sexta-feira, fevereiro 24, 2006

Conceitos valem mais que a vida


Tem uma frase de Ghandi que explica mais ou menos a história do filme Munique (Munich, 2005, USA, dir. Steven Spielberg), um dos concorrentes ao Oscar de Melhor Filme: “Olho por olho e acabaremos cegos”. Aliás, frases de forte efeito têm aos montes no filme. Numa delas, Golda Meir diz: “se eles não conseguem viver nesse mundo conosco, vamos expulsá-los desse mundo”. Em uma outra situação, um palestino fala: “O que importa é termos uma nação”. E um outro israelita diz em certo momento: “o que não tem sangue judeu não interessa!”
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Resumir a história desse novo filme de Spielberg é muito simples. Em 1972, durante os Jogos Olímpicos realizados em Munique, terroristas da facção “Setembro Negro” invadem a vila olímpica e mantém reféns atletas da delegação de Israel. Eles pediam a liberação de palestinos presos em troca dos atletas judeus. Seqüestradores e seqüestrados acabam mortos, num banho de sangue que enlutou a bandeira olímpica.
A partir daí, o governo de Israel adota a Lei de Talião (aquela do “olho por olho, dente por dente”), contratando pessoal para dar cabo dos responsáveis pela matança de Munique. Começa o jogo de gato que caça o rato, mas acaba caçado pelo cão, que é perseguido pelo leão, que morre pela mão de seu inimigo: o homem, que mata todos eles.
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Quando eu avisei que iria ver este filme ouvi alguns amigos me dizerem que ele não era grande coisa, que o Eric Bana (que faz o personagem central ...) é fraco, não tem carisma, que é mais um filme judaico do Spielberg etc. etc...
Depois de tê-lo visto, concordei com algumas coisas, discordei de outras das que me disseram. Realmente, o filme não é nenhuma Brastemp. Realmente, o Eric Bana não é um ator carismático, MAS... ele não é fraco e é bem mais que um “filme judaico” do Spielberg. A gente sai do cinema refletindo sobre o que viu e isso é o mínimo que se espera de uma obra de arte.
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Para nós, brasileiros, é difícil compreender como pessoas se mobilizam para matar ou morrer por um conceito abstrato chamado “pátria”, por uma outra abstração denominada “religião”... É mais ou menos aquela prática mafiosa, do “eu mato o meu inimigo, outro vem e me mata, alguém do meu lado mata quem me matou” e a história vira uma espécie de cálculo do número Pi: acréscimos infinitos. Conceitos valem muito mais que vidas.
Quando vemos pessoas matando, morrendo, empreendendo destruição, todos com gosto de sangue na boca, por conta de desenhos infelizes publicados em um jornal da Dinamarca, não temos como entender isso tão distante da nossa cultura. Imagino também que para um palestino seja difícil entender como vendedores ilegais de entorpecentes conseguem fazer uma cidade de refém. E isso a gente entende. Acha um absurdo, mas entende.
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No filme, a gente vê bons desempenhos, como o “Ephraim” de Geoffrey Rush (veja foto), personagens representados com muita verdade pelos atores Ayelet Zorer (Daphna), Ciarán Hinds (Carl), o sempre ótimo Michael Lonsdale (Papa)... Mas o grande destaque é, sem dúvida, a direção de Spielberg, que sabe como poucos contar uma história, fazendo com que a gente “entre” no filme a “acredite” em tudo o que vê. Faço alguns senões por sua tentativa de não colocar os judeus terroristas tão mal na foto. Duvido que na hora do “pega pra capar” os judeus tivessem pruridos de não atirar ou não explodir quem não fosse o alvo primordial de seu atentado. O discurso corrente para quem morre por estar na hora errada, no lugar errado é que na guerra existem perdas colaterais (mesmo quando o colateral somos nós!).

Spielberg tenta atenuar a imagem dos terroristas hebreus e isso enfraquece um pouco o filme. Mesmo, como disse, não sendo um grande filme em sua filmografia, é inegável que a gente não sente os 160 minutos passarem (se bem que o filme melhoraria e muito se retornasse à sala de montagem para uns bons cortes).
De suas indicações para o Oscar, não vejo muita chance dele levar nenhuma estatueta. Tudo bem que a Academia está repleta de judeus. Mas nem assim vejo muito futuro para as premiações de “Munique”. Acho que a comunidade gay dará muitos gritinhos naquele Kodak Theatre...
M.S.
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Queridos amigos: Volto depois do Carnaval com o texto sobre quinto concorrente ao Oscar de Melhor Filme. Bom feriado para todos e...Evoé!

quarta-feira, fevereiro 22, 2006

Já vimos esse filme...


Boa Noite e Boa Sorte (Good Night and Good Luck, USA, 2005, dir. George Clooney) é bem interessante. Imaginem um programa de TV em que o apresentador classudo diz o que ele acha que deve dizer, mesmo desagradando ao governo americano, aos donos da emissora, ao patrocinador... Em uma época conturbada, onde todos fazem vista grossa e se omitem para não parecerem anti-patriotas, ele rema contra a corrente. Corajoso, não é? Ah, sim. O programa ia ao ar nos anos 50. Em plena caça às bruxas do macartismo.
No filme, vemos o embate entre Murrow (David Straithern, grande desempenho) e sua equipe contra o todo-poderoso senador Joseph McCarthy, aquele mesmo que empreendeu uma cruzada anti-comunista nos EUA, levando pessoas à loucura, à miséria, ao suicídio. O título vem da frase final com que o jornalista se despedia nos seus programas "See it Now" e "Pearson to Pearson", pela CBS. Murrow denunciou os métodos absurdos de McCarthy, chegando a desafiá-lo para que fosse defender seu ponto de vista no próprio programa "See it Now". O senador compareceu e a gente fica tentando imaginar o que foi mais desastroso para a sua imagem: o seu ridículo discurso de defesa ou a resposta que Murrow lhe deu.

