segunda-feira, fevereiro 26, 2007

Conversa entre amigos


Eu cheguei diante da casa e vi o menino, sozinho, jogando bola de gude. Descalço, short e camiseta, ele manipulava os pequenos glóbulos de vidro com perícia, impulsionando uma e outra, ora com força, ora com suavidade.
- Olá.
Ele não pareceu se assustar com o meu cumprimento. Levantou os olhos e me viu. Gastou alguns instantes para responder, o que me levou a pensar que tinha me reconhecido.
-Oi.
- Quer jogar comigo?
Ao ouvir a pergunta, um certo brilho de cobiça faiscou naquele olho castanho de pestanas longas.
- À vera ou à brinca?
- Huum... Vamos começar à brinca. Estou destreinado, sabe? Depois a gente cai à vera.
- Tá. Zepe, triângulo ou búrica?
Eu lembrei que das três formas, búrica era a que ele mais gostava. Talvez porque demorasse mais.

No zepe, ele fazia o círculo no chão de terra batida com a tampa de lata de Toddy, onde guardava suas bolas de gude. Neste jogo, podia-se entrar no círculo e tecar as bolas de lá. Ganharia quem tirasse mais do zepe ou acertasse a bola do adversário.

No triângulo, se a bola de um dos jogadores caísse da linha pra dentro, o adversário ganhava. O jogo acabava com o fim das bolas no triângulo ou com um dos dois acertando a bolinha do outro.

Na búrica, faziam-se três pequenos buracos no chão, em fileira, com a distância de um passo largo entre eles. Daí, arredondava-se suas laterais com o calcanhar. Os contendores tinham que viajar pelas três búricas, ida e volta, e só aí conquistavam o direito de “matar” o outro.
- Marraio-firidô-sou-rei!
Nem me lembrei de dizer isso antes dele. Quem pedia isso ganhava o direito de jogar por último e seria o primeiro a jogar se acertasse a bolinha do outro naquela hora de decidir quem começava a partida. Joguei a minha bola de gude tentando fazer com que ela chegasse o mais perto da terceira búrica.
Claro. A bolinha dele chegou bem mais próximo. Ele começaria.

Jogou habilmente a sua bola dentro da primeira búrica e dali acertou a minha, mandando-a para bem longe. Eu percebi que ele riu. Não tão escancaradamente para parecer humilhação, nem tão imperceptivelmente para não deixar de saborear aquele momento de prazer.

- Você tem ido a cinema?
- Vou domingo agora. Está levando “Hércules contra Maciste”. Eu gosto de filme com deuses da Grécia.
- É, eu sei. Você não perde um desses filmes com personagens históricos.
Ele estava na iminência de chegar na terceira búrica. Com o meu comentário, ele parou o que estava fazendo e me olhou longamente. Percebi que ele estava tentando saber, silenciosamente, de onde eu poderia conhecer o seu gosto por filmes e por mitologia grega.
- Sou papa! Agora, tome cuidado!
Ao ter completado o percurso, agora ele tinha o direito de me matar. Tentei distraí-lo. Não queria que o jogo terminasse logo.
- Você vai daqui pro cinema pegando ônibus?
- Não. Minha mãe me dá o dinheiro da passagem, mas eu vou a pé e compro um sorvete.
Ele gostava do sorvete daquela máquina que tinha vidros com xaropes coloridos. Pedia sempre o de uva e ficava olhando a massa da guloseima descer lentamente para dentro da casquinha, enquanto o operador ia controlando o fluxo de xarope. Ao final da operação, lá estava a casquinha pronta, com a massa do sorvete em tom lilás, e o forte sabor de química que agrada a paladares pouco exigentes.
- Arrá! Sou papa também. Vem ni mim procê ver!
E ele veio. Mediu um palmo, posicionou a mão direita e disparou sua bolinha na direção da minha.
- Matei! Rá! Rá! Rá! Rá!...
Há quanto tempo eu não ouvia aquela gargalhada de menino que ainda não engrossou a voz.
- Tudo bem. Perdi. Agora vou ter que ir. Foi bom o jogo.
- Mas só uma? Vamos pra outra!
- Acho que não vai dar tempo... Quem sabe outro dia.

