quinta-feira, agosto 07, 2008

Pai


Noutro dia, estava dirigindo quando reparei no vidro traseiro do carro à minha frente. Estava escrito: “Amo meus filhos Natasha e Edson”. Por aqui onde vivo é mais ou menos comum isso, colocar adesivos dizendo amar os filhos. Como estava em pleno engarrafamento, fiquei matutando sobre aquilo. Pais que amam filhos é mais antigo que os rascunhos da Bíblia, mas fazer disso um anúncio, obrigar todo mundo a ler, a saber que dedicam paixão paternal pelos rebentos, para mim é novidade. Sempre achei que amar os filhos fosse coisa normal, um comportamento socialmente esperado, pelo menos na maior parte das vezes. Pelo visto, amar somente não basta. É preciso proclamar isso ao mundo, fazer todos saberem que a Natasha e o Edson (e todos os nomes que desfilam nos pára-brisas cariocas...) são muito amados.
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Claro, sempre vai aparecer alguém que, lendo o adesivo, pronuncie o famoso “Kiko”, o “kicotenho a ver com isso?”. Admito que tal pergunta perpassou pela minha mente naquele momento... A Natasha e o Edson devem se sentir felizes por serem amados pelo pai tão extremoso. O resto da humanidade... hummm... provavelmente não se importa tanto com esse amor do pai dos dois. Talvez até haja quem desconfie de um amor que precisa ser anunciado em adesivos. O amor é sempre mais bonito, mais genuíno, quando demonstrado em gestos, pequenos, médios e grandes. Meu pai faleceu quando eu era bem pequeno. Mas mesmo bem gurizinho que eu era, mesmo sem nunca ter visto ou ouvido ele dizer as palavrinhas mágicas (“eu te amo, meu filho”), sei que ele me amava e aos meus irmãos. Era explícito o orgulho dele quando me carregava para baixo e para cima na bicicleta dele. E quando perguntavam: “é seu filho, seu Ferreira?” ele sorria de um jeito só dele e dizia que sim.
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Ele proclamava aos berros que me amava quando silenciosamente cedia espaço para mim na cama dele, deixando que eu encostasse a cabecinha no ombro dele, xeretando o jornal que ele lia. Ele transbordava de amor quando interrompia a sua leitura para me explicar o que estava escrito nas historinhas em quadrinhos, especialmente as do “Pafúncio & Marocas”, do “Fantasma” e da “Família Buscapé”, esta última a sua favorita. Ele me mostrava como juntar letrinhas e, daquele jeito, eu aprendia sem sentir. A ponto de já saber ler e contar até 10 quando entrei na escolinha. Sim, definitivamente, meu pai me amava, mesmo sem nunca ter dito ou escrito isso.
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Mas ele se foi. Deixando para trás a escadinha de três “degraus” que cresceria sem pai, com todas as conseqüências relativas a isso. Talvez por isso, eu sempre gostasse de ver famílias bem estruturadas. Até em filmes e seriados. Adorava “Papai Sabe Tudo”, “Os Waltons”, “Dênis, o Pimentinha”... Apreciava ver na telinha os filhos abraçando os pais quando estes chegavam do trabalho ou voltavam de viagem.
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Às vezes, eu ficava no fim da tarde, início da noite, no portão da minha casa, olhando as modas, bestando, vendo os pais dos meus amigos voltarem do trabalho. Eles sempre traziam embrulhos (naquela época não existia sacola de plástico, as compras de supermercado eram embrulhadas em papel bege e amarradas com barbante amarelo de sisal; as coisas que se comprava na padaria vinham embrulhadas em papel cinza, amarradas em barbante fininho branco). Quando o pacote era pequeno, leve, os filhos “brigavam” para tirar da mão do pai e levar para dentro. Mas antes da “briga”, pediam a bênção. E lá iam todos, felizes, caminhando para o interior da casa. Até o cachorro ia na frente, sacudindo o rabinho de contentamento.
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Eu gostava de olhar aquela cena. Talvez, sem perceberr, eu estava ali, talvez esperando que meu pai descesse do ônibus, carregando um embrulho de pão. E eu correria até ele, sorrindo, beijaria a sua mão, trocaria o pacote pela minha mão de menino e o conduziria para casa, para a nossa casa.
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Saudades de você, meu pai. Não tenho filhos para reproduzirem em mim gestos de amor que eu te faria. Além de eu não saber a sensação de fazer estes carinhos, não os sentirei em mim, vindo de um filho meu. Tudo bem. Vai ver que nessa vida eu precise valorizar a paternidade, saber o quão importante é ter e amar filhos. Até ao ponto de escrever isso num adesivo e exibi-lo no carro para toda a humanidade.
M.S.
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Meus queridos amigos paulistas: no próximo dia 23 de agosto, a partir das 19h, estarei lançando o meu livro “Popularíssimo – O ator Brandão e seu tempo” num Teatro em Mauá –município do ABC paulista, bem pertinho de São Paulo. Fui convidado pela Secretaria Municipal de Cultura de lá e farei a noite de autógrafos com muito prazer. No mesmo dia, um pouco antes, fui convidado para fazer uma palestra sobre o centenário de Machado de Assis, no mesmo local. Quem conhece os meus textos, já sabe como é o meu jeito, imagina o que vou aprontar por lá, falando sobre nosso escritor maior. Eu focarei aspectos históricos sobre Machado e o Rio de Janeiro de seu tempo, destacando os lugares que ele citou em seus livros. No próximo post darei mais detalhes. De qualquer forma, faço questão de convidar meus diletos amigos paulistas que queiram me dar a honra e o privilégio de sua presença.
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Na Rádio Antigas Ternuras, você ouve Baden Powell, o GRANDE Baden, tocando esse diamante denominado “Se todos fossem iguais a você, de Tom e Vinícius. Essa é para o meu, para o seu, para o pai de todo mundo que está lendo esse texto.

