quarta-feira, fevereiro 25, 2009

Toque de gênio


Eu estava andando pela praia, quando uma garrafa bem antiga semi-enterrada na areia me chamou a atenção. Eu a desenterrei e puxei a rolha! Caraco! Ainda bem que eu estava sozinho! De dentro da garrafa surgiu uma fumaça branca e desta saiu um homem vestido com uma espécie de túnica em azul e prata.
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Não tive como não me lembrar de “Jeannie é um gênio” e dos livros de contos de Scherazade que li quando garoto. Mas... what a hell...?... Com mil tubarões, o que era aquilo? Eu sou abstêmio e nunca usei drogas na vida. Será que o sol tinha cozinhado meus Tico e Teco?
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O negócio ficou mais engraçado ainda quando o homem de túnica me falou: “Livre afinal! Eu te sou muito agradecido. Peça algo e satisfarei o teu pedido.”
Bem... Eu definitivamente preferia que a Jeannie saísse daquela garrafa. O Major Nelson demorou a levar aquele monumento para brincar de casinha. Eu seria, digamos, mais objetivo.
Tentei argumentar: “Eu posso pedir qualquer coisa? Mas é só um pedido? No livro dizia que eram três e no seriado de TV o céu era o limite!”
O “gênio” me olhou com uma expressão semelhante a da Luciana Gimenez quando um cientista tentou lhe explicar o que são partículas Mésons Pi.
Aí eu falei: “OK, tá certo. Vou fazer o pedido. Hummmm... Deixe-me ver...”
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Naquele momento, sabe-se lá o porquê, baixou em mim um caboclo socialista que nem eu era nos tempos de faculdade, ou seja, quando Frei Caneca ainda era chamado de Padre Cuia.

