
No outro dia eu estava arrumando a minha discoteca de LP em vinil quando me deparo com uma preciosidade: o álbum “Ai, Ai, Ai de Mim”, de João Bosco.

É um dos melhores desse mineiro de Ponte Nova. Só tem faixa da melhor qualidade! No encarte, além das letras, antes de cada música tem uma historinha. Uma delas quando li, me deixou coçando para escrever um conto, uma novela, uma poesia, sei lá... Talvez ainda faça isso. Vejam só:
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“Uma mulher que grita no portão de um cemitério só pode estar lamentando a perda de um grande amor. A cena aconteceu numa pequena cidade mineira e ficou na memória dos seis anos de idade.”
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Espetacular, não é?
No disco, gosto de todas. Mas as minhas preferidas são “Desenho de giz” (que tem um dos versos mais lindos da Língua Portuguesa: “Aí diz o meu coração: que prazer tem bater se ela não vai ouvir?” Demais, né não?) e uma outra que tem o singelo nome de “Quando o amor acontece”. E a historinha que a precede:
“Esta música poderia ser ouvida nos alto-falantes de um parque de diversões. Em qualquer lugar da América Latina, onde um romance estivesse para começar”.
Quer algo mais antigas ternuras que isso?
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Pois é. Eu, com o disco na mão, comecei a cantarolar a música e ela me ficou na cabeça o dia inteiro.
Coração sem perdão, diga fale por mim
Quem roubou toda a minha alegria
O amor me pegou, me pegou pra valer
É que a dor do querer, muda o tempo e a maré
Vendaval sob o mar azul
Tantas vezes chorei, quase desesperei
E jurei nunca mais seus carinhos
Ninguém tira do amor, ninguém tira, pois é
Nem doutor nem pajé, o que queima e seduz, enlouquece
O veneno da mulher
O amor quando acontece a gente esquece logo que sofreu um dia, ilusão
O meu coração marcado tinha um nome tatuado que ainda doía, cursava só a solidão
O amor quando acontece a gente esquece logo que sofreu um dia, esquece sim
Quem mandou chegar tão perto se era certo um outro engano coração cigano
Agora eu choro assim
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De tanto cantar a música fiquei pensando exatamente em seu título. De minhas reflexões, concluí que, de nossa parte, o amor quando acontece temos as seguintes opções: somos correspondidos ou não somos correspondidos. No primeiro caso, podemos viver no jardim das delícias se efetivamente pudermos concretizar este amor. Na literatura e na chamada vida real os casos de amores impossíveis são numerosos como as estrelas no céu. Às vezes o amor acontece em uma dimensão de impossibilidades. Aí só podemos avaliar esse sentimento pela ótica do “E Se?...” Mas qualquer que seja a nossa decisão, teremos corações partidos pelo caminho.
No entanto, quando não existe nenhuma barreira, aí é só correr para o abraço e testar a solidez do mobiliário da casa.
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Entretanto, o amor quando acontece pode ressoar somente em um coração. Aí, com certeza, vai acontecer o “tantas vezes chorei, quase desesperei...” de que fala a música.
São Paulo escreveu na célebre carta aos Coríntios, no Capítulo 13, que:
“O amor é sofredor, é benigno (...) Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta”. Será?
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Quando amamos costumamos ser egoístas a ponto de não entender como o nosso objeto de amor não retribui nosso sentimento! “Mas como! Será que essa criatura não vê que ninguém vai amá-la como eu a amo?”
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Amar unilateralmente é condenação pior que a de Prometeu, que tinha o fígado dilacerado diariamente por duas águias. No caso do personagem mitológico, enquanto as aves não vinham ele tinha um refresco. Quem ama e não é amado sente as vísceras se corroerem durante as 24 horas do dia. Uma sede que nem todo álcool sufoca, um desespero que nem Mozart tocado pela lira de Orfeu consegue abrandar.
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O amor quando acontece pode nos levar ao céu e ao centro da Terra na mesma viagem.
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Estes são apenas fiapos de reflexões que se desgarraram de antigas lembranças. Me deu curiosidade de ouvir outras vozes a respeito. Da outra vez que eu fiz o convite, a Claudinha, a Suzy, a Vendetta, a Ana Carla e a Fugu responderam em seus respectivos blogues. Pois faço o convite de novo. Para elas e para quem sentir vontade de responder à pergunta que não quer calar:
O que acontece quando o amor acontece?
Pode responder sobre o que “aconteceu”, o que “acontece” ou o que “acontecerá”. Do jeito que quiserem.
Com a palavra, vocês. Sou todo olhos.
M.S.
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Na Rádio Antigas Ternuras, você está ouvindo João Bosco e a sua magistral “Papel Machê”. Não encontrei “Quando o amor acontece” nem “Desenho de giz” em arquivo midi. Pena... Mas essa também tem a ver com o texto.