25 comentários:

Anônimo disse...

Marcão, meu amiguirmão...
Eu também sinto falta do velho Batista, contando suas mentiras e divertindo os amigos da velha rua Pinto Lira, mas o mundo é este moinho que conhecemos...
De qualquer forma, aproveite o domingo e junte-se a nós para recordarmos, como sempre, os velhos bons momentos.
Beijos dos Rocha.

Anônimo disse...

Amigopratopdavida,
naquele tempo poucos carros circulavam pelas ruas e os adesivos não existiam, daí ninguém declarar explicitamente amor para alguém.
Sempre soube ser amada por meu pai que jamais cantou aos quatro ventos seu sentimento, mas demonstrava em cada "Deus te abençoe filha" ou "de noite trago barrinhas de doce de leite", sempre embrulhadas no papel bege e barbantinho branco que cortava com seu canivete.

Amigo, não sei por estar abatida e cansada o choro veio fácil ao ler suas palavras, hoje é aniversário de morte do meu maior amigo, meu mais querido companheiro,meu amado pai.
Sem saber você me trouxe o passado da rua Adalgisa na Piedade, bairro que vc conhece bem, me trouxe seu cheiro, sua mão grande, seu cabelo curto e seu olhar amoroso, obrigada.
Sabe? Eu bem queria colocar no meu carro "EU AMO MEU PAI, MEUS FILHOS, MINHA MÃE, MEUS AMIGOS,MEU MARIDO, MEUS IRMÃOS, MINHA FAMÍLIA!!!"
e nem ligaria se alguém pensasse, foda-se.

Estou melhor querido, e agora depois do elogio estou muito boa! rss ;)

lindos dias e obrigada por ser quem é.
beijos

Lulu on the sky disse...

Não acho vergonha alguma o pai demonstrar o amor que sente pelos filhos, nem q seja em forma de adesivo.
Big Beijos

Anônimo disse...

Cada vez que te leio saio com a mesma impressão: uma admiração profunda por tua capacidade de emocionar (não raro levando às lágrimas) e encontrar o profundo no simples. Grande abraço. E obrigado.

Moacy Cirne disse...

Bela crônica, meu caro, na exata medida da necessária emoção. E sucesso em Mauá, no próximo dia 23. Abraços.

A²B disse...

Entrei aqui por acaso e vi um testo mais por acaso ainda ...

estava rocurando filmes antigos e achei esse blog e li esse texto ...

Ja é a quinta vez que nessa época do ano eu irei escrever sobre Pai também...

Parabens pelo que escreveu ... E aproveito por lhe dizer que eu pegarei umas imagens desse texto pra colocar no meu OK?

fazem 5 anos perdi meu Pai ... e esses textos sempre me perceguem ou será eu que os percigo?

