segunda-feira, julho 30, 2007

Quando Napoleão (quase) veio ao Brasil


O mês de julho é festivo para os franceses. Foi num 14 de julho de 1798 que o povaréu derrubou a monarquia absolutista, culminando com o carrasco falando para a rainha Maria Antonieta: “Olha, vai ser só a cabecinha...”
Para celebrar este mês que finda, vou contar alguns “causos” interessantes (que até já narrei aqui faz tempos...), que certamente interessarão aos francófilos. E a quem sabe que...”A História tem cada história”..., título de uma das seções que mais gosto de fazer aqui no nosso Antigas Ternuras.
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Pois bem. Vocês sabiam que Napoleão esteve perto de vir ao Brasil? Na verdade, ele morou pertinho daqui.
Não, eu não estou maluco das idéias. Estou falando sério.
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A ilha de Santa Helena, onde Napoleão Bonaparte foi aprisionado pelos ingleses, depois de ter perdido a guerra em Waterloo (nada a ver com aquela frase que todo engraçadinho diz quando encontra uma moça na posição cabeça para baixo e bunda para cima...), em 1815, fica no Atlântico Sul. A localização mais aproximada seria, entre o Brasil e a África, um pouco mais perto da costa da Namíbia que do litoral brasileiro, na altura do sul da Bahia, mais ou menos em linha reta para dentro do mar, a partir da cidade de Ilhéus.

E pensar que o corso baixinho, padroeiro dos doidos varridos de piada de hospício, viveu seus últimos anos logo ali, quase em frente da terra do Nacib e da Gabriela!

E olha que nem ficava tão longe assim. Quando o Amir Klynk atravessou o Atlântico Sul em barco a remo, saindo da África para o Brasil, ele passou pela ilha de Santa Helena. Quer dizer, se Napoleão conseguisse fugir da ilha, não seria difícil vir para o Brasil (taí um bom tema para um romance: “o dia em que Napoleão fugiu para o Brasil”). O problema é que a Família Real portuguesa, que escapara dele, ainda estava por essas bandas.
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Mas eu falei que quase Napoleão esteve por aqui. E, de certa forma, foi por pouco mesmo que o corpinho do velho corso não veio dar (no bom sentido...) nessas terras.
Se não, vejamos.
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Em 1938, o príncipe de Joinville, François-Ferdinand-Philippe, filho do rei de França, Louis Phelippe de Orleáns, esteve no Rio de Janeiro, como membro da tripulação da corveta “Hercule”. Na ocasião, ele conheceu a princesa Francisca Carolina (veja a foto), irmã de Pedro II, então com 14 aninhos.

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O François caiu de amores pela princesa brasileira... Vendo o retrato da moça, a gente até acha que ela tinha os seus encantos, visto que, de forma geral, a descendência de D. João VI e de D. Carlota Joaquina estava mais para “cão chupando manga e de aparelho nos dentes” do que para “apolos e afrodites”... E a tendência era piorar, visto que os casamentos eram feitos por procuração e arranjados entre representantes das famílias nobres. Não importava sentimentos ou beleza e sim a descendência de sangue azul. Para casar com um brasileiro e viver no meio do mato, só um tribufu topava, já que não conseguiria um bom casamento na Europa. Para despertar o interesse dos príncipes, enviava-se um retrato da noiva. Acontece que os pintores daquele tempo utilizavam um sistema que, podemos dizer, era o “tataravô do Photoshop”. Eles melhoravam e muito a aparência das barangas, digo, das princesas e o noivo caía feito um patinho. Numa dessas, Pedro I teve de aceitar D. Leopoldina e Pedro II acabou engolindo D. Teresa Cristina, duas princesas muito simpáticas e agradáveis, mas feias feito o Capeta chupando mariola.
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Mas, voltando ao François-Ferdinand. Ele se encantou pela Francisca, deixou a cidade, mas é de se supor que tenha firmado algum compromisso. Afinal de contas, princesas bonitas e dando sopa só são comuns em desenhos da Disney.
Em 1840, seu pai, o Rei de França, Luis Felipe de Orleáns, deu-lhe a missão de viajar até a ilha de Santa Helena para trasladar os restos mortais de Napoleão, que lá tinha morrido e sido enterrado.

Como se sabe, o corso baixinho que chacoalhou com a Europa em fins do século 18 e início do 19, foi aprisionado naquele rochedo administrado pelos ingleses.
Na viagem, antes de chegar a ilha, François-Ferdinand, que era excelente navegador, embicou o seu navio “La Belle-Poulle” na direção de Salvador, onde fez uma curta escala. Com certeza, isso é fato: o navio que ia pegar os restos mortais de Napoleão fez um pit-stop na Bahia. Pena que não parou depois de pegar o Bonaparte. Já pensou a festa que a baianada iria fazer? No mínimo, iriam levar o corpo do corso até a igreja do Senhor do Bonfim, ao terreiro do Gantois, ao som do grupo “Bisavós de Gandhi”! E todo mundo, Napoleão inclusive, seguindo atrás do trio a óleo de baleia (não tinha eletricidade), pedindo muito axé a todos os santos.
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Depois que François-Ferdinand chegou à Santa Helena, iniciaram as cerimônias fúnebres. E pelo que li no site francês Le retour des cendres, foram muito bonitas. A chegada do caixão com o corpo de Napoleão na França foi uma apoteose quase tão grande como a que os baianos fariam.