Nisso, ouvi uma voz gritando dentro da casa, chamando o menino para almoçar.
- Gostei de jogar contigo. Hoje a tarde vai ter jogo no campinho?
- Vai! Hoje tem pelada contra o time da turma do Valão. O senhor vai assistir?
Estranhei ele me chamar de “senhor”. Mas lembrei que ele sempre chamava os mais velhos assim. Fora ensinado pela mãe a sempre respeitar quem tinha mais idade.
- Tome. Fique com as minhas bolas de gude. Agora tenho que ir. Até logo.
- Até logo. Volta aí quando quiser...
Fui caminhando devagar, cheguei a ouvir a mãe do menino, que aparecera na janela, perguntando a ele:
- Marco, você está falando com quem?
- Com aquele moço que vai ali.
- Que moço? Não estou vendo ninguém... Tá maluco?
Não, mãe. O seu menino não está doido. Ele haverá de crescer e lhe dar muitas alegrias, como a senhora bem gosta de dizer.
Ainda escutando a voz dela, senti que estava acordando daquele sonho tão agradável...
M.S.
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Na Rádio Antigas Ternuras, você está ouvindo 14 Bis e “Bola de meia, bola de gude”. Tem música mais apropriada para este post?
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Festa do Oscar: dos cinco bons filmes, ganhou o menos bom deles. A Academia tem sempre uma surpresa...
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“Mengão eliminou o time dos bacalhosos”. Nem Drummond, Vinícius, Neruda poderiam escrever uma frase com tanta poesia como essa... Ahhhhhhhhhhh!
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Pessoal: estou tirando um restinho de férias que ficou faltando. Ficarei fora do ar por uns tempos. Até a volta!

quarta-feira, fevereiro 21, 2007

E lá vem Seu Oscar...


Bem... Nem preciso dizer, como bom cinéfilo que sou, que a festa do Oscar é uma de minhas antigas ternuras. Eu a acompanho desde que era menino, o que significa dizer que eu não vi “E o Vento Levou...” levar o Oscar de Melhor Filme, mas quase...
A festa pode ser brega (e é!), injusta (às vezes é mesmo), colonizadora (acredito mesmo que seja!), mas, fazer o quê? Gosto sim, e daí?
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E nesse ano temos belos filmes concorrendo. Aliás, devo realçar que há muito tempo não vejo uma safra tão interessante para um início de ano. Desde 1 de janeiro de 2007, resolvi fazer um troço que deveria ter feito há mais tempo. Anoto todos os filmes que vejo, criando uma fichinha com nome, local de produção, ano, diretor, elenco, um pequeno resumo, quando e onde vi e a minha classificação. Pois é. Já vi 17 filmes neste ano e em nenhum classifiquei como “ruim”. Pelo contrário: tem mais “excelentes” e “bons” que costumo atribuir com meu senso crítico (que pode não ser grande coisa, mas é meu). Já vi que terei dificuldades na hora de definir quem levará o meu prêmio “Pipoca Fumegante 2007”, no final do ano...
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Dos cinco indicados para Melhor Filme, estou torcendo para o carecão dourado ir para “Pequena Miss Sunshine” (Prêmio Pipoca Fumegante 2006) ou para “Babel”. Com qualquer um dos dois, está bem entregue. Este segundo filme é o mais contemporâneo dos cinco e é excelente. Entretanto, se a Academia escolher os também excelentes “A Rainha” ou “Cartas de Iwo Jima”, não será nenhum descalabro. Mesmo “Os Infiltrados”, que na minha opinião é o menos bom de todos eles, se ganhar, ninguém vai dizer que foi roubo.
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Nas categorias Melhor Ator, Atriz, Ator Coadjuvante e Atriz Coadjuvante temos favoritos tão descarados que aí, sim, se não ganharem será possível gritar “pega ladrão!” bem alto. Se a Helen Mirren não vencer por seu magistral desempenho em “A Rainha”, o Kodak Theatre virá abaixo. Ela ganhou todos os prêmios que concorreu. E o douradinho pode ir para as suas mãos. Não tem pra ninguém. Da mesma forma, Forrest Whitaker, com um Idi Ami de se aplaudir de pé tem mais é que levar o prêmio. E pelo visto, a turma da melanina vai deitar e rolar nesse Oscar além do Whitaker: a Jennifer Houston e o Eddie Murphy (ambos por “Dreamgirls”) devem faturar o careca (não vi todos os desempenhos, visto que tem filme que ainda não passou por aqui, mas duvido que sejam melhores que os dois).
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Para Melhor Diretor, vou torcer para o Martin Scorsese (Os Infiltrados). Não que ele tenha sido mais estupendo que os demais. Mas por ter sido sete vezes indicado e não ter levado nada até agora. É um cineasta vigoroso, com uma obra de peso e merece, vai.
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Nas outras categorias, tenho lá minhas preferências. Mas não consigo entender como alguns filmes não estão concorrendo, como “Mais estranho que a ficção”, em Melhor Roteiro original. A história é espetacular! Saí do cinema com a impressão que o Oscar era líquido e certo. Nos longas de animação, “Na Era do gelo 2” foi, disparado, o melhor do ano e nem na lista de indicados está.
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É isso. No domingo, estarei de olho na telinha, torcendo – como sempre - pelos favoritos da telona. Para mim, isso já é tradição. “And the Oscar goes to...”
M.S.
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Na Rádio Antigas Ternuras, você ouve 101 Strings tocando “Rapshody in Blue”.

