terça-feira, junho 05, 2007
$onhar é o bicho!
Dia desses, sonhei com um porquinho da Índia que falava comigo. (Não reparem, mas os meus sonhos costumam ser muito doidos, mesmo...). Ah, se fosse em meus tempos de moleque, já ia eu direto pro bicheiro jogar uns caraminguás no coelho – afinal de contas, também é mamífero roedor e bastante parecido com o famoso preá, ou porquinho da Índia...
No bairro onde me criei e mesmo em Piedade, onde também morei por uns tempos, jogar no bicho era atividade cotidiana, embora meus pais nunca jogassem, muito menos meus tios carolas. Mas eu vivia solto nas ruas e me dava muito com gente que fazia regularmente a sua fezinha. Eles me ensinaram os meandros do jogo do bicho e lembro que eu costumava deixar adultos espantados com o meu conhecimento sobre o assunto.
Aliás, até hoje em dia, gente que me vê como um intelectual (Rá! Tolinhos...) se admira de eu saber cercar um milhar pelos sete lados, por exemplo...
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Não sei se vocês sabem, mas o jogo do bicho é invenção estritamente brasileira, e carioca, mais precisamente. Começou como uma idéia do Barão de Drummond para poder manter o Jardim Zoológico que ele tinha criado e que lhe dava muita despesa. Querem saber como foi? Péraí. Vou apertar o rewind da fita e voltar até os idos de 1873. Fica este post como mais um da séria série "A História tem cada história..."
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João Baptista Vianna Drummond (1825-1897), a partir de 1888, Barão de Drummond, foi um grande empreendedor. Tinha um enorme tino comercial. Por volta de 1873, ele comprou da Princesa Isabel, com a intermediação do pai da moça, um certo Pedro II, de quem Drummond era amigo, uma enorme porção de terra, chamada Fazenda dos Macacos. Pagou 120 contos de réis, uma soma respeitável, que ele pretendia ver de volta e com dividendos. João Baptista se associou à Companhia Arquitetônica e juntos, pretendiam transformar aquelas terras no primeiro bairro residencial planejado do Rio de Janeiro. Para começar, ele foi pedir a concessão de uma linha de bonde puxado por animais (cavalos, burros, mulas...).
O núcleo central da cidade ficava distante dali e sem meio de transporte, nem com ordem do Papa alguém se dignaria a ir para aquelas lonjuras. Pois bem. Linha de bonde instalada, traçaram o plano urbano do bairro, todo feito em ruas paralelas, cortando um boulevard (avenida larga e arborizada) que se chamaria 28 de setembro, data em que foi assinada a primeira Lei Aúrea, que depois ficaria conhecida como Lei do Ventre Livre (a de 13 de maio de 1888 é a segunda Lei Áurea, embora tenha ficado definitivamente conhecida assim). Drummond era um abolicionista convicto. O bairro se chamaria "Vila Isabel" (a de Noel e de Martinho da Vila), para dar aquela puxada de saco básica na Princesa, de quem tinha comprado as terras.
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Até aí, tudo bem. Só que os vendedores montaram suas barraquinhas e nada dos compradores aparecerem. Drummond viu que precisava de alguma coisa muito interessante para atrair as pessoas. Teve a idéia do Jardim Zoológico. Comprou um punhado de animais e os dispôs em jaulas para serem observados. Pronto! Foi na mosca! O povaréu começou a chegar. Vinham para ver os bichos e acabavam se interessando por um lote naquele empreendimento.
Um sucesso! Mas, como eu escrevi lá em cima, manter o zôo custava caro. O leão comia como um leão. O jacaré passava o dia de boca aberta só esperando o rango. O camelo nem fazia questão de beber, mas estava seco por comer. Alimentar a tropa estava fazendo o caro Drummond gastar uma nota branca (não digo "preta", pois, como eu disse, o cara era abolicionista...).
