New Yorker, logo depois ele veria ali um livro de não-ficção. Com paciência e método, ele vai envolvendo as pessoas, os próprios assassinos, a ponto de fazê-los acreditarem que ele era amigo deles. Consegue os diários de Smith e as anotações dos investigadores e com isto vai montando o livro, escrito com estilo inigualável. Faltava a explicação dos assassinos sobre que exatamente aconteceu naquela noite. Ele vai enrolando Smith, mentindo para ele até finalmente conseguir que ele descreva como matou os Clutters. Smith e Hickock são condenados à forca, mas fazem diversas apelações a instâncias superiores, como é de praxe. Só que Truman não precisava mais deles vivos. O ponto final do livro só seria colocado quando eles pendessem na ponta da corda...
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O filme propicia um farto debate sobre ética jornalística que nem dá para desenvolver aqui, sob pena deste texto virar umas dez laudas. De qualquer forma, nos 98 minutos do filme vemos como era autocentrada a personalidade de Capote, um cara capaz de pagar um carregador de malas para elogiar o seu livro na frente de alguém.
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Como já citei acima, Philip Seymour Hoffman (também um dos produtores do filme) dá o seu show, conseguindo montar um Capote até em seus mínimos maneirismos (como mexer o lábio superior de vez em quando), passando pela aquela voz personalíssima. Outros destaques nos desempenhos vão para Catherine Keener (excelente, como Nelle Harper Lee), Clifton Collins Jr. (fantástico como o assassino Perry Smith) e o sempre correto Chris Cooper (como o agente Alwin Dewey). Na verdade, todo o elenco está impecável. Além de Catherine Kinner, Clifton poderia também ter pego indicação para Melhor Coadjuvante sem nenhum problema.
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De suas 5 indicações, Melhor Ator é barbada. Deveria ter chances com Melhor Atriz Coadjuvante, mas o Oscar deve ir para Michelle Williams (Brokeback) ou Rachel Waisz (Jardineiro Fiel). Uma pena. Catherine Kinner não fica atrás das duas. Em Roteiro Adaptado até poderia competir com Brokeback, mas acho que não vai nem ameaçar.
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Dos cinco, "Capote" é um dos três melhores. Mas suas chances são mínimas com relação ao superestimado Brokeback. Resta rezar. Mas, como diz a epígrafe de um livro de Truman: "Mais lágrimas são derramadas por graças alcançadas do que pelas não alcançadas", então não adianta chorar. O douradinho vai subir para as campinas verdejantes de Brokeback Mountain...
M.S.

11 comentários:

Ivã Coelho disse...

Façamos nossas apostas! Qual vai ser a sua? Ótimo texto,Marco. Eu também acho isso mesmo. Uma premiação para as minorias (minorias?). Vamos ver no que vai dá.

Anônimo disse...

Marco, neste momento o velho Jung deve estar rindo de nós. O e-mail (dois, aliás) avisava que o site www.textovivo.com.br está oferecendo curso de pós-graduação em "jornalismo literário". Devo ter sido classificado como spammer. Minha chatice está sendo identificada até pelo seu provedor de e-mail. É a consagração!

Anônimo disse...

Grande Marco,bom dia!

Muito pertinente excerto este: "Representar alguém assim é caminhar no fio da navalha: um cochilo e acaba resvalando na caricatura."

E por isso também - pelo "peito" da empreitada -,vou cruzar os dedos para Phillip Seymour Hoffman.
Ambivalente no que se refere à sua sexualidade,Capote assumiu-a explicitamente (e precisava?),quando se tornou uma deformada - ainda mais? - personagem de si mesmo: "Sou homossexual,alcoólatra e genial".
Criatura aética,canalha menor,monstro de egocentrismo,o filme,semelhante à biografia de Gerald Clark,quer tornar Trumman Capote um ser bem proporcionado,quando na verdade,"A sangue frio",o livro,é a vera-efígie de uma personalidade cruenta e asquerosa!

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Pela madrugada,pupilas baças de sono,não atino bem - repito à exaustão -,mas como desviar-se do teu blog,que derrama a bilha mágica do bom senso?...

Abraço pernambucado.

PS: mesmo escarrando pus quanto ao ser humano Capote,não posso fugir de admirar o estilo de escrever dele - pessoal e intransferível.

Marco disse...

Caro Ivã: Aguarde eu postar todos os textos que eu fiz sobre os indicados do Oscar e revelarei o meu preferido. Amanhã sai mais um.
Falar em "minoria" homossexual em Hollywood é até engraçado...
De qualquer forma, valeu pelo comentário. Um abraço!

