quarta-feira, fevereiro 22, 2006

Já vimos esse filme...


Boa Noite e Boa Sorte (Good Night and Good Luck, USA, 2005, dir. George Clooney) é bem interessante. Imaginem um programa de TV em que o apresentador classudo diz o que ele acha que deve dizer, mesmo desagradando ao governo americano, aos donos da emissora, ao patrocinador... Em uma época conturbada, onde todos fazem vista grossa e se omitem para não parecerem anti-patriotas, ele rema contra a corrente. Corajoso, não é? Ah, sim. O programa ia ao ar nos anos 50. Em plena caça às bruxas do macartismo.
No filme, vemos o embate entre Murrow (David Straithern, grande desempenho) e sua equipe contra o todo-poderoso senador Joseph McCarthy, aquele mesmo que empreendeu uma cruzada anti-comunista nos EUA, levando pessoas à loucura, à miséria, ao suicídio. O título vem da frase final com que o jornalista se despedia nos seus programas "See it Now" e "Pearson to Pearson", pela CBS. Murrow denunciou os métodos absurdos de McCarthy, chegando a desafiá-lo para que fosse defender seu ponto de vista no próprio programa "See it Now". O senador compareceu e a gente fica tentando imaginar o que foi mais desastroso para a sua imagem: o seu ridículo discurso de defesa ou a resposta que Murrow lhe deu.

Saí do cinema com a impressão que estamos bem precisados de um Edward R. Murrow nos dias de hoje. Especialmente, quando o filme mostrou o personagem recebendo um prêmio, em 1958, e fazendo um discurso onde lamentou que a TV daquela época fosse um mero entretenimento, uma "caixa de luzes e fios", como ele disse, fazendo com que os americanos ficassem preguiçosos de pensar e de se posicionar, aceitando tudo o que o governo e os patrocinadores lhes impingem.
Curiosamente em janeiro último, a secretária Condoleezza Rice anunciou um "programa Edward R. Murrow de bolsas para jornalistas". É isso mesmo. Com o patrocínio do atual governo norte-americano. Fico imaginando, se o próprio Murrow estivesse vivo, ele diria: "Me incluam fora disso. Boa noite e boa sorte".

Destaque para a fotografia em preto e branco, que valoriza muito o uso dramático da iluminação, especialmente quando tem fumaça de cigarro (e como fumava aquele povo!) em cena. Vale ressaltar também a trilha sonora de standards do jazz cantados pela ótima Dianne Reeves. O filme custou meros 7,5 milhões de dólares (tem poucos cenários, poucos atores e muitas cenas de antigos documentários). Contrapostos com as dezenas e dezenas de milhões que os filmes-pipoca perfeitamente esquecíveis gastam, chega a parecer ridículo.
Não acredito que consiga muita coisa no Oscar. Não deve levar nenhuma estatueta das seis indicações. Mas deveria ser visto por todo mundo que tem um mínimo de indignação. Embora, nestes tempos de predomínio policial do Império Americano, a gente fique com a impressão de que já vimos esse filme...
M.S.

9 comentários:

Anônimo disse...

Será que o "Provocações" do Antônio Abujanra se aproxima?

Bruno Capelas disse...

Hehehehe... e o melhor de tudo é que o George Clooney dirigiu... já pensou se ele leva por Ator Coadjuvante(Syriana) e por Diretor? Estranho seria se o Ang Lee perdesse. "Capote" parece ser um filme interessante , na linha de "Ray" e cia. Ou não? E por falar em "Ray" e "Johnny e June" , será feita uma cinebiografia do soulman Marvin Gaye , que se chamará "Sexual Healing". Promessa de trilha sonora excelente , no mínimo. :D

Um abraço!

Anônimo disse...

Grande Marco:

Na Televisão brazuca deveria ter alguém que pudesse ressuscitar pelo menos a sombra do que foi Edward R. Murrow,concilio contigo. Arnaldo Jabor - muitos o acham um mala irreversível -,como apresentador na TV aberta? Mas parece que ele foi lapidado apenas para aqueles estreitos minutos de comentário nos jornais da TV Globo: é essencialmente visual (como McCarthy,diga-se de passagem),naquele festival de caras e caretas,iniludível que tenha o rabinho preso... na minha pálida opinião.

(A propósito de jornalistas de minha estima,eu gostava da arrogância pré-fabricada de Paulo Francis,que escondia sua imensa timidez; mas o jornalista citado morreu de medo do confronto por vir. Alguns conhecem bem o fator que fez o coração de Francis parar para a celebração da música que perdeu o som... portanto,quão diferente do outro,o americano.)

Quanto a Joseph MacCarthy,o poderoso poviléu soube bem colocá-lo no devido limbo.
Em relação a Clooney,só por ter empenhado uma de suas mansões como garantia dos fundos que recebeu para o filme em questão já valeria que se firmasse como diretor. Ele promete. Estimo que a sua próxima labuta como cineasta seja num filme mais palatável à patuléia (o termo foi sem afetação).

