sexta-feira, fevereiro 24, 2006

Conceitos valem mais que a vida


Tem uma frase de Ghandi que explica mais ou menos a história do filme Munique (Munich, 2005, USA, dir. Steven Spielberg), um dos concorrentes ao Oscar de Melhor Filme: “Olho por olho e acabaremos cegos”. Aliás, frases de forte efeito têm aos montes no filme. Numa delas, Golda Meir diz: “se eles não conseguem viver nesse mundo conosco, vamos expulsá-los desse mundo”. Em uma outra situação, um palestino fala: “O que importa é termos uma nação”. E um outro israelita diz em certo momento: “o que não tem sangue judeu não interessa!”
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Resumir a história desse novo filme de Spielberg é muito simples. Em 1972, durante os Jogos Olímpicos realizados em Munique, terroristas da facção “Setembro Negro” invadem a vila olímpica e mantém reféns atletas da delegação de Israel. Eles pediam a liberação de palestinos presos em troca dos atletas judeus. Seqüestradores e seqüestrados acabam mortos, num banho de sangue que enlutou a bandeira olímpica.
A partir daí, o governo de Israel adota a Lei de Talião (aquela do “olho por olho, dente por dente”), contratando pessoal para dar cabo dos responsáveis pela matança de Munique. Começa o jogo de gato que caça o rato, mas acaba caçado pelo cão, que é perseguido pelo leão, que morre pela mão de seu inimigo: o homem, que mata todos eles.
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Quando eu avisei que iria ver este filme ouvi alguns amigos me dizerem que ele não era grande coisa, que o Eric Bana (que faz o personagem central ...) é fraco, não tem carisma, que é mais um filme judaico do Spielberg etc. etc...
Depois de tê-lo visto, concordei com algumas coisas, discordei de outras das que me disseram. Realmente, o filme não é nenhuma Brastemp. Realmente, o Eric Bana não é um ator carismático, MAS... ele não é fraco e é bem mais que um “filme judaico” do Spielberg. A gente sai do cinema refletindo sobre o que viu e isso é o mínimo que se espera de uma obra de arte.
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Para nós, brasileiros, é difícil compreender como pessoas se mobilizam para matar ou morrer por um conceito abstrato chamado “pátria”, por uma outra abstração denominada “religião”... É mais ou menos aquela prática mafiosa, do “eu mato o meu inimigo, outro vem e me mata, alguém do meu lado mata quem me matou” e a história vira uma espécie de cálculo do número Pi: acréscimos infinitos. Conceitos valem muito mais que vidas.
Quando vemos pessoas matando, morrendo, empreendendo destruição, todos com gosto de sangue na boca, por conta de desenhos infelizes publicados em um jornal da Dinamarca, não temos como entender isso tão distante da nossa cultura. Imagino também que para um palestino seja difícil entender como vendedores ilegais de entorpecentes conseguem fazer uma cidade de refém. E isso a gente entende. Acha um absurdo, mas entende.
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No filme, a gente vê bons desempenhos, como o “Ephraim” de Geoffrey Rush (veja foto), personagens representados com muita verdade pelos atores Ayelet Zorer (Daphna), Ciarán Hinds (Carl), o sempre ótimo Michael Lonsdale (Papa)... Mas o grande destaque é, sem dúvida, a direção de Spielberg, que sabe como poucos contar uma história, fazendo com que a gente “entre” no filme a “acredite” em tudo o que vê. Faço alguns senões por sua tentativa de não colocar os judeus terroristas tão mal na foto. Duvido que na hora do “pega pra capar” os judeus tivessem pruridos de não atirar ou não explodir quem não fosse o alvo primordial de seu atentado. O discurso corrente para quem morre por estar na hora errada, no lugar errado é que na guerra existem perdas colaterais (mesmo quando o colateral somos nós!).

Spielberg tenta atenuar a imagem dos terroristas hebreus e isso enfraquece um pouco o filme. Mesmo, como disse, não sendo um grande filme em sua filmografia, é inegável que a gente não sente os 160 minutos passarem (se bem que o filme melhoraria e muito se retornasse à sala de montagem para uns bons cortes).
De suas indicações para o Oscar, não vejo muita chance dele levar nenhuma estatueta. Tudo bem que a Academia está repleta de judeus. Mas nem assim vejo muito futuro para as premiações de “Munique”. Acho que a comunidade gay dará muitos gritinhos naquele Kodak Theatre...
M.S.
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Queridos amigos: Volto depois do Carnaval com o texto sobre quinto concorrente ao Oscar de Melhor Filme. Bom feriado para todos e...Evoé!

9 comentários:

Anônimo disse...

Caraco!!! Marco desandou a falar só de filmes! Não entendo nada. Não é minha praia. Mas tudo bem, continuarei passando por aqui. Em tempo: Feliz Carnaval. Skindô, skindô...

Anônimo disse...

Grande Marco:

Já pensou se a agenda do respeitável Ben Kingsley,que faria parte do elenco do filme atual de Spielberg no papel honrado - "pero no mucho" - pelo seu substituto,o exato Geoffrey Rush,não estivesse pejada na ocasião? Então,não sei Vocês,mas eu entrava em Munique por 320 minutos... Compraria "bilhete duplo".