“O meu pedido é o seguinte: quero que todo dinheiro do mundo seja reunido e distribuído em partes iguais entre todas as pessoas do planeta”. (“Pelas barbas do Che Guevara! Mandei bem”, pensei eu naquele momento)
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O homem de túnica me olhou longamente, desta vez com a expressão igual a do secretário do papa Bento 16 quando este anunciou que ia retirar a excomunhão daquele bispo que nega o Holocausto. Parecia que tinha um “isso vai dar merda!” tatuado em neon na testa dele. Mas eu mantive o pedido. Achava que se não houvesse diferenças sociais, se todo mundo tivesse a mesma quantia em dinheiro, não haveria guerra, nem injustiça, nem violência, nem perseguições, muito menos a exploração do Homem pelo Homem.
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“Que assim seja!”, disse o cara de túnica azulada. E no mesmo momento me entregou uma valise. Dentro tinha uma fortuna em notas de 1000 dólares, arrumadas em maços atados por uma cinta.
“O que é isso?”, perguntei, sem entender nada. “É a sua parte da divisão – ele respondeu - Neste momento, cada pessoa viva no planeta está recebendo uma mala igual a essa”. “Ah, tu tá de sacanagem!?!?!”, duvidei. E ele me garantiu que era verdade. A partir daquele momento, não existiam mais pobres, só ricos.
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“Minha Nossa Senhora do Bombril! Eu acabei com a injustiça no mundo! Quantos tentaram e só eu, um zé mané, consegui!”, exultei de felicidade. Agradeci muito ao homem de túnica pelo bem que ele acabara de fazer à Humanidade. Ele sorriu de um jeito muito esquisito e virou fumaça novamente, desaparecendo diante de mim.
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Fiquei pensando: “será que eu revelo para o mundo que quem acabou com a pobreza fui eu ou fico na minha?”. Como sou um cara modesto e simples, apesar de minha antiga analista discordar veementemente, resolvi que não falaria nada a ninguém. Deixaria as populações do planeta acreditando que o autor do milagre foi Deus ou qualquer uma de Suas manifestações. Fui para casa feliz da vida.
Liguei a TV a cabo para saber como os povos deviam estar agradecidos por não haver mais exploração, nem roubo, nem violência... Foi quando vi que a merda estava no ventilador. E era daqueles ventiladores industriais!
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De cara ninguém queria trabalhar, nem médico, nem advogado, nem professor, nem engenheiro, nem lixeiro... O jornalista que leu as notícias disse que nem precisava estar ali, mas fora à emissora só para dizer no microfone, para todo o país, que o chefe dele era um babaca e que estava comendo a mulher do cara. Ah, sim. E que ele se demitia para ir gozar a vida nas Bahamas.
Acho que ele não percebeu que não teria piloto de avião para levá-lo às Bahamas... Pelo menos não inicialmente...
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O que veio em seguida foi de estarrecer. Pessoas cobravam uma fortuna para fazer qualquer coisa e tinha quem pagasse. Gente que antes era muito pobre, mas trabalhava duro, resolvera não fazer nada, só torrar a sua parte. Por incrível que pareça, tinha gente com um brilho estranho nos olhos que topava fazer uma limonada gelada, pegar uma cerveja no refrigerador, abanar alguém, isso tudo por um preço exorbitante. Em 24 horas, milhares, talvez milhões de pessoas já tinham entregue sua parte do dinheiro a outros, que agora possuíam bem mais que antes de eu ter feito aquela burrada. Em pouco tempo, quem era rico e tinha perdido quase toda a fortuna quando resolvi partilhar, voltara a ter muito mais que outros, só por saber como ganhar o dinheiro dos mais otários. Claramente se via a humanidade voltar a mesma situação de antes, quando alguns detinham mais riquezas que os demais. E ainda: o mundo agora estava uma zona, uma bagunça muito pior do que antes. A violência fora multiplicada, as brigas, discussões, confusões, aconteciam por qualquer motivo.
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“Ainda bem que eu não revelei ao mundo quem tinha feito aquela zorra...”, pensei eu, querendo cortar os pulsos com barbeador elétrico cego, de tanto arrependimento.
Foi quando o homem de túnica azul e branca apareceu assim, do nada, e ficou me olhando com a expressão semelhante a do Barack Obama quando foi falar com a Hillary Clinton que talvez tivesse um emprego para ela.
“Pôxa, rapaz... Se arrependimento matasse, eu já estaria seco e cremado com as cinzas espalhadas ao vento...”, disse eu com a cabeça baixa. E ele me falou algo que deu um nó na minha cabeça: “Depois que eu te deixei naquela praia, resolvi andar por aí. Foi quando vi, num folheto jogado na rua, a seguinte frase, dita por um tal de Jim Rohn: ‘É preciso fazer as coisas certas e não certas coisas’”.
Eu não consegui responder nada. Ele prosseguiu. “Fique tranquilo. Feche os olhos. Quando você abri-los novamente, tudo estará resolvido”. Pois é. Fechei. Foi quando o rádio-relógio digital começou a tocar na cabeceira da cama. Já eram seis horas da manhã.
M.S.
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Eu gostaria de agradecer muitíssimo aos amigos que me leem e que entraram na discussão que propus no post anterior. Como disse uma das amigas blogueiras que comentaram, ficou parecendo um fórum. E a intenção era essa mesmo! Eu agradeço e me orgulho muito de cada prêmio e selinho que me deram (estão aí ao lado) ao longo da existência deste despretensioso blog, mas nada me alegra mais o coração que ver pessoas inteligentes discutirem os assuntos que proponho aqui. Como o Mastercard, isso não tem preço. Valeu, moçada!
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Na Rádio Antigas Ternuras, você ouve o eterno Louis Armstrong e a sempre maravilhosa “What a wonderful world”.

19 comentários:

Moacy Cirne disse...

Uma ótima fábula, meu caro. Ainda bem que tudo não passou de um sonho... Mas pensando bem, tenho uma idéia... é melhor deixar pra lá.

Um abraço.

Dilberto L. Rosa disse...

Bela crônica onírico-poética de quem ainda quer a loucura de ver o mundo melhor... E todos nós não temos um pouco desse mal? E me levaste aos sonhos de menino, quando suspirava pela beleza de curvas perfeitas da Barbara Eden... Como eu também seria "objetivo" com aquela visão do paraíso!!! Abração, caro primo: já restam novidades por lá!