Saí do cinema com a impressão que estamos bem precisados de um Edward R. Murrow nos dias de hoje. Especialmente, quando o filme mostrou o personagem recebendo um prêmio, em 1958, e fazendo um discurso onde lamentou que a TV daquela época fosse um mero entretenimento, uma "caixa de luzes e fios", como ele disse, fazendo com que os americanos ficassem preguiçosos de pensar e de se posicionar, aceitando tudo o que o governo e os patrocinadores lhes impingem.
Curiosamente em janeiro último, a secretária Condoleezza Rice anunciou um "programa Edward R. Murrow de bolsas para jornalistas". É isso mesmo. Com o patrocínio do atual governo norte-americano. Fico imaginando, se o próprio Murrow estivesse vivo, ele diria: "Me incluam fora disso. Boa noite e boa sorte".

Destaque para a fotografia em preto e branco, que valoriza muito o uso dramático da iluminação, especialmente quando tem fumaça de cigarro (e como fumava aquele povo!) em cena. Vale ressaltar também a trilha sonora de standards do jazz cantados pela ótima Dianne Reeves. O filme custou meros 7,5 milhões de dólares (tem poucos cenários, poucos atores e muitas cenas de antigos documentários). Contrapostos com as dezenas e dezenas de milhões que os filmes-pipoca perfeitamente esquecíveis gastam, chega a parecer ridículo.
Não acredito que consiga muita coisa no Oscar. Não deve levar nenhuma estatueta das seis indicações. Mas deveria ser visto por todo mundo que tem um mínimo de indignação. Embora, nestes tempos de predomínio policial do Império Americano, a gente fique com a impressão de que já vimos esse filme...
M.S.

segunda-feira, fevereiro 20, 2006

Sururu de Capote


A comunidade gay está em festa. E deixemos eles festejarem. Passaram tanto tempo oprimidos que quando aparece um momento para comemorar, a gente tem mais é que deixar os caras na paz.
Mas a festa a que me refiro deverá acontecer na próxima entrega do Oscar. O grande filme favorito para levar o careca mostra que os brutos também amam (os outros brutos). E para Melhor Ator, tem um candidato que também é favoritíssimo: Phillip Seymour Hoffman. Ele deu um show representando o jornalista e escritor Truman Capote (que era homossexual assumido), no filme "Capote" (USA, 2005, dir. Bennet Miller). Imagino que vai ser o maior sururu se pintar Capote com Brokeback! (sururu como sinônimo de festa, bagunça, agito)
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E entre concorrentes ao Oscar de Melhor Ator, realmente Phillip está sobrando. Sua caracterização de Truman Capote está excelente. Não é tarefa fácil representar personagem que viveu há bem pouco tempo. E ainda por cima alguém que tinha características tão fortes e marcantes como o Capote original. Representar alguém assim é caminhar no fio da navalha: um cochilo e acaba resvalando na caricatura.
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Por isso, representar personagens contemporâneos pode consagrar, mas também pode detonar a carreira de um ator. E olha que eu tenho um palpite que vamos ter dobradinha de oscarizados que representaram pessoas que viveram até recentemente. Naquela foto dos vencedores das principais categorias, em Melhor Atriz acho que vai pintar... Reese Whiterspoon, por seu desempenho em "Johnny e June". Não que ela esteja fantástica no papel, mas fez um bom trabalho, num tipo de personagem que Hollywood adora premiar. Além disso, é uma atriz que está batalhando para ocupar o trono de "namoradinha da América", vago desde o ocaso de Meg Ryan. E a Reese vai meter o queixo (que é enorme!) para levar essa.
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Em "Capote" não temos a biografia do jornalista e autor literário (e ator bissexto, que eu assisti em "Annie Hall" e no hilário "Assassinato por Morte"). Vê-se lá a "biografia" do seu livro "A Sangue Frio": como ele foi escrito e o seu processo de elaboração. O livro é excelente. Eu o li há bastante tempo e posso garantir que é leitura vertiginosa. Logo nas cenas de abertura do filme, a gente percebe que se trata de uma obra muito bem conduzida. Já ganha o espectador de cara.