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Primeiro, ele pensou em meter a faca no Imperador. Metaforicamente, é claro... E durante um bom tempo, o Pedrão patrocinou a alimentação da bicharada. Aí veio a República e o muquirana do Deodoro falou que não daria um centavo para amigo da monarquia. Foi quando Drummond teve uma brilhante idéia! Criou uma loteria onde cada número representava um bicho e cada ingresso daria direito a um bilhete numerado para o participante concorrer no sorteio que era feito no fim do expediente, onde era apontado o "bicho do dia". O prêmio era ingressos grátis para o Zôo.
O negócio fez tanto sucesso, o carioca sempre foi tão chegado a uma jogatina, que a proposta do jogo do barão foi desvirtuada. Já corria dinheiro nas apostas do bicho. Posteriormente, o jogo do bicho foi proibido, embora alguns governantes (especialmente alguns chefes de polícia) o tolerassem.
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Mesmo proibido, o jogo fez um baita sucesso, ganhou as ruas do Rio e de outros estados. Apareceram pessoas que bancavam as apostas, correndo os riscos (que nem eram tantos assim...). O sistema foi organizado, com prêmios estipulados (que permanecem até hoje...), desta forma: quem acertasse no milhar, receberia quatro mil vezes o dinheiro apostado, ou seja: para cada real apostado em um milhar, em caso de acerto o vencedor levaria quatro mil réis. No caso da centena, 200 réis, da dezena, 70, e assim por diante.
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O brasileiro, esse povo tão criativo, quando o assunto é sacanagem ou possibilidade de ganhar algum, criou um sistema de palpites pelos sonhos. Sonhar com rei, joga-se no leão; com muitas crianças, bota-se fé no coelho; com a sogra, vai-se com tudo na cobra; com algum tipo de saliência, o macaco será o preferido... E vai por aí afora.
O grupo 24 – o do veado - virou sinônimo do rapaz homossexual, mas essa forma pejorativa de se referir a quem pratica o sexo "que não ousa dizer o nome", como se falava antigamente, não veio daí. Um dia eu conto essa história...
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E nesta terra onde o jogo é proibido – embora o governo seja o maior banqueiro da parada – sonhar com um bicho pode ser o passaporte para a fortuna fácil. Não deixa de ser uma ironia: sonhar para realizar os sonhos... E sonhar, como vocês sabem, não custa nada...
M.S.
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Na Rádio Antigas Ternuras, você ouve o grande Altamiro Carrilho em "Eu sonhei que tu estavas tão linda"...Maravilha, né não?
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31 comentários:
Rs, eu gostei!
gostei muito da história, pois não conhecia.
E também por ter me lembrado do dia em que um amigo, do RJ, me chamou para jogar na águia porque eu tinha sonhado com um avião entrando pela minha janela...
a gente não tinha dinheiro, jogamos uma bagatela, deu na cabeça e nós só livramos o que tínhamos jogado, mais um choppinho....
eita!
te beijo
Taís
Confesso que eu não sabia da origem do jogo do bicho,MARCO.
Impressionante como uma idéia tão "boazinha" acabou virando contravenção,heheheh
Gostei muito.
Abração!
Marco, se depender da interpretação dos sonhos para que eu possa jogar no bicho ou em qualquer outro jogo estou n'agua. Não sei fazer interpretações, não jogo e dificilmente lembro do que sonho. Mas sei que sonho uma sucessão de imagens. Sonhar com porquinho da índia para mim é pesadelo. É a mesma coisa que sonhar com ratos.
Não sabia da origem do jogo do bicho! Valeu Marco!! Beijus
Olá Marco,
bem interessante, você sempre nos enriquecendo com estas curiosidades.
Meus sonhos andam me assustando, queria que fossem com adivinhações de jogo, seria bem melhor.
Beijo, tchau!
