quinta-feira, fevereiro 02, 2006

Dorian Gray às avessas


Fui assistir a “Tudo em Família” (The Stone Family, USA, 2005, dir. Thomas Bezucha), em cartaz aqui no Rio em grande circuito. É o filme de Natal lançado lá nos States em 2005. Descobri que “filme de Natal” é uma instituição tão tradicional para eles quanto montar a árvore e colocar aquela estrelinha em cima.
Esta é uma comédia de quiproquós (do latim: quid pro quod, uma coisa pela outra, ou seja, uma confusão causada por equívocos), com um elenco de responsa. O destaque fica com Diane Keaton, Sarah Jessica Parker, Rachel McAdams, Luke Wilson e a gracinha da Claire Danes, já devidamente entronizada no meu panteão de “deusas” do cinema.
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No filme, a Família Stone se prepara para o Natal. Os filhos começam a chegar para a festa, e isto inclui o rebento orgulho do papai e da mamãe, “Everett” (Dermot Mulroney), que está indo apresentar a sua noiva, “Meredith” (Sarah Jessica Parker), a quem pretende pedir em casamento. Acontece que todos detestam a moça e ela realmente dá motivos para isso. E aí começam as confusões, envolvendo drogas, álcool, racismo, antipatias gratuitas, enfim, coisas que fazem a delícia de reuniões familiares modernas. O filme é uma comédia com um certo travo acri-doce, desembocando no drama e resvalando na pieguice. Mas, um bom entretenimento, como o cinema americano produz em quantidades industriais.
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O que mais me chamou a atenção, fazendo-me refletir, foi algo que em nenhum momento deve ter passado pela cabeça dos roteiristas. Em determinada cena, uma das filhas do casal Stone está assistindo a “Meet me in St. Louis” (“Agora seremos felizes”, de 1944 – alô, Carlinha, esse dá uma resenha porreta no seu belo Purviance, heim!), classicaço com a Judy Garland, onde ela aparece tão linda, cantando a lindamente triste ou tristemente linda canção “Have yourself a Merry Little Christmas”, de Martin e Blaine.

Na hora eu pensei: “Puxa, ela gostaria de se ver assim tão linda”. Em seguida, ponderei: “Será que se fosse viva ela gostaria de se ver na flor de seus 22 anos? Ela que morreu em 1969, precocemente envelhecida para os seus 47 anos?”.
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E comecei a desenvolver outras reflexões. Para os artistas, o cinema funciona como um “Retrato de Dorian Gray” às avessas. Na história célebre de Oscar Wilde, Gray faz um pacto com o cramulhão e permanece sempre jovem e belo enquanto um quadro com a sua imagem vai envelhecendo, revelando a sua decadência interior e as marcas que o tempo deixa em seu rosto.
O celulóide eterniza e eternizará o belo rosto de Judy e sua presença sempre alegre e esfuziante nas telas. Na vida real, que era o seu lado enfeitiçado, ela descia pela ladeira abaixo. E com quantos artistas isso aconteceu!...
Mesmo com os que não desceram ao inferno como ela, imagino como deve ser duro para eles verem a beleza ficar nos retratos, nos filmes, enquanto a face que o espelho lhes devolve, dia a dia, perde o viço.
E com todos nós, porventura seria diferente?
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Cheguei em casa, vindo do cinema, e olhei para uma antiga foto minha, de meu tempo de criança e revi o brilho nos olhos que eu tinha. Ah, naquele tempo aqueles olhos não tinham chorado tantas lágrimas, não conheciam desencantos e não sabiam que um dia teriam saudades do brilho daqueles olhos...
M.S.

7 comentários:

Anônimo disse...

É meu querido, mas aposto como escrevia mal, naquele tempo! Êta redaçãozinha chinfrim,...pensava a professora, e agora se ela o visse, com certeza, não reconheceria, a você nem ao seu texto, que eu ADORO!! Conforme-se meu caro o tempo é inexorável e encantador: nos presenteia o tempo todo, como o mar, trás e leva embora várias coisas, com seus velhos cascos, estrelas, algas, até lixo! Mas "leva embora um pouquinho de nós, a cada regresso de onda..." beijos de mim

Bruno Capelas disse...

Hehee... somewhere over the rainbow. Essa musiquinha vem à minha cabeça toda vez que ouço falarem de Judy Garland. E eu não me lembro de nenhum outro filme com a Claire Danes... você poderia citar algum?

Um abraço!

Anônimo disse...

