sexta-feira, junho 30, 2006

A pergunta que não quer calar...


No outro dia eu estava arrumando a minha discoteca de LP em vinil quando me deparo com uma preciosidade: o álbum “Ai, Ai, Ai de Mim”, de João Bosco.

É um dos melhores desse mineiro de Ponte Nova. Só tem faixa da melhor qualidade! No encarte, além das letras, antes de cada música tem uma historinha. Uma delas quando li, me deixou coçando para escrever um conto, uma novela, uma poesia, sei lá... Talvez ainda faça isso. Vejam só:
*
“Uma mulher que grita no portão de um cemitério só pode estar lamentando a perda de um grande amor. A cena aconteceu numa pequena cidade mineira e ficou na memória dos seis anos de idade.”
*

Espetacular, não é?
No disco, gosto de todas. Mas as minhas preferidas são “Desenho de giz” (que tem um dos versos mais lindos da Língua Portuguesa: “Aí diz o meu coração: que prazer tem bater se ela não vai ouvir?” Demais, né não?) e uma outra que tem o singelo nome de “Quando o amor acontece”. E a historinha que a precede:
“Esta música poderia ser ouvida nos alto-falantes de um parque de diversões. Em qualquer lugar da América Latina, onde um romance estivesse para começar”.
Quer algo mais antigas ternuras que isso?
*
Pois é. Eu, com o disco na mão, comecei a cantarolar a música e ela me ficou na cabeça o dia inteiro.
Coração sem perdão, diga fale por mim
Quem roubou toda a minha alegria
O amor me pegou, me pegou pra valer
É que a dor do querer, muda o tempo e a maré
Vendaval sob o mar azul
Tantas vezes chorei, quase desesperei
E jurei nunca mais seus carinhos
Ninguém tira do amor, ninguém tira, pois é
Nem doutor nem pajé, o que queima e seduz, enlouquece
O veneno da mulher
O amor quando acontece a gente esquece logo que sofreu um dia, ilusão
O meu coração marcado tinha um nome tatuado que ainda doía, cursava só a solidão
O amor quando acontece a gente esquece logo que sofreu um dia, esquece sim
Quem mandou chegar tão perto se era certo um outro engano coração cigano
Agora eu choro assim
*

De tanto cantar a música fiquei pensando exatamente em seu título. De minhas reflexões, concluí que, de nossa parte, o amor quando acontece temos as seguintes opções: somos correspondidos ou não somos correspondidos. No primeiro caso, podemos viver no jardim das delícias se efetivamente pudermos concretizar este amor. Na literatura e na chamada vida real os casos de amores impossíveis são numerosos como as estrelas no céu. Às vezes o amor acontece em uma dimensão de impossibilidades. Aí só podemos avaliar esse sentimento pela ótica do “E Se?...” Mas qualquer que seja a nossa decisão, teremos corações partidos pelo caminho.
No entanto, quando não existe nenhuma barreira, aí é só correr para o abraço e testar a solidez do mobiliário da casa.
*

Entretanto, o amor quando acontece pode ressoar somente em um coração. Aí, com certeza, vai acontecer o “tantas vezes chorei, quase desesperei...” de que fala a música.
São Paulo escreveu na célebre carta aos Coríntios, no Capítulo 13, que:
“O amor é sofredor, é benigno (...) Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta”. Será?
*
Quando amamos costumamos ser egoístas a ponto de não entender como o nosso objeto de amor não retribui nosso sentimento! “Mas como! Será que essa criatura não vê que ninguém vai amá-la como eu a amo?”
*
Amar unilateralmente é condenação pior que a de Prometeu, que tinha o fígado dilacerado diariamente por duas águias. No caso do personagem mitológico, enquanto as aves não vinham ele tinha um refresco. Quem ama e não é amado sente as vísceras se corroerem durante as 24 horas do dia. Uma sede que nem todo álcool sufoca, um desespero que nem Mozart tocado pela lira de Orfeu consegue abrandar.

*
O amor quando acontece pode nos levar ao céu e ao centro da Terra na mesma viagem.
*
Estes são apenas fiapos de reflexões que se desgarraram de antigas lembranças. Me deu curiosidade de ouvir outras vozes a respeito. Da outra vez que eu fiz o convite, a Claudinha, a Suzy, a Vendetta, a Ana Carla e a Fugu responderam em seus respectivos blogues. Pois faço o convite de novo. Para elas e para quem sentir vontade de responder à pergunta que não quer calar:
O que acontece quando o amor acontece?
Pode responder sobre o que “aconteceu”, o que “acontece” ou o que “acontecerá”. Do jeito que quiserem.
Com a palavra, vocês. Sou todo olhos.
M.S.
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Na Rádio Antigas Ternuras, você está ouvindo João Bosco e a sua magistral “Papel Machê”. Não encontrei “Quando o amor acontece” nem “Desenho de giz” em arquivo midi. Pena... Mas essa também tem a ver com o texto.

terça-feira, junho 27, 2006

Uma noite com Jerry Lewis

Antigamente, eu tinha um círculo de amigos que estava sempre se reunindo. Saíamos para a gandaia, ríamos, os que bebiam, enchiam a caveira... Hoje, o grupo está afastado. Quase todos casaram (uns descasaram e casaram de novo), têm filhos, uns foram morar em outro estado e até em outro país. Mas as antigas ternuras que vivemos juntos ficarão pra sempre na lembrança.
*

Mas eu queria falar de um determinado amigo. Vamos chamá-lo de Jerry Lewis. Pois é. O cara era muito tímido, não conseguia arranjar namorada nem fazendo simpatia (eu também não, mas isso não vem ao caso...). Pois um dia, o cara apareceu numa de nossas reuniões dizendo:
- Pessoal! Chamei uma garota pra sair e ela topou!
Festa na torcida. Fizemos até hola. Afinal, o Jerry tinha tirado o pé do lodo. Mas ele advertiu:
- Olha só, moçada: a moça é evangélica. Não suporta ouvir palavrão. Vocês vão ter que se segurar.
E falou essa última frase olhando pra mim. Bem, não sei se vocês já perceberam, mas eu gosto de dizer umas gracinhas... E até admito que algumas piadas do meu repertório fariam corar um palmito.
*
Mas tranqüilizei o Jerry. Que ele ficasse na paz, que eu me comportaria como um lorde inglês do Século 19. Os demais também prometeram segurar as pontas. O Jerry podia trazer a moça que nós seríamos como anjinhos barrocos de igreja mineira. E marcamos um dia para sairmos todos juntos. Era a chance de conhecer a nova namorada do cara.
*
Na tal noite, estávamos todos na casa de um casal do grupo, quando o Jerry chegou, sozinho. Tinha vindo antes, para novamente implorar que nos comportássemos, que ninguém falasse um palavrãozinho sequer. “Tudo bem. Jerry! Confia na gente!” Ele nos olhou com uma cara de “hum, num sei, não...” Mas, os dados já estavam rolando. Pouco tempo depois, chegou a moça. Ela se chamava Denise, acho.
*