Abraços!!!
Angelo A. Bertolini
palhacobertolini.blogspot.com

Sandra Leite disse...

Marco, querido

Eu sentia uma saudade tão grande...vim aqui, em busca de vc. Me deparo com esse texto lindíssimo. É madrugada, Marco! Tudo tem um colorido diferente! Meu pai está em Belo Horizonte e eu aqui, SP. Não o verei nesse dia dos pais!
Que saudade dele, agora!
Saudade da cumplicidade dele. Meu amigo. Amigão, peça rara!
Essa música diz tudo.
Obrigada por isso tudo.

Beijo

Francisco Sobreira disse...

Caro Marco,
Variando o assunto dos seus textos e até abstendo-se do humor que, geralmente, caracteriza os seus escritos, você fez uma bonita, comovente homenagem ao seu pai, que, por infelicidade, perdeu quando ainda criança. Um abraço.

Anônimo disse...

Finalmente consegui aceder ao teu blog.Estava difícil!
Que lindo post Marco. Fiquei comovida. Felizmente o meu pai ainda é vivo. E temos várias divergências. Já se passaram coisas menos boas entre nós...Há uma certa mágoa, admito. Mas,é meu pai e de vez em quando solto uma lágrima ou outra por não ser capaz de olhar nos olhos dele e de dizer que o adoro e que sinto a falta dele. Simplesmente não consigo fazê-lo...
Bem, deixemo-nos de coisas tristes...
Bom fim-de-semana!
Enviei-te um mail. Quando puderes, lê.
Diverte-te e que corra bem a sessão de autógrafos!
Adoraria estar na fila e dizer:
Loooooool hehe
Beijos *.*

Luma Rosa disse...

Ah Marco, eu sei o que é isso ficar lendo um adesivo. Eu estava em Piquet, subindo aquela serra com um caminhão a minha frente, sem chance de ultrapassagem e na trasseira, escrito bem grande, a frase "Eu amo a minha esposa". Hum...as divagações foram outras.
Cada um ama como quer e uns falam, outros sentem fragilidade ao confessar. Os pais "antigos" dificilmente demonstravam carinho através de palavras, isso poderia lhes tirar a autoridade. Os gestos falavam por si.
Também perdi meu pai pequena. Lembro pouca coisa e as vezes me revoltava por ele ter partido tão cedo e nao ter me preparado para isso. E chorei muitas vezes por nao ter tido motivos para chorar a ausência dele, por ele ter sido tão imaturo e inconsequente. Desculpe o desabafo, mas você procurou por isso. É que também, quando se aproxima essa data, eu fico com saudades da voz dele, do que ele poderia ter estar dizendo - Um
"Eu amo meus filhos" talvez. Bom fim de semana!! Beijus

Claudinha ੴ disse...

Olá Marco!
Emocionante sua homenagem. Fez todos os seus leitores ficarem com aperto no peito e talvez uma lágrima furtiva...
Eu tenho a sorte de ter convivido e ainda conviver com o meu. Brigamos, mas tudo por ciúmes da parte dele (ainda hoje), rsrs! Na verdade eu sou muito parecida com ele.
Ótima escolha musical para completar o post. Você deixou uma marca muitoforte aqui. De emoção, de seu amor e da falta que ele lhe faz. Mas para quem crê no que nós cremos... Fica a certeza do reencontro e também a de que estamos aqui na escola, precisamos aprender sempre.
Um beijo!

Anônimo disse...

Nossa Marco, muito linda sua homenagem, me deixou emocionada. Também perdi meu pai na infancia e tenho otimas recordações dele. Penso que atualmente devido a correria do dia a dia,o cansaço e outros fatores,muitos pais deixam de estar com seus filhos em momentos de qualidades que os tornariam inesqueciveis como foram os que passamos com nossos pais,pequenos gestos, momentos unicos.Talvez por isso usem de outros meios de demonstração como os adesivos nos carros e camisetas com fotos dos filhos no peito.
Para os filhos, acho que deve ser valido.
Marco, outro dia recebi de um amigo um e-mail com o endereço de um site contendo fichas técnicas, sinopses, críticas, fotografias, cenas e músicas de filmes assistidos por um cinéfilo nos últimos 65 anos.
Achei que gostaria de dar uma olhada. O site é o seguinte:
http://www.65anosdecinema.pro.br/index.htm
Se voce ainda não conhecia espero que goste.
Um abraço!

