sexta-feira, julho 30, 2010

O futuro de volta?


Lembro que quando era beeem jovenzinho, vi o filme do Stanley Kubrick, “2001 – Uma odisseia no espaço” e fiquei me perguntando como seria este primeiro ano do Século 21. Na série “Perdidos no Espaço”, que eu adorava (aliás, preciso fazer um post sobre este seriado...), a data de lançamento da nave “Júpiter II”, com a Família Robinson, era 16 de outubro de 1997. E eu também ficava intrigado, imaginando se neste futuro previsto já viveríamos um clima de ficção-científica.
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Pois é.
Nenhuma das duas datas acertaram suas previsões. Ainda não dominamos o espaço sideral. Ir à Lua é possível, mas caro para caramba. Há planos e previsões de colocarmos o Homem em Marte antes de 2030. Mas, não sei não... Temos tantas urgências para resolver aqui na Terra mesmo.

E eis que um e-Mail está circulando pela internet dando conta de que mais uma data simbólica e representativa da ficção científica acaba de vencer:
O dia 6 de julho de 2010.
(E aqui é a deixa para você ouvir a bela melodia que a minha, a sua, a nossa Radio Antigas Ternuras – a Rádio que toca no seu coração – selecionou para ilustrar este post. É só clicar na setinha do you tube)

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Segundo o tal e-Mail, esta é a data que foi programada no painel do DeLorean prateado do Professor Emmett Brown que levou ao futuro ele e seu jovem amigo, Marty McFly com sua namorada Jennifer.

Isso no filme De volta para o Futuro II.
Arrá! Lembrou, não é?
A trilogia “Back to the Future” foi realmente fantástica! Dela, destaco especialmente o segundo filme, para mim, o melhor. O jogo de passado, presente e futuro foi muitíssimo bem feito pelos roteiristas. Entretenimento dos bons. Quem não viu os três filmes (que foram lançados em 1985 (parte 1), 1989 e 1990 (parte III)), que trate de conseguir o DVD ou baixá-los pela internet. Quem os viu, pode revê-los sem problemas, pois é diversão garantida.
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E você lembra de como estavam as coisas naquela Hill Valley do futuro? Se compararmos com o nosso presente, o skate antigravitacional, esquece. Atualmente não temos nada sequer parecido. Carros voadores? Como os do filme, esquece também. Garçons holográficos atendendo num café temático, ihhh mas nem pensar mesmo! Mas o anúncio do filme “Tubarão 19” em 3D, bem, quase chegamos lá, não é? Não pela franquia do filme do peixão psicopata assassino, que graças a Deus já acabou. Mas pelo 3D dos dias de hoje que virou febre nos cinemas e televisões. Será que essa foi a única “previsão” que o filme acertou?
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Na verdade, não sabemos ainda.
Esse tal e-Mail foi uma gracinha de algum gaiato que, sem ter o que fazer no momento, montou essa fotografia. No filme, a data correta é 21 de outubro de 2015. Podem constatar na real imagem do filme, abaixo.
. Logo, se receberem este e-Mail, não saiam repassando porque ele não traz verdade.
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Mas será que em 2015 teremos as maravilhas tecnológicas que o filme apresentou? Quem viver, verá, mas acho particularmente difícil. Vai demorar muito para a gente andar em carros voadores, como na obra cinematográfica de Robert Zemecks, magnificamente produzida por Spielberg e sua turma. Com sorte, conseguiremos andar em carros elétricos, que gradativamente deixarão de usar combustíveis poluentes, porque as preocupações com o ambiente vão aumentar com o passar dos anos.