Naquela noite, parecíamos velhinhas inglesas, tomando chá no Rotary Club. Conversamos sobre a paz mundial, sobre desenhos da Disney e até sobre como era gelada a Sibéria. Jerry se esmerava em atenções:
- Amor, quer mais guaraná? Quer que eu prepare um queijo quente pra você? Quer mais uma almofada?
Aquela melosidade, aquele açúcar todo causaria cárie até em dente de alho! Mas o amor deixa a gente assim, fazer o quê...
*
Dali, decidimos ir para um barzinho, ou para o boliche...Um programa digno do “Jardim de Infância da Titia Teteca”. Distribuímos as pessoas pelos carros, iríamos eu e mais dois no carro do Jerry e Denise. Os demais, num outro que nos seguiria.
*
Acreditem: o Jerry, todo solícito, abriu a porta do carro pra moça, que estava encantada com aquele namorado tão gentil. Os três canalhas foram no banco de trás, cheios de frufrus:
- Você primeiro, caro amigo...
- Não, por favor! Eu insisto, entra você...
- Ah, muito obrigado!
*
Todos dentro, Jerry liga o possante e vai olhar se o outro estava por perto.
PLAFT!
Ele tinha esquecido de baixar o vidro do carro e deu com a fuça na janela com toda força. Em seguida, abriu o verbo:
- P(@#$%&*) QUE PARIU! CAR(*&%$#@)!! POR(@#$%&*)! VIDRO FILHA DA P(*&%$#@)!!!!
*

A cada palavrão que ele vociferava, a moça mais se encolhia no banco, os olhos esbugalhados, ameaçando sair das órbitas e fugir rolando pela rua. No banco de trás, tinha gente virando cambalhota de tanto rir e um pediu para abrir a porta, porque já estava quase se mijando...O que não ajudava nadinha, nadinha aquela situação.
*
Jerry percebeu o que tinha feito e tentou se desculpar, segurando no braço da moça. Ela se encolheu mais ainda, como se a mão dele fosse uma perna de barata cascuda.
*
Silêncio no carro.
Só se ouvia o motor.
No banco de trás, um não podia olhar para a cara do outro, se não explodiria em riso.
Antes de chegar no barzinho, Denise disse que estava com dor de cabeça, que não nos importássemos e fôssemos pro boteco, que ela pegaria um táxi pra casa. Jerry ainda tentou contemporizar:
- Eu te levo em casa.
- NÃO! Não precisa, obrigada...Eu pego um táxi, olha, já tem um ali. Desculpe. Depois a gente se fala.
E saiu rápido antes que a gente a segurasse ali.
*

Olhamos para o Jerry. Ele disse:
- Ah, dane-se!
Na verdade, ele falou uma outra expressão parecida com essa. Relaxamos. Quando o outro carro emparelhou com o nosso, avisamos:

- Mudança de planos! Vamos para a Zoom, chacoalhar o esqueleto!
*
E dançamos a noite inteira músicas como essa que vocês estão ouvindo.
*
Hoje, o Jerry está casado, pai de duas meninas lindas. Além dessa, teve outras histórias hilárias. Se vocês quiserem, eu conto.
Depois, ainda perguntam porque eu vivo rindo...
M.S.
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Na Rádio Antigas Ternuras, você está ouvindo “Never Can Say Goodbye”, no balanço de Gloria Gaynor.

segunda-feira, junho 26, 2006

Noite chuvosa

Como a minha radionovela do gênero "ai que mêda!" fez muito sucesso, vou postar mais uma das que escrevi no tempo em que gravava na Rádio comunitária.

Uma história de autor desconhecido, adaptada por Marco Santos
Personagens:
Narrador
Zé Ruço
Homem do caminhão
Pedestre
NARRADOR - Zé Ruço, um lavrador do interior mineiro, tinha acabado a sua lida e foi para a beira da estrada tentar uma carona para voltar ao povoado. Já estava escurecendo e, para piorar a sua situação, começou a chover. Um chuva miúda, fria, boa para fazer a semente germinar, ótima para congelar os ossos de um cristão. Mas eis que aparece um caminhão na estrada. Zé Ruço faz sinal para que ele pare.
ZÉ RUÇO - ´Noite. Será que os distintos me davam uma carona até Jacutinga?
HOMEM NO CAMINHÃO – Ocê pode amuntar aí na traseira que nós tamo indo pra lá.
NARRADOR – O lavrador subiu na boléia do caminhão, encolhido de frio e molhado como um pinto saído do ovo.
ZÉ RUÇO – Minha Nossa Senhora! Tomara que esse caminhão chegue logo se não vou gripar...Se ainda tivesse alguma coisa para cobrir...Êpa! Tem um trem grande aqui, sô! É um caixão de defunto!
NARRADOR – O matuto, respeitoso, foi para o outro lado da boléia, se afastando do caixão. O caminhão seguia pela estrada, a chuva começou a apertar...
ZÉ RUÇO – Ô chuva desgostosa! Será que o caixão ali tem finado dentro?
NARRADOR – Com receio, Zé Ruço abre o caixão e, para a sua alegria, constata que está vazio.
ZÉ RUÇO – Quer saber? Vou me deitar aqui e fugir dessa chuva. Pode até ser meio esquisito, mas pelo menos não vou ficar encharcado. Quando chegar em Jacutinga, tomo uma branquinha com limão e mel e fica tudo certo.
NARRADOR – E ele se ajeitou como pôde no pijama de madeira. O forro poderia ficar um pouco molhado, mas o finado que o usasse certamente não iria reclamar. O caminhão seguia pela estrada, com a noite trazendo de vez o seu manto púrpura. Mais adiante, outro pedestre resolve pedir carona.
HOMEM DO CAMINHÃO – Tá indo pra onde?
PEDESTRE – Vou pra Jacutinga. O senhor tá indo pra lá?
HOMEM DO CAMINHÃO – Pois amunte.
NARRADOR – O outro lavrador subiu na boléia e se deparou com o caixão no canto. Fez o sinal da cruz em atitude de respeito e se encolheu como pôde no outro canto. Resolveu cochilar para passar o tempo. Ainda não tinham passado cinco minutos, e o tabaréu foi acordado com o ruído de uma dobradiça. Com os olhos esbugalhados ele viu a tampa do caixão se abrir e um vulto se levantar lá de dentro...

ZÉ RUÇO – Boa noite. Já parou a chuva?
PEDESTRE – UÃÃÃÃÃÃIIIIIIIIII...Jesus! Me acode aqui! Me acode!
NARRADOR – E o homenzinho assustado nem esperou o caminhão parar. Pulou da boléia e desapareceu no turbilhão da noite, gritando mais que porco na faca.
M.S.
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Eu ouvia essa história quando ia passar férias, em Minas. Quer dizer, não era bem assim, eu inventei umas coisas...
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Na Rádio Antigas Ternuras você ouve “Minhas mãos, meu cavaquinho”, do inigualável Waldir Azevedo.

