segunda-feira, abril 06, 2009

Limites


Agora, falando sério. Dia desses, assisti a três filmes em seguida, o que sempre faço quando a programação tem muita coisa que me interessa. Aparentemente, nenhum dos três que assisti tinha nada a ver um com o outro. Será mesmo? Vejamos: o primeiro é sobre um guerrilheiro argentino que vai para Cuba e inicia, junto com Fidel, uma revolução com menos de 30 soldados contra todo um exército e mais o apoio dos EUA. O segundo, um belo filme francês tratando de jovens moradores da periferia de Paris que se encontram num colégio público. O terceiro era a história de um velho totalmente intolerante com diferenças raciais e étnicas e que justamente odeia o fato de seu bairro ter sido “tomado” por negros, latinos e orientais. É. Aparentemente, nenhum filme tem nada a ver com o outro.
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Mas, espera lá. No primeiro, o tal guerrilheiro, que era conhecido como “Che Guevara, dizia que “uma revolução não é troca de tiros de fuzil”, que “um povo que não sabe ler, nem escrever é um povo facilmente dominável”. No segundo, a gente vê jovens imigrantes ou filhos de imigrantes (japoneses, africanos, antilhanos, católicos, islamitas, ateus...) que enfrentam os professores e dizem que não veem sentido em aprender as coisas que lhes ensinam, onde uma jovem admite que não aprendeu nada naquele ano letivo. No outro, o velho se recusa a conversar com um padre jovem que “acabou de sair do seminário”, vive chamando o seu jovem vizinho hmong (povo que vive no sudeste asiático, os do filme, vem do Laos e da Tailândia) de “rolinho primavera”, que cospe de nojo só de olhar os orientais passando por sua calçada. Huuuummm... Não é que os três filmes tem mesmo um a ver com o outro?
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Mas, em que pese eu recomendar “Che” e “Gran Torino” – o primeiro e terceiro filmes que vi naquele dia – quero falar-lhes de “Entre os muros da escola” – o segundo. O filme foi feito de forma a parecer um documentário, os atores são mesmo jovens da periferia parisiense, eles fazem personagens com nomes iguais aos seus na vida real, e não me admiraria se eles tivessem de fato aquele comportamento em sala de aula. Embora apareçam outros professores, o filme se detém num que dá aula de francês, e que na maior parte do tempo, tem uma paciência de velho chinês aposentado e quando sai da linha faz com que a classe se incendeie. Os alunos, pelo menos boa parte deles, gostam de afrontá-lo. Especialmente o malês Sulleyman.
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Vendo aqueles alunos, fiquei imaginando que nas salas de aula daqui do Brasil não deve ser diferente. E nem falo das salas da periferia. Em qualquer sala de aula, há alunos testando, expandindo limites, afrontando professores.
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Não deu outra. No jornal O Globo de 29/3, na pág. 25, saiu a matéria: “Pit-alunos levam professores a procurar divã”. Fala de jovens, em boa parte filhos de ricos, estudantes de escolas particulares que tem ultrapassado todos os limites, inclusive enfrentando os mestres, levando-os ao estresse.