De qualquer forma, pretendo estar vivinho da silva em 2015 para conferir o que a ficção acertou e o que passou longe. Quer dizer, se o mundo não acabar em dezembro de 2012, como previram os maias...
Quanto a viajar ao passado, ah... Isso eu faço sempre! Basta fechar os meus olhinhos sensuais que me revejo menino, com cabelos e negros, sem dor nas costas e nas juntas, e sem os vincos no meu rosto, vendendo alumínio, cobre e garrafa para poder pagar o cinema e sonhar com o futuro que me chegava pela tela.
M.S.
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OLHA O HUMOR VERMELHO VOLUME 2 AÍ, GEEEENTEEEE!!!!
Caros amigos, clientes e fornecedores: gostaria de avisar que no próximo dia 4 de agosto de 2010, às 19h, na Livraria da Travessa do Shopping Leblon, aqui no Rio de Janeiro, será lançada a antologia de textos humorísticos “Humor Vermelho Volume 2”, pela Editora Usina de Letras (preço: R$ 20,00 só!). Eu participei do primeiro volume – cuja primeira edição está esgotada -, com o conto “Escutando cabelo crescer”. Fui selecionado para participar do segundo volume, com o texto de humor escatológico intitulado “Missão: Tirar o charuto do beiço”. Quem o leu disse que se mijou de rir, o que me deixa particularmente feliz. Além de mim, há outros 21 autores, todos muito talentosos, com contos de fazer o Cristo Redentor se dobrar de tanto gargalhar. Entre os meus cinco leitores habituais, os que puderem comparecer na noite de autógrafos, certamente me darão muito orgulho e alegria.
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Na Rádio Antigas Ternuras, você ouve “Earth Angel (Will you be mine)”, por Marvin Berry And The Starlighters, do filme “De Volta para o Futuro I”. Da pontinha da orelha, não é?

sexta-feira, julho 23, 2010

Ô de casa!


Eu já contei neste blog o ritual que envolvia a ida da minha família para a casa de algum parente para uma visita. Caso alguém aí tenha a curiosidade de ler ou de reler, basta clicar aqui.
Sei lá o porquê, me deu vontade de contar o que acontecia quando nós recebíamos a visita. Também envolvia muitos rituais.
Mas antes, que tal ouvir o que a minha, a sua, a nossa Rádio Antigas Ternuras – a Rádio que toca no seu coração - reservou para ilustrar musicalmente este post? Basta clicar na setinha e continuar a ler.