sexta-feira, junho 23, 2006

Na República do Sossego - Final


APRESENTADOR – Continuamos a apresentar a história "Na República do Sossego", hoje em seu capítulo final. [As duas primeiras partes estão publicadas abaixo deste post]
NARRADOR – Lígia entrou em seu quarto e viu sobre a sua cama um caixão cercado por quatro velas. Depois do susto, ela desceu para tomar satisfação com os dois colegas.
LÍGIA – Olha, não achei graça nenhuma, viu? O que é que deu na cabeça de vocês? O combinado não era a gente esquecer tudo? Ah, não gostei nem um pouco!
MANDA – Do que é que você está falando, mulher?
BATATINHA – Eu sou inocente! Eu não fiz nada!
LÍGIA – Ah, não fizeram nada! E o que é que aquele caixão está fazendo em cima da minha cama? E com quatro velas acesas ainda por cima? Se as meninas acordarem, vai ser o maior banzé...
MANDA – Caixão? Tem um caixão na sua cama?
BATATINHA – Não fomos nós!
MANDA – Péraí...Ah, já sei... Isso é pegadinha da Lígia, Batatinha! Olha, valeu a tentativa, mas a gente não vai cair nessa... E que idéia é essa de tocar nesse assunto? Eu disse pra gente esquecer!
LÍGIA – Gente, eu estou falando sério! Tem um caixão cercado de quatro velas no meu quarto, em cima da minha cama!
MANDA (após pequena pausa) – Vamos ver isso!
*
NARRADOR – Os três subiram as escadas com a preocupação lhes sulcando o rosto. Com gestos medidos, abriram a porta do quarto das moças e...
LÍGIA – Não é possível! Eu juro que ele estava aqui! E tinha quatro velas! Eu juro!
MANDA – Pô, Lígia! Você quase me matou de susto!
BATATINHA – Eu também quase me borrei!
LÍGIA – Manda, eu estou lhe dizendo! Tinha um caixão em cima da minha cama! Eu não estou ficando maluca! Nem iria brincar com coisa séria!
MANDA – Olha...amanhã a gente conversa... Já está tarde e acho melhor a gente dormir.
LÍGIA – Eu é que não vou dormir nessa cama!
BATATINHA – Ué... E vai dormir onde?
LÍGIA – Ah, vou ficar no quarto de vocês! Lá tem cama vazia! Aqui é que eu não fico!
MANDA – Dona Lola não vai gostar...
LÍGIA – Mas aqui é que eu não fico!
MANDA – Tudo bem. Você dorme lá. Mas amanhã acorda cedo e vem pro seu quarto, tá legal?
LÍGIA – Tá. Espera eu pegar a minha camisola.
*
NARRADOR – Os três seguiram para o quarto dos rapazes. Ninguém tinha coragem de falar nada. Tudo aquilo parecia muito estranho. O líder do grupo começava a achar que Lígia estava à beira de um ataque de nervos. Teria uma conversa séria com ela no dia seguinte. No quarto dos rapazes, Manda percebeu alguma coisa estranha na sua cama. Parecia que alguém estava lá deitado, coberto com o lençol até a cabeça.
MANDA – Mas...O que é isso? Quem é que está deitado na minha cama?
BATATINHA – Manda...Não estou gostando disso...
MANDA – Calma...Deve ser um dos outros que errou de cama. Não é a primeira vez. Vamos lá acordar o cara. (pequena pausa) Ei! Ô mané! Acorda aí! Você está na minha cama! Vai pra sua!
BATATINHA – Ele não está acordando...
LÍGIA – Manda...Estou com medo!
MANDA – Ô, parceiro! Acorda! Essa cama é minha! Caramba! Vou puxar o lençol com força e...(gritos dos três) OH, MEU DEUS! NÃO É POSSIVEL! NÃO PODE SER! NÃO PODE! VOCÊ ESTÁ MORTO! MORTO!
NARRADOR – E a partir de então, nunca mais houve sossego naquela república...

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Na Radio Antigas Ternuras, você continua ouvindo "Noturno", de Chopin.

quarta-feira, junho 21, 2006

Na República do Sossego - 2a. Parte


APRESENTADOR – Continuamos a apresentar a história “Na República do Sossego”. [Se você não leu a primeira parte, ela está postada abaixo dessa]
NARRADOR – O tímido Fernando teve um colapso cardíaco após o trote armado por seus três colegas Lígia, Batatinha e Manda. Agora estavam eles diante do corpo do rapaz sem saber o que fazer.
MANDA – Calma, gente! Calma! Me deixa pensar que eu tiro a gente dessa.
LÍGIA – Vamos chamar a polícia?
BATATINHA – A polícia? Tá maluca, mulher? Nós podemos ser presos! Seremos expulsos da Faculdade! Nossos pais viriam aqui e....e...não quero nem pensar!
LÍGIA – Mas o que é que a gente pode fazer com esse corpo? Levar numa mala e jogar no rio?
MANDA – Vocês querem ficar quietos! Desespero não adianta nada. Vamos raciocinar... Nós não temos culpa, não queríamos matar ninguém. Foi um... acidente. Isso. Foi um acidente. Ninguém precisa saber da brincadeira que fizemos. Batata, some com esse caixão, devolve pro Seu Osório, diz que já fizemos a experiência, sei lá... Inventa alguma coisa. Mas, olha... Sem causar suspeita! Aproveita e leva essas flores daqui. Lígia, me ajuda a botar o corpo do Fernando na cama. Vamos tirar a roupa dele e vestir o pijama. Para todos os efeitos, ele bateu as botas quando estava dormindo. Arrumamos tudo e ninguém vai perceber. Dona Lola não ficou sabendo da nossa armação, nem nos viu chegar. Será o nosso álibi. Mas nem vai precisar. Então, vamos!
*
NARRADOR – Os três rapazes seguiram o plano traçado por Manda. Saíram sem Dona Lola perceber e retornaram mais tarde, quando a dona da República do Sossego abriu a porta para eles. No dia seguinte, levantaram e foram para a Faculdade. Quando Lola estranhou o fato de Fernando não ter descido para tomar café foi acordá-lo...
D. LOLA – Ahhhh! Ai, minha Nossa Senhora! Isso nunca aconteceu aqui na minha república! Ai, minha Nossa Senhora do Pilar!
NARRADOR – Quando os três chegaram para o almoço, viram a movimentação na porta do estabelecimento de Dona Lola. Conforme tinham combinado, entraram com cara de inocentes e ficaram chocadíssimos ao saber que o colega Fernando tinha tido um ataque cardíaco enquanto dormia...
*
MANDA – Viu? Eu não disse que ia dar certo? Agora, ó, boca de siri! Não se fala mais no assunto! Nunca houve aquele trote! Ouviram? Nunca aconteceu aquela noite! Está entendido?
LÍGIA – Claro, Manda, claro...
BATATINHA – Eu já até esqueci...
*
NARRADOR – Os pais do Fernando vieram reclamar o corpo e confirmaram que o rapaz sofria de uma cardiopatia que poderia matá-lo a qualquer momento. Tudo concorria para o plano do líder dos rapazes dar certo. A vida na República do Sossego voltou ao normal. Uma semana depois, ninguém falava mais no assunto.
LÍGIA – Meninos, (uááááá...) estou com sono. Vou para o meu quarto. Amanhã a gente se fala. Beijocas.
BATATINHA – Boa noite.
MANDA – Daqui a pouco a gente vai pra garagem também. É só terminar esse exercício de química e já subimos.

NARRADOR – Lígia subiu as escadas com passos lentos e pesados. Tinha sido um dia cheio. O relógio de carrilhão estava batendo as últimas das onze badaladas quando ela abriu a porta do seu quarto...
LÍGIA – Aaaaaahhhh...Ai, Jesus! Que loucura é essa? Isso só pode ser coisa daqueles dois malucos! Que brincadeira sem graça!
NARRADOR – Lígia estava vendo sobre a sua cama, um caixão cercado por quatro velas acesas. As outras companheiras de quarto dormiam a sono solto. A moça esperou alguns instantes para se refazer do susto e desceu para falar com os outros dois companheiros.
APRESENTADOR – Não percam na próxima sexta-feira a conclusão desta história.
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Na Rádio Antigas Ternuras, você continua ouvindo “Noturno”, de Chopin.
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Acabo de receber o relatório de visitantes do site do contador. Mais de cem visitas por dia! Caraco! Há bem pouco tempo ninguém lia este blog! Agora na rede só dá eu e a Bruna Surfistinha! Quer dizer, quem dá é ela, eu não dou nada!

segunda-feira, junho 19, 2006

Na República do Sossego - 1a. Parte

Começo aqui a “Semana ‘Ai que mêda!’ de histórias de Terror”. São textos que eu escrevi no tempo em que gravava radionovelas em uma emissora comunitária. Como esta história é um pouco longa, eu a dividi em três partes, exatamente como a apresentei na época das gravações. O segundo capítulo será postado na próxima quarta-feira.
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Um original de Marco Santos

