quarta-feira, julho 30, 2008

De rosto colado


Recentemente, recebi pela internet um power point que falava sobre a importância da dança. Segundo dizia ele, antigamente as pessoas dançavam juntinhas e esse era um fator determinante para ajudar às mulheres a escolher o homem para com ela conviver. Pelo texto, a maneira de o homem pegar na dama, de conduzi-la com segurança e leveza, se ele cometeria erros, se pisasse no pé dela, como se desculparia e se se desculparia, tudo isso contava na hora de fazer a escolha. Hoje essa forma de seleção está bem mais limitada. A chamada dança de salão é desafortunadamente bastante restrita a freqüentadores de gafieiras. As boates mais freqüentadas só tocam música (?) para chacoalhar a caveira. Os corpos ficam separados. Os ouvidos agredidos por aquele bate-estacas imbecil. As mulheres perderam este importante fator de escolha e, disse o texto, talvez por isso haja tão más escolhas...
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No tempo das antigas ternuras, a gente dançava juntinho na maior parte das vezes e separado em outras. Para nós, os tímidos, era aterrorizante e ao mesmo tempo prazeroso tirar uma moça para dançar. A possibilidade de recusa eqüivalia a uma espada de Dâmocles sobre as nossas cabeças, assim como a eventualidade de, durante a música, acontecer um certo intumescimento de determinado órgão da anatomia masculina. O que, via de regra, acarretava em abandono pela dama no meio do salão. Eu já escrevi aqui sobre isso. Dava um trabalho danado controlar os passos para não pisar nos delicados pezinhos das moças e pensar no Sagrado Coração de Jesus caso a “cobra caolha” começasse a se empolgar.
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Mas eu concordo com o texto no power point. Dançando, dava às moças e rapazes o fundamental impulso para entabular conversação. Eu lembro que mandava um “embromation” – aquele inglês estropiado – no ouvidinho da menina, cantando a música que estávamos dançando. Se ela estivesse gostando, sorria significativamente. Caso não aprovasse aquelas intimidades, fechava a cara e eu tratava de, literalmente, cantar noutra freguesia.
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Eu não era nenhum pé-de-valsa. Por ser tímido que dava nojo, ficava na maior parte das vezes como discotecário (esse negócio de “DJ” ou “didjei”, graças ao bom Deus não existia na época...). Eu e o Alcir, meu obi wan kenobi em termos musicais, tínhamos os melhores discos do pedaço. O Alcir era guerreiro, partia pra cima da mulherada e sempre se dava bem. Daí, o seu “assistente”, ou seja, moi, ficava pilotando o toca-discos. Uma das músicas que eu gostava de tocar era esta que vocês estão ouvindo nesse momento. Eu gostava mesmo dessa música. Em casa, colocava o disco para tocar e ficava olhando a lua, pensando naquela que talvez estivesse em algum lugar, olhando para a mesma lua e pensando em mim...
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Quando eu colocava este disco no prato, os casais iam se formando na pista e eu tratava de escolher uma pra mim também. Às vezes, quer dizer, muitas vezes, eu sobrava. Mas não perdia a pose e ficava lá com cara de quem sabe animar um baile...
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Eu ficaria muito feliz se algum dia, alguém me contasse: “Olha, Marco, eu comecei a namorar o meu marido naqueles bailinhos que você tocava seus discos...”
Não sei se aqueles mela-cuecas de antanho deram em algum casamento. Dos amigos que eu conhecia, com certeza, não. Mas tinha muita gente que eu não conhecia. Quem sabe? Ah, seria um enorme prazer saber que eu ajudei uma mulher a fazer a sua escolha por ter nos braços alguém gentil e atencioso, que lhe fez ebulir os hormônios, ao ouvirem as Supremes cantando essa canção bossanovística e deixar que a melodia e o destino lhes guiassem os passos...
“Precious little things (precious little things)
You mean the world to me...”