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Mas... Onde seu estava? Ah, sim. Recebendo a visita dos parentes. Quando meu pai era vivo, a minha casa era muito visitada pelos tios. Ele gostava de fazer feijoada para receber irmãos/irmãs e cunhados/cunhadas. Lembro dele preparando desde a véspera. Vinha tanta gente que ele usava latas de 20 quilos. Cozinhava no fogão de lenha. Ele era um exímio cozinheiro. Minha mãe diz que eu herdei isso dele, mas tenho a consciência de que pilotando fogão não chego nem na unha do pé dele...
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Comida pronta, ele armava uma mesa enorme feita com tábuas e cavaletes, para caber todo mundo. E aí era só receber o povo. “Ô de casa!”. Minhas tias chegavam trazendo mais comida. Na maior parte das vezes, a sobremesa. Tinha o ritual do “pede a bênção para sua tia, seu tio, sua madrinha...”. Hoje, quando meus sobrinhos, que também são meus afilhados, são instigados por minha irmã a me pedir a bênção, faço uma rápida viagem no tempo e me vejo guri, beijando, com um sorriso maroto, as mãos dos mais velhos. Ah, sim. E ouvia as frases-padrão de sempre: “nossa! Como o Marquinho está crescido!”, “Mas continua tão magrinho... Esse menino tem espinhela caída, tem que mandar rezar!”, “Você está indo bem na escola? Olha que estudar é importante! O estudo não ocupa lugar!” e vai por aí a fora.
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Depois dos beijos, dos cumprimentos, todo mundo ia trocar de roupa, vestir algo mais confortável. E calçar também, é claro. Era a sacrossanta hora de liberar os calos e joanetes, comprimidos durante a longa viagem de ônibus.
Meu pai, mais que solícito, ia de irmão/irmã para cunhado/cunhada a ver se estavam à vontade, se queriam beliscar alguma coisinha (sempre queriam! Minha mãe dizia que eles viviam para comer, não comiam para viver...), “Ruth, cadê a linguicinha?”, para meus tios que gostavam de um goró (nem todos eram chegados), tinha sempre uma caipirinha, uma cerveja Portuguesa casco escuro, ou uma cerveja preta “barriguda” Black Princess.
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Eu acompanhava aquela movimentação com alegria e entusiasmo que só as crianças tem. Adorava ver aquele frege todo, e, como sempre, ganhava presentes dos tios; era a hora de curtir o agrado recebido: de meu tio Jair, livros e gibis; da minha madrinha Irene, uma roupinha; dos outros tios, brinquedos ou uma lembrancinha qualquer que sempre me deixava com os olhinhos brilhando.
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“Vamos sentar, minha gente! Não repara, não... É comidinha simples...”. Meu pai sempre dizia isso na hora de chamar o povo para se aboletar na mesa. E eles vinham já comendo com os olhos as travessas de arroz, a couve mineira, os torresminhos... Não tinha salada, que aquela turma não era chegada em folhas. O pessoal gostava de pegar “no pesado”, mesmo. Saladinha não dava sangue. Começava a dança dos pratos, do “bota mais um pouquinho, que isso está com uma cara ótima...”, do “cadê a pimentinha?”... Dentro em pouco tempo, já tinha um bando de gente atracada com um pé de porco, uma costelinha...
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Depois de encherem o bandulho (como meus parentes chamavam a pança), de tomarem engradados de cerveja, de Guaraná Antárctica e refresco de Groselha, ninguém arredava da mesa. Vinha a sobremesa e o momento que eu mais gostava: lembrar as histórias de família! Ah, eu não tinha olhos e orelhas a medir para acompanhar tudo! Quando tinha algum toque mais picante num causo, sempre aparecia um chato para lembrar: “olha, que tem criança e senhoras presentes!”. Ah, que bosta. Eu queria ouvir tudo! Incluindo as sacanagens da família!
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Cinco, seis horas depois de sentarem-se à mesa para almoçar, todo mundo ainda estava por ali. “Será que ainda sobrou um pouquinho de feijão para comer com pão?” Ô, se não tinha sobrado!... Meu pai mandava descer pão em profusão e café para toda a manada. Minha mãe não se conformava com aquilo. “Mas, meu Deus... Ferreira, você acabou de almoçar e ainda quer tomar café com pão?” Sim, queria. E ainda botava um prato de jiló cozido na água e sal para ele comer com azeite! Meus parentes eram guerreiros...
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Tinha a hora da cantoria, com eles lembrando de músicas do tempo em que carnaval se chamava “entrudo”. Algumas tias se afastavam um pouquinho para “descansar” (leia-se: “dormir de babar no travesseiro e roncar feito o leão da Metro”). Queriam que eu fosse dormir também, mas eu era besta de perder aquele forrobodó de histórias e causos?
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Lá pelas oito, nove da noite, era hora de “picar a mula”, como meu tio Jair sempre dizia. Recolocavam a roupa de sair, reparavam que alguns botões não se deixavam fechar (por que será, heim?), enfiavam gemendo os pés nos martirizantes sapatos, não sem gemidos e protestos!, e começavam os rituais de despedida. É claro, eu tinha que pedir a bênção a todo mundo novamente, ouvir conselhos e admoestações para comer direitinho, pois estava muito magrinho...
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Levávamos todos à porta, mais despedidas, e ali ficávamos vendo todos partirem, até chegarem na esquina, de onde acenavam mais uma vez, desaparecendo de nossas vistas. Fim de domingo. Para mim, significava banho, pijama e cama. Para meu pai, banho, pijama e televisão, enquanto minha mãe ajudava a organizar o caos da cozinha.
No travesseiro, eu remoía as histórias ouvidas, comparava com as contadas da outra vez, lembrava da risada engraçada de minha tia Avelina, e dormia sorrindo por que era feliz e sabia.
M.S.
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Na Rádio Antigas Ternuras, você ouve o saudoso Paulo Moura, que recentemente foi tocar no céu, e Heraldo do Monte tocando “Naquele tempo”.