Personagens:
Manda
Batatinha
Lígia
Fernando
D. Lola
Narrador

NARRADOR – Em Ouro Preto, Minas Gerais, existem muitas repúblicas de estudantes. Universitários de vários lugares do Brasil chegam à cidade para estudar na Federal de Minas e procuram pensões de estudantes, as repúblicas, em busca de hospedagem barata. A República do Sossego, administrada com pulso forte por Dona Lola, é uma das mais conhecidas. Lá vivem três amigos. Companheiros para estudos e para algazarras. O primeiro deles se chama Oswaldo, mas por viver liderando os colegas recebeu o apelido de Manda-Chuva, ou Manda, como aquele personagem de desenho animado. O segundo, seu escudeiro, não poderia ter outro apelido a não ser...Batatinha – aliás, era o mais baixinho da turma também. A terceira parte do trio é Lígia, uma moça tão sonsa quanto estudiosa. Os três adoravam pregar peças nos demais colegas, especialmente nos estudantes novatos, os calouros. E havia um que era o preferido dos três quando queriam ludibriar alguém: o tímido Fernando, recém-chegado à República do Sossego. Num certo dia, depois das aulas...
*
MANDA – Lígia, você viu a minha nota em mineralogia? Caramba! Se o meu pai souber vou ouvir até o dia do Juízo Final...
LÍGIA – Eu te falei para estudar. Você preferiu ir para o bar com o Batatinha...
MANDA – E por falar nele, cadê esse supositório de caranguejo?
LÍGIA – Está vindo aí, ó...
BATATINHA – Pessoal! Vocês não sabem o que eu acabo de descobrir!
MANDA – Fala, Batata.
BATATINHA – Estava no banheiro, dentro do reservado quando ouvi o Fernando conversando com aquele paulista, falando que ele morre de medo de enterro, caixão...Velório, então, ele disse que não vai nem no dele!
MANDA – Hummm...Quer dizer que o franguinho de mamãe tem medo de velório...
LÍGIA – Qual é a idéia, Manda?
BATATINHA – Vamos armar pro cara...Calouro tem que pastar!
MANDA – Seguinte: Lígia, vem comigo comprar umas flores. Batata, leva um papo com o Seu Osório da Funerária, diz a ele que a gente precisa fazer um trabalho pra faculdade...
(Voz dos rapazes vai baixando. Entra o Narrador)
*
NARRADOR – Naquela noite, Fernando estava com outros colegas, estudando até mais tarde. Por volta das onze, o grupo se desfez e cada um tomou o seu rumo. Fernando se despediu e veio andando pelas ladeiras de Ouro Preto, ouvindo o som de seus passos naquelas pedras centenárias. Amanhã ele teria que acordar cedo para a aula, por isso resolveu apressar o passo. Dona Lola abriu-lhe a porta.
D. LOLA – Quer jantar, Fernando?
FERNANDO – Não senhora, obrigado. Estou cansado. Vou direto para a cama que amanhã tenho aula às oito. Boa noite.
D. LOLA – Come alguma coisa. Você está muito magrinho. Depois a sua mãe vai dizer que eu não cuido de você!
FERNANDO – (rindo) Pode deixar que amanhã eu tomo um café reforçado.
NARRADOR – O rapaz caminhou para o seu quarto, andando com cuidado para não fazer barulho e acordar os colegas. Abriu a porta, acendeu a luz e...
*
FERNANDO – Ô MEU DEUS!!! QUE É ISSO? Ô MEU DEUS!!!
NARRADOR – Sobre a cama de Fernando, estava um caixão fechado, com um maço de flores por cima...
FERNANDO – Ai...ai...Jesus...
NARRADOR – Saltando detrás das cortinas do quarto, Manda, Lígia e Batatinha, tendo convulsões de tanto rir, se deliciavam com o trote que pregaram...
MANDA – Rá! Rá! Rá!...Mas tu é medroso mesmo, hein Fernando! Rá Rá! Rá! Ô bicho frouxo!...
BATATINHA – (imitando) “Ô meu Deus...Ô meu Deus...” Rá! Rá! Rá!...
LÍGIA – Desculpe, Fernando. Mas a gente não resistiu! Rá! Rá! Rá!...
MANDA – Ei, Fernando, levanta. Já passou, cara! Isso é para você deixar de ser cagão! Rá! Rá! Rá!...
BATATINHA – Levanta do chão, mané! E ajuda a gente a desarmar o velório...Rá! Rá! Rá!...
LÍGIA – Fernando...Levanta, cara...Fernando...
BATATINHA – Fernando...Ei! Ô Fernando...Você tá de gozação com a gente?
LÍGIA – Será que ele desmaiou?
MANDA – Sacode ele aí...
BATATINHA – Ô cara...acorda...acorda, cara! Não faz isso com a gente, sô!
MANDA – Tenta ouvir o coração dele!
LÍGIA (depois de uma pequena pausa) – Gente...Eu não estou ouvindo nada!
BATATINHA – Não é possível! Ouve de novo, Lígia!
(Pequena pausa)
LÍGIA – Nada!
MANDA – Ih, caramba! Faz massagem! Faz massagem no peito dele, que nem nos filmes!
(Pequena pausa)
LÍGIA – Não reage! O cara morreu, Manda! Nós matamos ele!

MANDA – Ele não pode fazer isso com a gente! Aposto que ele morreu só pra me sacanear!
NARRADOR – O que eles não sabiam é que Fernando tinha um problema congênito do coração. Qualquer esforço súbito ou um susto grande poderiam precipitar um colapso. Os três se entreolhavam sem saber o que fazer.
BATATINHA – E agora, Manda? E agora, o que é que a gente faz?
APRESENTADOR – Não percam na próxima quarta-feira a continuação desta história.
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Na Rádio Antigas Ternuras, você está ouvindo “Noturno”.

quarta-feira, junho 14, 2006

Adeus, meu amor...


Lá vamos nós para mais explicações sobre expressões que usamos no dia a dia e nem sabemos de onde vêm. Quer dizer: não sabíamos! Os leitores do Antigas Ternuras já podem animar rodinhas de bate-papo com amigos, esclarecendo de onde surgiu aquela tal frase que todo mundo diz, mas não sabe a origem.
*
Falaremos hoje sobre:
Pensando na morte da bezerra

Vou logo avisando. A história é triste. Os mais sensíveis talvez enxuguem uma furtiva lágrima ao final. Bem, foram avisados.
Essa expressão costuma significar estar distraído, com o pensamento longe... E aí, sempre aparece alguém, com muita originalidade, para perguntar: “Tá pensando na morte da bezerra?”. E quase sempre não tem nenhum representante do gado bovino na jogada. A pessoa pode estar com outras preocupações naquele momento, como em quem votar nesta melda de eleição que vem aí, ou, se for homem, por que a Juliana Paes não está ali com ele agora; se for mulher, o que o Brad Pitt vê na Angelina Jolie que não vê nela... Coisas palpitantes assim que levaram os gregos a desenvolverem a Filosofia e a busca pelo “Sentido da Vida”.
*

Mas houve uma pessoa que realmente ficou com o pensamento distante por conta de uma vaca teen. Voltemos aos tempos bíblicos. Houve uma época em que os hebreus sacrificavam bezerros a Deus em altares. Aliás, segundo Moisés, os hebreus adoravam, literalmente, um bezerro. Quem leu a Bíblia ou viu o filme “Os Dez Mandamentos” sabe do que estou falando.
*
Pois é. Naqueles tempos em que não havia supermercado nem shopping center, quem quisesse sacrificar um bezerro tinha de criá-lo. E Absalão criava os seus, para cumprir com suas obrigações de bom hebreu. Só que ele já tinha sacrificado todos os seus bezerros e estava precisando limpar a barra com Jeová. Tinha sobrado uma bezerra, que segundo consta na Bíblia, era de grande afeição de seu jovem filho.