Sim, claro, essas pequenas e preciosas coisinhas significam mais que o mundo para todos nós...
(Ei, duvido você pegar agora a sua esposa, o seu esposo, namorado, namorada, noivo, noiva e tirá-lo para dançar essa música de rosto colado! Garanto que você vai agradar totalmente!)
M.S.
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Na Rádio Antigas Ternuras, você ouve The Supremes, cantando essa delícia que é “Precious Little Things”. Ah, meus tempos!

quinta-feira, julho 24, 2008

Heróis vilões


Finalmente chegou às nossas telas o filme tão aguardado por mim: “Batman – O cavaleiro das trevas”. Sim, sou um batmaníaco e o Morcegão sempre foi o meu herói favorito e meu gibi predileto. Não, este “Cavaleiro das Trevas” do título não significa uma refilmagem da história de mesmo nome, escrita por Frank Miller, em 1986, e que considero como a segunda melhor série em quadrinhos de todos os tempos. Parêntesis: a melhor, na minha opinião, é a “Watchmen”, de Dave Gibbons e Alan Moore, que inclusive está sendo filmada agora. Nesta comparação, não estou incluindo os gibis do Sandman, de Neil Gaiman, por ser esta magistral série uma das melhores coisas já feitas na face da Terra. Fecha parêntesis.
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E este filme é praticamente tão esplêndido como o anterior, “Batman Begins”. Estes dois bat-filmes, a série X-Men, o último Hulk, o Homem de Ferro e os Superman II e III do Christopher Reeve, são A referência em termos de filme sobre super-herói, e não aquelas bostas de Homem-Aranha (todos! Argh!), a primeira franquia do Batman (do Tim Burton em diante, bleargh!), e as outras bombas (Quarteto Fantástico, Hulk do Ang Lee, Demolidor etc. etc.).
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Esse novo bat-filme me deixou realmente fascinado. São duas horas e meia de pauleira, que a gente nem sente. Se o filme é violento? Sim, é, um pouco. Mas o excelente diretor Chris Nolan deu uma aliviada. Acreditem: o filme poderia ser bem sanguinolento e definitivamente não o é. Muito pelo contrário! Ele pode ser visto por mais de uma face. Os críticos do Globo viram pelo lado político, eu preferi o lado psicológico. Na verdade, o filme além de entreter os que vêem filmes só como entretenimento, ainda fornece matéria-prima para muuuuitos papos-cabeça, daqueles que a gente costuma manter em rodinhas de boteco, bebericando “água mineral sem gás e sem gelo” (olha a Lei Seca!). Ele mostra mazelas como policiais e políticos corruptos, policiais que atiram em gente inocente, milionários que fogem para o exterior se escafedendo da justiça, gente que chantageia para se dar bem, milícias, guerra urbana, graças a Deus, coisas do âmbito da ficção! Isso não acontece na vida real, especialmente não acontece no Brasil, não é?
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O filme têm cenas memoráveis, não vou contar nenhuma pois não quero estragar a graça para quem ainda não assistiu. Mas podemos falar um pouco sobre a figura do Coringa, que de tempos para cá, ultrapassou os limites do vilão tradicional, tornando-se um arquétipo do caos, da perversidade que existe de forma latente nos seres humanos. E isso é relativamente recente no personagem. Seu criador, Jerry Robinson, que ainda está vivo, diz que não reconhece o velho “Palhaço do Crime”, como foi bolado por ele lá nos anos 40. De fato, quem leu o gibi “Batman – A Piada Mortal” (Alan Moore/Brian Bolland, 1988, quem quiser baixá-lo em pdf, clique aqui pode confiar, eu baixei), viu que o Coringa modernamente está num desvio psicótico muitíssimo além do bufão com cara de arlequim.