Lila Rose disse...

Meu amigo querido, fico sem palavras. A gripe chata já me impede de respirar e as lágrimas agora me sufocam diante do teu relato. Fique bem, tá?


Bisous.

Marcos Pontes disse...

Comovente relato, Marcão. Convivi com o meu até há oito anos, mesmo assim ainda acho que muita coisa ficou sem ser dita.
Parabéns pelo lançamento do livro e sucesso por lá.
A propósito, hoje fechei com a gráfica. O segundo livro está vindo. Para um escritor pequenino como eu, são necessários mais de dois livros para chegar ao prólogo do seu, que descansa orgulhoso em minha estante.

Anônimo disse...

Belo texto.Parabéns.Qt a mim,sou mais cáustica que vc, ad vejo um adesivo destes imagino que foi a mulher que colocou para lembrar o cara que tem filhos e não saia gandaiando .

Mimi disse...

Marco, Mauá é meio longe de Mimi, mas eu prometo fazer de tudo para ir lá te ver!!

ai, que legal saber que vc é ilustre convidado!!!

Dia dos pais é tristonho mesmo... mas é tão bom saber que eles existiram para nós e persistem nos nossos pensamentos.

Grande beijo para vc, meu amigo

Anônimo disse...

Amigopratodavida,
mencionei Antigas Ternuras no meu post do dia dos pais, obrigada.

beijos

Anônimo disse...

Belíssima homenagem!
Tudo já foi dito, só me resta agradecer a emoção partilhada.
Forte abraço.

Tina disse...

Oi Marco!

Lindo texto, doce homenagem. Eu tanto amei meu pai que já partiu - e nunca ouvi um simples: eu te amo minha filha - eram outros tempos, outras vidas, outras passagens. E tudo passou. Ficou a saudade. Sobra vontade do que não mais acontecerá.

beijo grande e obrigada pelo carinho constante. Carpe diem.

Anônimo disse...

Amei seu texto, Marco. Também perdi meu pai. Mas, como você, eu sempre soube, com certeza absoluta, do imenso amor que ele nutria por mim!
E se choro hoje, é pela alegria de ter tido esse pai.
Abraços a você!
Dora

Mimi disse...

Ternurinha

Acabo de ler seu comment no blog da tua amiga-pra-toda-vida.

Saiba que o seu post me emocionou muito e também baseado nele, fiz o meu.


Querido Marco, vc traz orgulho para tantos aqui ou em outro plano, tenha certeza!

beijos carinhosos

Anônimo disse...

Graças a Deus ainda tenho meu pai.
Lendo essas coisas vejo que devo aproveitar cada minuto com ele, para depois não me arrepender.

Abraço!

J.F. disse...

Marco, que lindo texto. Quanta emoção! Realmente, naquela época, os pais declaravam seu amor por atos e não por palavras. Comigo também era assim. Felizmente, eu ainda tenho o meu. Bem debilitado, com seus 93 anos, de vez em quando ainda me dá ordens! Hehehehehehe! Mas, na verdade, hoje, ele praticamente depende de mim e de minha esposa. Por isso saimos de São Paulo e viemos viver com ele, em Itatiba. Os papéis se inverteram e, agora, nós é que cuidamos dele. É o mínimo que se pode fazer, não é mesmo? Nossos pais merecem todo o nosso carinho.
Abração.

Anônimo disse...

Marco, esse seu texto me emocionou. O sentimento de paternidade é algo muito forte, profundo. E você desenhou bem a cena. Descreveu com elegância essas coisas sem palavras, os gestos que dizem muito mais do que poderia dizer um simples adesivo de carro.

Sucesso em Mauá, mas não é tão pertinho assim da capital de São Paulo...rs.

Forte abraço.

Anônimo disse...

Marco,

esse texto sobre amor paterno e amor paixfilhoxpai me deixou a garganta travada pela emoção. Talvez a semelhança de nossas experiências infantís, o meu aprendizado de leitura antes do primeiro ano primário, os pacotes que disputava com meu irmão e tantas outras coisas. Meu pai não mostrava seu amor, mas sei que, da sua maneira, nos amava. Ele também não está mais aquí. E eu também não tenho filhos que me mostrem a dádiva de dar e receber o carinho de um filho.
Um grande abraço, meu amigo! E sucesso em Sampa!