sexta-feira, fevereiro 16, 2007

Se a canoa não virar, olê, olê, olá...


Já ouço daqui os clarins. Momo e seus súditos se aproximam para o reino da folia. Antigamente, no tempo das antigas ternuras (e até antes delas...), chamavam o Carnaval de "tríduo momesco". Hoje, o Carnaval nem dura mais três dias. Na Bahia, então, dura bem mais. Soube que o último trio elétrico do Carnaval de 1983 acabou de passar na Praça Castro Alves e os outros estão já desfilando; sabe-se lá quando vai acabar!
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Aproveitando o clima de folia que está no ar, junto com o agradável aroma dos Rodo Metálicos de antanho (os mais novos nem imaginam o que seja Rodo Metálico, aquela garrafinha dourada de esguicho geladinho e perfumado...), o Grêmio Recreativo Bloco Carnavalesco Acadêmicos de Antigas Ternuras saúda os seus alegres leitores e pede passagem.
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Está em cartaz aqui no Rio, com enorme sucesso, o espetáculo teatral "Sassaricando", todo baseado em marchinhas de Carnaval. Lembro que em 1998/99, logo depois do mega-sucesso que eu e o ator e diretor Sergio Britto escrevemos, o musical "Cafona, sim, e daí?" (apontado pela crítica como um dos melhores espetáculos do ano), escrevi uma peça toda baseada em histórias de Carnaval e suas marchinhas. O Sergio tinha me perguntado o que eu achava de escrever uma peça baseada nos antigos Carnavais. E eu, com cifrão nos olhinhos, que nem o Tio Patinhas (tinha ganho um bom dinheiro com direitos autorais do "Cafona...", tanto que peguei a grana e fui me esbaldar e New York), sentei a rabiola diante do computador e em dois dias escrevi a peça, que submeti ao Britto, que a aprovou na íntegra.
Infelizmente, o projeto não foi adiante. Pena me$$mo!
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Hoje, vejo a peça Sassaricando causando o maior auê. Acho que a minha também causaria.
Como já ouço os ecos de Momo, deixo aqui uns trechinhos da minha peça. Neste Carnaval, estarei fora do Rio em merecido descanso. Ficam aqui, algumas histórias que faziam parte da minha peça inédita, que tem como nome "Alo, alô Carnaval" (dei este nome em homenagem ao célebre filme da Cinédia, da qual tenho uma cópia em videocassete).
Evoé!
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MULHER 1 - Vem cá, vocês já fizeram alguma loucura no Carnaval? Mas uma loucura daquelas que depois a gente pergunta: “Meu Deus! Onde é que eu estava com a cabeça?!?”...