Os festejos duraram meses (que nem o Carnaval em Salvador). Soube que os franceses tomaram até banho, pra vocês verem como eles estavam empolgados.
Quem tiver a chance de ir à França, poderá ver no memorial da igreja de Saint-Louis des Invalides, o túmulo monumental de Bonaparte

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Depois da festa, começaram as negociações envolvendo o casamento do príncipe de Joinville com a princesa Francisca Carolina. Nesta fase, estiveram envolvidos, o Imperador do Brasil, o Rei da França, o Conselho de Estado francês, o Papa, Deus, o mundo e a torcida do Flamengo O barão de Langsdorff e emissários franceses chegaram ao Rio de Janeiro para tratarem do dote da princesa, de como seria a cerimônia, enfim, essas coisas românticas que envolvem casamentos de nobres.
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Depois de todos acertos feitos, o Chico francês e a Chica brasileira casaram-se no Palácio da Quinta da Boa Vista, Rio de Janeiro, em 1 de maio de 1843. Decerto que a festa foi belíssima. Depois do casório, os noivos seguiram para Paris.
Óbvio. O amor do príncipe era grande, mas não a ponto de trocar a mais civilizada cidade do mundo pelo balneário onde porcos e vacas andavam diante do Paço Imperial...
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Um dado interessante: parte do dote da princesa foi terras na província de Santa Catarina. Embora residissem na corte de Louis Philippe, ainda assim eram proprietários de vasta propriedade no sul do Império brasileiro.
Com a célebre rebelião acontecida em 1848, vários nobres preferiram fugir de Paris. A guilhotina de 1789 ainda estava presente na memória. Os príncipes de Joinville optaram por sair do país para morarem em Londres. Na capital inglesa, tiveram alguns problemas financeiros e resolveram passar nos cobres o dote da princesa. Venderam as terras brasileiras, onde nunca estiveram, para uma empresa colonizadora alemã. Esta enviou levas de colonos para fundar lá, em 1851, a Colônia Dona Francisca, posteriormente transformada na cidade de Joinville, em Santa Catarina.
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Viram? Napoleão quase esteve aqui. Era só ter acontecido algum probleminha com o barco que transportava seus despojos que o capitão do navio não teria outra alternativa a não ser vir para Salvador, ou para o Rio de Janeiro, quem sabe...
E, olha... Se o corpo do Napoleão tivesse vindo para o Rio, ele não iria querer saber de sair daqui. Já estou até vendo a cena: uma roda de pagodeiros num boteco no Morro da Mangueira, muita cerveja, o caixão do cara numa das cabeceiras da mesa, e a galera levando no gogó: “Ô coisinha tão bonitinha do pai... Ô coisinha tão bonitinha do pai”... Fala Napô!
M.S.
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Na Rádio Antigas Ternuras vocês ouvem Edith Piaf cantando a “Marselhesa”, hino da França, considerado o mais bonito do mundo, depois do “Hino do Flamengo”, é claro...

quarta-feira, julho 25, 2007

Que nos resta?


Noutro dia, vendo um programa do National Geographic, assisti a uma orca atacando um bando de focas. Ela abocanhou uma delas e a arremessou para o ar, na direção do mar alto. E durante bom tempo, ficou nisso: pegava a foquinha e jogava de um lado pro outro. A alguns olhos, poderia parecer um ato de crueldade. A outros, inclusive aos meus, nem tanto. Não vi nenhuma diferença naquele gesto e na maneira como crianças brincam com a comida (eu fiz tanto isso no tempo das antigas ternuras...), fazendo desenhos com ela no prato, deixando o bife para comer por último e saboreando cada pedacinho...
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Não vejo crueldade nos animais. Nem entre espécies, nem interespécies. Eles atacam para se defender, para se alimentar ou para demarcar território. Se em muitos casos esse jogo da vida parece cruel, peço que atentem a relatividade dos casos. Se a gente vê uma criancinha mordiscar com gosto um pedaço de filé de tubarão, achamos uma gracinha. Se vemos um tubarão abocanhar uma criança, sentimos indizível horror.
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Recentemente, fui assistir ao filme “A vida secreta das palavras” (Espanha, 2005, dir. Isabel Coiet). É baseado em história real. Trata de uma imigrante surda refugiada da antiga Iugoslávia, que trabalha como operária em uma indústria. Ela é praticamente obrigada a tirar férias pelo chefe. Resolve trabalhar como enfermeira de um homem que sofreu queimaduras em um acidente numa plataforma de extração de petróleo. Com Sarah Polley, Tim Robins, Javier Cámara, Julie Christie.
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Este filme é absolutamente perturbador. É de estarrecer a descrição que a protagonista faz dos terrores acontecidos quando a Iugoslávia se desintegrou e começou a guerra civil! Ela e uma amiga foram abordadas por compatriotas, levadas presas sem mais nem menos e estupradas por dias e noites pelo batalhão. Estupradas, espancadas (acabou surda de tanto apanhar na cara), humilhadas. Para se divertir, os soldados faziam cortes com punhal na pele das mulheres, colocavam sal e cosiam com agulha e linha de costura. Isso, às gargalhadas. E se as mulheres gritassem, mais eles as atormentavam. Por puro prazer.
Quando as mulheres foram libertadas, estavam destroçadas mentalmente. E nessa eu descobri que existe uma organização humanitária, destinada a socorrer e dar tratamento a estes refugiados. No fim do filme, aparecem prateleiras repletas de fitas com o histórico dessas pessoas que ainda tentam se socializar, depois de tudo o que sofreram.
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Saí do cinema me perguntando: o que leva pessoas a causarem mal às outras, assim, de graça? Por que se divertir com o sofrimento alheio? Claro que isso não é novidade. Historicamente, sempre o Homem causou sofrimento ao seu semelhante.

