segunda-feira, agosto 08, 2005

Sin City

Não é tarefa das mais fáceis resenhar criticamente o filme “Sin City”, ora em cartaz no circuitão.
Baseado (e bota baseado nisso!) na graphic novel de Frank Miller, que também assina a direção junto com Roberto Rodriguez e “o diretor convidado” Quentin Tarantino, finalmente chegamos à mais completa e perfeita adaptação de quadrinhos para a tela.
Mas o filme é bom? É ruim?
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Não há como reduzir o diagnóstico a esta simplificação dual. Eu, pelo menos, saí do cinema sem saber, com clareza, como responder a esta pergunta.
Antes de abordar o filme, propriamente dito, vale a pena comentar sobre alguns dados curriculares a respeito do criador da história. Com certeza, serão úteis na compreensão da estética do filme.
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Frank Miller trabalhou como roteirista e desenhista nas duas maiores editoras de comics (quadrinhos) norte-americanas – a Marvel e a DC. Fora outros lançamentos em independentes. Com seu inegável talento, ele foi responsável pela reformulação de super-heróis das duas majors. Na Marvel, por exemplo, ele praticamente recriou o “Demolidor”, que era um herói meio sem graça, cuja revista estava prestes a ser cancelada. De roldão, ele deu outra consistência a vilões como o “Rei do Crime” e criou personagens secundários que fizeram enorme sucesso, como o Stick e a sensacional Elektra.
Na DC, para o Batman, ele criou a graphic novel “Cavaleiro das Trevas”, para muitos a melhor história em quadrinhos de todos os tempos (eu discordo, mas reconheço que é uma extraordinária revista). Posteriormente, em “Batman – Ano 1” (roteiro dele e desenhos de David Mazzuccheli), ele põe definitivamente o Morcegão nos trilhos. Miller ainda lançaria outras obras de fôlego e qualidade como “Ronin”, por exemplo. Há coisa de alguns anos, ele lançou a série “Sin City”, com o êxito habitual.
Mas ele não colecionou somente sucessos em sua carreira. Foi dele o roteiro de “Robocop 2”, aqui pra nós, uma bomba de mil megatons. Não sei se por dinheiro, ou por não resistir ao canto da sereia da DC Comics, ele lançou também o “Cavaleiro das Trevas 2”, uma bobagem do tamanho de Gothan City.
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É inegável que ele criou um estilo pessoalíssimo nos quadrinhos, baseado em muita violência com toques de humor e incluindo flertes com as artes marciais (especialmente a japonesa). Alguém identificou entre os cineastas alguém com estas características? Ponto para quem disse: “Quentin Tarantino”. Estava claro que mais cedo ou mais tarde seus caminhos iriam se cruzar. Pois se cruzaram em “Sin City”. Roberto Rodriguez (diretor de “O Pistoleiro” e “Pequenos Espiões”), da “tchurma” do Tarantino, serviu de elo de ligação entre os dois.
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O filme conta histórias de personagens que se entrelaçam no submundo da cidade de “Basin City”. Um tanto pela placa nos arredores, que está com o “B” e o “A” meio apagados (sobrando o “SIN CITY”, grande sacada), outro tanto maior pelos habitantes daquele lugar – polícia e políticos corruptos (marca pessoal de Miller), prostitutas, sujeitos durões, um pedófilo e até um canibal, aquela cidade faria Sodoma e Gomorra parecerem Disneyworld, de tanto pecado (“sin”, em inglês) que rola por lá .
Miller eleva à última potência o conceito de filme noir (aquele em que tudo de interessante só acontece a noite, aliás, em Sin City parece que a noite dura 24 horas). Neste quesito, o filme é brilhante. As cenas e os enquadramentos parecem ter usado a própria revista como story board: algumas são literalmente iguais. Os diálogos também são bem “noir” e bem “Frank Miller”.