Vejam algumas declarações: “Uma aluna de uma professora com mais de trinta anos de magistério discordou do número de faltas e a abordou na rua, cobrindo-a de socos e pontapés”. Essa outra é pior: “Uma professora percebeu que objetos estavam sumindo em sala de aula. Resolveu conversar com a turma, explicando que não se deve mexer na propriedade alheia. No dia seguinte, uma pit-mãe de uma criança de 9 anos ameaçou lhe arrebentar a cara por supostamente ela ter chamado o filho de ladrão”. (Querem ler uma outra matéria impressionante? cliquem aqui)
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Não faz muito tempo e eu escrevi um post que falava da falta de limites que pais estão deixando transparecer na educação dos filhos. A matéria fala exatamente disso. Tem aluno que, de maneira contumaz, chega atrasado na aula. O professor reclama e no dia seguinte a mãe aparece para dizer que o professor tem que entender o garoto, coitadinho, que não consegue acordar cedo. Escolas proíbem os alunos de usarem celular durante a aula. Pois não é que os pais ligam para os filhinhos, no meio da aula, para perguntar o eles querem almoçar, lembrar que tem médico, dizer que vão se atrasar... Agora, vai dizer aos genitores que eles estão errados!
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Eu bem que queria saber o que Che Guevara falaria de uma situação como essa... “Endurecer pero sin perder la ternura jamás”? E o velho ranzinza admiravelmente bem representado por Clint Eastwood em “Gran Torino”? Será que ele pegaria o seu velho rifle e, rosnando, miraria bem entre os olhos desses pais e filhos?
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Vivemos tempos difíceis... Como diria o Barão de Itararé: “Este mundo é um porco-espinho a rolar sobre si mesmo”.
M.S.
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Amigos, peço que me perdoem pela ausência e por não atualizar mais amiúde este blog. Mas ensaiando dois espetáculos, cuidando dos afazeres de um dos meus empregos, dando aulas, escrevendo artigos acadêmicos... Não é moleza, não!
Aproveito para convidar os meus amigos cariocas para assistirem ao espetáculo “Via Sacra”, em que participo (faço o papel de “Poncius Pilatos), cuja apresentação será somente no dia 10, sexta-feira santa, às 19h, no interior da Igreja de São João Batista, na Voluntários da Pátria, em Botafogo. Quem puder e quiser ir... me dará muita alegria!
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Na TV Antigas Ternuras, você vê o trailler de “Entre os muros da escola”.

17 comentários:

Moacy Cirne disse...

Meu caro, não vi o filme sobre Che, mas os outros dois são de fato muito bons. Gostei de sua análise sobre "Entre os muros da escola".
Um abraço.

DO disse...

Diria mais,MARCO: este mundo anda é dominado por pseudo educadores que não acreditam no ensino e na educação de antigamente,dos meus e dos seus pais.Tenho muito orgulho de ter sido educado co m rigor aqui em casa e no colégio , rigorosíssimo, onde estudei.
O resultado prático desta mudança ,vc colocou muito bem aqui ,e exemplificou com os filmes,com as noticias e até com o casal de atores da novela das 8.
Se eu já estava muito afim de assistir GRAN TORINO,agora é que não vou mesmo perder. Valeu pelas dicas.
Grande abraço!!

Francisco Sobreira disse...

Caro Marco,
Não vi nem um dos 3 filmes. Não sei se já lhe disse que deixei de ir a cinema, pois não suporto mais os cinemas de shopping. Estou interessado em ver, em DVD, o filme de Eastwood, um dos raros diretores americanos de hoje que merecem atenção, embora o seu "A Troca" tenha me decepcionado um pouco. Um abraço. P.S. - Rapaz, você tá trabalhando demais! Cuidado, hem.

guiga disse...

Aqui em Portugal também estamos a viver uma crise em termos de Educação. As escolas estão a perder valor, os professores são humilhados... Isto fere-me pois recordo os meus professores como mestres, como pessoas que me prepararam para a vida. Claro, tive alguns maus exemplos! Mas, estas atitudes são absolutamente condenáveis! E que se passa com os pais de hoje em dia?!!??! Já não sabem educar?!?!? Que geração é esta que estamos a educar?!?!? Dizer educar é até um insulto!!! LOL
Crise de valores mundial!
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Marcos Pontes disse...

Marcão, sou um privilegiado. Costumo comparar meus alunos com os de outras escolas, seja aqui na cidade ou nas vizinhas com que tenho mais contato, como Vitória, Salvador, Porto Seguro... Mesmo aparecendo um pit-pa/mãe, de vez em quando, a docilidade, educação e postura respeitosa de meus alunos está muito acima da média.
A molecada de hoje (repetindo o comentário de teu post anterior sobre a falta de limites da molecada) é herdeira da geração 68, em que não se confiava em ninguém com mais de trinta anos, em que se tinha que viver hoje como se fosse o último dia e outras balelas mais. Os pais queriam a liberdade absoluta, por isso hoje não sabem limitar suas crias.