Pinçando aleatoriamente na História, do início da Era Cristã até hoje, vejam alguns dos piores momentos da Humanidade: o massacre de cristãos pelos romanos, que os perseguiam e os submetiam às mais horrendas torturas; o Cristianismo vencendo, e passando a submeter pessoas a suplícios sem fim, em nome de Deus (o que cristãos fizeram com os maometanos nas Cruzadas deve ter entristecido muito ao Senhor Pai); Gengis Khan e seu flagelo de Deus, matando com requintes de crueldade; as torturas que a Inquisição católica fazia com judeus e quem achavam ser herege; a expansão do catolicismo e do poder europeu pelas grandes navegações (na Índia, Vasco da Gama mandou amarrar nobres ligados ao samorim de Calicut na boca dos canhões e ordenou que disparassem. De alguém com um nome como esse só podemos esperar coisas ruins...); na Revolução Francesa, a turba ensandecida cobriu de sangue as ruas de França; na Revolução Industrial inglesa, crianças eram submetidas a toda sorte de maus tratos; na expansão colonialista européia, populações inteiras foram dizimadas nas Américas, na África, na Ásia e Oceania (destaque para os massacres de incas, astecas, maias, índios norte, centro e sulamericanos, por monstros como Cortés, bandeirantes brasileiros, aventureiros ianques e tantos mais);

uso de armas químicas de destruição de massa na I Guerra Mundial; as atrocidades nazistas nos anos 30 e 40 (vi recentemente “O pianista” e quem quer exemplo de algumas das perversidades que um ser humano pode proporcionar a outro, veja este filme baseado em fatos reais); os crimes contra a humanidade cometidos pelos USA no Vietnam;

o massacre de milhares no Cambodja; as torturas, sevícias e assassinatos praticados pelos comunistas de Mao na China; as lutas fratricidas na África, onde irmãos negros matam e mutilam, e usam crianças para toda sorte de atrocidades; as lutas na Sérvia, Montenegro e antigas repúblicas iugoslavas; a carnificina comandada por Saddam Houssein no Iraque; as barbaridades que americanos fizeram e fazem no Iraque e na base de Guantánamo...
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E nós, aqui no Brasil, na guerra urbana em que vivemos, também estamos cercados pela iniquidade. Traficantes chacinam pessoas ao seu bel prazer; a polícia espanca e mata moradores e trabalhadores por pura maldade (vide o caso do trabalhador esbofeteado por nada por soldados da PM e assassinado quando reagiu), rapazes de classe média botam fogo em um índio, uma criança é arrastada pelas ruas, uma mulher é espancada por diversão... E vai por aí.
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Seria, então, o gênero humano a verdadeira praga sobre a Terra? Nossa natureza é veramente falha, cruel, perversa? Recentemente, cientistas alemães fizeram estudo em que concluíram ser a maldade um sentimento exclusivamente humano (está nO Globo de 18 de julho!).

Bem, o que salva é saber que nem todos os seres humanos são psicopatas assassinos. Se a humanidade produziu um Hitler, também fez um Chico Xavier. Um odiava generalizadamente; o outro amava os semelhantes, chorava com eles, se doava ao máximo em prol dos irmãozinhos. Se hoje existem genocidas como George W. Bush, Osama bin Laden e os traficantes de drogas e de armas... também há uma multidão de anônimos que se dedicam a minorar o sofrimento de muitos. Gente simples que é invisível para a grande mídia, para a imensa maioria que desconhece seus atos de benemerência. Pessoas que fazem caridade por amor ao próximo, seguindo à risca os ensinamentos do Mestre Jesus.
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Esses salvam o gênero humano da barbárie. Esses, diante de Deus, redimem a humanidade. E nos servem de ânimo e conforto, quando sabemos das tantas perversidades que há no mundo.

E como há maldade! Nem sabemos mais de onde vem e de onde não vem. Chamamos os animais de irracionais e como podemos chamar um comportamento como o nosso?
Lembro de uma frase do poeta espanhol Ramón de Campoamor: “En este mundo traidor, nada es verdad ni mentira. Todo es según el color del cristal com que se mira”. Uma grande verdade! Não se pode ter certezas neste mundo. A dureza da vida nos torna pragmáticos e, por isso, menos felizes. É a forma que encontramos de nos defender. Como disse o apóstolo Pedro, “o inimigo está rondando à nossa volta”.
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E o que nos resta? Talvez viver. Como podemos. É. Viver. Enquanto refletimos sobre isso, que tal ouvir Sacha Distel?
M.S.
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Na Rádio Antigas Ternuras, você ouve “Que rest-il de nous amour”, do grande Charles Trenet, aqui cantado pelo não menos memorável Sacha Distel.
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Amigos, nesta semana tem texto do PteroMarco (ou seja, muá) no Playground dos Dinossauros. Quem quiser saber a história de dois amigos que resolveram atravessar a rua pelados e aí... Bem, é só ir até lá e ver o que aconteceu.

sexta-feira, julho 20, 2007

Estas botas foram feitas para caminhar


Entre as seções fixas deste blog, uma das que mais gosto de fazer é a “Origem de expressões que costumamos usar mas não sabemos de onde vem”. Como já disse aqui, sempre tive a maior curiosidade em investigar isso. É uma de minhas antigas ternuras, mesmo!
Escolhi desta vez contar as origens de:

Onde Judas perdeu as botas.

