sexta-feira, maio 27, 2005

Estatística do c(@#$%&*)aralho

Este é um texto da série: "quem não tem o que fazer só pensa m(@#$%&*)erda!.
Estava eu outro dia pensando no falecimento da fêmea jovem do gado bovino quando me ocorreu uma idéia de jerico: Até que ponto os palavrões viraram coisa banal?
Há coisa de uns vinte, trinta anos – ou seja, há uma geração atrás – os meios de comunicação não poderiam sequer pensar em divulgar uma "palavra de baixo calão, ofensiva à moral e aos bons costumes". O jornal O Pasquim, por exemplo, foi processado, em 1975, com base na Lei de Segurança Nacional, por ter feito um cartum onde se lia "Porrada’s Bar". Não demorou muito e esta palavra sequer passou a ser considerada palavrão. Não me admiraria se a Fátima Bernardes dissesse no Jornal Nacional que a taxa de juros já "aumentou uma porrada de vezes neste ano".
Ao tempo dos "Mamonas Assassinas", víamos criancinhas cheirando a leite cantar bobagens como o "sabão Crá-Crá que não deixa os cabelos do saco enrolar". E nenhuma freira carmelita se enrubescia de ouvir tal coisa.
Ou seja: até certo ponto, o palavrão ficou mesmo banal. Já não choca como antes. Não sei se é bom, se é mau. Nem cogito de entrar neste mérito. De vez em quando, eu mesmo solto os meus, que me escapam como perdigotos faiscantes.
Mas não vamos digressionar. Até que ponto o palavrão se banalizou nos meios de comunicação? Quis verificar na Internet, por exemplo. Escolhi oito expressões consensualmente consideradas como de baixo calão. Fui ao Google e escrevi cada uma delas, anotando em quantos "saites" apareciam. O resultado desta estatística não deixa de surpreender.
A expressão que menos aparece é uma das mais utilizadas no nosso cotidiano: "vá para a puta que o pariu", com 31 menções. As variações "vá para a puta que pariu" (19 vezes) e "vai para a puta que pariu" (4 vezes) tiveram menos aparições ainda. Não é fantástico isso? Em qualquer discussão hoje em dia, uma das primeiras recomendações que um dos contendores faz ao outro é recomendá-lo para a senhora de vida airada que o pôs no mundo. Mas na Internet, como se vê, não faz muito sucesso.
Uma outra surpresa acontece com o tradicionalíssimo "vá se foder", com míseras 633 inserções. Tá certo, temos que ver outras variações. Daí pesquisei o "vai se foder" (968 vezes) e os "vá se fuder" (794 vezes) e "vai se fuder" (8.060 vezes). Somando tudo, dá um total de 10.455 menções. Mas eu ainda acho muito pouco! É um xingamento muito mais rápido do que o "vá para a puta que o pariu" – hoje em dia as pessoas preferem palavras e expressões menores – de disparo rápido e só aparece com insignificantes dez mil e pouco aparições em páginas da Internet? Convenhamos: é pouco. Vale destacar, também, que a forma incorreta "fuder" prevalece sobre a certa "foder". Provavelmente porque os usuários da primeira forma sabem que a palavra vem do latim "futere" e aí fazem a grafia com "u".
Outra quebra de expectativa veio com o famosíssimo "vá a merda": só 744 aparições. A variação "vai a merda" teve número parecido – 796. Ora, uma expressão que até os evangélicos utilizam só aparecer 1540 vezes (somando as duas variações) é uma decepção!
Querem saber de outro fraco desempenho? O "vai tomar no cu" chegou somente a 4.650 aparições! Na variação "vá tomar no cu", somente ridículas 272 menções. Uma decepção do tamanho daquela de Brasil x Itália, em 1982, não é mesmo? Uma das expressões mais redondas (tudo bem, vale o trocadilho) da língua portuguesa e tão poucos a inscrevem em suas páginas da Internet.
Outra que não faz o menor sucesso é o "seu veado", com ínfimas 210 inserções. Está certo, as pessoas "preferem" grafar com "i". Daí o "seu viado" ter um desempenho um pouco melhor: 907. Mas qualquer um há de convir que ainda é pífio! Hoje em dia, em qualquer berçário, qualquer creche, se ouve um "sai daí, seu veado!" e na Internet só aparece tão poucas vezes?
Uma expressão que tem o intuito de encerrar qualquer discussão, desconstruindo qualquer argumento que o outro venha a estabelecer aparece menos de mil vezes, vejam vocês! O famoso "é o caralho!" só está em 876 páginas. Talvez porque na forma escrita não tenha a mesma força da versão falada, no calor de uma discussão. É, vai ver que é isso...
As duas expressões campeãs de utilização não constituem surpresa: "filho da puta", com 43 mil aparições e a campeoníssima "foda-se", com 102 mil.
Acreditem: eu já imaginava que ia dar "foda-se" na cabeça. Ninguém resiste ao "foda-se". Seja na dúvida cruel, no momento de fúria, na tomada de decisão, no fim de uma discussão, nada é melhor que um bom "foda-se".
Bem, é isso. Sim, o palavrão virou banal tanmbém na Internet, mas não tanto quanto se imaginava. Mesmo assim, jovens, velhos, crianças, homens, mulheres, todos se utilizam deste incrível relaxante e distensionador recurso.
Você não concorda? Bem, lá vamos então para o 102 mil e um...
M.S.