Vamos abrir um parêntesis. O rapaz tinha “afeição” por uma bezerra? Hummmm...Sei... Naquelas lonjuras...Sem mulher por perto...Os hormônios em ebulição... O rapaz conheceu o mistério, o charme e o veneno da vitela palestina. E aquela bezerrinha jeitosinha, ali, com cara e corpitcho de Scheila Carvalho...Pode ter rolado um sentimento entre os dois. Obviamente, o Livro Sagrado não tocou nesse assunto, mas está mais do que claro que a bezerra era noiva do rapaz. E que ele andou machucando aquela alcatra... Mas deixemos de ser futriqueiros e vamos fechar o parêntesis.
*
Por mais que o rapaz argumentasse perante seu pai, Absalão, o velho estava resolvido a passar a faca em “Judith” (num exercício de imaginação, vamos supor que o jovem chamasse assim a novilha). No dia do sacrifício, o rapaz chorava feito bezerro desmamado. Ele olhou para “Judith”, que lhe devolveu os olhos baços, como se compreendesse que aquela afeição chegava ao fim ali naquele momento.
*

Absalão conduziu a quase nora, quer dizer, a pobre bezerra até o altar tosco, fez suas orações e a matou friamente, dedicando-a ao Deus de seus pais. Em seguida, como era de praxe, acendeu a pira feita com lenha aromática para agradar a Deus, e assim, fazer jus aos seus rogos. Finda a cremação de “Judith”, Absalão voltou para casa com a consciência tranqüila.
*

Seu jovem filho permaneceu ali, e voltaria todos os dias àquele mesmo altar, ficando sentado por perto, com a cabeça longe, distante... pensando na morte da bezerra. Ele nunca esqueceu “Judith”. Lembrava dos momentos felizes que passaram juntos, a descoberta do amor ali, naquele prado, em um maravilhoso dia de sol...
*
Pelo que consta, segundo Câmara Cascudo, o jovem apaixonado morreu de tristeza alguns meses depois.
*
Mas o amor deles não seria esquecido. Toda vez que alguém ficasse distraído haveria quem lembrasse da triste história do rapaz anônimo e “Judith”...
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Na Rádio Antigas Ternuras, você está ouvindo o tema de “Somewhere in Time”, música favorita deste escriba, que a dedica a estes dois enamorados daqueles tempos bíblicos...

segunda-feira, junho 12, 2006

... No mesmo lugar, mesma hora... Me and Mrs. Jones


Neste final de semana, vi uma matéria na TV sobre o Billy Paul. Ele está de novo em plagas brasileiras. Passou por aqui no ano passado e cheguei até a fazer um post sobre isso. Uma de suas músicas é muito especial pra mim.
“Me and Mrs. Jones”.

*
Essa foi a primeira música que eu dancei coladinho em minha vida. Foi num dos bailinhos na varanda da casa do Jurandir, em mil-novecentos-e-não-vem-ao-caso. O Alcir, meu “Obi Wan Kenobi” em termos musicais, tinha levado os discos dele e eu, os meus. No início do baile, ele pilotava o toca-discos, com a namorada ao lado. Depois de tomar umas e outras e analisar as perspectivas do mercado, deu um balão na moça e saiu para galinhar com a primeira que deu mole pra ele. Ele só tinha que deixar a moça aos cuidados de algum amigo respeitador, que não fosse cair matando sobre a namorada.
Era aí que eu entrava.
*
Na verdade, eu já estava tomando conta da namorada do Dadae. O cara me chamou num canto e me disse, com um sorrisinho canalha: “Marco, faz companhia para a Vera que eu vou dar um malho num pessoal aí...”. E então, eu fiquei tomando conta de duas namoradas de amigos para eles “se adiantarem”, como se dizia na época.
*

Claro que eu devia dizer pros dois: “Aê...Não vai dar, não! Também vou às mulheres!”
Mas acontece que, com as moças, eu era tímido feito um guaxinim da Patagônia. E por isso, só ficava de disc-jóquei nos bailinhos, botando música para os outros adolescentes e nem tão adolescentes se darem bem com a mulherada.
*
Uma hora lá, acho que foi o Jurandir, chegou à vitrola e tascou o “Me and Mrs. Jones”. Eu, com a cuba-libre da coragem em minhas mãos. Perto de mim, a dama de lilás, me machucando o coração. E aí? Chamo ou não chamo para dançar? Um gole no Ron Merino com Coca-Cola, respirei fundo. Sentindo frio em minh’alma, eu a convidei pra dançar. Não foi com muita convicção. Meus olhos iam da ponta do torturante band-aid no calcanhar até o chão em volta dela. Gulp! Meu coração adolescente batia mais que um bongô, tremia mais que as maracas...
Ela disse “sim”. Iarrú.
Mas, calma. Ainda tinha muito com que me preocupar.
*
Uma séria operação de biomecânica e coordenação motora estava em andamento. Saber como dar os passos, onde por as mãos na cintura da moça, não podia chamar ela na chincha, e ainda teria que me preocupar com alguma traquinagem do “Sr. Pinto”, embora nervoso como eu estava, as chances de alguma movimentação na área eram quase nulas, mas sei lá...adolescente, hormônios em fúria...

*
...While the Juke-Box plays our favorite song...
...Meeeeeeeee aaaaand...Mrs....Mrs Joooones...Mrs. Jones...Mrs. Jones...Mrs. Jones...
We got a thing going on...
(Pensei: "Hum, melhor parar de cantar a letra da canção baixinho no ouvido dela. Afinal de contas, contrariando a letra, “We DIDN’T get a thing going on”, nós não tínhamos um “caso” rolando...")
*

Mesmo tenso pra caramba, terminamos de dançar a música e foi legal. Animado, eu a chamei para dançar outras vezes. Mesmo porque não conseguiria passar por aquele sufoco de novo para chamar OUTRA moça pra dançar.
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Eu sei que se contar essa história para um adolescente de hoje ele vai dizer: “Pô, cara...Tu era mó mané, heim!”
Era mesmo. De certa forma, eu me arrependo por não ter sido mais atirado. Mas não repudio o meu antigo comportamento. Se hoje eu sou mais, hum...digamos...saliente, foi preciso eu ter atravessado aquele rito de passagem. O meu estado presente é decorrente do meu passado. Por ter sido tímido, procurei aprender a não sê-lo. E isso me fez ouvir e valorizar muito mais as mulheres. Gosto bem mais de conversar, aprender com elas. Do tímido que fui ao menino mais “esperto” que sou, teve um longo caminho de aprendizado com as moças. Com os cuecas, não aprenderia nada sobre o assunto...
*

E aí vejo o velho Billy Paul no Brasil... Gostaria de contar essa história pra ele. O cara está em final de carreira. Hoje está cantando no Canecão. Amanhã, sei lá, o cara pode acabar cantando seus sucessos no “Chuletão do Gaúcho”, lá na Baixada Fluminense... Acho que ele gostaria de saber que sua voz melodiosa serviu de trilha sonora para um adolescente tímido enfrentar seus medos.
*
Eu fecho os olhos e ainda me lembro daquela dança. É como se eu estivesse cantando junto:
...Now she’ll go her way and i’ll go mine
(Agora ela seguirá seu caminho ... e eu o meu)
Tomorrow we’ll meet
(Amanhã nos encontraremos)
The same place, the same time
(No mesmo lugar ... mesma hora)
Me and Mrs. Jones...
M.S.
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Na Rádio Antigas Ternuras, é claro que você está ouvindo Billy Paul, cantando “Me and Mrs. Jones”... Essa era pra eu ter dançado com a moça que tem um parafuso a mais...

sexta-feira, junho 09, 2006

Isso é lá com Santo Antônio...