O significado, para quem não sabe, é lugar longínquo, distante, láááá longe. Tem uma outra expressão com o mesmo sentido, que fala de uma certa parte remota da anotomia do Judas, onde o sol não alcança. Mas vamos falar somente de suas peças do vestuário.
Li sobre essa num dos livros do Câmara Cascudo. Mas... não sei, não... A explicação que ele deu é meio duvidosa.
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Segundo ele, depois que Judas traiu Jesus, ficou mortificado de remorsos e acabou se enforcando em uma árvore (a própria Bíblia tem dúvida: em Mateus, ele se enforcou; em Atos, ele se jogou de um precipício). Diz o nobre Cascudo que ele se matou sem as botas e que não acharam com ele os famosos 30 dinheiros (na verdade, siclos de prata). Daí, soldados romanos e alguns aventureiros partiram em busca das botas do Judas, onde ele presumivelmente teria escondido o saco com as moedas de prata. Dizem que foram longe atrás do calçado. Não se sabe se acharam ou não. De qualquer forma, a expressão passou adiante como um lugar inacessível, muito distante.
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Bem, esta explicação tem dois problemas muito complicados. O primeiro é que dificilmente Judas teria aceitado as moedas. Ele não entregou Jesus por dinheiro, mesmo porque ele não precisava. Há indicativos de que ele era rico, o mais endinheirado dos apóstolos, junto com Mateus, ex-coletor de impostos. Li em algum lugar que Judas tinha sido designado por Jesus como tesoureiro do grupo, justamente por ser o cheio da grana da rapaziada, graças à sua família de ricos comerciantes na aldeia de Queriote (seu nome vinha de ish Qeryoth, “filho da cidade de Queriote”).
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“Mas por que ele entregou Jesus?” Perguntariam vocês. Bem, Judas era ligado a um grupo subversivo que planejava atos de terrorismo contra os dominadores romanos. Ele era um judeu conhecedor do Torá e acreditava piamente que o “Messias” viria para libertar a Judéia do jugo romano. E ele sabia que esse Messias era Jesus. Só que nas Escrituras estava escrito que o enviado de Deus viria com a espada vingadora e que lideraria um baita exército contra os opressores. E Jesus ficava naquele discurso de paz e amor, parará...pereré... Ele imaginou que se provocasse Cristo, Ele se insurgiria contra os soldados de Roma e a porrada iria comer.
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Judas foi dar a informação ao Sinédrio na esperança de ver o circo pegar fogo. Como era praxe, quem desse informações aos soldados do Templo fazia jus ao prêmio de 30 moedas de prata (não era um grande valor, na verdade). Muito provavelmente, Judas nem tocou nessa grana (veja no quadro ao lado). Ele queria ver sangue. E, de qualquer forma, viu.
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A outra coisa difícil de engolir nesta história das botas era o fato de que ninguém naquela época, na Judéia, usava botas. Mesmo porque, com aquele calor boçal de lá, botas iriam assar os pés de quem as usasse, provocando um chulé monumental de fazer ressuscitar o mar Morto para vê-lo morrer de novo com a inhaca. Se os habitantes da Judéia usassem botas e sem meias ainda por cima, o primeiro milagre de Jesus não seria transformar água em vinho e sim, água em Polvilho Antisséptico Granado e vinho em Tênys Pé Baruel!
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E se Judas escondesse as moedas nas botas, o dinheiro estaria para sempre contaminado pelo chulé, não servindo mais para o comércio. Lembrem-se que judeus são conhecidos por seus enormes narizes. No que a catinga do parmezón chegasse naquelas largas fossas nasais, ia ter judeu chamando Jesus de “Genésio”. E mais: Pôncius Pilatos não iria lavar só as mãos: aproveitaria e lavaria o corpo todo para ver se conseguiria se livrar do fedor monstruoso que pairaria na Galiléia.
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Já imaginaram Jesus na cerimônia do “lava-pés”, com seus apóstolos descalçando botas? A profecia não se cumpriria! Em vez de morrer na cruz, ele faleceria envenenado pela carniça chulezenta! E que imagem teriam as igrejas hoje? O Mestre Jesus caído no chão, com a língua de fora, olhos revirados, segurando uma bota fedorenta! Olha a situação!
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Mas, se Judas não usava botas, de onde veio a expressão?
Bem... Tem uma outra hipótese que andei vendo. É tão fantasiosa quanto, mas...
Diz uma lenda que houve um judeu, de nome Ahsverus (ou Ahsuerus), habitante de Jerusalém; sapateiro por profissão. Sua oficina ficava no trajeto de Jesus, rumo ao Calvário. E quando o Divino Mestre passou diante de seu estabelecimento, Ahsverus o teria insultado e debochado de seu infortúnio. A lenda diz que Jesus o amaldiçoou (imagina...) a zanzar pelo mundo, sem morrer, até o Dia do Juízo Final.

Nasceu aí a lenda do “Judeu Errante”. E essa história correu chão. Um bispo da Armênia jurou, no Século 4, que conhecera uma testemunha da paixão de Cristo. No Século 7, viram o andarilho em Damasco. Séculos depois, o tal highlander estava na Espanha e depois na Itália. No Século 16, na Alemanha. Até no Brasil disseram que o viram em Pernambuco, durante o domínio holandês, lá no Século17. Disseram que de lá, ele foi para Minas Gerais, tendo sido visto chorando sangue numa Sexta-Feira da Paixão.
Bem, eu não queria falar nada, não, mas... Eu vi na TV um cara com as características do Judeu Errante, um sujeito amaldiçoado, na torcida do vasco, uniformizado e com um cartaz escrito "Filma eu Galvão!".
A expressão das botas se referiria a este personagem por sua profissão de sapateiro e por ser andarilho. E lembre-se que o radical “Judá”, presente em “Judas” e em “judeu” torna as coisas bem parecidas. Um judeu amaldiçoado se confunde com o chamado “grande traidor”. Isso faz sentido.
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De qualquer forma, quando você se referir a um lugar distante como “aquele onde Judas perdeu as botas”, tente mudar para “onde Judas coçou o calo”, ou “onde Judas machucou o joanete”, ou quiçá, “onde Judas arrumou uma unha encravada”.

M.S.
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Na Rádio Antigas Ternuras, você ouve “Theme from Exodus”, com 101 Strings.
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Em tempo: Quem gosta de um bom texto, de belos poemas, não pode deixar de ler o livro da minha amigapratodavida Marcia (Clarinha) do Brincando com as Palavras. Aliás, este é o nome do belo livro. Se eu fosse vocês, iriam no blog dela e o comprariam rapidinho. Eu já comprei o meu exemplar. Recomendo!

segunda-feira, julho 16, 2007

Em Algum Lugar no Futuro



Rio de Janeiro, ano de 2057. Anotação de diário n. 382. Tema: Vida em 2007.