A história começa em 14 de novembro de 1959, no Kansas, quando Perry Smith e Richard Hickock assassinam a família Clutter de forma hedionda. Eles são presos. Truman Capote (1924-1984), junto com sua amiga e assistente, a também escritora Nelle Harper Lee (autora de "To Kill a Mockinbird", livro que gerou o filme "O Sol é para todos", com Grregory Peck), se aproximam das pessoas envolvidas no crime: quem viu os corpos, o xerife da cidade, o agente do FBI que estava investigando o caso, e, é claro, os dois acusados de assassinato.
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Se inicialmente Capote pensava em fazer uma matéria para a New Yorker, logo depois ele veria ali um livro de não-ficção. Com paciência e método, ele vai envolvendo as pessoas, os próprios assassinos, a ponto de fazê-los acreditarem que ele era amigo deles. Consegue os diários de Smith e as anotações dos investigadores e com isto vai montando o livro, escrito com estilo inigualável. Faltava a explicação dos assassinos sobre que exatamente aconteceu naquela noite. Ele vai enrolando Smith, mentindo para ele até finalmente conseguir que ele descreva como matou os Clutters. Smith e Hickock são condenados à forca, mas fazem diversas apelações a instâncias superiores, como é de praxe. Só que Truman não precisava mais deles vivos. O ponto final do livro só seria colocado quando eles pendessem na ponta da corda...
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O filme propicia um farto debate sobre ética jornalística que nem dá para desenvolver aqui, sob pena deste texto virar umas dez laudas. De qualquer forma, nos 98 minutos do filme vemos como era autocentrada a personalidade de Capote, um cara capaz de pagar um carregador de malas para elogiar o seu livro na frente de alguém.
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Como já citei acima, Philip Seymour Hoffman (também um dos produtores do filme) dá o seu show, conseguindo montar um Capote até em seus mínimos maneirismos (como mexer o lábio superior de vez em quando), passando pela aquela voz personalíssima. Outros destaques nos desempenhos vão para Catherine Keener (excelente, como Nelle Harper Lee), Clifton Collins Jr. (fantástico como o assassino Perry Smith) e o sempre correto Chris Cooper (como o agente Alwin Dewey). Na verdade, todo o elenco está impecável. Além de Catherine Kinner, Clifton poderia também ter pego indicação para Melhor Coadjuvante sem nenhum problema.
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De suas 5 indicações, Melhor Ator é barbada. Deveria ter chances com Melhor Atriz Coadjuvante, mas o Oscar deve ir para Michelle Williams (Brokeback) ou Rachel Waisz (Jardineiro Fiel). Uma pena. Catherine Kinner não fica atrás das duas. Em Roteiro Adaptado até poderia competir com Brokeback, mas acho que não vai nem ameaçar.
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Dos cinco, "Capote" é um dos três melhores. Mas suas chances são mínimas com relação ao superestimado Brokeback. Resta rezar. Mas, como diz a epígrafe de um livro de Truman: "Mais lágrimas são derramadas por graças alcançadas do que pelas não alcançadas", então não adianta chorar. O douradinho vai subir para as campinas verdejantes de Brokeback Mountain...
M.S.

sábado, fevereiro 18, 2006

Lá vem o velho Oscar...


Não tem jeito. Festa do Oscar é que nem horóscopo de jornal: a gente sabe que não deve levar a sério, mas sempre dá uma olhadinha...
Eu assisto à entrega do Oscar desde, sei lá, mil novecentos e não vem ao caso. Lembro que quando era mais jovem, tinha que negociar com a minha mãe para ficar acordado até mais tarde. Ficava com um sono boçal, mas tentava aguentar o mais que eu podia. Torcia pelos meus favoritos (sempre torço), xingava quando a estatueta ia para um filme que não merecia, aquela coisa toda que o pessoal que gosta de cinema costuma fazer.
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Bem, já fui assistir aos cinco filmes que concorrem ao carecão dourado. Vou dar a minha modesta opinião sobre cada um deles e no final revelo por qual vou torcer. Como botar tudo num post ficaria grande demais, vou postando um por um, a cada dois dias. A começar por este aí de baixo.
M.S.

Cauboiolas com a mão no careca


O favoritismo de o "Segredo de Brokeback Mountain" (Brokeback Mountain, USA, 2005, dir. Ang Lee) para levar o Oscar de Melhor Filme é tão grande que se os apresentadores desta categoria não lerem este nome no envelope, vai se ouvir o maior “oooooohhhh...” da história do Kodak Theatre.
Mas, aqui pra nós... Não sei a razão deste favoritismo todo.
O filme absolutamente comum, banal.... se não se tratasse de uma love story gay. Tirem o par de caubonecas e ponham um casal homem-mulher no lugar e teremos o filme mais sem graça entre os concorrentes. Diriam alguns: “mas ele desmistifica um ícone americano, o do caubói machão. Por isso ele revoluciona.” Menos, bem menos... Ele revolucionaria de fato se fosse lançado há uns vinte anos, no início da Era da Aids. Atualmente, relacionamentos homossexuais não chocam mais a ninguém. Aliás, ainda bem. Finalmente perceberam que ninguém tem de se importar com a opção sexual dos outros. Por isso, não vejo muita novidade em um filme tratar a sério a paixão de dois caras. Mesmo que a platéia comece a rir em alguns momentos.
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A história é a seguinte: Ennis Del Mar (Heath Ledge) e Jack Twist (Jake Gyllenhaal) são contratados para levar ovelhas para o verdejante pasto próximo ao Morro das Costas Quebradas (não me perguntem de quem são estas costas...) – Brokeback Mountain. Lá, naquele belo lugar, numa noite solitária e fria, Del Mar e Twist dividem a barraca e o pau da barraca. Inclusive é Twist quem acaba dançando.
A partir daquela noite, nada seria como antes para ambos. Finalmente, os dois gaúchos de Pelotas, no Wyoming, tinham se descoberto para “o amor que não ousa dizer o nome”, como escreveu Oscar Wilde. Mesmo casados (com mulheres), e com filhos, volta e meia eles davam a desculpa de que iam pescar, para se encontrarem nos rios e lagos de Brokeback. Só se fosse para pegar bagre, robalo e outros peixes de duplo sentido. Pelo menos, os dois levavam vara. E bota ânus, quer dizer, anos nessa relação! De 1963 a 1984.
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O início do filme tem planos de inegável beleza plástica. O rebanho de ovelhas desfilando naquele cenário belíssimo faz lembrar um comercial de TV. Fiquei esperando que a qualquer momento entrasse um locutor dizendo: “venha para a Terra de Malboro”.
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Em que pese a montanha de prêmios que o Ang Lee está recebendo, não vejo a sua direção como nada de excepcional. Os protagonistas, Heath Ledge e Jake Gyllenhaal também não estão lá estas coisas. Header faz a linha “durão de poucas palavras”, inclusive articulando mal para mostrar que as palavras lhe custam ao sair da boca. Percebi alguma verdade na atuação de Michelle Williams (Alma, mulher de Ennis, a que levou chifre de um vaqueiro).
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Das oito indicações para o Oscar, BrokeAss é franco favorito para levar o careca de Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Atriz Coadjuvante (vai disputar com a Rachel Weisz) e Roteiro Adaptado.
No final, fica o simbolismo da cena em que Jack mira com olhos gulosos o peru que está na mesa de Natal e quando ele e Ennis atiram em um veado galhudo, nas montanhas, mostrando que a classe é realmente desunida.
M.S.

