domingo, fevereiro 12, 2006

Que perigo, meu Deus!...


Em agosto do ano passado, eu postei um texto aqui no Antigas Ternuras com o título de “Alá-lá-ôôô!
Era sobre o fortíssimo calor do Rio e eu lembrava a célebre marchinha de Nássara e Haroldo Lobo, justamente aquela que fala “Alá, Alá, meu bom Alá/Mande água pra ioiô/Mande água pra iaiá”... Olha só o perigo de citar uma marchinha de Carnaval que fala tão irreverentemente da principal santidade dos muçulmanos!
Atenção a todos: quero deixar bem claro que eu respeito todas as religiões, mesmo as que não se identificam nem um pouco com a minha maneira de pensar. Espero com isso evitar que uma horda de fundamentalistas venha invadir o meu condomínio e tocar fogo no meu apartamento.
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Vi algumas das tais caricaturas publicadas em jornais dinamarqueses e franceses (já tem até camiseta!). A que mais causou a celeuma, a do Maomé com o turbante-bomba, eu nem achei engraçada. Sorri um pouco com a que mostra o Profeta do Islã na porta do paraíso deles recebendo uma fila de fundamentalistas homens-bomba e dizendo: “Parem! Acabaram as virgens!”
De acordo com a crença desses fundamentalistas, aquele que se martiriza em nome da causa vai para o céu, e fará jus a uma terra onde jorra leite e mel e ainda a trocentas virgens. Com o enorme número de jovens carregados de dinamite se imolando pelo Islã, a charge quis dizer que o estoque de virgens estava no fim.
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Teve uma outra charge, publicada no jornal francês “Charlie-Hebdo” em que mostra o desenho de Maomé, com as mãos no rosto, chorando e dizendo: “é duro ser amado por idiotas...”
Com essa eu também não ri. No máximo, esbocei um sorriso triste por constatar que uma religião que foi uma luz solitária na idade das trevas, nos tempos medievais, que deu filósofos e pensadores como Maimônides (li muita coisa sobre ele em Córdoba, na Espanha, onde ele nasceu e viveu), hoje seja vista como sinônimo de obscurantismo.
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Sobre a questão de liberdade de pensamento, limites da liberdade, bem, tenho a minha opinião pessoal. Se é para ter “liberdade”, então não tem que ter “limite”. Tem que ter custo. Nós somos livres para fazer o que quisermos, desde que venhamos a pagar o preço de nossos atos. Eu acredito que esta foi a intenção de Deus quando nos deu o livre arbítrio. Cada ação que fazemos gera uma reação: positiva ou negativa. Se alguém quer debochar de outros ou da crença destes outros, que assuma o custo disto perante as leis.
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Sei muito bem que esta minha forma de pensar não chega nem perto da forma fundamentalista – seja de qualquer religião – de raciocinar. Para eles, errou, tem que pagar com a vida. E acabou. Vi ontem, no filme “Syriana – a indústria do petróleo”, uma cena que mostra como os fundamentalistas convencem jovens a entrar para a causa. Não é com gritos, com ameaças, nada disso... O “doutrinador” chegou a jogar futebol com os dois jovens que ele queria conquistar. Ele falava com eles sempre com um sorriso nos lábios, com palavras doces, minando as eventuais resistências dos escolhidos gradativamente. Até que eles se juntassem aos demais, conecendo a doutrina deles e até aprendendo a lidar com um míssel. Um dia, eles estariam gravando um vídeo com instruções para serem seguidas nos seus respectivos funerais e partindo para sua missão suicida.
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Contra este exército, não há satélite, nem escudo, nem bomba atômica que dê jeito. Como atacar um exército invisível, que está misturado com a população, que não usa uniforme, nem nada que os identifique como soldados?
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Contra eles não há argumento científico, aliás, nem fale sobre ciência para eles que vão dizer que é coisa do diabo. Morrer em nome de uma ideologia já era. Morrer em nome de Deus, ou do que se acredita ser a vontade de Deus, voltou a ficar na moda. Como o era ao tempo da Babilônia, do Egito, de Tróia, da Cananéia, das Cruzadas, das tantas “Guerras Santas”... Eles não percebem que quanto mais gritam o nome de Deus ao matar o seu semelhante, mais se afastam dEle, que afinal criou a Vida.
M.S.