“Estava investigando sucata de antigos computadores. Vi um disco rígido jurássico que ainda estava em bom estado. Levei para um amigo que mantém uma relíquia, coisa incrível, um computador que precisa teclar as palavras e não transformar os eletro-impulsos mentais em frases como hoje em dia.
No hard disk tem uma série de textos numa pasta nomeada: “Pro blog Antigas Ternuras”. O dono do blog, que assina os textos como “M.S.”, escreveu sobre como era a vida em seu tempo e, pelo que pude entender, sobre sua infância e adolescência, que ele chama de “tempo das antigas ternuras”.São histórias do século passado, algumas engraçadas, outras nem tanto. Achei tudo muito curioso.
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“Interessante. Houve um tempo em que crianças tinham largos espaços vazios para brincar, moravam em casas com terrenos cheios de árvores e até subiam nelas, comiam frutas direto dos galhos. Hoje, só vemos árvores pela TV e nos museus, em hologramas. Claro, tem algumas reservas naturais, mas, como se sabe, não se pode entrar lá normalmente. Só cientistas e pessoas ricas têm acesso.
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“Vi que houve um tempo em que crianças brincavam com segurança na rua até à noite (!!). Os que tinham melhor condição financeira se misturavam livremente com os que tinham poucos ou quase nenhum créditos monetários. Não eram inimigos, não tinham animosidade, chegavam inclusive a serem amigos (!!!). Bem diferente de hoje, em que nós, que temos créditos para consumir bens, vivemos em separado dos que não possuem. Estes, como se sabe, vivem na zona sem lei, onde se mata gente como exterminamos formigas. Deus nos livre de um habitante da Zona de Guerra entrar nos nossos condomínios!! Eles não têm civilidade e vão destruir nossas propriedades e, pior, atentarem à nossa segurança, querendo beber a nossa água limpa e nos passarem suas doenças.
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“Nos textos do tal blog antigo fala-se de animais que não chegamos a conhecer como borboletas e pássaros. Sei como eles são por ver imagens na enciclopédia virtual holográfica. Eram bonitinhos, mas não sei exatamente para que serviam. Não entendi bem o que é “polinizar flores”, já que as que temos são cultivadas em estufas.
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“Foi interessante saber que naquele tempo as pessoas tomavam vários banhos por dia. Meu Deus! Que desperdício de água! Qualquer um sabe que hoje o nosso sistema de limpeza de germes e impurezas por jato de ar quente é muito mais funcional! Água é para se beber! Temos poucas fontes de águas totalmente limpas e é preciso ter muitos créditos para acessar a elas. Para quem não tem, só resta a água reciclada que tem gosto horrível de pó químico (eu já experimentei uma vez e detestei).
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“Mas o que me fez mesmo nadar em curiosidade foi saber que eles tinham pleno acesso a livros impressos em papel (!!). Os nossos livros digitais e os em lâminas degradáveis são muito melhores! E nem consomem árvores (na verdade, nem há muitas disponíveis para virarem celulose...) É certo que nem lemos muito hoje em dia. Também, com toda informação podendo chegar a nós até pela escova de dentes, não é preciso ficar lendo...
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“Os textos falam de automóveis. Não sabemos mais o que é isso desde o Engarrafamento Total, ocorrido há vinte anos. Tem carro preso lá até hoje. Nossos Veículos Coletivos de Trânsito Inter-condomínios são bem mais práticos. E por serem elétricos, não poluem mais ainda o nosso ar já complicado.
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“Uma coisa curiosa: naquele tempo parece que eles riam muito. Viam graça em tudo e pareciam se divertir com qualquer coisa. Que estranho... Eu não vejo tanto motivo para rir. Pelo menos, não tenho muitos hoje. Temos que estar concentrados no trabalho. Qualquer distração e não atingimos nossos objetivos funcionais. Já pensou se eu perco o meu emprego? Tem muita gente que está de olho na minha vaga. Se eu falhar, me substituem e eu fico sem uma fonte de créditos. Eu não posso nem quero me mudar para a Zona de Guerra, fora dos seguros condomínios. Acho que nem sobreviveria lá.
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“Nosso Conselho Governante precisava ver como eles faziam política naquele tempo! Não sei como o gênero humano conseguiu chegar até os dias de hoje. Eles se matavam por qualquer motivo e não por ar purificado e comida proteinada como hoje. Aliás, li nos textos que eles cozinhavam em aparelhos estranhos chamados “fogões”. O nome fogão vem de fogo, alimentado por hidrocarboneto fóssil em estado gasoso. Há muito tempo não temos mais isso. Acho que prefiro a nossa comida baseada em complexo concentrado de proteínas. Dá menos trabalho para desembrulhar e comer. Embora eu tenha visto lá a foto de um pão caseiro que me deixou com vontade de experimentar.
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“Bem, por hoje é só. Computador, fim do registro”. Clic.

(vídeo com 6min41seg)

Esta menina no vídeo é a canadense Severn Suzuki. Ela esteve no Rio de Janeiro, na ECO-92, onde fez este discurso, que mais parece um alerta sobre o futuro. Você acha que, de lá pra cá, as coisas mudaram?
M.S.
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Na Rádio Antigas Ternuras você ouve “Gymnopedie n. 1”, de Eric Satie.
Na TV Antigas Ternuras, você vê o discurso de Severn Suzuki na Eco-92, Rio de Janeiro.