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Se o recém-falecido Heath Ledger fez bem o personagem? Sim, fez. Até com algum brilho em determinados momentos. Há quem torça para ele ganhar um Oscar póstumo o que eu acho difícil (desde Peter Finch, por “Network”, nenhum ator presunto ganhou um careca dourado), já que a Academia vê com desdém filmes de super-heróis, só lhes reservando indicações para prêmios técnicos. Valeria repetir o bordão do Coringa no filme: “Por que tão sério?”
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E o Batman do Christian Bale? Para o meu gosto pessoal, excelente. Eu aprecio bastante os trabalhos dele. Aliás, nesta semana ele foi em cana por meter a raquete na mãe e na irmã. Uau! O que temos aqui?... Um Homem-Morcego com jeito do Duas-Caras!...
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Por falar nisso, no final do filme tem um monólogo da maior importância, quem for assistir, por favor, preste atenção nele, que discute a figura do herói. O herói que é a catarse do homem simples, que está na fronteira, bem no fio da navalha entre a vilania e o destemor valoroso. É isso o que me interessa discutir nesse momento.
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Batman é um símbolo, uma ficção modelar. Ele não existe, mas os valores que defende e explicitamente como os defende, ah, isso existe, sim. Batman como herói também falha. Ele é usado pela população, pelas pessoas da alegoria Gotham City como último recurso para obterem segurança e paz. Mas na primeira falha querem-no para Cristo e para Judas. E como vemos os nossos heróis de carne e osso? Como seres apolíneos, sem mácula? Que depois de mortos viram santo, fazem milagres, livram-nos do mal amém?
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Peguemos um herói que efetivamente existiu. Um Libertador. Que tal... D. Pedro I. Os livros de História o registram como o denodado que ergueu sua espada e nos livrou do jugo da metrópole. E que depois se sentou ao piano e compôs um belo hino, falando em brava gente brasileira, que mantém longe o temor servil, que lutará pela pátria livre ou morrerá pelo país. D. Pedro I era heróico, galante, corajoso, impetuoso... e espancador de mulheres.
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Nesta semana li um ótimo artigo da historiadora Isabel Lustosa onde ela conta que muito provavelmente D. Leopoldina morreu por conta dos pontapés que levou dele quando estava grávida. Eu conto.
Embora não a amasse, D.Pedro I tratava sua esposa com deferência e carinho... até conhecer a D. Domitila de Castro e Canto Melo, em Santos, na viagem que ele acabou proclamando a independência brasileira. A futura Marquesa de Santos tirou o homem do sério! Não se sabe o que ela fez com ele na cama, mas seja o que for, fez muito bem! A partir do momento que os dois viraram amantes, D. Pedro I mudaria seu modo de proceder com a esposa, não hesitando em humilhá-la quando queria valorizar a Domitila. Quando Pedro resolveu assumir a paternidade de sua primeira filha com a marquesa, e mais: quando resolveu que a menina moraria com ele no palácio, junto com as filhas legítimas, aconteceu o esperado: as princesas rejeitaram a irmã bastarda. Pedro se enfureceu e desceu o braço nas meninas. D. Leopoldina entrou no meio para defendê-las e acabou sobrando para ela. Mas essa não foi a pior, embora haja desconfianças de que ele já andava fritando a cara da Leo com uns catiripapos.