quarta-feira, fevereiro 15, 2006

Evite acidentes: leia


Noutro dia, flanando pela Internet li uma notícia curiosíssima. Parece que em tempos recentes, um fato tem afetado as estatísticas de saúde da Grã-Bretanha. Lá, durante cerca de duas semanas após este fato, o número de atendimentos em hospitais por conta de acidentes, fraturas e outras contusões cai drasticamente, especialmente em crianças e adolescentes na faixa dos 7 aos 16 anos.
Querem saber que fato mágico é este?
O lançamento de cada um dos livros da série Harry Potter.
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Tão logo um desses livros da Joanne K. Rowlings chega às livrarias, a molecada britânica se atraca com ele, permanecendo em casa e fazendo baixar os indicadores estatísticos de saúde. A notícia que li só fala dos números britânicos, mas imagino que em alguns países a "febre Potter" tenha efeito parecido.
Esta notícia nos leva a pelo menos duas reflexões.
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Primeiro: os livros têm qualidade e isso eu posso atestar. Na última semana do ano passado, eu estava em um hotel-fazenda e decidi conferir se a saga do bruxinho era realmente boa. Peguei o primeiro livro: "Harry Potter e a Pedra Filosofal". Eu o li em dois dias. Na semana seguinte, peguei o segundo, "Harry Potter e a Câmara Secreta". Não levei mais que dois dias. Então, eu me atraquei com o terceiro (Prisioneiro de Azkaban) e dei cabo dele nos mesmos dois dias. Já terminei o quarto (Cálice de Fogo) e caindo de olhos no quinto (Ordem da Fênix).
É uma leitura vertiginosa. Não lia nada assim desde quando decidi encarar a trilogia "O Tempo e o Vento", de Érico Veríssimo, e os livros de "As Brumas de Avalon". A Joanne conhece a fórmula mágica (com trocadilho, por favor) de algemar o leitor à estória, desencadeando uma sofreguidão por saber como aquilo tudo terminará. E olha que eu assisti aos quatro filmes da saga! Aliás, posso garantir que os livros são muito melhores que os filmes, que já considero, disse-o aqui, um ótimo entretenimento. Na verdade, as histórias nos livros são bem mais amplas, com muito mais detalhes que não caberiam nas duas horas de uma obra cinematográfica.
Pela sua habilidade em contar uma estória, J. K. Rowlings merece cada penny que recebeu pela venda de seus livros.
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A outra reflexão que eu gostaria de fazer, acho até ser mais importante que esta. Por incentivar a moçada a ler tijolos de 400, 500 páginas, a Rowlings merece cada centavo de dólar que ganhou e mais uma estátua pública. Aqui no Brasil, os seus livros tem excelente vendagem, mas não acredito que cheguem ao ponto de fazer baixar o número de fraturas e acidentes domésticos. A juventude brasileira não lê assim, tão maciçamente, quanto os britânicos, norte-americanos, europeus etc.
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Recentemente, eu li um texto na internet, escrito por uma jovem, em que ela dizia que "blog estava fora de moda", o sucesso do momento eram os fotologs, "porque não tem nada escrito e é esquisito ler coisas que outros escreveram". Ora, ora... Mas na literatura é isso o que acontece o tempo todo e isto desde que o mundo é mundo.
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Na minha infância, tão logo aprendi a ler, me tornei um devorador de qualquer coisa que tivesse letras: lia livro, muito gibi, a Bíblia, a enciclopédia Tesouros da Juventude, livrinhos de bolso, fotonovela, receita de bolo, bula de remédio, frase de banheiro... A lista é grande. O meu gosto por leitura, devo-o em boa parte aos meus pais. Meu falecido pai lia muito. Minha mãe já leu muito também (hoje, a vista fraca não lhe dá muita chance). Os filhos tendem a assimilar os hábitos dos pais. Quando eles não leem, dificilmente os filhos terão incentivo para cair dentro dos livros. E com a concorrência de computador, videogame, celular, shopping center... aí mesmo que a moçada não vai se interessar por descobrir o mundo mágico da leitura.
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No meu tempo de colégio, as professoras botavam a gente pra ler. Tínhamos pelo menos dois livros por ano para ler e resenhar. E nessa, eu devorei "Meu pé de laranja lima", "Dom Casmurro", "Vidas Secas", "Dom Quixote"...
No outro dia, eu estava conversando com uma adolescente e perguntei quantos livros ela tinha lido naquele ano: "Nenhum", foi a resposta. Ela me confessou que nunca lera um livro sequer na sua existência. Tinha preguiça. Lembro de ter dito a ela para jogar muito na Mega Sena, pois se ela tivesse que trabalhar na vida não conseguiria passar nem no concurso para garis.
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E aí, quando eu leio que uma série de livros é capaz de prender crianças encapetadas dentro de casa, chego a imaginar que há salvação para a raça humana, que não teremos que repetir a história do "Fahrenheit 451"... (Imagino que vocês conheçam a história escrita por Ray Bradbury e filmada por Truffault. Se não, que tal uma passada na livraria mais próxima ou na locadora de DVD?)
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O epitáfio do historiador pernambucano Manuel de Oliveira Lima diz: "Aqui jaz um amigo dos livros". É tão fácil fazer amizade com os livros... Na minha infância eles eram dos melhores colegas de folguedos, sempre me sugerindo novas brincadeiras que eu sequer sonhara.
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De todas as espécies da Terra, somos a única que lê. O nazista Goebbels disse que toda vez que ouvia falar em cultura tinha vontade de sacar sua arma. Eu, toda vez que ouço falar em falta de cultura, tenho vontade de sacar um livro.
M.S.

domingo, fevereiro 12, 2006

Que perigo, meu Deus!...