Grande Lúcio: Valeu pela dica. Na verdade, se eu voltar aos bancos acadêmicos será para um outro projeto. Imagino que seja muito interessante esta pós em jornalismo literário. Obrigado pelo toque.

Paulinho grande Patriota: Caro amigo, posso te garantir que o Truman NÃO sai bem na fita. Tem uma cena lapidar dele com a sua amiga Nelle Harper Lee, em que transparece todo o seu egoísmo. Não adianto qual cena para não estragar a surpresa. O filme deixa bem claro que ele usou os dois assassinos e quando os caras disseram o que ele queria, ele se desinteressou pelo futuro dos dois. Até preferia que acabasse logo para ele virar a página. Em nenhum momento o mau-caratismo dele fica atenuado. E acredite: é um filmaço!
E concordo contigo: o cara podia ser um filho da pústula, mas escrevia bem que só o diabo!
Um bom dia para você, amigão!

Anônimo disse...

Marco, este cara é de arrasar, mesmo...adoro! beijos de mim

Marco disse...

Querida Madame: Truman Capote realmente arrasava. Em todos os sentidos. Beijo!

Doce Claire: Sabe que me deu vontade de reler o "A Sangue Frio"? É um livro admirável, em que pese o maucaratismo de Capote para conseguir as informações que utilizaria. Recomendo que você o assista. Dá para fazer um bela discussão sobre ética a partir dele.
Sobre o "Brokeback", olha, depois de ter visto o ótimo "Orgulho e Preconceito", mais me convenço que este filme não merece toda esta agitação, esse favoritismo.
É sempre bom tê-la por aqui. Beijo!

Anônimo disse...

ois

Mas isso aqui tá bom demais.
Vou assistir aos filmes este ano bem mais entendida ( como diz minha mãe, __Mas vc. tá entendida disso hem!!!...rs...)
Um beijo no coração...
Bom...três beijos no coração.
e mais um beijo no coração de sobra para o dia que não der para vir...

(rs...conhece EXAGERADO do Cazuza? ( conhece né? ) então.
Sou a própria encarnação da música...
E adoro você.

Marco disse...

Jade, querida: Eu vejo um filme atrás do outro. Especialmente se for concorrente ao Oscar. É que eu gosto de torcer e por conta disso é preciso ter conhecimento de causa. Já fui olhar o blog do seu amigo. É bem interessante. Só não deixei recado por que o sistema dele está com problemas. Beijo.

Claudinha, minha delícia: Fico feliz em poder colaborar com o seu "entendimento".
Você também pode se considerar muito bem beijada. Você mora no meu coração em um apartamento triplex, de frente para um belo jardim.

Belisa Figueiró disse...

Acho que deste final de semana não me escapa. Só tenho receio de ficar com aquela sensação de "o livro é bem melhor". Por mais que o ator tenha sido perfeito, tenho medo que isso dê um certo brilho ao Capote e decline um pouco na história... Que tu acha?

Marco disse...

Cara Belisa: Acho que você deveria ler o livro "A sangue frio" E assistir ao filme. São coisas complementares e nem um pouco excludentes.
Não creio que o personagem "Capote" tenha saído bem na fita. Ele era por demais escroto para ser admirado como pessoa. Embora tenhamos que admitir que ele escrevesse bem feito o diabo. E tinha o raciocínio rápido também. Saiu no Globo uma matéria sobre ele, contando uma história muito engraçada. Certa vez ele estava em um restaurante, se pavoneando como sempre, quando um sujeiro grosseirão e bêbado se aproximou da mesa em que ele estava, botou o pênis pra fora e disse: "Mr. Capote, que tal autografar isso?" O Truman nem se perturbou. Olhou na cara do sujeito e respondeu: "Lamento senhor, mas pelo tamanho de seu membro, receio não conseguir escrever sequer minhas iniciais".
Ele poderia ser mau-caráter (e era), mas tinha uma mente brilhante. Depois gostaria de saber a sua opinião sobre o filme. Um abraço.

Belisa Figueiró disse...

Marco, eu li "A Sangue Frio" e o comentário anterior é justamente por causa disso. Finalmente fui ver o filme ontem e não achei que são complementares. Aliás, me pareceu estereotipado demais e com história de menos. O filme explora muito a "fama" e não mostra o conteúdo que deu peso ao livro. Faltou mostrar mais a família, o crime, por meio de flash-backs talvez. Coloquei lá no Roda. Abraços.