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Em outubro de 1826, a imperatriz estava grávida. No dia 20 daquele mês ele faria uma cerimônia de beija-mão no palácio, antes de viajar para o sul do Brasil. Na ante-sala do trono, com todos os convidados da corte esperando na Sala do Trono a entrada dos imperadores, eis que D. Pedro I cisma de entrar com as duas principais mulheres do seu harém: a Leopoldina e a Domitila. É evidente que a Leo não iria se humilhar tanto assim. Ela se recusou. Pedro gritou com ela para que entrasse. Ela fincou pé. Ele segurou no braço dela e, diante da amante, tentou arrastá-la. Como Leopoldina resistisse, ele a chutou, pisoteou e a cobriu de porrada. A corte, esperando na Sala, ouvia os gritos (dele) e gemidos (dela). Vendo que ela não entraria, Pedro pegou a amante pela mão e, com a maior cara de pau do mundo, entrou para receber os cumprimentos dos convidados que estavam pasmos com aquela cena.
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Coberta de equimoses, D. Leopoldina caiu de cama. Reclamava especialmente de dor na perna, que segundo seu médico, apresentava sintomas de arroxeamento devido ao espancamento a que foi submetida. Daí, acometeu-lhe uma “inchação erisipelatosa” que posteriormente a levou a perder a criança que esperava e a falecer, às 10h 15min da manhã de 11 de dezembro daquele 1826. No dia seguinte ao espancamento, o herói-vilão teve o descaramento de pedir perdão à imperatriz. Que o perdoou. Ele seguiu viagem e soube no navio da morte da esposa. Dizem os registros que ele, ao saber, teve “convulsões, febre alta e delírios”. Em uma palavra: remorso.
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Volto ao filme “Batman – O cavaleiro das trevas”, onde no final, a figura do herói é apresentada como algo imperfeito. O próprio Coringa, numa fala, disse que não quis matar Batman, porque era melhor tê-lo vivo e se divertir com ele. Será que o psicopata de cabelos verdes enxergava no Cruzado Mascarado uma vilania que ele próprio conhecia? Um herói que procura resolver questões na base da porrada, que impinge dor nos malfeitores para gáudio dos “inocentes” a que ele está defendendo, deixa sempre no ar o perigo do julgamento apressado, da possibilidade de erro e de injustiça. A instabilidade moral favorece a criação de vigilantes e milícias, que usarão critério próprios de justiça. O medo leva à ira, que por sua vez, leva ao caos (e há no filme exemplos claros disso). Dentro do herói há o germe da intrepidez virtuosa que convive com a bactéria da virulência impensada. Envolvido nos vapores da ira, e descontrolado, ele pode partir para cima dos malfeitores ou agredir a irmã, a mãe, pisotear a esposa grávida. Mesmo que se arrependa profundamente depois.
M.S.
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Mudando totalmente de assunto. A mais indesejada das visitas chegou para uma pessoa muito querida por mim. Nós nos gostávamos muito, sempre tivemos muito carinho um pelo outro. Todas as vezes que eu precisei de uma excelente cantora para participações especialíssimas em meus espetáculos pude contar com ela. Sempre.
Era afinadíssima, uma voz de cristal. Uma pessoa feita de diamante. Todo Natal, eu lhe mandava um cartão e ela me retribuía, com palavras bonitas e uma letra caprichada. Quando conversávamos, contávamos piada um para o outro, vivíamos rindo feito duas hienas. Nunca a vi falando mal de quem quer que fosse. Era um ser humano raro. Pois ela combateu o bom combate, como bem disse o apóstolo Paulo, completou a carreira e guardou a fé. Deus estava precisando de uma cantora e mandou buscá-la. Ele tem excelente gosto, só quer o melhor.
Fique com Deus, querida amiga Zezé Gonzaga. Você continua morando no meu coração num triplex de luxo de frente pro mar, como eu costumava te dizer e você sorria. Vou sentir muitas saudades.