P.S.: Boa sorte no espetáculo e sucesso nos demais projetos.

Ronie disse...

Muito obrigado pelo convite Marco: já tenho compromisso para a próxima sexta-feira. (quando o boteco for reativado contarei a história de uma churrasco de sardinha ao som de clash e cult, êita povinho pecador). Sobre os filmes: não vi nenhum, você sabe né? não sou grande fã da sétima arte. Um dia desses estava tentando lembrar qual o último que assisti no cinema: Vixe!!! Lá se vão quase vinte anos. Foi um em que o tom cruise era piloto de corrida(o bom mesmo é que quando sai do cinema comprei um vinil do soul II soul). Ah, sobre o post: acho que Che foi tarde, ele deveria retornar para buscar Fidel (parece que nem o cramunhão quer ele por perto). O filme do Clint Eastwood deve ser o melhor dessa remessa. E infelizmente sobre as escolas você está absolutamente correto.

Ah, prepare-se, mi vasquito querido vem com Pimpão e Valderrama retomar o caminho das glórias. Hoje completam-se 85 anos da 'Resposta Histórica'. Sem o Vasco, o futebol brasileiro não teria Pelé (aqui forçaram a barra, kkkk).

Anônimo disse...

Marco, tô lendo o texto e lembrando da música do Francis Hime e Chico Buarque..."Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta".
Vivemos época em que filhos fazem pais de empregados confundindo toda a hierarquia familiar, se é que ela ainda existe!

*A foto é minha sim!! Bom Trabalho Marco!! Sucesso na apresentação!! Beijus

isabella saes disse...

Adorei as dicas. Andei me escondendo no mato e vi outros tipos de filmes, com aranhas, pássaros e lagartos. Mas, vou me atualizar no feriado. Beijos e obrigada, querido!!

Julio Cesar Corrêa disse...

De pit-aluno todos temos um pouco. Já fiz muita bagunça em sala de aula. Mas sempre assumi. A minha geração, de certa forma assumia. EU FIZ, EU FAÇO. Atualmente o que se vê são jovens fazendo e acontecendo e depois chorando no colo da mamãe ou do papai quando o bicho pega. Serão certamente quarentões e cinquentões sem um pingo de caráter.
Acho que a coisa aqui no Brasil é infinitamente diferente e pior, visto a justiça, as leis e a polícia que temos. E os pais que temos também. Com exceções, é claro.
Infelizmente, não vou poder assistir a sua apresentação, pois estou na estrada, para variar.
MERDA pra vocês!
abração e uma feliz Páscoa

J.F. disse...

Marco, fui professor por vinte anos. Nesse período, assisti a uma tremenda evolução nas atitudes de pais e alunos. Para pior, no meu entender. Porém, parace que para melhor, no entender de modernos educadores. Será que fomos nós que não acompanhamos ou não entendemos a evolução? Sei lá! Prefiro os tempos antigos.
Abração e boa Páscoa.
E sucesso na apresentação.

Claudinha ੴ disse...

Olá Marco! Eu não vi os filmes que fala, mas gostei da ligação que fez entre eles. Estou nas salas de aula desde 1991 e , mesmo aqui no interior e em escolas particulares a coisa está perdendo o controle. Tive casos de uma aluna que jamais compareceu às aulas e passou (o pai é mantenedor de uma escola). Outro ameaçou a professora de ed física porque esta o pegou com drogas e chamou a atenção. O que diz é bem real mesmo. Temo pelo futuro destes jovens cujos pais os tratam desta maneira... Temo por nós e nossa sociedade!
Um beijo e uma boa Páscoa para você e os seus!

Anônimo disse...

Caro Amigo,
Estou por aqui, acredite-me...
Meio enrolada, meio atrapalhadinha, mas estou por aqui.
Adoro o que vc escreve - sempre aprendo muito!
Abração pra vc, amigo

ARMANDO MAYNARD disse...