Em agosto do ano passado, eu postei um texto aqui no Antigas Ternuras com o título de “Alá-lá-ôôô!
Era sobre o fortíssimo calor do Rio e eu lembrava a célebre marchinha de Nássara e Haroldo Lobo, justamente aquela que fala “Alá, Alá, meu bom Alá/Mande água pra ioiô/Mande água pra iaiá”... Olha só o perigo de citar uma marchinha de Carnaval que fala tão irreverentemente da principal santidade dos muçulmanos!
Atenção a todos: quero deixar bem claro que eu respeito todas as religiões, mesmo as que não se identificam nem um pouco com a minha maneira de pensar. Espero com isso evitar que uma horda de fundamentalistas venha invadir o meu condomínio e tocar fogo no meu apartamento.
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Vi algumas das tais caricaturas publicadas em jornais dinamarqueses e franceses (já tem até camiseta!). A que mais causou a celeuma, a do Maomé com o turbante-bomba, eu nem achei engraçada. Sorri um pouco com a que mostra o Profeta do Islã na porta do paraíso deles recebendo uma fila de fundamentalistas homens-bomba e dizendo: “Parem! Acabaram as virgens!”
De acordo com a crença desses fundamentalistas, aquele que se martiriza em nome da causa vai para o céu, e fará jus a uma terra onde jorra leite e mel e ainda a trocentas virgens. Com o enorme número de jovens carregados de dinamite se imolando pelo Islã, a charge quis dizer que o estoque de virgens estava no fim.
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Teve uma outra charge, publicada no jornal francês “Charlie-Hebdo” em que mostra o desenho de Maomé, com as mãos no rosto, chorando e dizendo: “é duro ser amado por idiotas...”
Com essa eu também não ri. No máximo, esbocei um sorriso triste por constatar que uma religião que foi uma luz solitária na idade das trevas, nos tempos medievais, que deu filósofos e pensadores como Maimônides (li muita coisa sobre ele em Córdoba, na Espanha, onde ele nasceu e viveu), hoje seja vista como sinônimo de obscurantismo.
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Sobre a questão de liberdade de pensamento, limites da liberdade, bem, tenho a minha opinião pessoal. Se é para ter “liberdade”, então não tem que ter “limite”. Tem que ter custo. Nós somos livres para fazer o que quisermos, desde que venhamos a pagar o preço de nossos atos. Eu acredito que esta foi a intenção de Deus quando nos deu o livre arbítrio. Cada ação que fazemos gera uma reação: positiva ou negativa. Se alguém quer debochar de outros ou da crença destes outros, que assuma o custo disto perante as leis.
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Sei muito bem que esta minha forma de pensar não chega nem perto da forma fundamentalista – seja de qualquer religião – de raciocinar. Para eles, errou, tem que pagar com a vida. E acabou. Vi ontem, no filme “Syriana – a indústria do petróleo”, uma cena que mostra como os fundamentalistas convencem jovens a entrar para a causa. Não é com gritos, com ameaças, nada disso... O “doutrinador” chegou a jogar futebol com os dois jovens que ele queria conquistar. Ele falava com eles sempre com um sorriso nos lábios, com palavras doces, minando as eventuais resistências dos escolhidos gradativamente. Até que eles se juntassem aos demais, conecendo a doutrina deles e até aprendendo a lidar com um míssel. Um dia, eles estariam gravando um vídeo com instruções para serem seguidas nos seus respectivos funerais e partindo para sua missão suicida.
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Contra este exército, não há satélite, nem escudo, nem bomba atômica que dê jeito. Como atacar um exército invisível, que está misturado com a população, que não usa uniforme, nem nada que os identifique como soldados?
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Contra eles não há argumento científico, aliás, nem fale sobre ciência para eles que vão dizer que é coisa do diabo. Morrer em nome de uma ideologia já era. Morrer em nome de Deus, ou do que se acredita ser a vontade de Deus, voltou a ficar na moda. Como o era ao tempo da Babilônia, do Egito, de Tróia, da Cananéia, das Cruzadas, das tantas “Guerras Santas”... Eles não percebem que quanto mais gritam o nome de Deus ao matar o seu semelhante, mais se afastam dEle, que afinal criou a Vida.
M.S.