Grande Marco,
O texto de hoje foi lido com um interesse mais que especial. Afinal, vivo (literalmente) de sonhos. Talvez, estou quase certo, tudo começou quando ouvia, ainda criança, as "interpretações" dos apostadores do bicho. Delas para as jungianas foi um pulo...
Mais um texto saborosíssimo e carregado de informações históricas.
Forte abraço.
Marco, dá gosto vir aqui e aprender tanto. Eu não fazia a mínima idéia da origem desse jogo. Parabéns pelo post. Abraços, Mário.
Delícia saber mais sobre o jogo do bicho...E tentar "interpretar sonho" prá poder acertar...(Será que Freud ajudaria, se a gente lesse a Interpretação dos Sonhos, dele? rs)
Muito informativo e didático seu texto, sem ter aquele tom professoral.
Gostei muito.
E fiquei pensando na música que minha mãe cantarolava sempre, sempre: Eu sonhei que tu estavas tão linda/ numa festa de raro esplendor/ teu vestido de baile/lembro ainda/ era branco...
Voltei no tempo, na História e na minha história...
Abraços.
Dora
como eu gosto desse blog!
Eu sou jogadora do bicho, sim senhor! E já ganhei jogando tudo na vaca, e deu vaca na cabeça!
Só não conhecia ainda a origem desse jogo, hoje tão da contravenção.
Obrigada, Ternurinha!
Agora confessa:
Teu porquinho-da-Índia foi tua primeira namorada??
beijos e beijos
Eu já joguei no bicho, mas nem sei que bicho deu.. rsrs
Nunca soube entender este jogo.. e nunca tbm soube as origens assim tão bem contadas.
Muito interessante.
Na verdade o que não vai prá mão do governo, vira "fora da lei" não é? Mesmo os que não o são no papel.. rsrs
Beijos
Olá Marco, que bom saber a origem do jogo. Eu sempre tive vontade de jogar nos bichos dos meus sonhos, mas como sonho muito, não arriscarei, rsrs. Acho o jogo mais democrático, pq muitos ganham, fico triste qdo um só ganha milhões na sena, em detrimento de tantos que jogam tb.
Aqui é tão bom, aprendemos muito, obrigada pela partilha. Beijo meu e fica bem com teus sonhos e lembranças.
Difrerentemente de você, Marco, eu, quando criança, achava que quem vendia aqueles bilhetes de loteria sabia qual era o premiado. Imagina que pensamento bobo... coisa de criança boba... rs.
Agora, tenho uma tia que ganhou na loteria e comprou uma casa com pomar e tudo. Eu munca jogo. Não acredito em sorte. Bobagem de gente grande.
Abraços.
Eu nunca gostei muito de jogo, seja ele qual for, mas foi engraçado saber como esse começou hehe
Que saudades deste espaço saudosista! Salve, Marco: não me lembro se já havia te convidado antes, mas eis-me aqui ('tra vez) e com novo endereço (www.osmorcegos.blogspot.com), desde abril! Se não o chamara antes, desculpe a correria, mas saiba que você sempre esteve entre os mais queridos!
Sobre o post, matei saudade também da sua sempre bem humorada forma de narrar, tornando uma estória já conhecida em uma riqueza sem fim! E o que dizer do garotinho da Kolinos logo abaixo?! Rapaz, tudo muito bom!
Se tiveres um tempinho, dá uma olhada nos posts anteriores (são poucos, agora que só publico uma vez por semana, entre sexta e domingo), desde o dia 27 de abril (dia do aniversário de 3 anos, não resisti...)! Grande abraço, Marcão - e sigamos no saudosimo saudável e cheio de recordações!
Não é à toa que eu AMO vir aqui. Antes, a loteria do estado de Goiás (LEG) tinha uma propaganda super bonitinha sobre o jogo do bicho... Cousa mais meiga. Mas a LEG já não existe mais. E a musiquinha bonitinha só na minha lembrança...