Prezado Marco, o que está acontecendo com as crianças e jovens, é um reflexo dos maus exemplos dos políticos, de parte da elite burguesa e arrogante, dos novos ricos, somados a uma educação frouxa e relapsa, que recebem dos pais moderninhos. Hoje num simples passeio a um parque da cidade, você assiste a criança chutando pernas de babá, por qualquer motivo e no mercadinho ataques por alguma recusa dos pais em comprar algo que elas desejam, provocando choros escandalosos, como se chorar gritando, fosse um direito de criança. É a “psicologia” da omissão, acomodação, desinteresse, impunidade, pois os castigos hoje raream, como também as preleções e “sermões”. Os pais alegam falta de tempo, por causa da correria do dia-a-dia, na luta pela sobrevivência. Com essa desculpa, vai se criando ‘crioncinhas’. Em minha época de criança, bastava um olhar de minha mãe e tudo já ficava entendido, já sabendo desde aquele momento, que por estar na rua, que quando chegasse em casa a reprimenda era certa. Quando a reclamação vinha da escola, por intermédio da professora, se constituía em falta gravíssima, pois denotava que a criança estava expondo os pais a uma situação de omissão de educação ao filho, constrangendo até os irmãos, quando estes estudavam na mesma escola. Hoje vivemos uma época em que as mudanças são determinantes, mas não se pode esquecer, que os valores são permanentes. O respeito aos mais velhos, a hierarquia, aos superiores, tudo isso deve ser ensinado e acompanhado o seu cumprimento, naturalmente, mostrando que obedecer não é ser subserviente, pois a criança e o jovem podem e devem questionar, discordar quando houver motivo justo. É meu caro Marcos, muitas vezes faltam limites, que devem ser impostos, para evitar que se crie jovens voluntariosos, como se isso fosse marca de independência e liberdade, faltando com o respeito e desobedecendo assim as normas estabelecidas em sociedade. É como se alguns pais, por terem tido uma educação repressora quando crianças, agora estão a afrouxar tanto a educação dos filhos, que terminam por estragá-los. Um abraço, Armando. [recomentarios.blogspot.com]

MARCOS DHOTTA disse...

Caríssimo MARCO! Eu tenho saudades de um tempo em que BRAVURA era sinônimo de ATITUDE e OUSADIA. Capazes de desbravar apenas a ingênua incerteza dos nossos dias escolares. Não essa COVARDIA estampada num doloroso quadro oferecido pela sociedade atual. Literalmente! Eu tenho saudades de mim e de nós... Abraços

Anônimo disse...

Ainda não vi esse filme do Che é bom?
Desculpe a demora em visitá-la, estava viajando nesse feriado.
Big Beijos

dade amorim disse...

Essa questão dos limites é crônica e preocupante, Marco. Boa abordagem do tema, gostei e concordo inteiramente com você.

Veronica Arteira disse...

Conhecer seu blog está me causando um problema: quero ler tudo!!! rs
Marco, durante o período que lecionei, fiz as mais tristes constatações. Os pais não dão limites aos filhos, é fácil notar. Eles não estão sabendo lidar com a nova geração e não conseguem perceber quando devem tomar alguma atitude mais firme. O mais triste, pra mim, nesse período foi ler as redações e perceber,nas entrelinhas, a carência de muitos deles. Não sei se colocamos a culpa aqui ou acolá, o que sei é que todos(pais e filhos) precisam de ajuda, de apoio e não estão encontrando, nem sabem onde procurar. E uma atitude tornou-se comum: os pais não aceitam que se critique /magoe/cobre/julgue ou chame atenção do seu filho. No lugar de refletirem sobre o porquê de tal comportamento, eles preferem tomar as dores dos filhos e ir contra todos para defendê-los, como se assim se redimissem de toda a ausência que têm.
E os professores, a quem muitos pais transferiram a função de educar , não têm condições de fazê-lo, pois sua função na educação é outra.
Assunto que pede muitas discussões ainda... fico por aqui, por enquanto.
Abraços
Veronica