segunda-feira, maio 23, 2005

Pais e Filhos

No outro dia, estava na casa de meu "amiguirmão" Luiz, quando ele me mostrou um site na Internet onde mulheres, em tempo real, tiravam a roupa e atendiam aos pedidos ou respondiam a perguntas que pessoas conectadas faziam, também em tempo real.
Se o computador dele tivesse o equipamento necessário para a comunicação, eu faria as seguintes perguntas às moçoilas: "vocês não têm vergonha, não? Seus pais sabem que vocês estão fazendo isso?"
Provavelmente, elas iriam me ridicularizar em tempo real. E os milhares de internautas voyeurs que acompanhavam aquele "Peep show" digital também ririam de mim.
Corta para outro dia, dentro de um ônibus para o Centro do Rio.
Na minha frente, duas senhoras conversavam, em tom suficientemente alto para que eu não me sentisse um enxerido (se bem que, como escreveu Dalton Trevisan, uma de minhas referências em literatura, "todo escritor é um vampiro de almas, sempre atento, ouvindo conversas alheias em busca de uma nova história").
Uma dizia para a outra que estava preocupada com o filho, que estava andando em más companhias, que ela tinha medo dele se envolver com coisas ilegais etc. O tom de voz dela revelava a sua real preocupação com o filho.
Tanto a história do site de saliência virtual quanto a conversa da mãe preocupada me trouxeram reflexões. Surgiu em minha mente uma música do Queen: "Bohemian Rhapsody". Na letra desta canção – eleita como uma das melhores de todos os tempos por ouvintes de FM - um rapaz está perto de morrer e diz para a mãe que matou um homem. Ele não revela arrependimento, embora diga que "não foi minha intenção fazê-la chorar". (Abaixo deste texto colocarei a letra completa e a minha tradução com possíveis erros).
Até que ponto os filhos que fazem seus pais chorarem não tiveram esta intenção? Eles podem não querer entristece-los mas o fazem. E pelo menos no momento em que o fazem, não se importam de causar sofrimento ao pai ou a mãe. Não estou generalizando, é claro. Falo de modo geral.
Em todas as religiões que conheço existe um mandamento ou uma advertência para filhos não desonrarem os pais. No nosso mundo judaico-cristã, está lá o quarto mandamento: "Honrarás pai e mãe". No Islã também há o preceito de respeito aos pais, assim como nas demais religiões, tanto ocidentais quanto orientais. Mesmo assim, não é raro filhos de todas as religiões causarem sofrimento a quem lhes pôs no mundo. E partindo do pressuposto de que Deus é o Pai de todos, fico imaginando quanto desgosto não Lhe trazemos a cada dia.
Tempos difíceis, estes. Tempos de olhos molhados. Olhos de pais e de filhos. E as lágrimas de filhos que fazem chorar seus pais são bem mais amargas, talvez porque venham revestidas de remorso ou de uma sensação de, como diz na letra de Freddie Mercury: "Nada realmente importa. Qualquer um pode ver. Nada realmente importa". Mas eu creio que importa, sim.
M.S.