quarta-feira, julho 11, 2007

Moleque Gonzaguinha


Nesta manhã o Gonzaguinha me tirou do reino de Morfeu. Quando chega 6h, o rádio-relógio é implacável e canta para me dizer que é hora de ir pro batente. E desta vez, quem cantou para eu despertar foi Luiz Gonzaga Jr., o Moleque Gonzaguinha, como ele mesmo admitiu ser chamado.
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A música era a belíssima Ponto de Interrogação (quer ouvir a música? Clique no título, mas antes clique no “X” para interromper a que está tocando no blog). Aquela cujo refrão diz:
Eu preciso é ter consciência
Do que eu represento nesse exato momento
No exato instante, na cama, na lama, na grama
Em que eu tenho uma vida inteira nas mãos.
Fala, ou melhor, pergunta ao homem se ele verdadeiramente se importa com a mulher que ele tem nas mãos, no momento sublime e prazeroso do ato de amor.
Só essa música, daria um post de três laudas. Mas não é disso que eu quero falar hoje.
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Já tem um tempinho que eu não escuto músicas na voz do Gonzaguinha. Ele morreu em 1991, num trágico acidente de carro, e se durante um tempo era muito comum ouvir suas belas canções no rádio, naquela sua voz rascante ou sendo interpretada por outro cantor, hoje em dia, nem tanto. O que é uma pena.
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Eu gostava muito de suas músicas. Gosto ainda. Lembro de ter visto um show dele memorável. Foi naquele projeto criado pelo saudoso Albino Pinheiro - o Seis e Meia, onde dois artistas se apresentavam, no João Caetano, sempre naquele horário, a preços populares. Eu assisti a toda primeira temporada da série de shows, que começou com João Bosco e Clementina de Jesus. Coisa maravilhosa!
O Gonzaguinha fez o dele junto com a célebre Marlene, aquela das batalhas de fãs da Rádio Nacional. O show foi tão bom que eu voltei no dia seguinte.
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Não o conhecia pessoalmente (pena, porque eu adoraria!), mas travei conhecimento com duas mulheres que mantiveram romance com ele. Fiz escola de Teatro com uma, a Lelena, e fui companheiro de elenco de outra, a Sandra Pêra. Ambas falavam muito bem dele. Aliás, na época em que ele morreu, eu estudava Teatro na Casa de Artes Laranjeiras, a CAL, com a Lelena. Quando ouvi no rádio que ele tinha falecido, foi nela a primeira pessoa em que pensei. Eles já não estavam mais juntos, mas segundo ela, o Gonzaguinha foi o seu grande amor. Ele inclusive lhe compôs uma canção: “Avassaladora” (essa que vocês estão ouvindo). Quando a Lelena me contou que o cara tinha feito essa música pra ela, eu até exclamei:

- Caraco, Lelena, você faz tudo isso? Parabéns, heim, minha filha!
E ela, toda modesta, disse:
- Que nada! O Gonzaga ‘viajou’! Os músicos da banda dele ficavam me sacaneando, dizendo era culpa minha, deles ficarem gravando várias sessões da música, até que o Gonzaga se desse por satisfeito...
E eu, enxerido que só eu, ficava botando pilha:
- Ah, não vem com essa, não! Se ele fez uma música com essa letra, alguma coisa tem a ver! Conta aí, vai... Na hora da saliência entre vocês, rolava isso?
A moça era muito discreta. Fechou-se em copas e não consegui arrancar nada!
Quando ela soube do acidente com o Gonzaguinha, entrou em choque e teve de ser sedada. Depois eu e colegas da turma de Teatro fomos visitá-la. A bichinha estava em pandarecos...
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Lembro de ter lido uma entrevista no Pasquim com a Rita Cadillac, em que ela foi bem mais... huuum... efusiva e reveladora que a Lelena. Disse ter sido ele um dos melhores homens que passaram pela sua cama. Segundo ela, “o Gonzaguinha sabia dirigir o Cadillac”, se é que vocês me entendem... Ah, moleque!
Um elogio assim, vindo de uma mulher que deve ter se deitado com metade da humanidade é valiosíssimo!
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A Sandra Pêra teve uma filha com o Gonzaguinha, a Amora. Hoje é cantora também. Quando estávamos fazendo a peça “Na Era do Rádio – o Show”, a Sandra conversava com a gente do elenco e falava com muito carinho do pai de sua filha. Dava para perceber o brilho nos seus olhos, como se uma estrelinha cadente desabasse do céu só para reacender brasas que nunca se apagaram...
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Quando eu era mocinho, teve uma música do Gonzaguinha que me consolou um mal de amor. Eu estava apaixonado por uma criatura que praticamente desconhecia a minha existência. E eu ficava ouvindo Espere por mim, morena, e pensando na menina. Curtindo uma fossa daquelas de beijar rabo de cachorro, com a voz do Moleque Gonzaga me consolando: “espere por mim, morena... espere que eu chego já... o amor por você, morena, faz a saudade me apressar...”
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Em Começaria tudo outra vez, Gonzaguinha, com o verso “a cuba-libre da coragem em minha mão, a dama de lilás me machucando o coração...”, traduziu melhor do que ninguém o que era o adolescente que fui, nos bailinhos na varanda da casa do Jurandir.
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E no lusco-fusco da madrugada de hoje, o Moleque cantou pra mim, me fez ganhar o dia sem que eu sequer tivesse tirado da cama o meu corpinho sensual.
Pra você, Gonzaga... cujo grito de alerta faz tanta falta nos dias de hoje...para você, eu mando um abraço apertado de irmão saudoso, de menino amoroso, de compatriota orgulhoso de ter vivido no seu tempo... Diante de tudo o que minhas retinas cansadas olham, meus tímpanos gastos ouvem, faço minhas as suas palavras:
É, a gente não tem cara de panaca
A gente não tem jeito de babaca
A gente não está com
A bunda exposta na janela
Pra passar a mão nela
É, a gente quer viver pleno direito
A gente quer é ter todo respeito
A gente quer viver uma nação
A gente quer é ser um cidadão!
Viva Gonzaguinha!
M.S.
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Na Rádio Antigas Ternuras, você ouve “Avassaladora”, a música que o Moleque Gonzaguinha fez pra Lelena.