sexta-feira, julho 16, 2010

Trevas e modernidade


Desde o simbólico ano de 2001, estamos em pleno Século 21, durante muito tempo previsto como representação da modernidade, dos tempos em que a tecnologia comandaria nossas vidas. O escritor Arthur C. Clarke imaginou que em 2001, primeiro ano do século e do milênio, viveríamos uma odisseia no espaço. Lembro que quando pequeno, via desenhos animados que mostravam que neste século, viveríamos em clima de Jetsons, com carros voadores, robots e o escambau.
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Está claro que dividir o tempo em anos, décadas, séculos e milênios é uma abstração. Em boa parte do mundo ocidental, tomou-se como ano 1 o do nascimento de Jesus Cristo, ou do presumível ano em que o Salvador nasceu. Mas para muitos, não estamos em 2010. Para os judeus, vivemos em 5770 (a partir do suposto ano da criação de Adão). Para os chineses, o ano é 4708. Já os budistas, contam o ano a partir da morte de Buda, em 483 a.C., o que significa que para seus seguidores estamos em 2554. O Islã assegura que vivemos em 1432 (o ano 1 foi a Hégira, a fuga de Maomé, em 622 d.C.).
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Como se vê, os calendários do mundo levam em conta as religiões. Queiram ou não os ateus e agnósticos, nossa vida é profundamente gerida pelas manifestações religiosas. O que, em alguns aspectos, pode ser extremamente complicado, para dizer o mínimo.
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Como estava dizendo, para boa parte da humanidade, vivemos ou deveríamos viver em tempos em que a ciência, a tecnologia, seria parte fundamental de nossas vidas. E efetivamente o é. Eu nunca me canso de me espantar com as maravilhas científicas que aparecem a cada momento, com o sentido de trazer modernidade contínua à vida das pessoas. E igualmente me espanto quando constato que, paralelamente ao mundo tecnológico de hoje, há um mundo medieval, uma Idade das Trevas atual, onde ciência e avanços da modernidade sequer arranham valores culturais arraigados desde o tempo em que Noé brincava com barquinhos de papel na chuva.
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Ontem fui assistir ao filme “Flor do deserto”, admirável produção alemã/austríaca/inglesa, que conta a trajetória da ex-top model somali Waris Dirie (magnificamente interpretada por Liya Kebede).

Para não casar com um velho babão que a tinha comprado adolescente ao pai, ela fugiu pelo deserto da Somália, até chegar na capital, Mogadisco, sendo de lá enviada pela avó para trabalhar na embaixada de seu país na Inglaterra. Era mantida na casa consular o tempo inteiro, não aprendeu o inglês. Quando estourou a revolução em seu país, para não ter que voltar para aquele inferno, fugiu da embaixada, se embrenhando pelas ruas de Londres, catando restos de comida no lixo e dormindo nas calçadas. Ela conheceu uma balconista que a indicou para trabalhar como faxineira numa lanchonete. Lá, foi descoberta pelo famoso fotógrafo Terry Donaldson e seu rosto de linhas perfeitas acabou levando-a à vida de modelo e manequim.
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Até aí, é apenas um filme de superação entre tantos com histórias semelhantes. Mas o que o deu um nó na minha cabeça foi o depoimento dado, inicialmente a uma jornalista inglesa e depois, no plenário da Organização das Nações Unidas.

Ela contou sobre o hábito que o seu país muçulmano tem de fazer com que crianças de três anos sejam levadas para o meio do deserto onde uma mulher lhes corta o clitóris, os pequenos e grandes lábios da vagina com gilete enferrujada, e depois costura tudo usando espinhos de uma planta específica, deixando apenas um orifício mínimo para a urina e o sangue menstrual, além de uma horrível cicatriz. Se a menina não passa por este rito, é considerada por seu povo como impura, suja, prostituta. Muitas morrem de infecção após este ritual. As que sobrevivem, ao se casarem, o marido pega uma faca e rasga o órgão sexual da moça para então penetrá-la.
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(A atriz Liya e a Waris real)
No filme, enquanto a personagem narrava esta mutilação cruel, e havia cenas demonstrando como essa barbaridade era feita, eu me retorcia de horror na poltrona. Na fila abaixo da que eu estava, uma mulher acompanhada do marido, chorava convulsivamente. A plateia sequer respirava durante o relato.
O filme acabou, a gente ficou sabendo que a Waris real tornou-se embaixadora da ONU, que após o seu depoimento houve pressão para que todos os países onde se cometia esta barbárie abolissem as mutilações. Leis foram criadas proibindo que se fizesse essa coisa medonha. Desafortunadamente, em muitos países islâmicos, apesar da proibição, ainda se faz, hoje, 2010, mutilações em meninas como na pequena Waris, em 1968, e em mil e tantos anos antes.
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Em alguns países da Europa, como a Noruega, por exemplo, a expectativa de vida ao nascer de uma mulher é de 82,6 anos. Na Somália é de 51,1 anos. Neste pequeno país do oeste africano, não importa se estamos em 1432 muçulmano, 5570 judaico, 2554 budista ou Século 21 cristão. Lá, o tempo consegue a proeza de não passar. Entra ano e sai ano e eles estão na Idade das Trevas.
M.S.
(video com 1 minuto de duração)

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Na TV Antigas Ternuras, você vê crianças somalis cantando.

sexta-feira, julho 09, 2010

Ai que saudade...