Rapsódia boêmia (Bohemian Rhapsody)

Letra e música de Freddie Mercury
Certa vez, li que muitos jovens consideram esta música "como a história de suas vidas". Creio que isto reforça o que escrevi acima...

Is this the real life?
Is this just fantasy?
Caught in a landslide
No escape from reality
Open your eyes
Look up to the skies and see
I'm just a poor boy, I need no sympathy
Because I'm easy come, easy go
A little high, little low
Anyway the wind blows, doesn't really matter to me, to me

(Isto é a vida real?
Isto á apenas fantasia?
Preso em um desmoronamento
Sem escapar da realidade
Abra os seus olhos
Olhe para o céu e veja
Eu sou apenas um pobre rapaz, que não precisa de nenhuma simpatia
Porque fácil venho, fácil vou
Um pouco animado, um pouco deprimido
De qualquer forma, o vento sopra mas isso não importa para mim, para mim...)

Mama, just killed a man
Put a gun against his head
Pulled my trigger, now he's dead
Mama, life had just begun
But now I've gone and thrown it all away
Mama, ooo
Didn't mean to make you cry
If I'm not back again this time tomorrow
Carry on, carry on, as if nothing really matters.

(Mãe, matei um homem
Pus uma arma contra a sua cabeça
Puxei o gatilho, agora ele está morto
Mãe, mal a vida começou
Mas agora estou perdido, joguei tudo fora
Mãe, uhuhuh
Não quis fazer você chorar
Se eu não voltar novamente amanhã
Prossiga, prossiga como se nada tivesse importância).

Too late, my time has come
Sends shivers down my spine
Body's aching all the time
Goodbye everybody - I've got to go
Gotta leave you all behind and face the truth
Mama, ooo - (anyway the wind blows)
I don't want to die
I sometimes wish I'd never been born at all.

(Tarde demais, meu tempo acabou
Sinto arrepios na espinha
Meu corpo dói o tempo todo
Adeus a todos – Eu tenho de ir
Vou deixá-los e encarar a verdade
Mãe, uhuhuh – (de qualquer modo, o vento sopra)
Eu não quero morrer
Às vezes eu desejo nunca ter nascido.)

I see a little silhouette of a man
Scaramouch, scaramouch will you do the fandango
Thunderbolt and lightning - very very frightening me
Gallileo, Gallileo,
Gallileo, Gallileo,
Gallileo Figaro – magnifico.

(Eu vejo uma pequena silhueta de um homem
Scaramouche, Scaramouche, você fará o palhaço
Trovões e raios – realmente me assustam
Galileu, Galileu
Galileu Figaro – magnífico).

But I'm just a poor boy and nobody loves me
He's just a poor boy from a poor family
Spare him his life from this monstrosity
Easy come easy go - will you let me go
Bismillah! No - we will not let you go - let him go
Bismillah! We will not let you go - let him go
Bismillah! We will not let you go - let me go
Will not let you go - let me go (never)
Never let you go - let me go
Never let me go – ooo
No, no, no, no, no, no, no –
Oh mama mia, mama mia, mama mia let me go
Beelzebub has a devil put aside for me
for me
for me.