TODOS - Ih....Já...Tantas...
MULHER 2 - Uma vez eu estava no Terreirão do samba, próximo do Sambódromo. Tinha bebido todas. Fui ver as Escolas de Samba agarrada com não sei quem, nem sei com quantos. Gente, foi uma loucura! Só me lembro que no dia seguinte, acordei no Cemitério do Catumbi, ali pertinho, dentro de uma cova, pelada da cintura pra baixo! Que doideira, meu Deus!
HOMEM 1 - Eu lembro que uma vez eu estava brincando com uns amigos em um clube. Tinha tomado um porre de “dudu”...
HOMEM 2 - Dudu?
HOMEM 1 - ...conhaque Dubar com vermuth Dubar. Pois é, eu já estava “lindão”. Além disso, já tinha cheirado muita lança-perfume. Aí eu vi numa mesa de uma família respeitável uma morena com uma bunda igualmente respeitável. Nós mexemos com ela. Um velhinho que estava lá ficou possesso. Cresceu pra cima da gente gritando: “Eu sou militar! Eu sou militar!”. Aí eu disse pra ele: “E nós temos culpa disso?” Um outro foi se meter, dizendo: “Calma, calma que eu sou advogado!” Eu respondi: “Bem feito! Quem mandou não estudar?” Aí fechou o tempo...
MULHER 1 - Olha, vocês nem vão acreditar. Mas uma vez eu saí de casa de manhã, só de biquini e canga para um banho de mar à fantasia e acabei em Salvador!
MULHER 3 - Como é que é?
MULHER 1 - Uma loucura! Lá ia eu pra Copacabana quando encontrei um homem lindo, que estava indo para Salvador e me chamou pra ir com ele naquele momento. “Mas, como? Eu só estou de canga?”, eu disse. E ele: “Vamos que eu compro roupas pra você lá!”. Me deu uma doideira e eu fui. Pior foi quando eu liguei pra minha mãe, dizendo que estava brincando o carnaval em Salvador! “Mas, como, minha filha? Você pegou o ônibus errado?”

HOMEM 2 - Olha, falar em loucura de Carnaval, eu lembro de um ano, eu na Avenida Rio Branco vendo bloco passar, de repente olho uma morena de enlouquecer, rindo pra mim. Eu já estava meio mamado, e não conversei: Tasquei-lhe um beijo na boca. De língua. A partir dali eu fiquei na maior saliência com a morena. Nós parecíamos duas enguias no cio se enroscando na rua, na frente dos outros. Teve uma hora que a morena pediu para fazer xixi. Eu fiz paredinha junto de um canto e vi a morena sacar uma jeba des’tamanho. Mijou, balançou e guardou sabe-se lá onde. Eu virei as costas e saí dalí de boca aberta. Não sabia se estava mais admirado com a morena que era homem ou com o tamanho daquela pemba, muito maior que a minha...
MULHER 3 - Teve uma vez que eu estava com um namoradinho, brincando num bloco pelas ruas da Tijuca. O bloco se dissipou lá na Barão de Mesquita, perto daquele quartel da PM. Era na época da ditadura. Eu sabia o que acontecia lá dentro. Falei com o meu namorado que ali eles torturavam e matavam presos políticos. Não é que o maluco baixou a bermuda e, balançando as “jóias da família”, ficou gritando: “Aqui, ó, pra vocês seus torturadores filhos da...” Eu tapei a boca daquele doido e tirei ele dali correndo. Sorte que passou um ônibus e a gente entrou rápido nele. Meu Deus! Se pegassem a gente!
HOMEM 3 - Teve um Carnaval que eu saí muito doido pelas ruas. Tinha tomado um litro de Fogo Paulista. Acho que tinha outro tipo de “lenha” naquele Fogo Paulista...Quem me deu a garrafa gostava de uma bolinha...Mas aí eu vi um garotão, com um nariz imenso, parecia um Cyrano de Bergerac, só que de verdade, não era fantasia. Eu cheguei pra ele e disse: “Com esse nariz, você deve cheirar muito “cheirinho da Loló”, fala a verdade. Você cheira, não cheira?” O garoto ficou assustado. Meteu a mão no bolso e tirou uma ampola de “Cheirinho...” e me deu. “Toma, seu polícia! Não me prende, não! Eu juro que não faço mais!” E saiu voado, pensando que eu era tira! Eu enchi um lenço daquilo, aspirei forte e quando o sininho bateu saí cantando “Mamãe eu Quero!”, pulando que nem perereca profissional...
TODOS – Mamãe eu quero...Mamãe eu quero... Mamãe eu quero mamar...
M.S.
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Na Rádio Antigas Ternuras você está ouvindo o “Balancê”, com Gal Costa.
Até Quarta-feira, pessoal!

terça-feira, fevereiro 13, 2007

Hey, Hey We're The Monkees!