Para quem quer sair do caritó, pra quem quer tirar o pé da lama... A hora é essa!
No fundo, todo mundo quer um “cobertor de orelha” para esses dias frios... Como bem disse São Vinícius de Moraes, “não há amor sozinho, é juntinho que ele fica bem”. E se você ainda não conseguiu uma costela para se roçar, o jeito é deixar de lado o pragmatismo científico e partir para as “simpatias” e mezinhas, que ninguém é de ferro! Afinal de contas, passar o Dia dos Namorados no zero a zero é ruim demais. Eu sei o que é isso. Se atualmente estou devidamente acasalado, já houve época em que eu roí beira de penico, tentando arranjar namorada e não pegava nem resfriado!
*
E para dar um alento aos solitários, o seu blog Antigas Ternuras traz até você receitas para
encontrar o seu par. Normalmente, eram (são) usadas pelas moças em busca de seu príncipe encantado. Mas, simpatia não vê sexo. E se há algum rapaz querendo uma princesa, pegue caneta e lápis que a felicidade bate à sua porta.
*
Bem, pra começar, que tal uma prece? E dirigida a vários santos, que é para garantir. Nunca se sabe... Então, na noite de 12 para 13 de junho, recite com fervor essa oração, que vem de muito tempo atrás:

Prece para arranjar marido

São Bartolomeu – Casar-me, quero eu
São Ludovico – Com um moço muito rico
São Nicolau – Que ele não seja mau
São Benedito – Que seja bonito
São Vicente – Que não seja impertinente
São Sebastião – Que me leve à função
Santa Felicidade – Que me faça a vontade
São Benjamim – Que tenha paixão por mim
Santo André – Que não tome rapé
São Silvino – Que tenha muito tino
São Gabriel – Que me seja fiel
Santo Aniceto – Que ande bem quieto
São Miguel – Que perdure a lua-de-mel
São Bento – Que não seja ciumento
Santa Margarida – Que me traga bem vestida
Santíssima Trindade – Que me dê felicidade!
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Uma vez abertos os trabalhos, passemos para o reino do encanto, da magia e do desencalhe total.
No meu tempo de moleque, costumava-se fazer o seguinte: pegue uma faca virgem e a enterre no tronco de uma bananeira, à meia noite de 12 para 13 de junho. Na manhã seguinte, retire a faca. Vai aparecer na lâmina a primeira letra do seu amado, escrita com a cica da bananeira.
Outra de nome: escreva em pedacinhos de papel o nome de rapazes que você gostaria de namorar. Mas seja realista, nada de escrever “Brad Pitt”, “Tom Cruise”, “Kaká”, “Bussunda”... Dê uma chance à sua sorte. Depois de ter escrito, dobre cuidadosamente os papeizinhos e os coloque em um copo ou num prato com água. Deixe no sereno, na noite de 12 para 13 de junho. No dia seguinte, o nome daquele que será o seu bem estará aberto no copo (ou no prato).
*
Envolvendo copo, tem uma outra que é mais heavy metal. É uma espécie de oráculo para o ano. Faça assim: na noite de 12 para 13, concentre-se na pergunta: “o que acontecerá comigo neste ano?”. Aí, quebre um ovo e despeje somente a clara dentro de um copo com água e depois vá dormir. No dia seguinte, vá observar o desenho boiando na água: se aparecer uma igreja ou um véu de noiva, você vai casar; se surgir uma mala, vai viajar; caso apareça algo que lembre um caixão, vai ter morte na família. Ai que mêda!
*

Que tal uma simpatia com preocupação social? Bom, né? Então faça o seguinte: no dia de Santo Antônio – 13 de junho – entre numa igreja que tenha a imagem do santo, exatamente às 13 horas, e vá carregando 13 rosas vermelhas. Reze 13 Aves Marias com fervor. Depois, declame a sua poesia romântica favorita. Compre 13 pães e os distribua pros pobres. Aguarde, que é tiro e queda.
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Está desesperada? Topa apelar para um feitiço simples? Então, lá vai: na noite do dia 12, pegue uma vela branca nova e escreva, com um palito de dente, o seu nome completo e do outro lado, o nome da pessoa que você quer laçar, digo, conquistar. Passe com cuidado a vela no mel e depois a acenda sobre um pires branco. Dentro de alguns dias, o escolhido irá se declarar apaixonadíssimo a você.
*
Tem aquelas simpatias clássicas com uma imagem de Santo Antônio: virar de cabeça para baixo ou enfiar num copo com água ou ainda retirar o menino Jesus do colo dele. Na verdade, isso está mais para chantagem do que simpatia. Mas é muito utilizado no Brasil. As moças dizem que os fins justificam os meios. Pra quem está subindo pelas paredes, riscando fósforo no dente e matando cachorro a grito, vale tudo (há controvérsias...).
*

Para quem não acredita em simpatia com imagem de Santo Antônio, conto uma história que ouvi de uma baiana que entrevistei prum jornal. Ela me disse que na cidade de Lapinha, na Bahia, uma moça-donzela de 45 anos, com teias de aranha em diversas partes da anatomia, já começava a desconfiar que tinha ficado “pra titia”. Resolveu fazer uma trezena – treze dias de orações diante de uma imagem do santo casamenteiro – pedindo, com muita fé, um “chinelo velho para aquele pé cansado”. Passaram os treze dias e nada do macho-homem aparecer. Ela ficou com raiva e jogou a imagem do santo pela janela, atingindo a cabeça de um rapaz que estava passando por ali. O moço bateu à sua porta, perguntando se era dali o santo que tinha caído. Ela se desculpou e ofereceu um cafezinho. Conversa vai, conversa vem, começaram a namorar. Casaram-se e, segundo consta, viveram felizes para sempre.
*
Tá vendo? Desesperar, jamais! O dia 12 vem aí. Mal não vai fazer. E nesse mês de fogos e fogueiras, aqueça o seu coração e vá em busca de sua felicidade. Nada é impossível à serena harmonia... à calma vadia de quem espera o amor dia a dia...
M.S
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Na Rádio Antigas Ternuras, você ouve “Ai que saudade d’ocê”, na voz de Elba Ramalho, Geraldo Azevedo e Zé Ramalho.
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Eu gostaria de agradecer muitão às queridíssimas amigas Claudinha, Vendetta, Ana Carla e Suzi, que atenderam ao meu convite e escreveram textos belíssimos sobre o Amor, respondendo àquelas perguntas fatídicas. Os posts merecem ser lidos por todos. É coisa daqui ó... da pontinha da orelha.

quinta-feira, junho 08, 2006

Olavo ou num lavo?


Nua, mas para o amor não cabe o pejo
Na minha a sua boca eu comprimia.
E, em frêmitos carnais, ela dizia:
– Mais abaixo, meu bem, quero o teu beijo!

Na inconsciência bruta do meu desejo
Fremente, a minha boca obedecia,
E os seus seios, tão rígidos mordia,
Fazendo-a arrepiar em doce arpejo.

Em suspiros de gozos infinitos
Disse-me ela, ainda quase em grito:
– Mais abaixo, meu bem! – num frenesi.