(Mas eu sou só um pobre rapaz e ninguém me ama
Ele é só um pobre rapaz de uma pobre família
Poupe sua vida desta monstruosidade
Fácil vem, fácil vai – vão me deixar ir?
Bismillah! Não - nós não o deixaremos ir –Deixe-o ir
Bismillah! Nós não o deixaremos ir - deixe-o ir
Bismillah! Nós não o deixaremos ir - deixe-me ir
Não o deixe ir - deixe-me ir (nunca)
Nunca deixe-o ir - deixe-me ir
Nunca deixe-me ir – ooo
Não, não, não, não, não, não, não –
Oh mamma mia, mamma mia, mamma mia deixe-me ir
Belzebu tem um demônio reservado para mim?
Para mim?
Para mim?).

So you think you can stone me and spit in my eye
So you think you can love me and leave me to die
Oh baby - can't do this to me baby
Just gotta get out - just gotta get right outta here
(Então você acha que pode me apedrejar e cuspir em meu olho?
Então você acha que pode me amar e me deixar morrer?
Oh baby – você não pode me fazer isso, baby
Agora saia – saia daqui imediatamente).

Ooh yeah, ooh yeah
Nothing really matters
Anyone can see
Nothing really matters - nothing really matters to me

(Oh, sim, oh, sim
Nada importa de fato
Qualquer um pode ver)

Anyway the wind blows...

(De qualquer modo, o vento sopra...)

N.T. "Scaramouche" é um personagem da Commedia dell’arte, uma espécie de bufão.
"Bismillah" em árabe significa "em nome de Alá".
M.S.

sexta-feira, maio 13, 2005

O homem e o monstro

Ultimamente, temos estado bem servidos de bons filmes. Já recomendei aqui o "Quase dois irmãos", o "Kinsey – vamos falar de sexo" e agora trago para vocês o meu ponto de vista sobre o filme "A Queda! Os últimos dias de Hitler". Absolutamente imperdível!
Ele trata, como diz o próprio título, dos momentos finais vividos pelo fuhrer Adolf Hitler em seu bunker. O ator que interpreta o ditador alemão tem um desempenho magistral (Bruno Ganz é o nome dele). Os demais atores também estão fantásticos. Houve quem acusasse o filme de "humanizar" Hitler. Pois isto é uma das melhores coisas que o filme apresenta: mostra que por trás daquele monstro tinha um homem. O que ele fez, outros homens poderiam fazer também, se tivessem chance e poder para isso.
Achei fantástico o depoimento de uma alemã que trabalhou para Hitler e viveu com ele aqueles dias de derrocada. Ela não se exime de culpa, embora não tivesse matado ninguém e sequer soubesse que judeus estavam morrendo feito moscas nos campos de concentração.
Nenhum de nós é inocente sobre atos dos governos que nós mesmo apoiamos/instalamos.
Não deixem de ver!
M.S.