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Na TV Antigas Ternuras, você vê o trailler de Batman o Cavaleiro das Trevas e Zezé Gonzaga, maravilhosa, cantando com Zé Renato uma música belíssima: “Penugem”.

quinta-feira, julho 17, 2008

Contando histórias de quem conta


Desde pequeno, sempre fui fã de uma boa história. Até hoje tenho muito gosto em ouvir um “causo” e isso será uma eterna ternura. Quando era moleque, gostava de me esgueirar pelos lugares onde os adultos estavam contando suas histórias. Prestava atenção e recolhia ali material, que me ajudou a ser mais tarde um contador de causos também.
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Estou envolvido em um projeto sobre memória de pesquisa de campo, que trata também de recolhimento de histórias curiosas na atividade censitária no Brasil. E fiquei sabendo de cada uma... Como essa que chegou do Ceará. Há muito tempo atrás, um pesquisador do censo foi até uma casa para recensear os moradores. Foi atendido pelo chefe do domicílio.
- Bom dia, como vai o senhor? – perguntou o recenseador ao homem que o recebia.
- Como Deus quer, seu moço. Tome assento.
O rapaz do censo percebeu o monte de criança que corria pela sala daquela casa. E foi logo começando a preencher o questionário:
- Essas crianças são suas? Quantos filhos o senhor tem?
- Quinze, seu moço.
- Puxa, quinze? O senhor tem uma prole bem grande! – admirou-se o pesquisador.
No que o informante respondeu, todo orgulhoso:
- E grossa!
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O Recenseamento de 1940 encontrou um senhor de 108 anos, em Juazeiro, no Ceará, que lutara na Guerra do Paraguai e na campanha de Canudos e que tinha se casado legalmente nove vezes! Ele casava, passava um tempo a mulher morria, e ele, para não ficar sozinho, arranjava outra esposa. Enviuvou oito vezes! O recenseador, de troça, perguntou se ele se casaria de novo caso enviuvasse pela nona vez. E o Barba Azul geriátrico não se fez de rogado:
- Abão, se isso se dé e Deus me ajudá eu sô obrigado a arredondá a conta cumpletando dez...”
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Quando o Padre Cícero Romão Batista estava para esticar as canelas, no leito de morte ele fez a seguinte profecia:
- “Vou morrer... Dentro em pouco começarão a surgir os iludidores procurando arrastar as minhas ovelhas para o caminho da perdição. Depois da minha morte, surgirão os agentes da Besta-Fera e do Anticristo que, com lábias e enganos, procurarão fazer meu povo mudar de crença...”
O Padim Padre Ciço estava se referindo aos evangélicos, espíritas ou outros membros de religiões diferente da católica, que poderiam ir pregar naquelas bandas.
Acontece que seis anos depois da morte do padre, chegou a notícia de que viria uns agentes para contar as pessoas da localidade. Pronto! Para o povo do lugar, os agentes recenseadores do Censo de 1940 eram enviados do Cramulhão, do Coisa-Ruim, do Tinhoso, do Cão, que vinham para levar as almas deles pros quintos dos infernos.
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E para piorar a situação, no município de Canhotinho (olha o nome!), em Pernambuco, um recenseador foi até uma casa fazer o seu serviço, mas a mulher que lá estava se recusava terminantemente a dar informações. Como ele insistia, ela saiu correndo gritando por socorro, que a Besta-Fera estava lhe tentando. Como desgraça pouca é bobagem, o rapaz, sabe-se lá porquê, estava calçado com chuteiras. Ora, em 1940, nos cafundós do Judas, ninguém sabia o que era isso. Daí que chega a mulher com os reforços que cercam o rapaz. A mulher olha para o chão e vê as marcas das travas das chuteiras. E começa a gritar:
- Olhem só, minha gente, o rastro de pé de bode da besta-fera! É ele! É o Cão!
O tempo fechou. O recenseador teve que sair dali correndo e nunca mais voltar. A partir daquele dia, nasceu a lenda de que os homens do governo que vinham para contar as pessoas eram da parte do Demo, que um até tinha até deixado as pegadas malditas na poeira do chão.
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No interior da Bahia, o recenseador perguntou ao informante se a filha dele, que tinha 20 anos, era alfabetizada:
- É não – respondeu o homem, acrescentando:
- Moço, aqui em casa só homem vai pra escola. Mulher, não.
- Mas por que?
- Pruque se a gente manda ela pra escola, ela aprende a escrever, escreve pros namorados e cadê o meu sossego?
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Em alguns casos, o agente recenseador deixava o questionário para o informante preencher e depois ele recolheria. Numa vez, chegou à delegacia censitária um questionário preenchido com caligrafia sofrível e com a seguinte informação no item Estado Civil: “ÇM”.
Os funcionários do censo quebraram a cabeça para descobrir o que aquilo queria dizer. Sem chegar a uma conclusão, voltaram na casa do informante, de origem lusitana, para que ele esclarecesse:
- É que eu fiquei encabulado de dizer, só botei as iniciais. ÇM quer dizer que sou çuparado da mulher.
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Um recenseador chegou numa tapera no interior do Pará onde viviam juntos um homem e uma mulher. Ele fez as perguntas ao cabra que respondeu tudo direitinho. Na vez da mulher, a coisa começou a desandar.
- Qual a sua idade, minha senhora?
- A minha mãe dizia que quando eu nasci, a minha tia Clotilde estava grávida da Filomena.
- E que idade tem a Filomena?
- Diz que tem a idade daquele touro que a minha tia comprou no tempo do primeiro roçado de mata que ela teve lá no Mocanjuba...
- E quando foi isso, minha senhora?
- Ah, sei lá!
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Por ocasião do Recenseamento Geral de 1940, foi distribuído um cartaz com os seguintes dizeres:
“O censo é um retrato da pátria; você ficará desligado do Brasil se não aparecer nesse retrato”.
Daí que quando o recenseador aparecia no Morro da Favela, no Rio de Janeiro, a criançada se alvoroçava e gritava:
- “Manhê! Olha aí o retratista do governo!”
M.S.
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Na Rádio Antigas Ternuras, você ouve “Acerta o passo”, de Benedito Lacerda e São Pixinguinha, com a flauta mágica de Altamiro Carrilho. Isso é bão dimais, né não?