No seu ventre pousei a minha boca,
– Mais abaixo, meu bem! – disse ela, louca,
Moralistas, perdoai! Obedeci....
*
Vocês sabem quem escreveu esse soneto?
*

Olavo Bilac.
*
É de pasmar, não é? Não que no tempo dele não se apreciasse uma saliência. Ô se não apreciavam! Aquele povo de antanho e suas barbas e bigodes, com cara de respeitáveis senhores, adorava uma sacanagem. Minhas pesquisas assim o demonstram. Mas fico admirado por ver que um parnasiano do quilate de um Bilac tenha posto em papel e em soneto seus momentos de... hum... prazer. Agora a gente imagina de onde ele tirou o “ora direis ouvir estrelas...”
O nome deste poema é Delírio. E, lendo-o, só me ocorre exclamar uma interjeição:
*
- Ah, muleque!
M.S.
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Na Rádio Antigas Ternuras, você ouve “Faz parte do meu show”, na voz de Cazuza.

segunda-feira, junho 05, 2006

Ah, o amor...


A simpática blogueira Michele, a Micha Descontrolada, do Carpe Diem, de Niterói, cidade que amo e onde me formei, me propôs um tema comunitário. Escrever sobre amor, respondendo às seguintes perguntas: vale tudo por amor? Até trair a confiança de uma pessoa? Até quanto vale ir por amor? Qual a maior loucura que você já fez por amor e qual a loucura que acha que jamais faria por ele?
*
Topei participar. Vamos nessa. Mas no clima de antigas ternuras, é claro.
*
Não acho que no amor vale tudo. Quem pensa assim, certamente assumirá os riscos daquele velho ditado: os fins justificam os meios, muito comum em Brasília de uns tempos para cá...
Vale a pena lutar pelo amor, mas com as armas de um guerreiro da luz – fé e carinho pela pessoa amada. Conseguir um amor usando de baixezas é conspurcar um sentimento que era para ser mais que lindo. No final de um “vale tudo”, vai ser óbvio que não valeu a pena. No passado, já me encontrei em diversas situações em que disputava uma criatura fêmea com outro cara. E perdi em todas. Perdi porque era tímido, porque me envergonhava de sê-lo, porque na minha timidez tinha medo de magoar a outra pessoa, porque perdia a chance de dominar meus medos internos. E assim, era derrotado por não querer vencer, por me diminuir perante minha auto-estima, por minha covardia e por ser medíocre. Mas guardava o galardão de ser sempre leal. A mim, ao meu concorrente, à pessoa que amava.
*
Poucos verbos em qualquer idioma têm o peso de “trair”. Ofender com traição é ferir sem sangue externo. É ferir na alma. Às vezes sem cura. E sempre deixando cicatriz. Trair e amar aparentemente não têm nada em comum, a não ser pelo significado etimológico: trair vem do latim tradere, que quer dizer entregar. E no amor, o símbolo maior é justamente a entrega que fazemos ao nosso objeto amado. E qual a diferença? No primeiro, entregamos quem amamos ao sofrimento. No segundo, nos entregamos nós mesmos ao sofrer, pois mesmo quando o amor é prazer e é correspondido, sempre existirá o sofrimento pela nossa eterna dúvida em saber amar.
*

Pelo amor, vale a pena ir ao fim do mundo, desde que de lá retornemos. Íntegros. Mais sábios. Mesmo que mais sofridos. O amor pode ser como o fogo, que queima, mas ilumina. Se pressentirmos que não conseguiremos voltar dessa viagem com integridade e sabedoria – seja em que dimensão for – então é melhor guardar o bornal para outras jornadas. Certa vez escrevi para alguém que amei: “...E no princípio era o Caos. De algum lugar, partiram dois pontos se deslocando no espaço. E em um segmento daquele Universo, seus olhos se cruzaram e aquele olhar contava da vida de cada um, tudo o que tinham visto, ouvido, sentido naquela vastidão. E perceberam que se amavam...mas como eram retas paralelas, estavam condenados a se encontrarem somente no infinito...”.
Às vezes temos de compreender que será nas lonjuras infindas que (re)encontraremos aquele nosso ser amado.
*
Um gesto de amor, para quem ama, nunca será uma loucura. Uma vez, eu disse a uma pessoa que amava, que toparia deixar a minha vida no Rio para trás e iria viver com ela, lá no Planalto Central. Ela achou que era caô de carioca e não fez fé. E eu estava mesmo disposto a deixar tudo por ela. Mais uma das armadilhas do “E Se...” Pois bem. Não fui. E não ficou nenhum amargor. Só a sensação de quem contempla as estrelas, imaginando como seria a vida lá no espaço sideral. Mas que volta a olhar em volta e vê que Deus lhe deixou na Terra para se deliciar com mil maravilhas.
*

Quanto a uma loucura que jamais faria, seria aquela que eu percebesse no ato que era uma loucura e não um gesto de amor. Quando amamos, nos tornamos uma espécie de Midas ecológico, onde transformamos tudo o tocamos em flores. Se algo que venhamos a fazer possa terminar em terra árida e seca, então não vale a pena. Pois amar, é ser um passarinho só para voar bem alto e escrever o nome de quem amamos em uma nuvem, segredar para o vento desse amor e esperar que a chuva conte pra todo mundo. Mas, com gotas de sorriso.
*
Aí está, cara Michele. Minha participação no seu tema comunitário. Gostaria que todos os que lêem estas mal tecladas linhas participassem e também escrevessem em seus blogs sobre estas questões. Especialmente gostaria de ler a Claudinha, a Claudia, o Paulinho Patriota, a Márcia, a Suzi, a Ana Carla, a Fugu F., a Yumi... Pensando bem, é proposta para todos...Talvez fosse até um bom tema para a Família Morcegos.
M.S.
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Na Rádio Antigas Ternuras, você ouve “Neither one of us”, por Gladys Knight and The Pips. E essa música vai pra moça da escada do Observatório...

sábado, junho 03, 2006

Escutando cabelo crescer...


Estava eu no meu sacrossanto lar, estirado no sofá, sem nada para fazer, só escutando cabelo crescer, quando me lembrei que o meu velho pai, depois de aposentado, gostava de fazer a mesma coisa. Só que em vez do sofá, ele preferia armar a cama DragoFlex no quintal, debaixo de uma árvore, e ali ficar bestando ou cochilando.
*
Só que uma vez deu zebra. Para quem não conhece, deixe-me apresentar a cama DragoFlex. Ela era feita de uma armação de canos de ferro, onde uma faixa de lona ficava esticada por molas. Parecia uma maca, só que era dobrável e tinha pés. Pois é. Um dia, meu pai botou um short confortável (leia-se: bem largo) e foi puxar um ronco na DragoFlex armada no quintal. Numa hora lá, ele virou-se de lado. O saco do velho escorreu pelo short largo e foi pousar justamente em cima de uma das molas da cama. Com o peso dele, a mola estava distendida, logo, com espaços entre as suas espirais. A pele fina daquela parte da anatomia entrou por entre a mola e quando ele se mexeu, a mola reduziu a tensão, ou seja, ela se contraiu, prendendo um pedaço deste sensível adendo masculino.
*

O berro que o meu velho deu faria o rugido do leão da Metro parecer miado de gatinho filhote. Com o susto, minha mãe foi ver o que tinha acontecido. E eu também. Meu pai urrava de dor. Eu e minha mãe aflitos, perguntando o que ele estava sentindo, se queria que a gente pegasse o remédio do coração, ou sei lá o quê. O velho lá, gritando, sem conseguir falar, só apontando para baixo. Com muito custo, minha mãe entendeu e foi ver o que o estava afligindo. Aí foi só fazer pressão na mola para ela esticar, o velho removeu o sofrido apêndice e pôde respirar aliviado. Nunca mais ele quis saber de se deitar na DragoFlex de short largo.
*
Ao lembrar desta história, automaticamente me recordei de que algo semelhante e igualmente dolorido aconteceu comigo. Aliás, foi até cena do filme “Quem vai ficar com Mary?”.
Sábado a tarde, estávamos sentados na beira do campinho lá perto de onde eu morava, esperando o sol amainar para jogarmos a nossa pelada sagrada. A “lua” diminuiu, dois tiraram o par-ou-ímpar para escolher os times. Pronto. Já estava tudo certo para começar. Com o intuito de jogar completamente aliviado, fui até a beira do campo, botei o centroavante pra fora para aquela mijadinha de lei. A bola já estava no meio de campo, o meu time me chamando: “vam’bora, Marco! Vai sair a bola! Vam’bora!” E eu ainda terminando as últimas gotas e gritando: “Péraí! Péraí!”. Nisso, eles não esperaram e deram a saída. Na pressa e na fome de bola de não perder nem um segundinho do jogo, encerrei logo aquele xixi e puxei o fecho-eclair da bermuda. O berro que se ouviu, fez parar o jogo instantaneamente. Na pressa, eu havia me esquecido de guardar o “garoto” antes de puxar o fecho.
*