quinta-feira, fevereiro 09, 2006

Narciso e Eco


Vou confessar uma paixão antiga: sou fascinado por Mitologia. Especialmente a greco-romana. E isso desde pequeno. Lembro que eu viva fuçando as enciclopédias – a Internet da época – para descobrir histórias das mitologias do mundo. Embora preferisse as histórias dos deuses do Olimpo, também gostava muito da mitologia nórdica. Isso por conta do gibi do Thor, o deus do trovão, da Marvel e do desenho (pouco) animado, aquele que tinha aquela musiquinha de abertura: “onde o arco-íris é ponte/ onde vivem os imortais/ do trovão é o seu guarda-mór/ o barra limpa, o grande Thor!”. Como vocês podem ver, esta música é do tempo da gíria “barra limpa” (aos mais jovens: “barra limpa” é o mesmo que “maneiro”).
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Poucas coisas me deixavam mais encantado que conhecer o universo mitológico. Ficava intrigado como os antigos podiam prestar culto a deuses com tantos e mesmos defeitos dos comuns mortais.
Durante muito tempo, eu era um razoável conhecedor das histórias mitológicas. Mas só quando fiz diversos cursos com o prof. Junito Brandão, a maior autoridade brasileira em mitologia grega que já existiu – ele já faleceu – passei a conhecer o significado filosófico daquelas histórias. Hoje, sei que conheço muito pouco sobre o assunto.
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Como trato das minhas antigas ternuras neste blog e mitologia é, definitivamente, uma delas, estou com vontade de, vez em quando, contar algumas daquelas histórias fascinantes. Para evitar um tom excessivamente professoral (não seria o caso), abordarei as histórias utilizando ou texto dramatúrgico ou estilo literário. Acho que fica melhor.
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Começarei contando a história da ninfa Eco e do jovem Narciso. Todo mundo sabe o que é eco e todos conhecem o termo narcisista. A origem de ambos vem dos mitos (que costumavam explicar todos os fenômenos da natureza). É uma cena de uma peça que escrevi em 1991/1992, quando fazia escola de Teatro.
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CENA

ATOR (lendo um jornal) - “Estátuas de Narciso e Eco finalmente voltam a se encontrar”. “Após campanha popular, depois de muitos anos personagens mitológicos são reunidos novamente no Jardim Botânico, em fonte que será réplica da original de Mestre Valentim”.

(DOIS ATORES FICAM “CONGELADOS’ NAS POSES DAS ESTÁTUAS. OUTROS DOIS FAZEM OS PAPÉIS DE FUNCIONÁRIOS DO JARDIM BOTÂNICO. PEGAM AS ESTÁTUAS E CARREGAM PARA PERTO UMA DA OUTRA.)

ATOR 1 (Funcionário) - Putz! Raio de estátua pesada, sô!
ATOR 2 (outro funcionário) - É...Mas são bonitas, não são?
ATOR 1 - É...Até que são. Mas quem teve a idéia de tirar elas de onde estavam?
ATOR 2 - Sei lá...Soube que uma leva de gente quis reunir as estátuas e estão aí.
ATOR 1 - Mas por causa de quê?
ATOR 2 - Isso eu não sei. Mas é coisa de artista...Você sabe quem são esses aí?
ATOR 1 - Uai! E elas tem nome?
ATOR 2 - Tem, ué? Olha aqui, ó...(olhando na base das estátuas) “Eco”...e “Narciso”.
ATOR 1 - Eco? Isso é coisa de Ecologia?
ATOR 2 - Acho que né não. Isso está me cheirando a coisa de grego, igual aqueles filmes de soldado romano.
ATOR 1 - É...É mesmo.

(OS TRABALHADORES ADMIRAM AS ESTÁTUAS)

ATOR 2 - Bom...O serviço está feito. Só por causa disso, vamos almoçar?
ATOR 1 - Só se for agora! Meu “rádio de pilha’ já deve de estar quentinho!
ATOR 2 - Então vamos traçar esse arroz com ovo!
ATOR 1 - Arroz com ovo, não! Hoje a Marineuza caprichou. Tem até galinha!
ATOR 2 - Hummm...Pobre comendo galinha, um dos dois está doente!

ELES RIEM E SAEM. APÓS UM TEMPO, A ESTÁTUA DE ECO “GANHA VIDA” E COMEÇA A SE MEXER.

ECO - Oh...Mais uma vez por desígnio dos deuses, sou obrigada a reviver meu infortúnio. Não há nada que abrande o coração de Hera? E Zeus...Não se apieda de mim? A menor das ninfas? Não fiz como ele ordenou? Não entreti sua nobre esposa para que ele buscasse aventuras entre mortais. E qual foi minha paga? Hera me condenou a repetir só os últimos sons das palavras que ouço. Mas o pior ainda estaria por vir. Por obra de Eros, ardi de paixão pelo filho de Liríope...Nárkissos...Narcótico...Narciso...Tão belo e tão inútil, como a flor que lhe herdou o nome.
O seu desprezo corroeu-me as entranhas como as águias que devoram o fígado de Prometeu.
Ó, piedade, olímpicos! Livrai vossa serva desta punição!

A ESTÁTUA DE NARCISO COMEÇA A “GANHAR VIDA”, TAMBÉM.

ECO - Eis que desperta o meu amado. Belo como nunca. Seu rosto é como mármore de Paros, esculpido por Fídias, inspirado por Apolo.
NARCISO - Ah...Bom dia, Hélios! Teus dedos dourados novamente me tiram do reino de Morfeus. Mas onde estão meus companheiros de caçada? Olá! Ninguém me escuta?
ECO - ...escuta!
NARCISO - Então vem cá!
ECO - ...vem cá!
NARCISO - Ora, diga-me, por que me foges?
ECO - ...me foges?
NARCISO - Venha! E que o amor nos una!
ECO - (surgindo diante dele) ...o amor nos una!
NARCISO - (recuando) Isto é alguma pilhéria?
ECO - ...pilhéria?
NARCISO - Por Cefiso, meu pai! Estás louca?
ECO - ...louca...
NARCISO - Ora, vai-te embora! Antes que eu perca o juízo e enlouqueça também!
ECO - ...enlouqueça também...
ELA TENTA ABRAÇÁ-LO.
(camisa florida)
NARCISO - (desvencilhando-se do abraço) Larga-me! Não te quero!
ECO - ...não te quero...não te quero...

ELE SE SENTA À BEIRA DA FONTE. ELA SE AFASTA, TRISTEMENTE. NARCISO SE Á CONTA DE SEU REFLEXO NA SUPERFÍCIE DAS ÁGUAS.