Reabrindo a Caixa de Pandora

Quem me dá o prazer e a honra de ler minhas mal tecladas linhas, aqui neste modesto blog, tem visto a minha, digamos, admiração pela revolução nos costumes, acontecidas nos seriados americanos. Já escrevi aqui a minha surpresa em assistir às séries modernas e ver temas, linguajar inimagináveis nos anos 60/70.
Pois é. Quando eu assisti ao ótimo filme "Kinsey – vamos falar de sexo", atualmente em cartaz, senti que a minha ficha tinha caído. Ou que o cartão tinha sido creditado.
O filme é uma biografia romanceada do professor Kinsey, autor do célebre "Relatório Kinsey", realizado nos anos 40/50, nos EUA, a respeito da sexualidade de homens e mulheres americanos.
Com pesquisa rigorosamente metodológica, como a ciência faz questão, ele entrevistou milhares de homens e mulheres, fazendo trocentas perguntas sobre assuntos de natureza sexual de cada um. Coisa pouca, assim como "você se masturba? Com que freqüência? Quando começou? Em que posições você e sua parceira costumam fazer sexo?" E vai por aí a fora.
As respostas? Bem, tinha de tudo, mas de TUDO mesmo! Desde "inocentes" (poucos e poucas), daquelas que achavam que beijo na boca podia engravidar, até pessoas com fantasias e práticas absolutamente incomuns (muitos), para se usar um termo brando. E ainda perguntavam depois: "Eu sou normal, doutor?"
Ou seja: a cabeça do norte-americano dos repressivos anos 40/50 já era altamente promíscua. A forte repressão da época, aliada ao comportamento protestante anglo-saxão, impedia que a devassidão saísse das cabeças e dos quartos das pessoas. Aqueles tempos de forte intolerância, de código para isso e para aquilo, só permitiam manifestações culturais que de forma alguma expressassem o permitido. Nada de insinuações, de comportamentos considerados inadequados...
Com os libertários anos 60, a fortaleza puritana começou a ruir. E no fudevu de caçarolê instaurado a partir dos anos 80, não dava mais para segurar a moçada. O que era secreto virou público. A sacanagem estava liberada. Já podia ir para os seriados, para os filmes, que, curiosamente, passaram a ser mais violentos que antes. Hoje, não basta o vilão morrer por um tiro ou ir para a cadeia como iam os vilões dos filmes do Hitchcock. O bandido agora tem que morrer despedaçado, explodido em mil pedacinhos, para delírio da platéia!
Daí, que os seriados "comportadinhos" de 40, 50 anos atrás não cabem mais hoje. Soltaram a besta-fera. A Caixa de Pandora foi reaberta e estava na cabeça das pessoas!
É interessante que desenvolvi todo este raciocínio a partir do filme "Kinsey".
Eu sugiro a você que me lê assisti-lo também e depois tirar suas próprias conclusões. Ou a concordar comigo...
M.S.

Já está pra lá de Marrakesh...

Em 1902, quando foi nomeado prefeito do Rio de Janeiro, Pereira Passos estava decidido a realizar transformações na cidade. Além de literalmente botar abaixo casarões e cortiços infectos, ele queria acabar com o aspecto de "mercado persa" que a então capital do Brasil ostentava. A bagunça era tanta que fazia com a Cidade deixasse de ser Maravilhosa, conforme batizara Coelho Neto.
Nos quiosques, vendia-se carnes, especialmente vísceras de animais, exibidas sem um mínimo de higiene. Vendilhões cruzavam a cidade, mascateando de tudo o que se possa imaginar: roupas, comidas prontas, vassouras... O leiteiro da época atravessava o centro da cidade de ponta a ponta com suas vacas. Bastava aparecer freguês, ele assentava em um banquinho que carregava e ordenhava ali mesmo. Evidentemente, as vaquinhas do comerciante não pediam para ir ao reservado – despejavam seus resíduos pelas ruas do Rio.
Com Pereira Passos na prefeitura, acabou essa farra, pelo menos no centro da cidade.
Mais de 100 anos se passaram. Hoje, na principal artéria comercial do centro do Rio, a Avenida Rio Branco, que foi exatamente construída pelo prefeito Passos, vemos que houve um retrocesso aos tempos anteriores ao século 20.
Em pleno 2005, vê-se nas calçadas da Rio Branco camelôs vendendo camarão cru, comidas prontas (cachorro-quente, churrasco grego, churros, o escambau...), vassouras, modeladores de seios, material elétrico e a última novidade: na esquina com Almirante Barroso, está parado um carrinho de mão (!!!) com um cidadão vendendo cofres-porquinho de barro!
(Não vou me admirar se passar alguém com uma vaca e um banquinho...)
Eu imagino o que um estrangeiro deve pensar sobre o Rio de Janeiro, vendo a "zona" instalada em suas vias principais... Isso aqui está pior que o Marrocos!
O curioso é o prefeito Cesar Maia ter afirmado, certa vez, que desejava ser "um novo Pereira Passos". Rá! Ele deve estar de sacanagem com a nossa cara...
E o Pereira Passos deve estar dando cambalhotas no túmulo, querendo sair de lá e apertar o pescocinho do Maia...
M.S.