Here we come,
walkin' down the street…
*
Dia: 12 de setembro de 1966
Canal: NBC (USA)
Milhões de pessoas ligaram seus aparelhos de TV e ficaram...como dizer... surpresas? divertidas?... com aquele programa absolutamente enlouquecido que passava diante de seus olhos. Quatro jovens - que talvez lembrassem outros quatro jovens de Liverpool que tinham assumido o controle do mundo como os 4 Cavaleiros do Após-Calipso - faziam diabruras, cantavam, dançavam, tudo numa linguagem moderna. Nem tanto original no sentido lato do termo. A série “Batman”, na ABC, já apresentava aquela festa de cores, enquadramentos inclinados e mais onomatopéias de gibi, algo extremamente novo para a TV de então. Mas o novo programa musical tinha um quê de novidade.
*
We get the funniest looks from
Ev'ry one we meet.
*
O que era exatamente aquilo? Era uma banda? Um grupo de debilóides?
*
Hey, hey, we're the Monkees
And people say we monkey around.
But we're too busy singing
To put anybody down.
*
Vídeo com 49 seg. Para a música de fundo não atrapalhar, cliquem no “X” da barra de ferramentas lá no alto.


Sabem como aquilo começou? Em 1960, Bob Rafelson teve a idéia de criar uma banda para a TV. Mas não levou adiante. Logo, o mundo conheceu uma explosão chamada The Beatles. Cinco anos mais tarde, Rafelson juntou-se a Bert Schneider e desenvolveram o projeto de um programa com um conjunto à la Beatles, com a loucura dos Beatles. Muitos dizem que eles queriam dar uma resposta à Inglaterra com um conjunto americano para empolgar que nem os ingleses faziam nos próprios EUA. Tolice. Os Beatles já tinham uma resposta norte-americana e ela se chamava Beach Boys, onde Brian Wilson tentava e às vezes conseguia emparelhar com a dupla Lennon&McCartney.
*

Os produtores não queriam uma banda de verdade. Queriam gente nova. Botaram um anúncio no jornal especializado Variety, dizendo assim: "Loucura!! Músicos, cantores para atuarem em uma nova série de TV". Apareceram 437 candidatos.
Os produtores já tinham definido o perfil dos quatro que queriam: um cantor no gênero country, um jovem inglês (por influência de Ward Sylvester, que era um dos Produtores Associados e, também, empresário de Davy Jones), um cara engraçado e o quarto, um adolescente tímido e desajeitado. Feitas as audições, escolheram, respectivamente, estes loucos, quer dizer, atores: Mike Nesmith, Davy Jones, Micky Dolenz e Pete Tork.
*
Embora os produtores tivessem pedido “músicos”, nem todos os quatro selecionados sabiam tocar um instrumento e saber bem mesmo, só o Nesmith. Tinha o Tork, que era o “homem de mil instrumentos”, mas não chegava a ser um virtuose. Dolenz foi pra bateria e nem tinha idéia de como deveria tocá-la.
Na verdade, os produtores queriam bons atores comediantes, que soubessem cantar. Na hora de gravar, poriam músicos de estúdio para tocar.
*
E The Monkees explodiu nas TV do mundo todo!
Vocês pensaram que os Beatles ficaram chateados com aquela tentativa de imitação do clima do filme “A Hard Day’s Night”? Rá! Eles a-do-ra-vam a série! Lennon, então, mais que todos. Ele foi o primeiro a ver naquele humor louco algo de Irmãos Marx, de Três Patetas... Eles quase eram precursores do Monty Python!
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Embora tivessem textos escritos para cada episódio, os caras eram encorajados a improvisar em cena e o faziam muito bem! Eu, particularmente, adorava a série. Ria muito com aquelas loucuras. Lembro de um episódio em que Davy estava a fim de dar uma festa para conquistar uma filha de um militar, só que os rapazes precisam de alguém mais velho para ficar de responsável pela festança. Daí, fantasiaram Micky de mulher. (Chego a imaginar que a peça “A Gaiola das Loucas” foi inspirada neste episódio...).
*

