domingo, janeiro 08, 2006

Dores e delícias


Saio para almoçar; e ao passar por uma banca de jornais sou atraído por uma frase em um diário popular daqui do Rio. Ele traz uma entrevista com a atriz Danielle Winits. A moça está lá, na primeira página, toda lânguida com a tal frase encimando a foto: "Tive muitas paixões na vida, mas poucos amores".
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O jornal tratou a declaração como se fosse uma frase lapidar, dita por um Nelson Rodrigues. A frase é de um óbvio ululante que chega a me fazer rir. A vida de todo mundo e cheia de paixões e rasa de amores. Que novidade há na declaração da Winits?
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Nossa, eu tive tantas paixões... Não cheguei a ser um Vinícius de Moraes, que decidiu viver "no cerne da emoção", como disse o Gilberto Gil no filme sobre o Poetinha. Mas andei de coração abrasado por vários períodos de mi perra vida.
Muitas paixões poderiam ter virado amores e se não viraram, em grande parte foi por minha culpa e incompetência, admito. Tem aquela famosa frase que diz "não devemos nos arrepender de nada na vida". Bobagem. É apenas uma frase feita para se alcançar algum efeito, mas sem nenhum valor prático. A gente se arrepende, sim, e muito.
Estou acostumado, como ator, a ensaiar uma cena e fazer várias tentativas até conseguir acertar. Quando acerto é ótimo. Vou adiante, para resolver a cena seguinte. Infelizmente, na vida não tem ensaio. É tudo "de prima", não temos a chance de voltar e tentar refazer a cena. A palavra dita, ou muitas vezes não dita, não dá oportunidade de um segundo take.
Se desse para raciocinar com clareza naquele momento decisivo... mas quem é que consegue pôr a cabeça em ordem no furacão de uma paixão?
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No amor, temos mais calma para nos expressar. Na paixão, não temos tempo. Somos governados pela urgência. Para o amor, os silêncios têm seus significados e seus ganhos. Na paixão, o silêncio é perda de oportunidade. O amor é gesto; a paixão é impulso. O amor é um longo solo de saxofone; a paixão é um acorde de guitarra.
Creio que a paixão é o pré-requisito do amor. Uma espécie de via dolorosa pela qual devemos passar até atingir o estágio edêmico, paradisíaco do amor. Muitas vezes ficamos pelo caminho e a paixão se consome antes de se transformar em sólido amor. E é por isso que temos mais paixões que amores, cara Daniella Winits, você não é diferenciada de nosotros.
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Há dores e delícias em se estar apaixonado. Como também em estar amando, é claro. Quando dá certo, quando paixão e amor acontecem, ah, "It's delightful, it's delicious, it's delectable, it's delirious/ it's dilemma, it's de limit, it's deluxe, it's de-lovely", não é Cole Porter?
M.S.

13 comentários:

Anônimo disse...

Meu Grande:

Que texto foi este que me deixou de olhos meio rasos d'água? Não há dúvida que estavas sob os eflúvios da deidade poemal.

E o desfecho,com o trecho do muito genial Cole Porter fincou pé no requinte emocional.

Se os óbvios ululantes pululam ao deus-dará,não seria aqui a morada exata aos lugares comuns.

Meu espírito de bonança,qual durará mais? A paixão ou o amor?

E ouço o eco de Bandeira:

"(...) Antes,todo ele é gosto e graça.
Amor,fogueira linda a arder!
Amor - chama,e,depois,fumaça...

Porquanto,mal se satisfaça,
(Como te poderei dizer?...)
O fumo vem,a chama passa...

A chama queima. O fumo embaça.
Tão triste que é! Mas... tem de ser...
Amor?... - chama,e,depois,fumaça:
O fumo vem,a chama passa...

Será que os versos serviriam para os ambos sentimentos sublimes,meu inigualável?

Amigo: teu teclado do micro foi a extensão desta tarde maviosa e solarenga por aqui. No teu post porreta não coube coisas mesquinhas como imposto de renda,governo,sinuosidades. Porém,aquilo que move o Sol e as mais estrelas,não é Dante?

Por isso,fique bem certo disto: montarei sempre o potro bravio (a qualidade indomável) do teu blog,sem receio de cair,entretanto. Mesmo que cheguem-me notícias de assustança como,por exemplo,que está fazendo um clima estival na Suécia.

E lá vou eu,anexado na garupa do ANTIGAS TERNURAS,como se junta com um clip uma folha de papel a outra folha de papel.

Boa tarde,Marco. Ótima domingueira para ti,como se diz por aqui.

Nota: fiquei sem palavras sobre o teu comentário a respeito dos meus paupérrimos escritos no blog da Claudia,que,com louvor,já linkei no ZOOM. "Thank you very much".

Anônimo disse...

Adiando uma angústia dominical,voltei para dizer que adiei minha conclusão,e o Amor venceu a Paixão,como bem descreveste a diferença em ótimas metáforas!

Anônimo disse...

Amigo:

Mil perdões,como já se não bastasse o jornalão do meu comentário anterior,mas é que,sob o chuveiro,tive a seguinte inspiração para o teu blog.

Seria para homenagear teu espaço no ZOOM,mas acho que teu recanto merece coisa mais burilada. Vamos lá:

*****
Antigas Ternuras: neste espelho estamos refletidos; neste cristal de tom sépia,mesmo que não seja ele tão remoto assim.