sexta-feira, julho 06, 2007

Com a mãe no meio


Eu acho que já escrevi aqui: no trajeto entre a minha casa e o meu local de trabalho eu passo por uns cinco colégios. E todos com a garotada espalhada pelos arredores, conversando, namorando ou simplesmente brincando, que é o que mais fazem. Dia desses, eu passava perto de um bando de estudantes, quando um deles jogou uma tampinha de refrigerante na cabeça de um outro que estava de costas e distraído. Quando esse se virou para reclamar, o cínico atirador já estava disfarçando, como se nem fosse com ele. O que não impediu o atingido de abrir o verbo:
- Veado! Féladapulta! Vai jogar na @#$%&* da mãe!
Que nem acontecia no meu tempo de moleque, no tempo das antigas ternuras! E com as mesmas palavras! Garotos... Ré! Ré! Ré!...
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Prosseguindo no meu caminho, fiquei pensando: por que, quando se quer ofender alguém do sexo masculino, se costuma chamar de veado e em seguida xingar a mãe? Por que ninguém chama alguém de “ladrão”, “corrupto”, “nazista”, que certamente são ofensas muito mais graves do que se referir à suposta preferência sexual ou postura liberal de comportamento da genitora de uma pessoa?
Fiquei matutando sobre o que motiva as pessoas a buscarem ofensas sempre neste sentido.
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Bem, como tinha tempo para pensar, fiz minhas reflexões.
Para os latinos, acusações que envolvam a sexualidade e especialmente atinjam a mãe são consideradas as mais graves. Não consigo imaginar um sueco chamando alguém de filho da puta. Nem um russo, por exemplo, acusando alguém de ser homossexual. Sei que na língua inglesa existe o “son of a bitch” (“filho de uma cadela”), mas o sentido desta ofensa é bem mais o de “bastardo”, ou seja, aquele concebido fora de uma relação legal. Xinga-se alguém disso, acusando-o de ser fruto de uma transgressão sócio-jurídica, nem tanto pelo aspecto comportamental. O sentido do xingamento deles é diferente do nosso.
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Na verdade, intrinsecamente falando, isso nem era para ser considerado como ofensa. Se alguém opta por se relacionar com alguém do mesmo sexo, é problema dele. É o mesmo para quem escolhe a profissão que vai seguir, o time por que vai torcer, os artistas que irá admirar... São coisas de foro íntimo.
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E se a mãe de alguém é professora, aeromoça, médica, engenheira ou escolhe ser garota de programa, é problema dela, de julgamento ético e pessoal de quem faz essa opção.
Mas, especialmente entre crianças e adolescentes, nada cala mais fundo do que ser acusado injustamente (porque se for justamente aí deixa de ser ofensa...) de ser veado ou de ser filho de uma prostituta.
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E por que essa ofensa vira coisa muito grave?
Bem, vamos para as minhas considerações, mas antes quero deixar bem claro que o que vou dizer é como vejo a sociedade, não é como eu penso.
O homem latino tem função bem determinada na constituição familiar. Cabe a ele ser o pai, o provedor, o dono da semente que fecunda a mulher e passa adiante seus cromossomos (mesmo que a figura do homem chefe de família esteja em processo de mutação; majoritariamente, o homem está destinado a ser isso aí que eu falei). Não pode haver dúvida sobre sua sexualidade, uma vez que isto faria com que se sentisse desvalorizado ou menos respeitado em sua comunidade por não satisfazer sexualmente a esposa, por não adotar, de forma geral, uma postura viril necessária para criar e proteger o seu núcleo familiar (como era feito desde o tempo das cavernas...), por adotar práticas condenadas pela religião, eterna guardiã da moral, bons costumes e principalmente por assumir comportamentos contrários à procriação ordenada e ordeira dos fiéis.
Transgredir essas determinações é cair em erro gravíssimo perante a sociedade.
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No caso das mães: nós, latinos, temos na figura de Nossa Senhora o modelo de virtude em que deveriam se espelhar todas as mulheres, especificamente todas as mães. Não pode haver numa genitora desvios que a afastem demasiado da postura que Maria, mãe de Deus deixou como exemplo. Comportamento sexual e virtude e retidão de caráter são coisas intrínsecas, fazem parte da atitude esperada de todas as mulheres. Se uma mãe transgride isso, ela traz para si e para a sua prole a reprovação de seus pares. De uma mãe só se espera uma sexualidade monogâmica e absolutamente comportada. O contrário disso é passível de ser “apedrejada”, mesmo se for com palavras ofensivas, que a marquem como “diferente” pela sua comunidade.
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Chamar alguém de ladrão, de corrupto em nossa sociedade, é grave, mas são duas atividades que podem ser confundidas com esperteza e ser “esperto” no Brasil é virtude, não é defeito. Portanto, se o objetivo é atingir moralmente quem se quer ofender, deve-se buscar temas que calem fundo: o comportamento sexual não-esperado de um homem e de sua genitora.
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Estas foram reflexões ligeiras de quem estava caminhando, não pesquisei a fundo sobre o assunto. E, principalmente, volto a dizer que é uma análise que eu faço de um fenômeno social, não estou criticando ou prejulgando a sexualidade alheia. Esclarecida esta parte, digo que estas reflexões que faço, para mim, fazem muito sentido.
E para vocês?
M.S.
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Na Rádio Antigas Ternuras, você está ouvindo “Garotos”, com Kid Abelha.