Depois de 58 episódios, The Monkees chegaram ao fim. Os produtores estavam receosos de deixarem eles tocarem nos discos, os caras não estavam mais agüentando aquela vida. Além disso, depois de duas temporadas, a novidade já não era tão nova assim... Seus discos, de primeiro lugar nas paradas, caíram para 48o. Eles não faziam turnês porque não os deixavam tocar (no auge do sucesso eles ainda não estariam prontos, mesmo. Dolentz levou um ano aprendendo a tocar bateria...), daí, os maliciosos de plantão começaram a espalhar que eles eram uma farsa... Uma espécie de “Milli Vanilli” avant la lettre... (o que era um exagero, diga-se de passagem)
Sem contar que eles desejavam fazer outras coisas. Micky Dolentz era o mais inquieto. Inclusive, ele chegou a dirigir o último episódio da série, com os quatro atuando.
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O primeiro a sair foi Pete. Aí, Nesmith foi em seguida. Davy e Dolentz ainda tentaram fazer alguma coisa, mas não deu. O mais curioso é que tempos depois até tentaram se reunir. No aniversário de 20 anos da estréia da série, eles se reuniram, tocaram e gravaram. No de 30 anos também. E eventualmente, eles ainda aparecem juntos em algum programa.
Pete Tork esteve no Brasil, em 2002, cantou e tocou em São Paulo. Micky Dolentz virou ator de Teatro e também diretor e produtor de TV. Davy Jones e Mike Nesmith estão por aí. Nesmith grava discos e faz shows-solo, assim como Davy.
*

Numa recente entrevista, Dolenz revelou que os Monkees são como uma espécie de família, mesmo que eventualmente tenham discussões, ainda se amam o suficiente para se manter unidos.
Vocês poderiam perguntar: eles ainda vão se juntar outras vezes?
Bem, como diz no final da música-tema deles...
Hey, hey, we're the Monkees, (ei, ei, somos os Monkees)
You never know where we'll be found (voces nunca sabem onde nós seremos encontrados).
so you'd better get ready, (então é melhor ficarem atentos)
We may be comin' to your town. (Nós poderemos voltar para a sua cidade)
M.S.
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Na Rádio Antigas Ternuras, você ouve “Last train to Clarksville”, grande sucesso dos Monkees, que gerou uma versão aqui, nos tempos da Jovem Guarda.
Na TV Antigas Ternuras, você vê a louca abertura do programa.

quinta-feira, fevereiro 08, 2007

Teatro da fé


A situação é a seguinte:
Uma pessoa está em local de culto. Cada cidade tem o seu padroeiro, aquele que do céu a protege. Logo na entrada, a pessoa se persigna, faz sinais que significam pedido de proteção. Vai até o altar, se ajoelha, olha para a imagem e faz sua oração. Às vezes, faz um pedido especial, embutindo uma promessa, caso consiga alcançar a graça que pediu. Sai do templo, faz mais persignações e ganha a rua, acreditando que vai ser atendida.
Pergunto: de que religião estou falando neste pequeno texto?
*
Aposto que você respondeu: “cristã católica, ora essa!”
Sim, pode ser. Mas também pode ser a religião pagã que era professada na Antiga Grécia e na Antiga Roma. As coisas aconteciam exatamente assim.
*

Cada cidade era dedicada a um deus. Como as cidades cristãs de hoje são aos santos. Todas tinham um templo devotado a ele numa área central e importante. Exatamente como as igrejas atuais. No templo, tinha um altar com uma imagem do deus. Igualzinho aos santos das igrejas. Os fiéis faziam sinais antes de entrar e diante do deus. Bem parecido com o “sinal da cruz” de hoje em dia. Gregos e romanos faziam pedidos. Os católicos também. Ambos faziam ou fazem promessas do tipo “toma lá, dá cá”. Ambos fazem invocações à sua divindade favorita em exclamações de alegria, de espanto ou de temor.
Como se vê, a religião pagã e o catolicismo têm muito em comum.
*

Mas por que essa semelhança? Bem, quando o cristianismo se tornou religião oficial do Estado, havia toda uma classe social que vivia de venda de imagens, sacrifícios e promessas. Além disso, o povo era acostumado a fazer seus cultos daquela maneira. Qualquer mudança muito drástica causaria conflitos sociais. Daí, tivemos estas aproximações. Claro, não foi tudo da noite pro dia. Foi devagar, lento. Para ser bem assimilado.
O culto aos santos começou em 370 d.C.. A oração pelos mortos em 400. A idéia de um Purgatório, em 500. O culto da Virgem Maria e a invocação dos santos, em 609. Culto às relíquias em 787. A canonização dos santos em 880. E por aí foi...
Com a conversão cada vez maior de pessoas à nova religião, cada vez mais fiéis passaram a ter seu oratório em casa, com a figura de um santo protetor. Exatamente como seus pais e avós tinham um altarzinho doméstico com a figura de Zeus, Apolo, Atena...
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Toda essa longa introdução é para dizer que eu fui na exposição “Aleijadinho e sua obra”, que está no Centro Cultural Banco do Brasil, aqui no Rio. Pois eu estava lá, vendo aquelas imagens, aqueles belíssimos oratórios, e pensando o quanto herdamos do paganismo.
*