quinta-feira, julho 10, 2008

O Sentido da Vida


Quando jovenzinho, eu era movido a música. Vivia atracado com meu radinho Sharp e meu gravador Sanyo. Já apresentei os dois aqui. E para mim era um quase orgasmo quando descobria uma música daquelas que entram pelos poros da gente e se vinculam irremediavelmente ao nosso DNA. Sabe o prazer que a gente sente quando prova um doce perfeito, daqueles de fazer nossas papilas gustativas emitirem um “huuuuuummm”, fazendo nossos olhos automaticamente se fecharem? Sabe quando você está seco por uma bebida, seja ela qual for, e aquele primeiro gole faz você se sentir parte integrante do universo? Pois é. Era o que eu sentia quando ouvia uma música perfeita.
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E nos anos 70 descobrir músicas perfeitas não era difícil. Stevie Wonder, Aretha Franklin, Roberta Flack, Isaac Hayes, Marvin Gaye, Al Green, só para falar em alguns da turma com um certo excesso de melanina na pele, se incumbiam de nos conduzir até o Nirvana, ao Valhala, aos Campos Elíseos, ao Éden e ao Sétimo Céu com suas canções.
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Pois neste sábado, fui fazer a ronda nos blogs amigos e ao visitar a página da Lila Rose, meus pavilhões auditivos fizeram uma viagem no tempo. Além dos excelentes textos dela, estava tocando esta música que vocês estão ouvindo agora. Os mais experientes como eu haverão de reconhecer um típico arranjo Anos 70, com direito a órgão Wurlitzer no acompanhamento, bateria com som de bateria, recortes de guitarra muito bem colocados... Uma canção feliz! Bem, amigos do Antigas Ternuras... Aí eu fiz algo que não fazia há muito tempo! Saí dançando pela casa! Com direito inclusive a cantar junto, segurando o controle remoto da TV como se fosse um microfone. Felicidade total!
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Eu já conhecia essa cantora, Corinne Bayley Rae. Não tem muito tempo, o Fantástico mostrou um clip dela cantando outra bela melodia: “Put your records on”. E o jeito “Roberta Flack do Século 21” dela já tinha me ganhado de cara. Quando ouvi essa “Your love is mine”, confesso que alucinei, me tornei dependente. Voltei a ouvir música, com o prazer que ouvia nos meus tempos de rapaz!
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Corinne (a morena aí de cima) é inglesa, 29 anos, e foi descoberta por uma gravadora somente em 2006. Eu já tratei de encomendar um CD dessa moça (alô, amiguirmão Luiz! Já pedi um pra você também!) que canta tão bonitinho.
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É impressionante o que uma canção feliz faz com a gente, não é? Ao ouvi-la cantar
“Tudo está tão bem comigo
Porque seu amor é meu
Seu amor é todo meu
Eu tenho esse sentimento
Que sempre me fará sentir bem
Porque você é meu desejo e
Eu sou seu prazer
Seu amor é todo meu”