NARCISO - Que bela imagem! (FAZ GESTO EM DIREÇÃO À IMAGEM REFLETIDA)
NARCISO - Oh, não! Não desapareças! (breve pausa) Eis que retornas...Ficas comigo? (ELE SORRI) Tomarei teu sorriso como “sim”.
ECO - Oh, meu Nárkissos...Ele não vê que ficou embevecido pela própria imagem. Julga corpo o que é sombra, e à sombra, adora. Admira tudo o que lhe admiro. A si mesmo deseja como eu o desejo. Oh, meu Nárkissos...O que procuras não existe. Não olhes e desaparecerá o objeto do teu amor. Vejo que não se cansa de olhar seu falso enlevo. Meu pobre Nárkissos...Mais pobre ainda sou eu. Ficarei a velar-te daqui. Serei tua rocha de descanso. E aos que passarem por aqui e em tua homenagem suspirarem de amor, repetirei seus gemidos mil vezes ou quantas vezes for o infinito. Que a beleza desse bosque seja o nosso templo. E os que se perderem nos descaminhos de Eros, aqui encontrem refrigério...
NARCISO - (para o reflexo) Em teus olhos leio: amor...
ECO - ...amor...
NARCISO - ...Com tuas promessas a sonhar eu fico...
ECO - ...eu fico...eu fico...eu fico...
(OS PERSONAGENS VOLTAM A FICAR COMO ESTÁTUAS)
M.S.

segunda-feira, fevereiro 06, 2006

O sumo do consumo


Quando estive em New York, em 1997, nos bons tempos do dólar a um real, tive a chance de descobrir como funciona realmente uma sociedade voltada para o consumo. Eu estava hospedado na casa de um brasileiro e cismei de tomar um café da manhã exatamente como via nos filmes e seriados de TV. Saí para o supermercado disposto a comprar sucrilhos, mel, suco de laranja, ovos... Só dispensava as tiras de bacon porque nesta época eu já não comia carne e também não achava graça nenhuma em entupir as veias com gordura de porco logo pela manhã.
*
No supermercado lá de Queens – bairro onde eu estava – fiquei de queixo caído com a variedade de tipos de um mesmo produto. Imaginem prateleiras e mais prateleiras de sucrilhos Kellogg’s de inúmeros sabores, incluindo o “cherry flavor” que é uma mania deles. Tudo lá existe nessa variação “sabor cereja”. Acho até que se procurar a gente encontra ovo com este gosto...
*
Quando eu resolvi ir a uma drugstore para comprar xampu e pasta de dentes, aí mesmo é que minha mandíbula desabou. Só de creme dental Colgate eu vi uns quinze tipos diferentes, incluindo, é claro, o indefectível sabor cereja. E a quantidade de xampus? Aqui no Brasil, qualquer drogaria fuleira tem uma infinidade de marcas e tipos de sabão para cabelos. Mas, acreditem, não se compara ao que se vê lá no templo mundial do consumo.
*
No meu tempo de moleque não existia xampu, pelo menos eu nunca tinha visto nenhum. A gente lavava os cabelos com o mesmo sabonete com que nos ensaboávamos. Tinha quem preferisse enxaguar a cabelama com sabão de coco. Os mais antigos optavam por usar Aristolino. O detalhe a mais no cuidado com as madeixas vinha depois do banho, quando introduzíamos dois dedos num pote de Brylcream, espalhávamos nas mãos e dávamos aquele trato no pêlo. Daí, fazíamos deslizar o pente pela lateral do crânio, repartindo os fios. Um capricho no topete “Elvis não morreu” e estávamos prontos para tudo.

Às vezes aparecia lá em casa um vidro de Petróleo Menelik ou Loção Glostora, aqueles mesmos que enfeitavam as prateleiras dos barbeiros. Depois de cortar o cabelo, o fígaro sacolejava o vidro para misturar e dar uniformidade ao líquido, sapecava nas nossas cabeças, fazendo uma massagem logo em seguida. O cheirinho era inconfundível.
*
Hoje em dia, temos no nosso país uma forte tendência a copiar o extremado consumo americano. Eu acho até engraçado quando levo o meu carrinho de supermercado até a seção de papel higiênico e fico escolhendo entre os tipos “neutro”, “com perfume floral”, “aroma de rosas”, “pêssego”, “óleo de amêndoas” e outros quetais.
Antigamente não tinha disso, não. Só existia papel higiênico do tipo “carinhoso”, que era, entretanto, multifuncional. Além de limpar o buzanfã, fazia peeling e servia para lixar as unhas. Não tinha nenhum aroma. Nem sabor cereja.
M.S.

Al Lewis (1910-2006)


Adeus, vovô da Família Monstro. Era o meu personagem favorito daquele seriado que era um de meus favoritos.
Ele se foi. Virou encantado. Na minha memória, entretanto, os meus heróis não morrem nunca. Nem quando eu também me for.
M.S.

sábado, fevereiro 04, 2006

Santa trívia, Batman!

Dia desses, eu estava zanzando por uns sebos aqui no Rio (não sei vocês, mas eu sou o maior seboso da paróquia!), procurando uns livros de História da cidade e dei de cara com uma preciosidade!
Exatamente este livro da foto abaixo.

Fiquei doido!
Com a respiração presa, a mão úmida de ansiedade, a boca seca de cobiça, abri aleatoriamente suas páginas. Primeira pergunta que bateu em minhas retinas:
“Qual era o grito de guerra dos Impossíveis?”
Essa foi moleza. “E vamos nóóóóós!!”