quarta-feira, maio 04, 2005

Pasto para as bestas

Eu confesso que gosto de assistir a filmes de terror e de suspense. Pode vir Drácula, Lobisomem, Freddy Krugger, Hannibal Lecter, o escambau, que eu levo susto, atiço a adrenalina mas saio do cinema tranqüilo, a história não me afeta mais.
Ontem eu vi um filme que me deixou apavorado. Chama-se "Quase dois irmãos", da Lucia Murat, com Caco Ciocler e Flavio Bauraqui (ambos excelentes) no elenco. Quando eu vejo filmes de terror, eu tenho certeza que não vai aparecer nenhum vampiro para me chupar o sangue, nenhum "serial killer" de olhar medonho para me atacar. Mas, se eu não sou personagem de uma "Sexta-feira 13" qualquer, admito que sou uma vítima em potencial da violência que grassa pela cidade. Aliás, quem não é...
Quando eu era mais jovem, eu via na polícia uma entidade que me protegia. Hoje, ela me amedronta tanto quanto o criminoso, de quem ela deveria me proteger. Eu me sinto como se fosse "alimento" para bestas-feras que estão ao meu redor.
Quando eu fazia faculdade de jornalismo na UFF, em Niterói, saía de lá muitas vezes na barca das 22h 30min, chegava no Rio vinte minutos depois e saía andando, calmamente, da Praça 15 até a minha casa, a uns três quatro quilômetros dali. Atualmente, estar no meu carro, correndo a 80km por hora, em dia claro, não me deixa tranqüilo.
Tergiverso, eu sei. Comecei este texto falando do filme. Pois é. Quem for assisti-lo verá na tela assuntos que estão aí, à disposição dos sociólogos de plantão: o tráfico convocando crianças, a polícia vendendo armas pesadas para os traficantes, a absoluta e total falta de senso moral que faz com que jovens traficantes matem por qualquer razão ou sem qualquer razão, o envolvimento amoroso de moças da classe média e alta com rapazes do tráfico... Está tudo lá.
A impressão que eu tenho é que abriram as portas do Umbral, do Inferno, sei lá, e todas aquelas almas torturadas resolveram encarnar e nos transformar em seu "pasto" particular. E que ninguém me venha com discursos babacas, de sociologia de botequim da Zona Sul, assegurando que isso é decorrência da "falta de dinheiro, de emprego"... porque é muito mais do que isso! Pode oferecer emprego e escola para estes jovens do tráfico que eles rirão na sua cara. Emprego nenhum, escola nenhuma dá a sensação de poder que uma AR-15 dá a estas pessoas. As moças de boa família que se envolvem com os traficantes não tem problemas de dinheiro nem de falta de escolas. E elas insistem em subir os morros, concordando em se tornar componentes do harém de algum dono de boca de fumo.
Não há solução? Acredito que deva haver alguma. Eu não tenho idéia do que seja. Mas não é possível que não haja uma saída para isto. A cidade de New York já foi extremamente perigosa. Entretanto, em 1997, eu andei por lá, altas madrugadas, saindo dos teatros, pegando metrôs ao lado de velhinhas e nada me aconteceu. O que deu certo lá, no combate a violência? A "Tolerância Zero" do prefeito Giuliani? Em grande parte, sim. Mas se a comunidade nova-iorquina não colaborasse com um "Basta!", nada daria resultado. E este "basta1" não quer dizer pendurar nas janelas faixa com esta palavra. É muito mais. É talvez a classe média e rica parar de comprar drogas, enriquecendo os traficantes. É dar um choque de cidadania e civilidade no trato com a população. É uma porção de coisas que eu levaria semanas digitando aqui e não chegaria ao fim.
Recomendo a todos que assistam a "Quase Dois Irmãos". Desde já, o meu candidato brasileiro à indicação para o Oscar. Recomendo a todos que pensem na situação em que vivemos. Que Deus nos ajude. E que ajudemos a Ele nesta salvação.
M.S.

Aliás...

Saí do cinema completamente atarantado por conta do filme, paro em uma banca de jornais e vejo as manchetes: "Flavio Assunção assaltado diante de casa", "Guilherme Karam testemunha do assassinato do motorista do taxi em que estava", "Apresentador Leão apavorado depois de ser assaltado". Todas três notícias, uma embaixo da outra. Me deu uma vontade de vender tudo e me mudar para o interior de Santa Catarina, do Espírito Santo, para o deserto da Austrália!
M.S.