Num dia desses, fui visitar o blog da Luma, coisa que sempre faço e recomendo. Lá, vi o post Paixão Antiga, onde ela fala, entre outras coisas, de saudade. E mais: define esse sentimento tão especial como “Saudade é festejar a morte de um fato”. Claro que esta frase está num contexto próprio que se perde quando simplesmente retirado, portanto recomendo que leiam o belo post dela para se sentirem instigados como eu me senti. Destaquei esta frase por ela exatamente fazer gerar em mim reflexões que reparto com meus cinco leitores.
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Não é tarefa fácil definir sentimentos. Tente enunciar “amor”, “paixão”, “desejo”, para ver se não tenho razão. E definitivamente não é tarefa simples definir “saudade”. Mas muita gente boa tentou. Querem ver? Vejam estas definições (e depois voltem para continuar a leitura) de gente poderosa como Neruda, Clarice Lispector, Quintana, Millôr, Drummond...
Particularmente, gostei muito da frase do Guimarães Rosa: “Saudade é ser, depois de ter”.
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(Aproveite que você voltou e clique na seta para ouvir a canção que a Rádio Antigas Ternuras – a Rádio que toca no seu coração - selecionou para acompanhar a sua leitura)

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Este é um blog temático, cujo objetivo é trazer fatos e coisas que mexam com a memória e despertem reflexão e conhecimento e alguns suspiros saudosos, é claro. E isto com boa dose de afeto no coração. Poderia até adotar como mote para este blog a célebre frase de Coelho Neto: “A casa da saudade chama-se memória: é uma cabana pequenina a um canto do coração”.
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Mas então a nossa querida Luminha nos trouxe esta frase, que recordar é um pouco como cortejar a dor. Ou a loucura, por meio da dor. Assim, no supetão, admito que me inclinei a discordar. A saudade que cortejo é que nem coçar bicho do pé, uma dorzinha gostoooosa... (Ouvi essa de um mineiro de roça e quem sou eu para renegar a sabedoria do homem do campo...). Não tem a ver com dor ou loucura. Mas vejam só uma coisa:
A palavra “saudade” tem origem latina – de solitas, solitate = “solidão”. Porém, na forma arcaica do termo, ela recebeu influências de soydade, derivada de “saúde”.
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Arrá! Então podemos ver saudade como manifestação melancólica... MAS, também podemos entendê-la como algo perfeitamente saudável. E esta forma de senti-la depende, obviamente, da ambiência psicológica em que estamos. Para alguém que perdeu um ente querido ou um amor, certamente essa saudade vai agir por dentro, como se alguém comesse pão com gilete e esperasse para ver o resultado. Para alguém que quer somente visitar a tal cabaninha no canto do coração, para quem teve e agora quer ser, lidará, sem dúvida, com o tal componente saudável.
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Mas Luminha está eivada de razão quando divide as pessoas entre as que lembram (conscientemente) e as que esquecem (conscientemente). Às vezes a memória é um barbante amarrado em sorrisos e lágrimas. Quando puxamos o fio, vem tudo de uma vez. E isso desencoraja muita gente, que prefere guardar o novelo numa gaveta da cômoda chamada “esquecimento”.
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Saudade envolve dores e delícias. A expressão “matar as saudades” é irreal e imprópria. Saudade é fênix, é Lázaro, não morre e se morre, revive. Também não é certo dizer que “saudade mata”. Pelo contrário: ela deixa a gente vivo para poder torturar mais um pouquinho. Igualmente não acredito que saudade é relembrar, visto que me sinto saudoso até do que não vivi.
Saudade nem sequer é privilégio dos homens. Já está provado que animais também a sentem.
Eu tenho saudade e ela me tem. A saudade é a constatação de que o vivido foi bom. Ô se não foi...
E você, tem a sua definição de saudade?
M.S.
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Na Rádio Antigas Ternuras, você ouve Elba Ramalho, Geraldo Azevedo e Zé Ramalho cantando essa delícia que é “Ai que saudade d’ocê”, de Vital Farias.