Mais um concerto contigo: a película nos faz pensar maduramente sobre as peripécias chãs da intransigência.

Tudo o que é bem-feito,merece minha dilatada estima. Teus últimos textos cinematográficos parecem ter sido lavados numa ponderada lixívia do bem digitado.

Nota: rapaz,baixo a cabeça,achava minha intuição até meio de cão vira-lata,mas até agora não consegui farejar qual tua fita favorita para o Oscar 2006...

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Pois é,amigo,repito que já fui da lira. Bons tempos aqueles,em que eu,afônico,ecoava os versos de Manuel Bandeira em plena carnavália: "Lá se me parte a alma levada/no torvelim da mascarada,/a gargalhar em doudo assomo:/ Evoé,Momo!"

Aproveite bem a véspera foliona da Quaresma,amigos blogueiros!

Abraço,Marco!

Gustavo H.R. disse...

Marco, será que eu poderia copiar seu texto e apenas colocar meu nome na hora de publicar minha crítica? Brincadeira.
Pois concordo com quase, quase tudo que você escreveu. Especialmente com o sexto parágrafo: "Para nós, brasileiros, é difícil compreender como pessoas se mobilizam para matar ou morrer por um conceito abstrato chamado “pátria”, por uma outra abstração denominada “religião”... É mais ou menos aquela prática mafiosa, do “eu mato o meu inimigo, outro vem e me mata, alguém do meu lado mata quem me matou” e a história vira uma espécie de cálculo do número Pi: acréscimos infinitos. Conceitos valem muito mais que vidas.
Quando vemos pessoas matando, morrendo, empreendendo destruição, todos com gosto de sangue na boca, por conta de desenhos infelizes publicados em um jornal da Dinamarca, não temos como entender isso tão distante da nossa cultura. Imagino também que para um palestino seja difícil entender como vendedores ilegais de entorpecentes conseguem fazer uma cidade de refém. E isso a gente entende. Acha um absurdo, mas entende.".

Um filme muito bom (não o melhor de Spielberg ou coisa que o valha), creio que será lembrado por muitos anos por vir.

Cumps.

Anônimo disse...

Grande Marco:

Ainda não assisti "Sra. Henderson Apresenta" ("Mrs. Henderson Presents",Inglaterra,2005).

Mas agora é pra valer: vou torcer, incondicionalmente,pela adorável Judi Dench como favorita ao Oscar 2006 de Melhor Atriz!

Bem,está feita a minha confissão.

Tchau.

PS: sou um fanzoca fervoroso do ferino,irônico humor britânico.

Anônimo disse...

Oi

volte sim...
estou esperando.

Vou assistir a esse filme, e te digo a minha opinião, tá bom

beijo no coração

Anônimo disse...

igual ao ronie... tb n entendo nada de comentar filmes...to esperando vc terminar pra voltar a comentar..rs beijo. (Me perdoa?)

Anônimo disse...

Querido Marco, como foi de carnaval? um grande abraço pra ti.

Anônimo disse...

Querido Marco, como foi de carnaval? um grande abraço pra ti.

Marco disse...

Amigo Ronie: A festa do Oscar é uma de minhas antigas ternuras. Embora trabalhe em Teatro, tenho o cinema como uma de minhas paixões. Embora a parte cinematográfica não seja a sua praia, se você quisesse poderia discutir o assunto de que trata cada filme. De qualquer forma, tem mais dois textos sobre os filmes do Oscar (um já postei). Depois, retorno às variedades costumeiras.

Paulinho grande Patriota: Embora não considere este "Munique" uma das obras-primas do Spielberg, reconheço nele muitas qualidades. Uma delas é a capacidade de entreter a platéia por quase três horas e ainda sobrar assunto para discutir depois.
Para ajudar na discussão sobre o tema intolerância, cabe assistir também a "Syriana - a indústria do petróleo" e "Paradise Now".
Dame Judi Dench é uma atriz maravilhosa. Acho que ela daria uma excelente "Dolores Umbridge" (essa é para quem acompanha os livros Harry Potter). Se ela vai ganhar o carecão? Creio que está na vez da Whiterspoon. Mas se ela ganhar vai estar em muito boas mãos.

Caro Gustavo: Rapaz, você me fez ganhar o dia! Você, que tem uma excepcional capacidade crítica e escreve maravilhosamente bem, apreciou meu modesto texto e até quis "postá-lo" no seu excelente blog Império Cinéfilo...Olha! Tô muito feliz!
Mas o que disse ao nobre Paulinho, reafirmo para você: para aprofundamento no tema de Munique, vale a pena assistir a "Syriana" e a "Paradise Now".

Doce Claudinha: Todos os filmes indicados ao Oscar são bons, inclusive como entretenimento. Pode assisti-los numa boa.

Diramiga: O mesmo comentário que escrevi para o Ronie vale para você, certo?

Carlinha: Descansei bastante, li muito (acabei com todos os livros da série Potter publicados até agora), passeei um pouco. Não sou muito carnavalesco. Imagino que você tenha se acabado aí em Recife, não foi não?