Antonio Francisco Lisboa nasceu em 1730, em Vila Rica, principal cidade de uma região que foi a maior produtora de ouro do mundo naquele meado do Século 18. Foi por volta de 1695 que começaram a achar o metal precioso por ali. E na Vila Rica, encontraram um ouro de cor amarelo mais escuro, que chamaram de “ouro preto”. E esse produto operou milagres na região.

Se no final do Século 17, era um matagal, onde viviam os índios botocudos, menos de 80 anos depois era um centro cultural de fazer inveja a Lisboa. Na verdade, a antiga Vila Rica possuía mais músicos e orquestras que na capital do país-matriz. E tinha um gênio popular, chamado de Antonio Francisco Lisboa, cuja doença (talvez sífilis), degenerava seus ossos e articulações, a ponto de chegar um tempo em que tinha de ser carregado por escravos e ter instrumentos (martelo e cinzel) amarrados em seus pulsos. Ali, na velha capital das Minas Gerais, começou o auge do barroco mineiro.
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A atual Ouro Preto e Congonhas são as cidades onde estão as principais obras do grande artista. E estes lugares significam antigas ternuras para mim. De ir passear por lá, quando era mais novinho, vendo, maravilhado, toda aquela riqueza. Pisava naquelas pedras históricas, centenárias, com cuidado e respeito. Eu, que sempre amei a História, estava ali, desfilando em lugar onde tanta coisa tinha acontecido.
*

Vi as ruas enfeitadas onde passaria a procissão. Um verdadeiro Teatro de fé, com personagens, cenários, iluminação e atuações concentradas, contritas. A procissão do Senhor morto, aquela imagem esculpida com esmero, com cabelos humanos de verdade, com suor de sangue que parecia legítimo, impressionava um menino que vivia tão distante.
*

Olhava as imagens dos profetas, nascidas de dentro de blocos de pedra-sabão. Elas foram dispostas no adro da Igreja de Bom Jesus, de forma que a gente anda por entre elas, olhando de perto seus detalhes, seus entalhes... Curiosamente, não me despertavam a fé. Mas me faziam pensar em quantos olhos as admiraram. Olhos que a terra comeu, que desapareceram, viraram pó. Mas ali estão as imagens de pedra. Sentinelas por tanto tempo. Testemunhas da capacidade e engenho do ser humano.
*

Vendo as imagens de pedra e madeira de Aleijadinho na exposição, pensava que aquelas peças tinham atravessado tantos anos, maravilhado tantas gentes, e tantas ainda por maravilhar. Que um dia eu partirei desta vida. Será a minha vez de virar pó. E elas estarão por aqui. Será que alguém as mirará como aquele menino que fui?
M.S.
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Na Rádio Antigas Ternuras, você está ouvindo “Canção do Novo Mundo”, por Milton Nascimento. A própria essência de quem é do mundo, é Minas Gerais. Este post é dedicado aos mineiros que passaram por meus olhos e meu coração.

sábado, fevereiro 03, 2007

Muito saliente


Noutro dia, estava eu num ônibus e duas mulheres conversando atrás de mim, contando uma história de um sujeito que seduziu duas irmãs (sim, eu fiquei ouvindo; como disse o grande autor que eu tanto admiro, Dalton Trevisan, todo escritor é uma espécie de “vampiro de almas”, sempre à espreita por uma história, uma tema, um mote). Na verdade, não há exatamente novidade hoje em dia em saber que um cara passou o rodo em duas irmãs. Vivemos tempos complicados, moralmente falando... Mas a história me fez lembrar de um texto para radionovela que escrevi em 2002, no tempo em que eu e outros atores gravávamos novelas para uma rádio comunitária daqui do Rio. Quem me acompanha há mais tempo sabe que coisas do Rádio são minhas antigas ternuras.
Acho que eu já postei este texto aqui há tempos atrás, mas não tenho certeza e estou com preguiça de verificar. De qualquer forma, ele está aí para quem não o leu.