12 comentários:

Ivã Coelho disse...

Tá difícil mesmo, meu caro. Só em pensar que cada vez mais uma guerra atômica se faz clara, dá um pavor do tamanho do mundo. Que perigo...

Bruno Capelas disse...

É triste. E eu também já citei a marchinha clássica pra falar do calor. Voltando ao assunto , é triste que aconteçam coisas como essas , que aumentam ainda mais a intolerância religiosa.

Um abraço!

Paulo Assumpção disse...

Questão complicada esta. Da mesma forma que você, também creio no Deus da vida, do amor, do perdão, da paz... Mas este definitivamente não é o Deus dos homens-bomba. Tampouco o dos cruzados na Idade Média. Assim como não é o do traficante, que desdenha da Morte (ou da Vida?) dizendo "Só Deus sabe a minha hora!" Infelizmente, há séculos Seu Nome vem sendo usado não somente em vão, mas para cometer as mais terríveis barbaridades. Perdoai-os Senhor, eles não sabem o que dizem! Em tempo, li aqui que o Vovô Monstro se foi. Espero que esteja no grande cast celestial fazendo o Papai do Céu sorrir! Grande abraço!

Anônimo disse...

Grande Marco:

Excelente crônica jornalística. E acho até que uma epígrafe poemática de Emily Dickinson cairia como uma luva no seu atual post: "Desde então faz séculos - mas parece menos que um dia".

Imemorial intolerância. Procura-se uma justificativa para explicar tamanha barbaridade.

Toda questão tem dois lados,já dizia Protágores,que nasceu meio século antes do Cristo,porém quem me decifraria o reverso de uma morte egoística em nome de Deus?

*****

Rapaz,nunca li "La visera fatal",cujo autor argentino minha memória reluta em lembrar,mas estou ficando com medo pânico da canícula vigente aqui no Nordeste. É impressionador. Estou tomando umas quatro duchas friíssimas por dia,e,no entanto,já saio do "toillette" (!) suando em bicas.

Só um toque: ao som da marchinha do Nássara citada,já pulei tanto em velhos carnavais que,um dia,acabei espetado na ponta de alguma estrela. E deixei de ser da lira. Tornei-me passivo espectador dos bacanais de Momo,porém apenas televisionando,nunca mais no ora veja.

Parabéns,caríssimo,pela esplêndia e didática e correta matéria em questão,pois só assim fiquei atualizado a respeito das charges. (Neste ponto,juro - como diria as pessoas d'antanho -,corei.)

Grande abraço pernambucanizado para ti e todos os finas estampas de ampliada ternura.


PS: acredita que não leio (ou assisto) jornais desde o dia 3 deste mês quando iniciei a labuta de reorganização em minha loja de auto peças? Mesmo aqui na net,só entro para o absolutamente essencial,como ler meus queridos amigos da blogosfera e que-tais...

Marco disse...

Ivã: Obrigado pela visita e pelo comentário. A gente não pode ter certeza de que vem conflito atômico por aí, mas os indícios de uma grande guerra estão mais do que óbvios. Quando acabar o petróleo do mundo e só tiver lá, o bicho vai pegar!
Um forte abraço!

Mutante: Rapaz, está complicado de se pular o Carnaval ao som de algumas marchinhas... O "Cabeleira do Zezé", com a quele verso "será que ele é bossa nova/será que ele é Maomé/parece que é transviado..."
Ih, num sei não...

Paulo: Ora, ora... O sumido reapareceu. Seja benvindo!
Conforme eu venho dizendo aqui, cada vez mais eu me desencanto com a natureza humana. A religião devia existir para dar valores morais e conter a natureza predadora do Homem. Mas continua sendo motivo para se matar outros seres. E olha que tanto o Alcorão quanto a Bíblia tem claramente escrito "Não matarás".
Al Lewis morreu em santa paz. Pelo menos ele não terá que ver a tempestade que se anuncia para a humanidade. Um abraço.

