
Fui assistir ao documentário “Morro da Conceição”, de Cristiana Grumbach, sobre uma área muito antiga do Rio de Janeiro. Lá, a diretora entrevistou oito moradores do local. O ponto de ligação entre eles é o fato de serem idosos e de morarem lá há muito tempo.
Claro que não é um filme para qualquer espectador. Poucos deixarão de ver o blockbuster da vez para assistir a oito velhinhos contando histórias do tempo do Onça. Embora o espectador vá aprender muito mais com o depoimento deles do que com “Marcas da Violência”, por exemplo (que é uma bosta de filme...).
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Desde que eu era pequeno gostava de ouvir os mais velhos contarem suas histórias, falarem sobre coisas do passado. Está aí a origem de minhas antigas ternuras: ouvir histórias do passado. Lembro que num boteco, perto de onde morava, os mais velhos se encontravam para tomar cerveja, jogar sinuca ou só para conversar. Eu chegava de mansinho, me esgueirava pelos cantos e ficava lá, ouvindo os “causos”. Gostava também de ir ao barbeiro, mas só aos sábados, quando a barbearia lotava. Enquanto o Cauby – era o nome de um dos barbeiros, o outro tinha o apelido de “Bacana”, mas minha mãe dizia que este não cortava direito – aparava meu cabelo muito liso (na época...), ouvia trocentas histórias que os adultos descreviam com um sorriso sacana no canto da boca. Muitas das histórias tinham saliência no meio. Outras, ou eram tristes ou engraçadas. Eu gostava de todas.
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E “Morro da Conceição” é isso. Histórias engraçadas, ou tristes, ou com alguma sacanagem (muito pouca...). Mas contadas com sinceridade. Para mim, foi uma diliça ouvir aqueles rostos gastos de tempo, acompanhar aquelas vozes curtidas no travo dos anos, seguir os olhos embaçados, mas que de repente podiam ganhar um brilho fugidio pela lembrança. Aquilo me fez pensar. O padre Antonio Vieira escreveu nos seus “Sermões...”, que somos como folhas das árvores: se o vento bate e nos mexemos, estamos vivos; se não bate e estamos imóveis, somos mortos. Aquelas folhas, amarelecidas que sejam, estão vivas, ainda se mexem ao sabor dos ventos.
Um deles, o “seu João”, confessa que não gosta de coisa velha. Não acha graça nenhuma em preservar o antigo. Os demais, especialmente a “dona Iria” e a “dona Alzira”, acham que não deviam modificar as coisas: “para a gente poder reconhecer quando ver”.
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São vidas banais, gente anônima que cuidou apenas da própria vida e da dos parentes. Exatamente como a maioria de nós. E eu saí do cinema pensando... A vida da gente passa tão rápido que daqui a pouco será a minha vez de contar histórias da minha época para uma platéia que vai se espantar em saber que houve um tempo em que se dormia de janela aberta, e que as crianças brincavam na rua até tarde, com os mais velhos sentados na calçada conversando; que não se falava alto no cinema; que a gente podia levar a namorada para ver “corrida de submarino” na praia e que você podia ficar lá, dando um malho na criatura, que nada acontecia; que a família inteira podia ir ao Maracanã, inclusive levando criança de colo, a mãe, a avó da gente...Tempo em que aquele nosso vizinho da polícia, saía de casa fardado e orgulhoso, merecedor do respeito de todos; tempo em que os alunos respeitavam os professores e ficar reprovado era a pior coisa que poderia acontecer na vida de um adolescente...
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É... fico só imaginando como as pessoas bem mais novas do que eu vão se impressionar com minhas histórias. Talvez até duvidem, achem que é coisa de velho, ficar inventando estórias...
Isso me lembra uma música do Caetano, “Minha mulher”, que diz em determinado trecho: “Quando eu for velho/quando eu for velhinho, bem velhinho/Como seremos, como serei, como será?”
M.S.