O SEDUTOR
Um original de Marco Santos

Personagens: Zé Manduca, Mirinha, Fina, Santinha, Compadre Gervásio, Sô Candelário e Narrador

NARRADOR – Zé Manduca tinha dois grandes prazeres na vida. O prazer da cama e o prazer da mesa. Exatamente nessa ordem. Era o maior sedutor do vilarejo de Espinhaço. Tinha chegado há um mês e já cobiçava e era cobiçado pelas mocinhas donzelas do lugar. Especialmente pelas filhas de Sô Candelário. Ele só deixava de pensar em mulher quando se entregava ao pecado da gula. E se lhe perguntavam qual o prato preferido ele tinha a resposta na ponta da língua:
ZÉ MANDUCA – Prato grande, de preferência, fundo.

NARRADOR – Mas naquele momento, seu interesse era Ramira, a Mirinha, filha mais velha de Sô Candelário. Moça bem feita de corpo embora de rosto anguloso e imperfeito. Para dizer a verdade, ela era feia que nem o cão chupando manga de aparelho nos dentes. E Zé Manduca se importava com isso? Cercava a moça na saída da missa.
ZÉ MANDUCA – Como vai a senhorita?
MIRINHA – Ri, ri, ri...Como Deus quer, Seu Zé Manduca...Ri, ri, ri...
ZÉ MANDUCA – Seu, não, nosso, Mirinha...
MIRINHA – Ri, ri, ri...
NARRADOR – E com essa conversa de cerca-lourenço, Zé Manduca faturava mais uma...A próxima vítima, quer dizer, conquista, seria a segunda filha de Sô Candelário – Josefina, a Fina. O apelido lhe fazia justiça. Além de ser um diminutivo do seu nome, esclarecia sobre as dimensões de seu corpo. Era magra como se doente fosse. Uma verdadeira tábua de passar roupa, embora tivesse um rosto agradável. Embora parecesse uma vara de virar tripas, era viciada em doces. Zé Manduca foi cercá-la na vendinha do Bebelo.
ZÉ MANDUCA – Um pirolito pelos seus pensamentos...
FINA – Ri, ri, ri...Eu já tenho o meu confeito...E não estou pensando em nada...
ZÉ MANDUCA – Nem em mim, ingrata?
FINA – Ri, ri, ri...

NARRADOR – Mais uma marca na coronha do revólver, quer dizer... ah, vocês me entendem! A mira do artilheiro agora estava voltada para Horácia, a Santinha, a filha caçula de Sô Candelário. Muito carola, os bebuns da bodega do Bebelo duvidavam que ele conseguisse conquistar mais essa virgem. A moça era um tanto gordota, vivia de negro e de véu, sempre com terço e livro de orações na mão. Mas Zé Manduca confiava no próprio taco. Dentro da igreja, durante uma novena, o sedutor rezava contrito: olho no santo, olho na beata. Na primeira oportunidade, escorreu para perto de Santinha.
ZÉ MANDUCA – Acabei de fazer um pedido à São José. Que o meu santo amolecesse o seu coração, que não tem piedade de quem lhe vota amor e respeito.
SANTINHA – O senhor pediu a São José? Amolecer o meu coração?
ZÉ MANDUCA – Quero vê-lo molinho, como broinha de fubá mimoso...
SANTINHA – Ri, ri, ri...
NARRADOR – E o Paraíso perdeu mais uma virgem para aquele demônio de boa lábia. Em pouco tempo, Sô Candelário descobriu que a desgraça tinha feito a perdição de suas filhas. Estava ele se lamentando para o seu compadre Gervásio, quando este lhe fez a pergunta de chofre:
GERVÁSIO – Ô compadre! O diabo desse homem vem e faz mal às suas filhas. Na sua família não tem homem não?
SÔ CANDELÁRIO – Tem, compadre Gervásio, mas ele não quer. Ele só quer as mulheres!
M.S.
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Na Rádio Antigas Ternuras, você está ouvindo o grande Lua, Luiz Gonzaga, com Fagner, num pot-purri de forrós. Oi... Coisa boa!