terça-feira, março 15, 2011

(Mais um) Domingo no parque


Bem, amigos do Antigas Ternuras... Tenho uma confissão a fazer.
Meu corpo está possuído.
Devo ter sido abduzido, contaminado por algum organismo extra-terrestre que se alojou no meu abdome. É evidente que a massa adiposa que vem se acumulando por trás do meu umbigo não me pertence, não é de mim!
Como dizem que com atividade física a gente consegue exorcizar estas entidades maléficas que se incorporam à nossa cintura, lá vou eu caminhar por uma hora na Quinta da Boa Vista. Como venho fazendo nos domingos da vida.
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A Quinta é o maior parque da Zona Norte do Rio. Até a Proclamação da República, era uma das residências da Família Imperial.
Quando aquela área foi colonizada (por volta do Século XVII), coube aos jesuítas aquele vasto pedaço de terra. Como se sabe, o Marquês de Pombal se empombou com a Cia. de Jesus e expulsou os frades jesuítas do Brasil e de Portugal. Aquelas terras foram retalhadas entre particulares. Em 1803, o comerciante Elias Antonio Lopes tinha comprado um bom naco de terra por ali e mandou construir um palacete. Em 1808, a Rainha D. Maria I e o Príncipe Regente D. João chegaram ao Rio, capital da colônia, com um vasto séquito de nobres que precisavam de domicílios para se instalarem. A melhor casa da cidade era a do Elias. Este, que de bobo não tinha nada, sabendo que o estupro seria inevitável, resolveu relaxar e gozar. Correu até o Príncipe e doou sua casa para acomodar a Família Real portuguesa. Ele sabia que ela seria confiscada mesmo...
Com este gesto, ele caiu nas graças da Coroa. Ganhou uma outra propriedade, menor que a anterior, mas muito melhor que nada.
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A antiga casa do Elias virou o Paço de São Cristóvão ou da Boa Vista. Teve que ser reformado, remodelado, ampliado, mas ficou um brinco! Dali, tinha-se uma boa vista da Baía de Guanabara (daí o nome...). Quando D. Pedro casou-se com D. Leopoldina, os pombinhos ficaram morando no lugar. D. João foi viver na antiga Casa dos Governadores (atual Paço Imperial, na Praça XV, em frente a estação das Barcas para Niteroi e Paquetá). D. Carlota Joaquina, que desde muito não vivia junto do marido, se mudou para um casarão na Praia de Botafogo.
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Com a República, o Paço da Boavista teve seu caráter de moradia totalmente desfeito. Móveis e demais pertences foram vendidos ou principalmente roubados. Em 1892, o Museu Nacional, que tinha sido constituído por D. Pedro II, mudou-se para o Paço e lá permanece até hoje. Em 1945, a Quinta ganhou o Jardim Zoológico, transferido de Vila Isabel.
Aí mesmo é que a população suburbana passou a frequentar o local, especialmente nos sábados, domingos e feriados.
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Não sei se vocês sabem, mas eu tenho a alma suburbana. Sou do tempo das “casas simples com cadeiras na calçada e na fachada escrito em cima que é um lar”, como diz a bela canção de Garoto, Vinícius de Moraes e Chico Buarque. E é com gosto que faço minhas caminhadas domingueiras naquele local. Onde o povão vai para estender um lençol no gramado, soltar as crianças, andar de pedalinho no lago, ou de quadriciclo, se empanturrar de comidas gordurentas que adquirem ali ou trazem de casa, fazendo o maior farofal...
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Devo dizer que quando era menino, volta e meia minha mãe nos levava para passar um domingo na Quinta, visitar o Museu, ir no Zoológico... Lembro que uma vez, estávamos vendo a jaula da onça, que resolveu nos abençoar com um jato de urina, que pegou no meu peito e se espalhou pela cabeça da minha irmã. Ficamos os dois com uma catinga de xixi de onça que incomodou todo mundo dentro do ônibus.
Quando íamos na Quinta, fazíamos questão de aproveitar completamente o passeio. Andávamos no trenzinho, no pedalinho, rolávamos nos gramados... Exatamente como vejo famílias e seus rebentos fazerem hoje.
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Eu me delicio caminhando pelas vielas, olhando a “fauna” distribuída por aquele terrenão. Resolvi tirar algumas fotos com meu celular, procurando manter o ritmo da caminhada. Tem de tudo por ali. Do menino catarrento, chorando, depois de ter levado um tombo, procurando pela mãe que está às gargalhadas, conversando com a boca cheia de algodão doce cor de rosa, até o galã com cabelo moicano, enorme corrente prateada no pescoço, dizendo para a menina que passa: “Aê, gramurosa... gostei de você... Chega mais, vamo trocar uma ideia?” (Digam aí, mulheres que me leem: vocês resistiriam a uma abordagem infalível como essa?)
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Tem também o vendedor de bugiganga que é mais grosso que cano de passar tolete, mais esquisito que porco manco mijando, que, quando você pergunta as horas a ele recebe um olhar raivoso como se tivesse lhe arrancando o prato de comida! Eu ia pedir para tirar uma foto da barraquinha do cidadão, mas diante daquela atitude de genro recebendo em casa a sogra com mala na mão, preferi escolher outra. São tantas...
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Guardei para o final um tipo inesquecível que a gente só vê entre os frequentadores da Quinta. Estava eu na descida da rampa do Museu, ao meio dia, quando passa por mim uma menina branca que só maisena no gesso, com uma maquiagem igual a da Amy Winehouse nos olhos, batom preto, camiseta preta, casaco preto, calça comprida e bota de cano longo. Devia estar fazendo uns 45 graus na sombra. Eu, depois da caminhada, suava mais que pobre no penico. E a excomungada vestida daquele jeito! Fiquei conjeturando se devia bater uma foto daquela vampira de Madureira, arriscando levar uma bronca da família que estava com ela. Hesitei. E quando resolvi bater o retrato, meio escondido, por trás de uma árvore, a assombração tinha tirado o casaco preto e guardado na mochila. Eles passaram por mim e eu bati essa foto que está aí em cima.
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Fui deixando o parque. Ao longe, ainda ouvia um funk saindo do rádio daquele casal que estava namorando sobre um lençol estendido no gramado... Tinha feito minha caminhada, estava com alguns centímetros a menos na pança, mas com a alma gorda de imagens e recordações.
M.S.
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Na TV Antigas Ternuras, você vê uma gravação caseira de um passeio de trenzinho pela Quinta da Boa Vista. Avistam-se lugares por onde passo em minhas caminhadas domingueiras... (Duração: 6min 26seg)