Direto do meu guarda-louças

Há alguns dias, li nO Globo, na coluna do Joaquim Ferreira dos Santos, uma crônica sobre "espinhela caída". Talvez você que esteja me lendo não saiba o que diabos vem a ser isso. O Joaquim lembrou bem que esta era uma "doença de suburbano". Eu vou mais além: De morador da periferia, também. Mas atenção, muita calma nesta hora: não há nenhum tipo de preconceito no comentário Joaquim ou no meu. Espinhela caída dava (acho que não dá mais...) na criançada do subúrbio e do Grande Rio (onde me criei) por fazer parte daquela cultura. Como jogar bola de gude, soltar pipa, rodar pião, comer goiaba no pé, jogar futebol em campinho de várzea, brincar de pique-bandeira, carniça, garrafão, pular corda...Vocês entenderam, não é? Eu não consigo imaginar um morador de Ipanema, do Flamengo e arredores indo numa rezadeira para rezar espinhela caída. Como não imagino uma criança de lá jogando búrica em quintal de terra.
Esclarecimento feito, passemos à espinhela. O que será, com mil tubarões, espinhela caída? Eu, que segundo minha mãe e minha tia, tive muitas vezes, não tenho a menor idéia do que seja. Suspeito que tenha a ver com o estado de magreza absoluta que as agitadas crianças do meu tempo viviam. A gente não tinha videogame, via pouco televisão, daí, estávamos sempre correndo, brincando, agitando. Acho que por isso o pastel e o cachorro-quente da cantina da escola não viravam gordura no nosso corpo. Queimávamos aquilo tudo em uma hora de pique-tá.
Sei que, de tempos em tempos, a minha mãe ou a minha tia Avelina, que morava em Piedade e com quem eu cheguei a passar uns tempos, me olhavam com olhos críticos e diagnosticavam: "espinhela caída!" Daí, a minha tia falava: "Marquinho, vai chamar a Dona Maria!"
Era a rezadeira da vila em que morávamos, na Rua Padre Nóbrega, 494. A casa da minha tia era a 4, ou "IV", já que os números eram escritos em romanos. A da D. Maria era a I. Eu adorava ser acometido pela tal espinhela caída. Justamente para ser rezado pela Dona Maria e ter que ir na casa dela para chama-la. Lá, morava a sua neta, Ângela, um de meus amores infantis. Eu tinha uns 7 anos. A Ângela, uns 13. Já tinha até peitinho. (Imagino a matrona em que ela deve ter se transformado...)
Pois bem. Eu ia lá, chamava a D. Maria, via a minha paixonite, e voltava para casa. Logo em seguida, chegava aquela velha senhora, com um galhinho de arruda nas mãos. Eu ficava em pé, diante dela, ela começava a me rezar. Murmurava umas palavras que eu não conseguia distinguir, sempre me cruzando com a arruda. "Vira de costas". Eu obedecia. Ela fazia a mesma coisa que tinha feito antes, com um detalhe: ela sempre começava a bocejar durante o processo de reza. Acredite se quiser: eu sentia um formigamento de leve pelo corpo, durante aquele ritual. Uma sensação gostoooosa... Depois de rezado, e, imagino, curado do ataque de espinhela caída, minha tia dava um dinheirinho para D. Maria, que se ia com passos rápidos, cuidar de seus afazeres na casa I, na casa da minha amada Ângela.
É possível que a ciência diga que a reza da D. Maria servia tanto como a colherada de Rum Chreosotado que minha tia me dava toda noite, antes de dormir ("para não ficar constipado"). Mas é inegável que tanto uma quanto outra faziam da minha infância um imenso guarda-louças de lembranças que eu, muito tempo depois, teria muito gosto em abrir. Nem que seja apenas para espanar o pó.
M.S.