quarta-feira, maio 04, 2005

Pasto para as bestas

Eu confesso que gosto de assistir a filmes de terror e de suspense. Pode vir Drácula, Lobisomem, Freddy Krugger, Hannibal Lecter, o escambau, que eu levo susto, atiço a adrenalina mas saio do cinema tranqüilo, a história não me afeta mais.
Ontem eu vi um filme que me deixou apavorado. Chama-se "Quase dois irmãos", da Lucia Murat, com Caco Ciocler e Flavio Bauraqui (ambos excelentes) no elenco. Quando eu vejo filmes de terror, eu tenho certeza que não vai aparecer nenhum vampiro para me chupar o sangue, nenhum "serial killer" de olhar medonho para me atacar. Mas, se eu não sou personagem de uma "Sexta-feira 13" qualquer, admito que sou uma vítima em potencial da violência que grassa pela cidade. Aliás, quem não é...
Quando eu era mais jovem, eu via na polícia uma entidade que me protegia. Hoje, ela me amedronta tanto quanto o criminoso, de quem ela deveria me proteger. Eu me sinto como se fosse "alimento" para bestas-feras que estão ao meu redor.
Quando eu fazia faculdade de jornalismo na UFF, em Niterói, saía de lá muitas vezes na barca das 22h 30min, chegava no Rio vinte minutos depois e saía andando, calmamente, da Praça 15 até a minha casa, a uns três quatro quilômetros dali. Atualmente, estar no meu carro, correndo a 80km por hora, em dia claro, não me deixa tranqüilo.
Tergiverso, eu sei. Comecei este texto falando do filme. Pois é. Quem for assisti-lo verá na tela assuntos que estão aí, à disposição dos sociólogos de plantão: o tráfico convocando crianças, a polícia vendendo armas pesadas para os traficantes, a absoluta e total falta de senso moral que faz com que jovens traficantes matem por qualquer razão ou sem qualquer razão, o envolvimento amoroso de moças da classe média e alta com rapazes do tráfico... Está tudo lá.
A impressão que eu tenho é que abriram as portas do Umbral, do Inferno, sei lá, e todas aquelas almas torturadas resolveram encarnar e nos transformar em seu "pasto" particular. E que ninguém me venha com discursos babacas, de sociologia de botequim da Zona Sul, assegurando que isso é decorrência da "falta de dinheiro, de emprego"... porque é muito mais do que isso! Pode oferecer emprego e escola para estes jovens do tráfico que eles rirão na sua cara. Emprego nenhum, escola nenhuma dá a sensação de poder que uma AR-15 dá a estas pessoas. As moças de boa família que se envolvem com os traficantes não tem problemas de dinheiro nem de falta de escolas. E elas insistem em subir os morros, concordando em se tornar componentes do harém de algum dono de boca de fumo.
Não há solução? Acredito que deva haver alguma. Eu não tenho idéia do que seja. Mas não é possível que não haja uma saída para isto. A cidade de New York já foi extremamente perigosa. Entretanto, em 1997, eu andei por lá, altas madrugadas, saindo dos teatros, pegando metrôs ao lado de velhinhas e nada me aconteceu. O que deu certo lá, no combate a violência? A "Tolerância Zero" do prefeito Giuliani? Em grande parte, sim. Mas se a comunidade nova-iorquina não colaborasse com um "Basta!", nada daria resultado. E este "basta1" não quer dizer pendurar nas janelas faixa com esta palavra. É muito mais. É talvez a classe média e rica parar de comprar drogas, enriquecendo os traficantes. É dar um choque de cidadania e civilidade no trato com a população. É uma porção de coisas que eu levaria semanas digitando aqui e não chegaria ao fim.
Recomendo a todos que assistam a "Quase Dois Irmãos". Desde já, o meu candidato brasileiro à indicação para o Oscar. Recomendo a todos que pensem na situação em que vivemos. Que Deus nos ajude. E que ajudemos a Ele nesta salvação.
M.S.

Um comentário:

Anônimo disse...

Marcão, não se apavore...
Você mesmo responde aos seus questionamentos com as suas elocubrações em "Comédia de Costumes" onde, saudosamente, relembra os valores morais que nos eram repassados pelo "Papai sabe-tudo", ou "Os Waltons".
Hoje em dia o que temos? Novelas instigando o sexo livre, violência, a lei do mais forte, etc. E não adianta dizer que o mocinho sempre ganha no final porque já não funciona assim. O que fica caracterizado é que o bandido até pode morrer mas, até isto acontecer, o cara se dá bem prá caralho!