
E lá vamos nós para mais uma explicação para expressões que costumamos usar, mas não sabíamos sobre sua origem. Esta é mais uma seção fixa do nosso Antigas Ternuras.
Hoje, apresentaremos a origem da expressão
Bode expiatório
Tem gente que faz alguma confusão com este tipo de caprino. Um contínuo que trabalhava no meu local de trabalho disse certa vez, quando aconteceu uma merda lá no setor: “Eu é que não vou ser o bode respiratório!”
Esse bode é outro, bem diferente do que eu pretendo explicar. Passemos, então, às devidas explicações.
*

O seu sentido atual é que alguém vai "pagar o pato" (expressão que já expliquei aqui), uma determinada pessoa vai se dar mal, vai pagar por erros cometidos por todos.
Existe mais de uma explicação para esta expressão. As mais difundidas são as do ponto de vista hebraico e do grego. Acho a versão dos helênicos mais bonita e opto por contá-la.
Voltemos, então, ao tempo da antiga Grécia. Ao tempo em que os gregos cultuavam deuses que tinham características muito humanas. Depois, veio o domínio de Roma que adotou as mesmas divindades, só trocando os nomes. Pois é. Cada um daqueles deuses, tinha um (às vezes mais de um) animal que lhe era devotado. A Zeus (Júpiter, em Roma), dedicavam a águia; a Atena (Minerva), a coruja; a Hera (Juno), o cuco; a Posídon (Netuno), o touro; a Apolo (Febo), o lobo; a Dioniso (Baco)... o bode.
*

Apolo (o da esquerda) e Dioniso eram filhos de Zeus, logo, eram irmãos. Mas tinham características bem diferentes para os gregos. O primeiro era o deus da polis, da cidade civilizada e culta, o deus da organização lógica.

O segundo (o da direita) era deus do vinho, da folia, era cultuado fora do limite da polis, da cidade, pois representava a loucura, o delírio, características opostas à organização. Mas, veja bem, esta desorganização era fundamental para a organização. Era a válvula de escape, o parâmetro do caos necessário para a existência da ordem. Apolo e Dioniso eram deuses opostos, mas complementares e fundamentais na polis. Basta dizer que a Música era considerada como uma dádiva de Apolo; e o Teatro era dedicado a Dioniso.
Este, diziam os gregos, se manifestava nas pessoas pelo transe. Se alguém caía em estertores assim,do nada, garantiam que era Dioniso pintando na área. Os epilépticos eram considerados como protegidos pelo deus, visto que nos seus ataques, estavam, na verdade, segundo eles, incorporando aquela divindade. Por isso, todos os epilépticos eram bem tratados, ninguém os fazia mal, nem os deixavam passar necessidade.
*
Um certo dia do ano era dedicado a Dioniso, o Baco dos romanos. Eles escolhiam um dos epilépticos da cidade como rei naquele dia. Vestiam-no com uma pele de bode, entronizavam-no no poder e tudo o que ele pedisse era prontamente atendido Neste dia, faziam vários festejos dedicados a Dioniso, sempre fora da cidade. Era quando entravam em ação as suas sacerdotisas, as bacantes. E a bacanal corria solta! E tome saliência! Naquela festa, enchiam os cornos de vinho, penduravam a toga no cabide e caíam dentro sem culpa.
*

E sabem porquê? Porque alguém iria assumir a culpa de todas as transgressões que cometessem naquele dia de orgia, em que ninguém era de ninguém. Mas quem seria a criatura, meu Zeus, que expiaria por todos?
Ora, o rei-bode.

Não era ele a personificação do deus? Tudo não era feito em seu culto e louvor? Então, ele seria o expiatório da culpas, da quebra na organização lógica da cidade. As pessoas precisavam voltar para os seus afazeres limpas de toda culpa, podendo olhar na cara da mulher do vizinho sem constrangimentos, depois de ter praticado com ela todo o kama-sutra, desde o “canguru perneta” até o “churrasquinho grego”.
*
Então, no fim do dia, corriam ao rei-bode. Colocavam-no em uma liteira, enfeitada de uvas e flores. Faziam uma grande passeata, entoando canções em honra a Dioniso, e seguiam na direção de um penhasco. Lá, arremessavam no abismo o rei-bode, o bode que expiava por seus erros, o bode expiatório.
*

Feito isso, retornavam a polis, reassumiam suas vidas sem culpas. De nada poderiam ser acusados. Estavam todos tomados pelo deus.
*
Vocês já devem ter percebido que há uma forte semelhança entre partes desta história com o que acontece no Carnaval, em seu aspecto de festividade sem culpa, cuja absolvição é obtida na Quarta-Feira de Cinzas, não é? E também com um outro personagem muito importante na História, que é considerado como aquele que nos salvou de toda culpa, assumindo nossos pecados em seu sacrifício, certo?
Bem, como dizia meu querido mestre, Junito Brandão, com quem aprendi esta história: “os arquétipos são sempre os mesmos. Ainda que em épocas e lugares diferentes”.
M.S.
********************************************
Na Rádio Antigas Ternuras você está ouvindo os Tribalistas cantando “Já sei namorar”. Uma boa música para os seguidores de Dioniso cantar...
********************************************
Se você quiser saber a origem desta expressão pelo ponto de vista hebraico, clique aqui
********************************************
No post anterior, muita gente ficou perguntando o que afinal era espinhela caída. Eu confesso que não sabia. Fui pesquisar na internet. Quem quiser saber com exatidão, clique aqui.