Somos nós que atravessamos esta senda memorial com nossos pés de pó.

Somos nós,algo abstratos porque distantes.

Estamos diante dos nossos nostálgicos espelhos partidos!

*****

Mais uma vez,peço desculpas a todos,pois excedi deveras.

Até amanhã,pessoal.

Anônimo disse...

então
a gente já conversou sobre isso...lembra?
o amor a paixão

muitas vezes me pego aqui...olhando e relendo e passando pelo tempo. Tão rápido.

Não se arrepender do que fez...é errar duas vezes, o.k. Porém, porém...(rs, não parece uma professora falando...rs) Ficar relembrando não nos empurra para frente.
Então acho que essa frase tem lá sua razão de ser.
É uma forma de confissão, aí você reza pai-nosso,ave-maria e fica tudo bem?
Pode me entender?
Até porque, não tem outro jeito mesmo...tem que tocar a vida .

Um beijo no coração.

hoje em especial bem grande.

Anônimo disse...

Querido Marco, para se extrair esta frase tão "profunda" de uma entrevista inteira pode-se imaginar todo o resto... Paciência meu amigo,...em terra de analfabeto não se pode levar tudo ao pé da letra...ops! ou será que era terra de cegos, sei lá...rsrsrsr... falei...beijos de mim

Anônimo disse...

Heheheh... ah se eu tivesse visto esse texto antes , poderia ter feito coisas melhores pra mim mesmo. Mesmo assim , muito obrigado Marco!

Um abraço!

Anônimo disse...

Tudo bem amigo Marco? Espero que sim, voltei à doce rotina de estudos para a diplomacia. Ficarei distante, espero retornar com boas notícias.

Marco disse...

Uêba! Muitos comentários!
Paulinho grande Patriota: Rapaz, eu nem sei o que dizer sobre o que você escreveu. A gente escreve em blog para ser lido pelos outros e quando o que escrevemos, faz alguém refletir e até criar, nossa!, é um prazer elevado ao cubo. Obrigado, amigo, pela força sempre constante que você me dá.
Claudinha: Quando escrevi que é comum a gente se arrepender, por algo feito ou não feito, estava me referindo a um sentimento inerente aos seres humanos. Desde Napoleão, que deve ter remoído um baita arrependimento pela campanha da Rússia até o rapaz tímido que tinha dificuldade de expressar os seus sentimentos para uma garota que particularmente lhe atraía, todo mundo passa por essa sensação. Porém (ah, porém...), ficarmos escravos deste arrependimento é perdermos a chance de aprender o ensinamento que ele proporcionou. Claro, a vida nos empurra pra frente, a fila anda e temos uma vida para viver. Não temos que rezar um padre-nosso e uma ave-maria. Creio que devemos dizer: "Errei. Aprendi. Da próxima vez tentarei acertar". Não é assim?
Madame Linda: Olha, eu só olhei a manchete. Sabe-se lá o que foi dito na matéria, dentro do jornal!!
Eu espero que a frase tenha proporcionado nos outros a mesma reflexão que provocou em mim.
Mutatis: Ah, caro amigo!...Boa parte destes arrependimentos de que eu falei no texto aconteceram quando eu tinha mais ou menos a sua idade! Foi bom ter acontecido lá para que agora eu tenha a experiência de saber como lidar com situações semelhantes. Voc~e é um cara esperto. Vai descobrir o seu próprio caminho das pedras.
Ronie: Que bom que apareceu. Espero que você alcance os seus objetivos.
Abraços e beijos para todos!

Anônimo disse...

Nossa, e que vida inteira ela teve! Está em idade avançada para comentarios como esse. Mas tudo bem, também fazemos, mas pelo menos nao sai no jornal. Abração Marco!

Marco disse...

Está certíssima, Carlinha... Até parece que a Winits tem 82 anos.

Lena Gomes disse...

Oi, doce Marco! A poesia anda solta por aqui, né? NOssa, eu amei teu post... tudo de bom. Não estou inspirada pra escrever como seu amigo Patriota, mas concordo em gênero, número e grau, com o q escreveste sobre amor e paixão... Preciso voltar e reler com calma, e ler todos os outros q sei q estou "perdendo". Bem, na esperança de te conhecer logo mais, despeço-me. Beijocas!!!

Anônimo disse...

Marco,
embora já tenha passeado por diversas vezes aqui em seu recanto virtual tão acolhedor, não pude me furtar a elogiar este seu post em especial. Gostei muito.
O comentário de Winitts é apenas um exemplo deste cada vez mais abundante e forte mercado de famosos, que nos leva a consumir as maiores mediocridades como se fossem receitas de (in)felicidade.

Acho que o amor de verdade ainda é privilégio (ou sacrilégio!) do homem comum, do anônimo cada vez mais raro no mundo do big brother.
É o atributo daquele que não preenche a sua própria opacidade com palavras rasas que têm as pretensões das grandes verdades.
Se, como vc disse, o amor é já o day-after do caos que é o turbilhão da paixão, não é dado amar àqueles que se comprazem com o jogo permanente de luzes, para quem "ser" é apenas "ser percebido", e nada mais.
Parabéns!
Abração,
Alexandre,
teu parceiro de IBGE

Anônimo disse...

aiiiiiiiiiiii, que texto mais lindo, Marco. Que coisa mais liiiinda!