Eu me lembrei da mulher que amo e que sei que o amor dela é meu como o meu é dela.
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Enredado em todo esse sentimento em pleno sábado, tive um final de semana quase perfeito. De noitinha, fui ao Maracanã assistir a mais uma esplêndida vitória do meu amado Flamengo, líder do Campeonato Brasileiro. No domingo, ainda inspirado, fui à feira, e resolvi pilotar o fogão. Fiz um Bacalhau ao Zé do Pipo memorável. Não é por estar na minha presença, não, mas estava muito gostoso. Minha mãe – que está ótima de saúde – também provou e aprovou. Uma dormidinha depois do almoço, acordei para ver o Figueirense dar uma sapecada no time bacalhoso e de virada. Uau! Que delícia!
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Uma antiga aspiração do ser humano é descobrir qual é o sentido da vida. Para alguns, tem a ver com a busca por riquezas, pela eterna juventude, pela beleza a qualquer preço. Para mim, o sentido da vida é viver. Sem “ingredientes secretos”, como diz o urso do desenho “Kung Fu Panda”. Apenas viver e apreciar os momentos mágicos como neste final de semana. Deixar-se levar por uma canção feliz, comer com prazer, dar graças por nós e nossa família estarmos vivos e saudáveis. Pensar naquela pessoa especial e sorrir, dizendo mentalmente: “O seu amor é meu”.
M.S.
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A matéria que a jornalista Thaiana Sarti fez comigo sobre as origens de expressões que coloco aqui no blog saiu nesse domingo passado, no jornal Tribuna de Vitória – ES.
Quem quiser dar uma olhada faça o seguinte:
- Entre no site da Rede Tribuna
- Clique no link “Edições Anteriores”, que está no lado esquerdo da tela
- na página que abrir, veja na parte de cima que tem quadrinhos para preencher com data, parte do jornal, página etc. Pois complete com a seguintes informações: Ano: 2008 – Mês: Julho – Dia: 6 – Caderno: noticiário – Página: 16. Aí é só clicar em OK que a matéria aparece. Parte dela não está com boa definição. Mas sempre dá para se ver alguma coisa.
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Na Rádio Antigas Ternuras, você ouve Corinne Bailey Rae, cantando de sua autoria, “Your love is mine”.

quinta-feira, julho 03, 2008

Eles mordem o travesseiro. E daí?