Que dor condenada, meu Deus! O fecho-eclair ficou preso na pele do...do...vocês sabem do que. Logo, fui cercado pelo pessoal da pelada e os palpiteiros começaram a dar pitaco: “Ih, vai ter que amputar!”, “Corta em volta com uma gilete!”, “Respira fundo e puxa de uma vez!”... E eu mandando os palpiteiros pra tudo que era lugar, os mais sórdidos que vocês podem imaginar. Era eles sugerindo e eu gritando os RAPA, RATO, RAPU e FÉLA* a plenos pulmões. (*RAPApontequiospartiu! RATOmánobanho! RAPUcarái! FÉLAdasunha!, na hora eu disse as expressões no original, sem cortes. Ninguém sentindo aquela dor desgracida iria rezar o terço naquele momento...)
*
Entre gargalhadas, eles me convenceram a respirar fundo e puxar o fecho-ecláir de uma vez. Tomei coragem, e fiz. CARACO! Que dor miserenta! Pedi a um cara para soprar e ele quis sair na porrada comigo. Mandou minha mãe soprar, olha só que povo sem coração, não é?...
*
Mesmo com dor, continuei jogando, que não seria uma dorzinha daquela que me tiraria da pelada, tás pensando o que? Fiquei uma semana com uma baita mancha de sangue pisado no local. Mas sem maior gravidade. O acidente não deixou seqüelas, graças a Deus!
*

Agora vocês vêem como são as coisas. Eu estava deitado no sofá, estiradão, só escutando cabelo crescer, pensando na morte da bezerra, que nem o malandro aí da foto...Como é que estas lembranças me adentraram a mente?
E o pior: como é que eu tenho a pachorra de vir aqui abusar da paciência de vocês, contando estas histórias? Mas, levanta o mouse aí o cara que nunca sofreu um acidente com o bigorrilho!
M.S.
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Na Rádio Antigas Ternuras, você está ouvindo “Doce de Coco”, pela flauta mágica de Altamiro Carrilho.

quinta-feira, junho 01, 2006

Uma história de estâncias mineirais


Quando eu escrevi sobre o filme “Tapete Vermelho”, mencionei uma história que é apresentada nele e que faz parte do folclore de Minas Gerais. Inclusive, minha avó contava para a minha mãe, que contou pra mim e pros meus irmãos e eu conto pra vocês. Além dessa, tinha uma outra história que ela contou e que ficará para uma outra vez. Esses causos vêm de longe. Imagino que a minha bisavó já contasse isso, e que talvez já as tivesse aprendido da mãe dela. Coisa boa de se ouvir, em redor de uma fogueira, uma violinha no fundo, um café quentinho adoçado com rapadura...
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No interiorzão de Minas, nas estâncias de lá, toda a família tinha que pegar na enxada. Mesmo as mulheres com filho amamentando davam de mamar aos filhos e, enquanto eles dormiam, iam dar uma força na roça. Quando voltavam, reforçavam o jantar mamário dos nenéns e assim criavam os catarrentos.

Conta-se que uma mulher camponesa, com o filho ainda pegando peito, acordava cedinho, tirava o filho no berço, dava de mamar e aproveitava aquele momento para espichar o sono ainda um bocadinho mais. Saía para trabalhar, deixando o filho em casa, deitadinho no berço rústico, aos cuidados da filha mais velha. Voltava ao cair da tardinha, moída de cansaço, pegava o moleque no berço, tirava o peito pra fora, e chegava a adormecer enquanto o neném se servia.
*
A mulher percebeu, no entanto, que o filho estava cada vez mais magrinho, embora mamasse nos seus seios até a última gota. Achou que ele tivesse doente. Naquele tempo, e especialmente naquelas paragens, médico era que nem saci-pererê: todo mundo já tinha ouvido falar que existia, mas nunca tinham visto um. A solução era apelar para benzedeiras e curandeiros. E a mulher levou o garoto para um velho que sabia rezar e usar ervas, a medicina do sertão. E o curandeiro percebeu que ali tinha coisa. Pediu que ela voltasse para casa, que ele a visitaria naquela noite.
*
Findando a tardinha, a mulher retornou da labuta no campo e fez o que costumava fazer: pegou o filho no berço, e deu-lhe de mamar, adormecendo em seguida. Nisso, o velho curandeiro apareceu na janela do quarto e ficou à espreita. Foi quando ele viu uma cobra gorda, imensa, sair debaixo do berço do neném, rodear a mulher e afastar o garoto do bico do peito da adormecida. Em seguida, o asqueroso réptil abocanhou o seio da mulher, sugando em movimentos contínuos. Como o garoto começasse a se movimentar, em busca do seio perdido, a cobra levantou a ponta do rabo e encostou na sua boquinha. O neném pôs-se a chupá-lo, como se um seio fosse. Depois de sugar todo o leite que pôde, a bicha se afastou, enfastiada, retornando a se enrodilhar debaixo do berço.
*

O curandeiro bateu na janela:
- Ô cumadre! Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo!
A mulher acordou assustada:
- Ara veja! Pra sempre seja louvado! O que foi cumpadre?
- Vosmicê me dá licença de entrar? Vim resolver o problema do seu minino.
Permissão dada, o homem entrou com uma foice na mão. A mulher se assustou.
- Deixa, cumadre. Que isso aqui é a cura para o mal do pequeno!
Num gesto largo, empurrou o berço para o lado. A mulher, aterrorizada, viu aquele baita cobrão ali, sonolento, com leite ainda pingando da boca gosmenta. Então compreendeu tudo.
Zás!
A foice cantou no lusco-fusco do quarto.
*
A foiçada atingiu a cobra pelo meio do corpo escamoso. Com o talho, espirrou leite de peito para tudo que é lado, enquanto o réptil protestava de dor, emitindo um som rascante, que penetrava nos ouvidos de quem via a cena. O segundo golpe pegou na altura da cabeça. E o som cessou.
*

Dali em diante, tanto aquela camponesa quanto todas as mulheres da localidade passaram a examinar os quartos onde ficavam os filhos. E permaneciam acordadas enquanto amamentavam os filhos. Conta a história que mais de uma cobra foi encontrada por perto de sítios onde tinha mãe com leite no peito.
*
No filme, a benzedeira não mata a cobra. Pressente que aquilo era “catimbó” de uma mulher invejosa e reza o bicho para ele voltar pra quem tinha mandado. E assim foi feito. Já eu ouvi desse jeito que contei.
*
Verdade? Mentira? Quem o pode saber. Só sei que, nas minhas idas a Minas, ouvia sempre contar que cobra não pica mulher grávida e que se deve ficar atento na hora de dar o seio para os filhos. Pode ser uma história “mineiral”. Mas, como se costuma dizer: “o povo aumenta mas não inventa”.
M.S.
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Na Rádio Antigas Ternuras você está ouvindo “Um violeiro toca”, na voz de Almir Sater.