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Os atores escolhidos para darem vida aos personagens são um capítulo à parte. Todos estão rigorosamente perfeitos, parece que saíram da revista para o set de filmagem. Nota mil para a seleção de elenco. Vemos um Mickey Rourke ressurgir das cinzas em um personagem que parece ter sido criado especialmente para ele. Consta que foi o Rodriguez quem teve essa sacação e acabou convencendo o Miller a comprar a idéia. Foi perfeito. Bruce Willis fez o seu personagem “tough guy” habitual. É a melhor coisa que ele sabe fazer. Rutger Hauer, Michael Duncan, Clive Owen, um surpreendente Elijah Wood, fazem pequenas mas significativas aparições. A mulherada gostosuda (fundamental em quadrinhos) parece que foi esculpida pelo traço do Miller, com destaque para Jessica Alba (anotem este nome), a “Susan”. Até o próprio Frank Miller faz uma pontinha como “Priest”. Outros atores que eu não lembro agora também estão ótimos no filme.
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Os cenários, foram todos praticamente criados em computador, a partir do que já havia sido desenhado na revista. Os atores representaram diante de uma tela verde e depois foram inseridos na Sin City virtual. Tudo feito com a classe habitual do Mr. Miller.
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Se tudo está tão divino e maravilhoso, qual é o problema então? É o seguinte: uma coisa é ver toda aquela violência num gibi; outra é assistir aquela profusão de sangue espirrando, braços, pernas, cabeças sendo decepadas, socos de arrancar pedaço, tiros tão generosamente distribuídos, mordidas arrancando nacos, shuriken (em forma da suástica nazista, olha o humor negro aí, gente!) se cravando na cara e na bunda, flechaços, granadaços...tudo ao mesmo tempo agora! O acelerador não alivia nem um pouco, da primeira à última cena a gente assiste empurrando o corpo de encontro ao encosto da cadeira e não há quem agüente isso. Chega a um ponto que vira tão banal que perde o impacto que deveria causar. A violência do recente cinema americano transformou em algo corriqueiro o que deveria chocar. Para se ter uma idéia, no gibi, existem mais cenas de nus, com personagens exibindo aqui e ali uma bunda, um peito ou até mesmo as “jóias da família”, como o “homem amarelo”. No filme, taparam as partes pudendas para o filme não cair na classificação “restrito para maiores de 18 anos”, o que nenhum blockbuster pode ser, sob pena de faturar minguada bilheteria. Agora vejam vocês, colocar uma granada em uma cabeça decepada, serrar membros, espirrar sangue para tudo que é lado não faz um filme entrar no “restricted”. Bundas, peitos e pintos fazem. Vai alguém dormir com um barulho desses...
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Pois é. O que vemos freqüentemente em filmes de Tarantino e que em “Sin City” é explorado às últimas conseqüências não choca mais, ao contrário: faz-nos banalizar o que não deveria, de forma alguma ser banal.
Daí que eu saí do cinema um tanto dividido se tinha apreciado aquele espetáculo estético ou se deplorava aquela estética espetaculosa.
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Para quem não viu, algumas recomendações: se você gosta de filme noir, corra para ver; se você não gosta de quadrinhos americanos, não vá assistir. Se você, gosta de ver a tela pingando sangue, vá urgente para a fila do Unibanco Arteplex (ou outro local de sua preferência); se você detesta filme violento, nem saia de casa.
M.S.