Marcos Pontes disse...

Os socialistas que me desculpem, mas o mundo seria uma eca se todos fossem iguais em tudo (oportunidades, fortuna, inteligência...). Da nada adianta dar apenas a mesma grana se cada um tem idéia própria de como usar sua parte. Nada de determinismo, mas tem gente que não sabe mandar e tem quem não sabe obedecer; tem quem não sabe ganhar e quem não sabe perder; quem não sabe gastar e quem não sabe poupar. No fim das contas, seja injustiça ou não, tá bom demais.

Claudinha ੴ disse...

Olá Marco!
Este post me lembrou um pouco do efeito borboleta. Não devemos mexer com estas coisas mesmo, há mais do que imaginamos envolvido nisto. Sabe, algo como carmas, escolhas e experiências. Sei que sabe disto. Valeu o texto para que possamos refletir mais sobre o "E SE"... òtimo , como sempre!
Beijos!

Francisco Sobreira disse...

Caro Marco,
Com o seu estilo tão peculiar, que atrai a todos nós, você fez uma crítica de como o poder do dinheiro afeta as pessoas, até transformando os miseráveis. Claro, que existem exceções entre estes. Agora, acho que sei o que o nosso amigo Moacy tentou dizer. Não importa que o texto não seja produto de um sonho, pelo contrário, revela o quanto é fértil a sua imaginação. Um abraço.

Anônimo disse...

Dinheiro=Poder=Ausência de Valores=Corrupção=Ganância
=Desamor=Desrespeito="Serumano".

Abalou geral com esse conto, mas diga-me: quem já não pensou assim e sentiu-se aliviado por acordar?

Amigopratodavida, uau [mil vezes]!

Essa divisão nem na teoria resolve, o caos estaria formado[tá bom, já está, eu sei] e irmão mataria irmão pela parte do quinhão, cedo!

lindo dia
beijos

Cláudia disse...

é uma controvérsia muito grande esse sonho rs, e os socialistas de plantão estão bravos.rs. mas não é meu caso não querido.
tenho mesmo uma linha tenue que eu visualizo, com certeza não só eu,mas eu não acho que temos que ser em condições financeiraS todos iguais, quem é que iria pagar os salários por aí, rs.
apenas acho que estes salários tinham que ser mais, digamos, equilibrados não é querido?
Gostaria de entender por exemplo, como um Ronaldinho pode ganhar taaaaaannnto? A industria do entreterimento dita regras, não é?
Ficaria imensamente feliz em pedir ao genio da garrafa ( e acho que ele era um gatão) que ao menos não houvesse fome.
Chinelos nos pezinhos das crianças. Tenho pena quando vejo crianças descalças. Apesar de achar que em determinadas situações é tão saudável. Mas tendo a oportunidade de escolha, entendeu?
Acho que um pouquinho de justiça, seria bom .
Um beijo enormeeee

Anônimo disse...

É como eu sempre digo, a perfeição não existe!
Bom post, MAIS UMA VEZ! lool
*.*

Anônimo disse...

Assistiu ao filme, "O Todo Poderoso"?
É mais ou menos isso.
O ser humano é uma coisinha meio lesa... Só se move mediante motivações muito convincentes: dinheiro e, não esqueçamos, sexo.
Dinheiro pela sobrevivência e sexo pela sobrevivência também...

[Manú] disse...

Eu amei esse post!Fábula lúdica e muito criativa.Parabens!Beijos!

Anônimo disse...

Tudo bem que é uma fábula,um sonho,ou seja lá o que fôr,MARCO,mas ficou claro o que aconteceria ...
E vou mais longe: não duvido nada que se tornasse realidade.

Abração!!

Julio Cesar Corrêa disse...