Paulinho grande Patriota: sei que os seus afazeres são muitos e nos tomam um pouco da sua presença, que, mesmo assim, nunca deixa de ser assídua. Como seu amigo e irmão na Net só posso agradecer por você sempre dispor de seu tempo para dar uma passadinha aqui e ler minhas coisas.
O calor do Rio está batendo todos os recordes. O frio no hemisfério norte também. Parece que a natureza está mandando um recado claro para os homens, mas eles estão preocupados com caricaturas e em como ganhar mais dinheiro ainda.
Um forte abraço para você, caro amigo.

Anônimo disse...

Fiquei pensando no tio Jagamohan e sua aversão ao fanatismo (Embora no Çaturanga ele apoie os mulçumanos).

Anônimo disse...

Acho tudo tão esquisito.
Sempre tão estranho...guerras, mortes...ideologias tão intoleráveis.
E o pior...as pessoas más, precisam se justificar em algo ou alguém para dar a sua causa uma razão de ser.
Não preciso me justificar para falar de amor, apenas preciso que Deus se estampe em meu coração.
Vai ver falta no deles né?

Saudaaaaaaade de ti.

Muita mesmo.

Aparece lá...
um beijo grande...aliás...um beijo enorme no teu coração...provavelmente estampado de Deus...
Vai ver...quando vou até aí...ele me dá um sorriso.
E nem percebo...rsrs.
( sou pra lá de distraída...rs...provavelmente ele saiba disso também, e sempre me perdoa...)
beijão

Marco disse...

Grande Lúcio: Embora eu não conheça o tio Jagamohan e nem faça idéia do que seja Çaturanga... É, concordo contigo.

Claudinha, minha linda: Também estávamos com saudades. Afinal, precisamos de Oxigênio, não é?
O que falta a esta gente é Deus. E muito amor no coração. O que você tem até demais.
O Deus que há em mim certamente há de sorrir para o Deus que há em ti.
E eu, estarei sempre com o peito em festa e o coração a gargalhar na sua presença.

Anônimo disse...

Marco...
"Nem roçando a torre consigo salvar o meu rei do seu xeque. Mas isso você sabe, não é?" Começo com essa pergunta que vc deixou lá. Respondendo, sei não, vc tem que me dizer...rs Aliás, nem tenho bola de cristal. Quanto ao seu belíssimo e bem escrito artigo, fico pensando aqui, que Deus deve sentir muita vergonha de quem mata usando o nome Dele. O Deus que eu conheço, como vc bem disse, é o autor da vida, do amor, da tolerância.
Também n acredito na tese da liberdade de imprensa que tão pregando por aí. Acho que a questão nem de perto passa por esse item.
Q tal se a gente fosse tolerante com as diferenças?

Ei... devargar, tu vai me cativando, cativando, daqui a pouco, é vc o autor do xeque-mate.

Anônimo disse...

ah, esqueci. sua visão cenográfica dos textos, me deixa muuuuuuito muuuuuito feliz.

Anônimo disse...

Beleza Marco? Estava sumido, voltei.

Marco disse...

Bela Dira: Estou certo que nem o Deus deles os reconhece. Afinal de contas, que divindade pode ter um deus que exige que seu seguidores saiam matando por aí...
Liberdade não significa irresponsabilidade. Quem tem uma arma sabe com certeza que tem a possibilidade de ferir alguém. Quem tem a arma do meio de comunicação nas mãos também deve ter a mesma reflexão. O mau uso de ambas acarreta em penalidades na justiça.
A resposta da minha frase (e da sua pergunta),dá-la-ei em seu magnífico blog.
Eu te cativando? Mas o seu talento me cativou há um tempão!!
Tanto que os seus textos me levaram a ter essa visão cenográfica...
Beijo, querida.

Grande Ronie: Seja benvindo!