Meu amigo,como sempre Você conduziu teu post com assombrosa ponderação e vivacidade. Acho tuas resenhas sempre deleitáveis de ler-se,retórica espontânea que nos enlaça de atenção.

Um excelente "good morning" e "good luck" para todos!

PS: como fumava aquele povo! Fico num misto de impaciência e riso irônico ao ver tais imagens. O risonho,no caso,por lembrar-se o quanto Federico Fellini,subrepticiamente,em AMARCORD,ridicularizou os trejeitos de alguns fumantes. Por isso que só gosto de rever este filme sozinho ou com quem reteve completamente o gênio da Rimini - como alguém chamado Marco Santos,por exemplo.

Anônimo disse...

Foi preciso...

Leia-se: sub-repticiamente.

Anônimo disse...

Um poucochinho mais desperto,voltei para reler meu comentário.

Sono meu,assim não dá: ficaram lacunas pra dedéu.

"Inté"!

Marco disse...

Grande Lúcio: Não, eu não compararia o Murrow com o Abujamra. Primeiro, porque o apresentador do Pearson to Pearson era jornalista. O Abu é um baita artista. Além disso, o Murrow privilegiava a notícia. Fazia suas análises sempre pelo ponto de vista jornalístico. O Abujamra gosta de transformar o fato em espetáculo. Enfim, são posturas e programas bem diferentes.

Bruno, bravo Mutante: Pois é, na minmha análise eu não quis me aprofundar na direção nem na atuação do Clooney. Tenho várias restrições ao ator Clooney, mas admito que os dois filmes que ele dirigiu são belas obras. Especialmente gosto muito deste "Boa noite e Boa sorte". Como escrevi, acho difícil que o filme ganhe alguma coisa no Oscar, mas eu não sou eleitor da Academia (pelo menos, AINDA não sou...) e às vezes os eleitores gostam de fazer surpresas.
O Clooney está concorrendo como coadjuvante por imaginar que vá ter maiores chances e talvez por não concorrer com o seu ator (o excelente David Stathairn), nem com a "barbada" do Phillip Hoffman. Talvez a Academia lhe dê uma guaridazinha, quem sabe...
"Capote" é um belo filme, pode assisti-lo com minhas bênçãos. E recomendo que leia o "A Sangue frio" também. Estou pensando em relê-lo.
Jura? Vem a biografia do Marvin? Caraco! Rapaz, eu dançava "Don't Mess with Mr. T" nas festinhas da minha adolescência. E adoro, adoro "Mercy, Me (The Ecology)", "Let's get it on", "Stop! Look! Listen!"... Um dia desses vou escrever um post aqui sobre o Marvin Gaye. Com certeza, ele é uma de minhas antigas ternuras.

Caro Paulinho grande Patriota: Arnaldo Jabor não seria nem sombra do Murrow. O que sobra em seriedade em, um exacerba em espetaculosidade no outro. Nem no Paulo Francis eu vejo cômpar (termo que você tanto gosta) no Murrow. Aqui no Brasil, eu não sei quem seriam seu correlato. Boris Casoy, talvez? Hummm...Não. Paulo Henrique Amorim? Também não. Talvez o Zé Hamilton, que apresenta o Globo Rural mas é um dos jornalistas mais competentes e sérios que eu já conheci.
Joe McCarthy pagou parte de seus pecados em vida. Mas certamente, nos quintos dos infernos onde ele deve estar, a cobrança por seus erros deve estar sendo bem maior.
Eu não sabia dessa história do Clooney. Vê-se que ele levava mesmo fé em seu filme. Mas deve ter obtido tudo o que investiu e com juros. O filme custou bem pouco, para os padrões hollywoodianos e fez sucesso de bilheteria.
Um grande abraço, parceiro! E obrigado por me ler mesmo sob as fortes tentações de Morfeu.

Gustavo H.R. disse...

Ainda não vi o filme mas concordo quando diz que um sujeito como Murrow faz falta, Marco. Se houvesse vários deles brasileiros, cairia muito bem para nós.

Theo G. Alves disse...

ando ansioso pra ver Boa Noite, Boa Sorte e Brokeback Mountain... mas ando muito mais pra ver Match Point, do Allen... nunca vi falarem tão bem de um filme do Allen, que adoro... vou esperar ansioso...
quanto ao Johnny and June do qual o Mut falou, não preciso nem dizer q estou babando pra que esse chegue logo por aqui...
adoro o Cash e o Joaquim Phoenix é um otimo ator...
um grande abraço deste amigo sumido
:)

Marco disse...

Caro Gustavo: Eu acho que o mundo todo está se ressentindo de jornalistas como o Edward Murrow. aqui no Brasil mesmo, ele iria enquadrar essa canalhada toda sem nem apagar o cigarro.
Um forte abraço.

Nobre Théo: Embora saiba que "MatchPoint" é uma quase unanimidade, vou te confessar não ter gostado nem um pouco do filme. Ainda vou tratar dele aqui no Antigas Ternuras. Mas realmente, o Woody Allen me decepcionou tremendamente.
Um abração!