12 comentários:

Marco disse...

Por esta eu não esperava...SPAM em blog???????

Anônimo disse...

Sou mais velhinho, lembro do frisson causado pelas publicações de Frank Miller. Quanto tempo faz?... Uns vinte anos talvez! Ronin é simplesmente perfeito. Bem verdade, que tinha dificuldade para entender o que acontecia. Meus pais achavam que eu estava ficando meio louco, totalmente nerd. Pré-adolescente lendo aquelas coisas "estranhas" e ouvindo Van Morrison era de doer. Leu "O Edifício" de Will Eisner? Um contraponto à violência de Miller, e daquele outro que esqueci o nome agora(acho que era John, John, John o quê mesmo? ou Alan ... sei não... tô velho). Ah, em tempo, não li "Sin City". Não sei porque sempre associo a expressão à música "Sun City",projeto do guitarrista (olha eu esquecendo o nome de novo) da Banda de Bruce Springsteen. Era um manifesto contra o racismo. No Brasil, o Detrito Federal cumpriu o seu papel apresentando o funk para a comunidade punk: era o começo do fim da banda. Vixe. Misturei as bolas todas né? Foi mal.

Marco disse...

Ronie, estou respondendo no próprio site por não ter o seu endereço eletrônico.
Como diria o velho Jack, vamos por partes.
Não acredito que você seja mais "velhinho" do que eu. Acho que leio gibis há mais tempo do que você.
Concordo que Ronin é muito bom. O Frank lançou uma outra série da qual não me recordo o nome, mas que falava da invasão de marines na floresta amazônica, que àquela altura (velho sonho americano) estava internacionalizada. Também foi boa.
Se eu li "O Edifício"do Eisner? Lógico! E mais: quando ele esteve no Brasil, na década de 90, levei o meu exemplar de "Um Contrato com Deus" para ele autografar. Troquei rápidas palavrinhas com ele, que tal?
John Romita? Falta mais inputs.
Alan só pode ser o Alan Moore (leia o meu post sobre "V de Vingança", está mais abaixo). Como escrevi, este é O cara! Mas ainda tem o Neil Gaiman que é uma espécie de "deus dos quadrinhos" (ele é roteirista).
Se você ainda quiser ler as histórias de "Sin City" é só ir a uma boa gibiteria. Mas se você assistir ao filme, só perderá uma das histórias da série e que não foi incluída. As demais estão lá. Iguaizinhas à revista, só que em forma de filme.

Anônimo disse...

Que inveja!!! O máximo de contato com as estrelas foi uma foto com Jazzie B no BMF. No entanto, estava cheio de cerveja na cabeça, um fotógrafo da DJ Sound registrou tudo e nunca me mandou a foto. Dxá prá lá.

Anônimo disse...

Fiz besteira: o correto é ronie.santos@ig.com.br

Anônimo disse...

Apesar da violência, Marco, minha opinião é bem clara: trata-se de um filmaço!
Seria hipócrita transpor o visual das HQs para as telas e não transpor a violência!
Hipócrita é considerar o nudismo mais grave que a violência. Nisso você tem toda a razão.
Por falar nisso, o que eu vi de gente saindo da sala, chocada com a violência do filme, não está no gibi... literalmente(êta jogo de palavras podre!).
As pessoas deviam se informar melhor antes de entrar numa sala de cinema!
Ou, como você ressaltou, a própria classificação etária do filme deveria ser levada mais a sério. Assim, as pessoas saberiam que se trata de algo bem pesado.

Anônimo disse...

Embora não goste de sangue pingando na tela ou fora dela, segui seu conselho e fui ao Unibanco Arteplex conferir "Sin City". Concordo com todos os elogios feitos ao filme. Mesmo sendo da paz, a violência do filme me incomodou menos do que seu ritmo frenético. E a 2ª lição do nosso curso, recebeu? Já vou marcar um teste, hein?! Abração!

Anônimo disse...

Uma das minhas paixões atuais é ler gibi que não li em minha infância e adolescência. Tanto da Marvel quanto da DC. Já comprei um monte de relançamento. Cavaleiro das Trevas, Zero hora, A morte do Superman, Enciclopédia Marvel, Morte do Robin e tantas outras. Mas gosto particularmente do Frank Miller e seus Trezentos de Esparta. Não tenho este tino para comentar quanquer obra. Mas convenhamos, como é que um garoto consegue entender as questões temporais que são colocados nestes quadrinhos?

Anônimo disse...
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Marco disse...

Paulo e Evandro:
Tenho visto todos os filmes baseados em quadrinhos. Com exceção do "Batman Bejins", nenhum outro me satisfez inteiramente. Com "Sin City" percebi que o que eu tolero LENDO nos quadrinhos, ao ser transposto para a tela a mesma coisa ganha uma força muito maior. Não nego que seja um bom filme. Acho, entretanto, que esta estética da violência exacerbada está começando a cansar.

Marco disse...

Leônio,
Hoje em dia praticamente não leio mais gibi. Não que eu não goste. Só acho que ficou caro demais e com resultados pouco satisfatórios.
Sobre a sua pergunta, infelizmente gibi de super-herói não é mais coisa para criança (como éramos quando começamos a ler gibi. E olha que eu aprendi a ler em revista em quadrinhos, heim!). Como o produto encareceu muito, os roteiristas tiveram que tornar as histórias mais complexas, pois a clientela é outra.
Mantenho os meus gibis favoritos, como Watchmen, Sandman, Cavaleiro das Trevas, A Piada Mortal, V de Vingança (leu meu post aqui no AT?), as graphics do Will Eisner...

Anônimo disse...

O bacana é a gente ficar procurando as edições antigas. Parece uma caça a tesouros. Estou a procura daquela saga que o Thanos tem poderes ilimitados com uma manopla, não me recordo do nome agora. Foi esta saga que me atiçou os sentidos pelos gibis de Heróis. Antes lia somente da Walt Disney. Sei muita coisa sobre este tema. Lembro bem do amigo jornaleiro que connheci e que me permitia ler o que quizesse.