Hummmm... vou ver o filme. Deu água na boca...rs

O Retrato de Dorian é fantástico. Lembro que quando o li ficava olhando pro céu e querendo encontrar alguem que me pintasse num quadro... huahuahua Por que a gente n vive jovem para sempre? buáááááááá. Beijo.

Anônimo disse...

Grande Marco:

Resenha-crônica-amorável faz a diferença -
porque não engendra impessoalidades.

E penso cá com meus botões: ainda deve habitar um vero brilho nas tuas retinas que já tanta coisa viu...

O contraste das fotos da grande atriz,que escolheste,foi flagrante - e resumiu de maneira fantástica teu suntuoso texto.

E findo repetindo Jorge Luis Borges: "O tempo é um rio que me assola,mas eu sou o rio; é um tigre que me devora,mas eu sou o tigre; é um fogo que me consome,mas eu sou o fogo"!

Tenha uma terna sexta-feira,rapaz!

Anônimo disse...

É Marquito,

E esse filme citado por vc foi realmente o que ela dizia ter se sentido finalmente bonita (ela se achava feíssima, por sinal).
O engraçado (e triste, até) é que sempre que vejo a cena, nao a citada, mas a do bonde, penso exatamente como vc. E fico triste. Será que ela gostaria de se ver? A resposta é nao. Também por isso ela buscou o círculo vicioso, para se ocultar, para nao ver a realidade a que foi levada. E depois nao houve mais volta: tiveram que maquia-la muito para seu ultimo filme de sucesso: A star is born. E por isso também ela praticamente era jogada ao palco, para cantar (pois desenvolveu medo do palco). Imagina, uma cantora com medo de palco? Ela tinha medo era das pessoas nao a amarem mais. Perto dos 40 ela já nao lembrava nem de longe a garotinha que fez o mágico de Oz.
Triste e linda Judy. Na cena do bonde, enquanto ela ri, eu choro.

Um abraço, Marquito.

Marco disse...

Madame Linda: Não estou bem certo se entendi o seu comentário. Acho que não o entendi. Mas minhas redações nem eram tão chinfrins assim. A naõ ser que voc~e esteja se referindo a este texto especificamente...
Com toda certeza o tempo-oceano leva e trás coisas para o cais da nossa memória. E eu fico aqui, pescando uma ou outra coisinha para dividir com os que gostam de vê-las. Como parece ser o seu caso.
Um beijo grande.

Caro Mutante: Pois é. O Mágico de Oz virou ícone e ficou atrelado à imagem da Judy, que fez muuitos outros filmes tão bons quanto, mas não tão famosos. Ela era uma cantora formidável. Mesmo quando o álcool e os barbitúricos estavam destroçando com seu corpo, ainda assim ela cantava divinamente.
Sobre a Claire Danes, cito todos os filmes dela que eu vi: Romeu + Julieta (com o di Caprio), Exterminador do Futuro III e a Bela do Palco (onde ela estava particularmente esplendorosa). Um abração pra ti!

Bela Dira: Esse "Tudo em Família" até que é divertido. Não é nada do outro mundo, mas consegue entreter. Só a cena com a Judy cantando já vale o ingresso.
O "Retrato...", se não me engano, foi o único romance de Oscar Wilde. É muito bom, sem dúvida. Eu li o livro e acho que vi um dos filmes baseados nele. Na TV ou no cinema, não estou bem certo.
Está melhor do bracinho? Beijo!

Amigo Paulinho: O brilho que hoje possa haver em meus olhos não é tão claro e genuíno como o de antes. Ah, não é, não...
Eu procurei uma foto da Judy bem acabadaça, lembro de ter visto uma assim no True Hollywood Story, do Canal E! Achei essa, que já dá para se perceber o contraste com sua imagem 20 anos antes.
Bonito isso do Borges, heim? Nada como ter amigos ilustrados...
Um ótimo fim de semana para você.

Carlinha: Você está coberta de razão, querida. Aliás, antes até de A Star is Born, em Summer Stock (Casa, Comida e Carinho, 1950) ela já estava bem escangalhada. Mas ainda era bonito vê-la cantando "Get Happy". No Meet me in St.-Louis ela está cantando divinamente. Aliás, a trilha sonora é de primeiríssima. A música da cena do bonde, a "The Trolley Song", é uma de minhas favoritas dela. É impressionante como uma pessoa como Judy vem ao mundo com um talento capaz de fazer as pessoas felizes mas que não consegue ela própria ser feliz. E a filha dela seguiu pelo mesmo caminho. mas faça uma boa resenha de "Agora seremos felizes". acho que os seus muitos leitores merecem conhecer mais dessa bela obra.

Anônimo disse...

meu braço tá melhor, companheiro..rs