Meu caro Marcos, essa sua fábula reforça a minha opinião de que nem todo mundo pode ter dinheiro. Dinheiro na mão de alguém que não está preparado para tê-lo vira uma arma. A história da humanidade está cheio de exemplos de pessoas humildes que, com pouco, fizeram coisas fantásticas. Outras, nem tanto. Conheço um pessoa que ganha 27 mil por mês e está devendo grana à agiota. Tudo por que não sabe usar o dinheiro. Quem não se lembra do exemplo da Tiazinha do Programa do Luciano Hulk, que ganhou algum dinheiro e foi direto comprar um ap num dos condomínios mais caros da Barra da Tijuca e acabou perdendo o imóvel por não poder pagar o condomínio. Basta vc olhar para o que está acontecendo com as classes C e D, aqui no Brasil, que estão ascendendo á classe média. Veja a merda que estão fazendo. Acho ótimo que os mais humildes estejam com mais comida na mesa. Mas eles estão ficando obesos. Os mais humildes estão conseguindo comprar seu carro e os acidentes de trânsito estão cada vez mais frequentes e violentos - e a maioria envolve pessoas das classes mais desfavorecidas. Nosso presidente sorri ao informar que as classes C e D estão indo ao paraíso das compras. Mas não informa que a inadimplência virou um monstro desde então. Coloque um cartão de crédito nas mãos de alguém que não está preparado para tê-lo e veja a M que vai ser.
Poder, dinheiro e sexo movem ao mundo. E tb podem destruí-lo. E a culpa não é deles. É nossa.
abração e ótimo findi

Anônimo disse...

Surpreso pela forma inusitada do texto, fui viajando pela experiência única e perigosa como uma bomba relógio. O que eu pediria a esse gênio? Confesso que não sei. Não adianta pedir dinheiro para todos, pois o resultado você mostrou com maestria. Matar a fome dos famintos? Não adiantaria, pois ela retornaria. Saúde para os enfermos? Outros adoeceriam. Educação para todos? As disputas para ver quem sabe mais se acirrariam e criaria antagonistas, inimigos, ódios. Enfim, como cada ser humano tem "seu papel" nesta vida, não adiantaria tentar mudá-lo, pois isso equivaleria a brincar de deus. Então, decidi que só gostaria de encontrar um gênio da garrafa se esse gênio fosse a Jeannie. Aí eu a levaria para casa e viveríamos inúmeras aventuras, envolvendo apenas nós dois. E fora de casa a vida seguiria seu curso normal...

Anônimo disse...

Ótima lição, Marco. Por isso, se for acontecer de verdade comigo, vou pedir todo dinheiro só pra mim... rsrs
Abraços!

Alice disse...

Delícia de texto... Não sei classificar, a área literária eu não domino, mas sei reconhecer o que é muito bom. Passei aqui num outro dia, li a primeira linha e falei'volto depois pra terminar de ler o texto'. Mas meus olhos ficaram grudados em suas linhas, e acabei lendo o texto naquele dia mesmo... Voltei depois, hoje, para o comentário. E dizer, que, de fato, what a wonderful writer you are.

Bye bye

dade amorim disse...

Marco, esse é osonho de quase todo mundo que se sensibiliza com as desigualdades e as injustiças do mundo. Mas nada é tão simples assim, não é mesmo?
Beijo pra você e bons sonhos :)

Anônimo disse...

Também já tive esses devaneios de querer "modificar" o mundo. Mas, como você vê, não é simples a solução. Melhor tentar ajudar, fazendo o que sabemos fazer, com nossas habilidades pessoais, nossas capacidades particulares, e pronto...Fazemos nossa parte.
Você, por exemplo, realiza muito bem sua ajuda ao mundo. E sabe a razão.
Admiro você.
Beijos e beijos.
Dora

Anônimo disse...

seu sonho me esqueceu. não ganhei a mala, mas ainda bem!
gosto de oportunidades iguais, mas não da igualdade em tudo. Cada um tem que receber por seu esforço.
A todos segundo seu esforço!!!!

te beijo, querido

Taís Morais

Anônimo disse...

Delicia de texto!!!! A forma como você bolou e desenvolveu a história foi ótima. Uma ilustração muito boa da humanidade e das mudaças feitas sem preparo...

um grande abraço