E vamos nós, adiante. Com a próxima pergunta, não tive a mesma sorte:
“Quem interpretava o vilão Fagin de Laboratório Ark-II?”
Não sabia. Fui ver a resposta.
“Jonathan Harris”. Sacanagem... Como é que eu ia saber que o eterno “Dr. Smith” tinha trabalhado nessa série que eu não assistia?
Bem, amigos da Rede Globo... O livro-trívia “Santa Pergunta, Homem-Morcego! – 250 perguntas sobre séries de TV”, de Sergio Martorelli e Sylvio Gonçalves, é ótimo! E por lidar com minhas antigas ternuras – desenhos e séries de TV do tempo do Onça – ele próprio virou uma ternurinha.
Como eu sou legal com vocês, vou fazer o seguinte:
Listarei dez perguntas do livro, das mais fáceis, sobre séries e desenhos que até os mais jovens conhecem. Vamos ver como vocês se saem.
E sob o patrocínio do sabonete Eucalol... Passamos a apresentar...

Qual é a resposta?
1 – “No velho oeste ele nasceu/e entre bravos se criou/ seu nome lenda se tornou...” era o tema de?
2 – Qual era a profissão de James, o marido mortal de Samantha em A Feiticeira?
3 – “Espaço: a fronteira final...” era um trecho da narrativa de apresentação de que série?
4 – Qual a empresa que fabricava todas as engenhocas usadas pelo Coiote do Papa-Léguas?
5 – Que personagem de desenho animado dizia: “Oh, dia, oh azar, isto não vai dar certo!”?
6 – Qual era o lema do Dr. Zachary Smith?

7 – Qual era a identidade secreta de “El Kabong”?
8 – Como os habitantes da Terra de Gigantes chamavam os terráqueos?
9 – Que objeto acionava a passagem secreta para a Bat-Caverna?

10 – Quais são os últimos versos que completam a letra desta música: “Tony Stark/ Tira onda/ Que é cientista espacial/ Mas também é/ Homem de Ferro/ elétrico, atômico, genial/ Dura armadura/ Homem de Ferro (....)”?

Moleza, não é? Quem não souber basta pedir “penico!” e clicar em “coments”. As respostas estão no primeiro comentário.
M.S.

quinta-feira, fevereiro 02, 2006

Dorian Gray às avessas


Fui assistir a “Tudo em Família” (The Stone Family, USA, 2005, dir. Thomas Bezucha), em cartaz aqui no Rio em grande circuito. É o filme de Natal lançado lá nos States em 2005. Descobri que “filme de Natal” é uma instituição tão tradicional para eles quanto montar a árvore e colocar aquela estrelinha em cima.
Esta é uma comédia de quiproquós (do latim: quid pro quod, uma coisa pela outra, ou seja, uma confusão causada por equívocos), com um elenco de responsa. O destaque fica com Diane Keaton, Sarah Jessica Parker, Rachel McAdams, Luke Wilson e a gracinha da Claire Danes, já devidamente entronizada no meu panteão de “deusas” do cinema.
*
No filme, a Família Stone se prepara para o Natal. Os filhos começam a chegar para a festa, e isto inclui o rebento orgulho do papai e da mamãe, “Everett” (Dermot Mulroney), que está indo apresentar a sua noiva, “Meredith” (Sarah Jessica Parker), a quem pretende pedir em casamento. Acontece que todos detestam a moça e ela realmente dá motivos para isso. E aí começam as confusões, envolvendo drogas, álcool, racismo, antipatias gratuitas, enfim, coisas que fazem a delícia de reuniões familiares modernas. O filme é uma comédia com um certo travo acri-doce, desembocando no drama e resvalando na pieguice. Mas, um bom entretenimento, como o cinema americano produz em quantidades industriais.
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O que mais me chamou a atenção, fazendo-me refletir, foi algo que em nenhum momento deve ter passado pela cabeça dos roteiristas. Em determinada cena, uma das filhas do casal Stone está assistindo a “Meet me in St. Louis” (“Agora seremos felizes”, de 1944 – alô, Carlinha, esse dá uma resenha porreta no seu belo Purviance, heim!), classicaço com a Judy Garland, onde ela aparece tão linda, cantando a lindamente triste ou tristemente linda canção “Have yourself a Merry Little Christmas”, de Martin e Blaine.

Na hora eu pensei: “Puxa, ela gostaria de se ver assim tão linda”. Em seguida, ponderei: “Será que se fosse viva ela gostaria de se ver na flor de seus 22 anos? Ela que morreu em 1969, precocemente envelhecida para os seus 47 anos?”.
*

E comecei a desenvolver outras reflexões. Para os artistas, o cinema funciona como um “Retrato de Dorian Gray” às avessas. Na história célebre de Oscar Wilde, Gray faz um pacto com o cramulhão e permanece sempre jovem e belo enquanto um quadro com a sua imagem vai envelhecendo, revelando a sua decadência interior e as marcas que o tempo deixa em seu rosto.
O celulóide eterniza e eternizará o belo rosto de Judy e sua presença sempre alegre e esfuziante nas telas. Na vida real, que era o seu lado enfeitiçado, ela descia pela ladeira abaixo. E com quantos artistas isso aconteceu!...
Mesmo com os que não desceram ao inferno como ela, imagino como deve ser duro para eles verem a beleza ficar nos retratos, nos filmes, enquanto a face que o espelho lhes devolve, dia a dia, perde o viço.
E com todos nós, porventura seria diferente?
*
Cheguei em casa, vindo do cinema, e olhei para uma antiga foto minha, de meu tempo de criança e revi o brilho nos olhos que eu tinha. Ah, naquele tempo aqueles olhos não tinham chorado tantas lágrimas, não conheciam desencantos e não sabiam que um dia teriam saudades do brilho daqueles olhos...
M.S.