Bem, amigos do Antigas Ternuras... Dado o sucesso neste blog da seção “A origem de expressões que costumamos usar, mas não sabíamos de onde vinham”, resolvi ousar um pouco mais. Vou contar aqui a gênese de um xingamento muuuuuito ouvido por aí, cuja origem não é exatamente conhecida pela maioria das pessoas. Sei que as moças ficarão rosadas, mas peço a vossa compreensão. Não tenho nenhuma intenção de chocar meus preciosos leitores. Mas em História, não há que se ter pruridos. Além disso, é muito mais interessante saber porque se diz certos palavrões e de onde eles vêm. Eu, pelo menos, penso assim.
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Bem, tudo isso vem ao caso depois de eu ter acompanhado o recente noticiário sobre preconceito nas Forças Armadas que perseguiram dois rapazes só por serem homossexuais. E que há em andamento no Congresso uma lei que exatamente pune a discriminação sobre quem fez sua opção sexual diferente da maioria. Ora, com mil mariposas, ninguém tem nada com isso se A ou B escolhe alguém do mesmo sexo para um relacionamento amoroso ou sexual. Tenho muitos amigos gays e eles são cidadãos honestos, pagam impostos, não jogam crianças pela janela, não desviam dinheiro público para a Suiça, não enchem a caveira e saem de carro por aí atropelando pessoas, não derrubam árvores na Amazônia, não ordenaram a invasão do Iraque, nem invadem aviões para jogá-los contra edifícios.
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Eu não sou gay, nunca fui gay e garanto que nunca vou escorregar no quiabo. Todo mundo sabe que eu gosto das fêmeas, sou apaixonado por uma delas, que me faz subir até as estrelas naquela hora do aimeudeus. Mas isso não significa que eu veja como uma coisa espúria a rapaziada que gosta de um bafo no cangote, uma unha beliscando o calcanhar e um peito cabeludo arranhando as costas. Nem que ache o fim do mundo se duas moças resolvem praticar o antigo esporte da briga de aracnídeas. Cada um sabe de si. Se eles me respeitam, eu os respeito (embora não me prive de contar umas piadinhas de bicha, mas isso é uma outra história).
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Daí que quando eu vejo um bando de imbecis na porta do Congresso pressionando políticos a não votarem lei contra a discriminação de homossexuais, inclusive com um cidadão fantasiado de Bíblia (!!!!), garantindo que o livro sagrado é contra o homossexualismo, ah, eu tenho vontade rir. A Bíblia fala de um amor pra lá de esquisitão entre Davi e Jônatas (vejam no Primeiro Livro de Samuel, Capítulos 18 a 23 e no II Livro de Samuel no Capítulo 1). De qualquer forma, eu pensei em contar aqui a origem da palavra usada pejorativamente para designar homossexuais masculinos. Vamos lá?
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Porque chamam um gay masculino de veado
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Confesso que nunca me interessei por pesquisar a origem desta palavra com o significado chulo que tem. Eu encontrei casualmente a sua origem enquanto estava fazendo pesquisas para o meu livro “Popularíssimo – O ator Brandão e seu tempo”. Sei que há outras explicações para o veado como sinônimo pejorativo de homossexual. Mas entre as que tomei conhecimento, uma me pareceu bem plausível. E tem tudo a ver com o Teatro do período que pesquisei.
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Acontece que os atores da época (final do Século 19, início do 20) tinham, em ampla maioria, o hábito de fumar. As mulheres até mais que os homens. Isso, num tempo em que uma mulher fumar em público era uma transgressão. Mas, como se sabe, a mulher artista e especialmente a atriz de Teatro popular era de fato uma transgressora por exibir-se diante de platéia, por andar pelas ruas altas horas da noite e por ter uma vida amorosa diametralmente oposta ao que se esperava de uma representante do belo sexo (quem quiser saber a origem disso, recomendo que leia o meu livro). Pois as mulheres apreciavam dar suas baforadas e tinham especial predileção por uma determinada marca de cigarros de sabor mais leve. Ele tinha o nome da companhia de fumos que o fabricava: Veado (Grande Manufactora de Fumos e Cigarros Veado - José Francisco Corrêa & Cia – Rua da Assembléia nos 94 a 98 – Rio de Janeiro). Nove entre dez mulheres fumantes preferiam a marca Veado.
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Os homossexuais masculinos tinham nas atrizes os seus grandes objetos de admiração. Elas eram desinibidas, usavam toilettes vistosas, levavam uma vida que os gays da época adorariam levar. E para imitá-las, passaram a fumar a mesma marca delas. Como o cigarro Veado estava intimamente ligado às fumantes femininas, dar tragadas nesta marca era coisa de “mulherzinha”. Homem que fumava Veado e que tinha trejeitos adamados passou a ser conhecido como “esse é do Veado”, “esse é da turma do Veado”. Não demorou e o nome do bicho passou a designar aquele que pratica “o amor que não ousa dizer o nome”, como assim chamava Oscar Wilde.
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O que não deixa de ser curioso, visto que em mais de uma cultura o animal veado é símbolo de virilidade (entre os celtas, era o símbolo de masculinidade; quem leu “As Brumas de Avalon” sabe disso). Os próprios veados não são veados, pelo contrário. São pegadores. Disputam na chifrada quem vai traçar mais veadinhas no bando.
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Bem aí está. Eu divulguei esta explicação em meu livro (na página 205), incluindo um anúncio do cigarros marca Veado pra lá de engraçado. Lá, também faço outros esclarecimentos sobre a vida amorosa e sexual das atrizes.
M.S.
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Na Rádio Antigas Ternuras, você ouve Ney Matogrosso cantando "Homem com H".