Porquinho-da-Índia
Quando eu tinha seis anos
Ganhei um porquinho-da-índia.
Que dor de coração eu tinha
Porque o bichinho só queria estar debaixo do fogão!
Levava ele pra sala
Pra os lugares mais bonitos, mais limpinhos,
Ele não se importava:
Queria era estar debaixo do fogão.
Não fazia caso nenhum das minhas ternurinhas...
- O meu porquinho-da-índia foi a minha primeira namorada.
Manuel Bandeira
Entendeu, cara pálida???
;-)
hohoho
Ternurinha, adorei ver Lord Morpheus no teu blog. só agora pude ver, antes não abriu a imagem.
beijão e também adoro suas visitas
Danoci, pouco sonho e não jogo...rs...
Beijosssssssssss
Adorei a história (cada história tem a história, não? ahahhaha)
Muito bom Marco! Pena que os chefões do bicho tenham bem menos graça...
beijos
Eis aqui um cuja origem já sabia! Ufa... Finalmente!
Já conhecia a origem, mas gostei muito do post e do blog. Te ví no Playground e vim conhecer sua 'casa'. Parabéns
Outro post interessantíssimo. E o jogo do bicho sempre teve que enfrentar a concorrência do governo, que tem verba para propaganda e a polícia para "tentar" coibir essa atividade...
Um ótimo fim de semana!
Oi Marco!
Visitar você é sempre um novo descobrir: eu adoro isso.
beijos querido e bom fim de semana.
Eu sou mó negação pra palpites, sonho com gato dá cavalo, rss
Gostei de saber a origem desse joguinho safado que devia ser legalizado.
lindo findi, amigopratodavida
beijoss
Olá, Marco, meu escriba favorito!
Gostei muito da historia, não a conhecia.
E, como realmente sonhar não cu$ta nada, vou fazendo a minha "fézinha" na mega-sena a casa quinzena... quem sabe, um dia, os deuses possam dizer "amém"...
Beijos, saudades, e ternuras sem ter fim...
Giulia
Marco,
Eu sabia que o jogo do bicho é uma criação nossa, e quem o bolou foi esse Barão de Drummond, só desconhecia toda a história dessa criação , que você relata com a graça de sempre. Um abraço e um excelente fim de semana.
Marco, eu já conhecia a origem do jogo do bico, mas contada por você, meu querido, o sabor é outro.
Você é inigualável para contar qualquer história.
beijos, bom domingo.
Sonhei dois dias seguidos com tubarão. Procurei o significado em sites na net, mas nenhum deles me serviram, então percebi que tinha algo a ver com minha vida pessoal. Agora tá tudo bem entendido.
Nunca joguei no bicho, pois não gosto de jogos de azar e tb pq não tenho sorte em jogo. Achei interessante a história, nunca pensei que tivesse sido criado dessa forma.
Gostei da imagem da Roda da Fortuna.
Beijos silenciosos.
Voltando ao mundo dos Blogs! Oi, moço! Puxa vida, você deve ter visto lá no meu blog que eu peguei dengue na última semana da tua peça aqui no Rio...mil perdões, viu?? Espero ainda poder vê-los. Quanto ao post: adorei! Jogo do bicho tem mesmo a cara do carioca! Bisous e bom domingo!
Olá Marco: bem interessante esta história sobre o jogo do bicho, não? E com a verve que lhe é peculiar, a historinha do Drummond ficou mais rica. Parabéns mais uma vez pela bela postagem.
Um abraço...
Passei só prá deixar um beijo e desejar ótima semana.
Marco:
Conhecia parte da história, parte não. E é muito interessante ver como o jogo começou.
Ah! E você está no blog. Confira.
Pois não é que eu achava que tinha comentado este post? Será que foi sonho? rsrsrs... Mas dessa vez eu já sabia a origem do jogo do bicho e acho que deveria ser legalizado. Um beijo e meu palpite é que terá uma ótima semana!
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