segunda-feira, julho 02, 2007

Pais e Filhos - Escolhas


Uma das funções da religião, talvez seu maior papel social, é o de contenção de excessos da parte maligna da natureza humana. Por conta disso, a religião predominante no mundo, o cristianismo, especialmente a Igreja Católica, tratou de criar a figura de um diabo muito feio e de um inferno eterno para onde seriam lançadas as almas dos pecadores. Com isso, tentavam inibir (sem muito resultado...) transgressões com a ameaça de padecimentos horríveis. Inventaram um diabo feio e mau pra caramba, que era onipotente, onipresente, onisciente, quase uma imagem em negativo do próprio Deus. Aliás, eu já escrevi aqui sobre isso. Era imprescindível que os homens temessem a Deus para não enfrentarem o Coisa Ruim.
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A civilização ocidental se desenvolveu no princípio de que o julgamento de Deus era irrecorrível e que não existe advogado nenhum no Universo que possa iludir um tão cioso juiz como o Onipotente, que tudo sabe de cada um de nós. Vejam, por exemplo, em “Hamlet”, de Shakespeare. O rei Claudius, que tinha assassinado o seu irmão e casado com Gertrudes, sua cunhada, para herdar o trono da Dinamarca, sabia que estava condenado a um destino terrível e que não tinha salvação para o seu crime. Uma de suas falas:
“Nos processos corruptos deste mundo pode a justiça ser desviada pela mão dourada do crime, e muitas vezes o prêmio compra a lei; mas não lá em cima, onde não valem manhas”.
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Ao longo da minha formação como pessoa, meus pais foram extremamente rígidos com a minha educação e a de meus irmãos. Meu pai e minha mãe nos controlavam apenas com o olhar. Era suficiente para sabermos que se continuássemos a fazer o que estávamos fazendo o pau iria comer. Se eu ou meus irmãos saíssemos da linha, tinha surra e castigos nos esperando. Meu pai era um homem de princípios rígidos. Minha mãe o é até hoje. Ambos sempre estiveram atentos à nossa educação e nos passavam exemplos de conduta que tínhamos que seguir. Embora ambos não tivessem lá grandes culturas, parecia seguir Pitágoras, que pregava que para formar o homem era preciso educar a criança. E de uma sólida formação moral e de comportamento para nós, ambos não abriram mão.
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Portanto, eu cresci sob o temor da lei de Deus e debaixo de uma sólida formação moral que meus pais me deram.
Daí o meu estado de pasmo e incredulidade quando leio os jornais dos dias atuais. O presidente do Senado, uma das figuras maiores de um dos poderes da República, se enreda feito mosca numa teia ao tentar justificar que não usou dinheiro de um lobista para pagar suas obrigações. E todas as provas levam a crer que debaixo daqueles caroços tem muito angu! Um outro senador, que já foi governador, vai prum escritório privado dividir dinheiro com um comparsa, quantia essa de origem suspeitíssima!
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E não para aí a minha estupefação. Leio que cinco jovens que nunca passaram fome, que chegaram à faculdade, que tem pais que podem lhes dar um carro de presente, saem pela noite para assaltar e espancar mulheres nas ruas. Li que há indícios que eles fazem parte de comunidades no Orkut chamadas “Mulher é tudo vagabunda” e “Puta tem que apanhar na cara”.
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O que leva uma pessoa que já é rica, que tem posses que lhe garantem uma vida mais que confortável, a procurar o dinheiro ilícito? Que motivação faz alguém arriscar a reputação por trinta dinheiros?
E mais grave: o que entusiasma jovens a se divertirem espancando seres humanos? Rirem ao causar sofrimento a alguém que não lhes fez nada?
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Vi no Fantástico o pai da moça espancada, um pedreiro modesto, com pouquíssima instrução, dizer que teve uma criação rígida dos pais e que passou essa educação firme para a filha. Esta revelou que seu pai a controlava somente com os olhos, como o meus pais faziam.
Li que o pai de um dos jovens admitiu que o filho errou, mas que seria uma “injustiça” jovens que estudam e trabalham serem punidos com cadeia só por terem feito uma, digamos, travessura. Esse pai tem instrução, bom emprego, mas não sei que educação recebeu dos pais, nem como educou o filho. Certamente não foi como os meus pais, nem como o pai pedreiro da Sirlei, a moça espancada gratuitamente.
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Meu pai era um simples funcionário público, ganhava pouco, mas era dinheiro honrado e com ele nos sustentou enquanto foi vivo. Minha mãe, outra funcionária pública, fez das tripas coração, quando ele morreu para nos dar uma vida simples, mas digna. Ambos ensinaram a nós, seus filhos que roubar, pegar o que não é nosso, é errado e condenável. O pai da Sirlei, um operário que vive de biscates, criou os filhos com a maior dignidade. A própria Sirlei trabalha como secretária doméstica e procura repassar para o filho de três anos todos os valores que aprendeu em casa.
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Não tenho idéia da criação que o senador Renan Calheiros recebeu dos pais, nem a que passa para os filhos. Tampouco tenho informações deste tipo do senador Joaquim Roriz.
Mas sei que ambos não tiveram pais como os meus, nem como os da Sirlei. E estou vendo o que estão passando para os seus filhos. Renan, Roriz, os cinco jovens e seus pais poderão até se safarem das confusões em que se meteram. Mas, se existe Deus, e eu acredito que Ele existe, vai haver um momento em que eles se defrontarão com a Sua lei. Aqui, no plano terreno, eles podem se salvar, mas não lá em cima, onde não valem manhas, lá, de jeito nenhum.
M.S.
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Na Rádio Antigas Ternuras, você está ouvindo “Aos nossos filhos”, de Ivan Lins e Vitor Martins.

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E os prêmios não param de chegar!
A amiguinha Fernanda me agraciou com o Prêmio Blog Cultura, destinado àqueles que são considerados como de fundo cultural. Puxa! Quanta honra! Obrigado, Fernandinha!
Agora, segundo as regras, tenho que indicar cinco outros blogs que considero como culturais. Essa é sempre a pior parte... mas vá lá, meus indicados:
Labirintos do Sol e da Lua
Luz de Luma
Morcegos
Lino Resende
Balaio Porreta 1986
Agora, vocês peguem o selo e escolham seus cinco!
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Gostaria de agradecer muitíssimo às amigas Luma, Claudinha, Lila Rose, Nena e Adelaide por me indicarem para as 7 Maravilhas. Esses posts-correntes de prêmios (sei que vocês preferem chamar de “meme”, a palavra da moda no mundo blogueiro, mas pra mim, meme é “vovó” em francês, por isso vai post-corrente, mesmo...) têm a grande propriedade de demonstrar carinho e amizade por amigos que nunca vimos, mas sentimos afinidades de pensamento.
Fico comovido com as demonstrações de afetos de vocês.
M.S.