quinta-feira, fevereiro 08, 2007

Teatro da fé


A situação é a seguinte:
Uma pessoa está em local de culto. Cada cidade tem o seu padroeiro, aquele que do céu a protege. Logo na entrada, a pessoa se persigna, faz sinais que significam pedido de proteção. Vai até o altar, se ajoelha, olha para a imagem e faz sua oração. Às vezes, faz um pedido especial, embutindo uma promessa, caso consiga alcançar a graça que pediu. Sai do templo, faz mais persignações e ganha a rua, acreditando que vai ser atendida.
Pergunto: de que religião estou falando neste pequeno texto?
*
Aposto que você respondeu: “cristã católica, ora essa!”
Sim, pode ser. Mas também pode ser a religião pagã que era professada na Antiga Grécia e na Antiga Roma. As coisas aconteciam exatamente assim.
*

Cada cidade era dedicada a um deus. Como as cidades cristãs de hoje são aos santos. Todas tinham um templo devotado a ele numa área central e importante. Exatamente como as igrejas atuais. No templo, tinha um altar com uma imagem do deus. Igualzinho aos santos das igrejas. Os fiéis faziam sinais antes de entrar e diante do deus. Bem parecido com o “sinal da cruz” de hoje em dia. Gregos e romanos faziam pedidos. Os católicos também. Ambos faziam ou fazem promessas do tipo “toma lá, dá cá”. Ambos fazem invocações à sua divindade favorita em exclamações de alegria, de espanto ou de temor.
Como se vê, a religião pagã e o catolicismo têm muito em comum.
*

Mas por que essa semelhança? Bem, quando o cristianismo se tornou religião oficial do Estado, havia toda uma classe social que vivia de venda de imagens, sacrifícios e promessas. Além disso, o povo era acostumado a fazer seus cultos daquela maneira. Qualquer mudança muito drástica causaria conflitos sociais. Daí, tivemos estas aproximações. Claro, não foi tudo da noite pro dia. Foi devagar, lento. Para ser bem assimilado.
O culto aos santos começou em 370 d.C.. A oração pelos mortos em 400. A idéia de um Purgatório, em 500. O culto da Virgem Maria e a invocação dos santos, em 609. Culto às relíquias em 787. A canonização dos santos em 880. E por aí foi...
Com a conversão cada vez maior de pessoas à nova religião, cada vez mais fiéis passaram a ter seu oratório em casa, com a figura de um santo protetor. Exatamente como seus pais e avós tinham um altarzinho doméstico com a figura de Zeus, Apolo, Atena...
*
Toda essa longa introdução é para dizer que eu fui na exposição “Aleijadinho e sua obra”, que está no Centro Cultural Banco do Brasil, aqui no Rio. Pois eu estava lá, vendo aquelas imagens, aqueles belíssimos oratórios, e pensando o quanto herdamos do paganismo.
*

Antonio Francisco Lisboa nasceu em 1730, em Vila Rica, principal cidade de uma região que foi a maior produtora de ouro do mundo naquele meado do Século 18. Foi por volta de 1695 que começaram a achar o metal precioso por ali. E na Vila Rica, encontraram um ouro de cor amarelo mais escuro, que chamaram de “ouro preto”. E esse produto operou milagres na região.

Se no final do Século 17, era um matagal, onde viviam os índios botocudos, menos de 80 anos depois era um centro cultural de fazer inveja a Lisboa. Na verdade, a antiga Vila Rica possuía mais músicos e orquestras que na capital do país-matriz. E tinha um gênio popular, chamado de Antonio Francisco Lisboa, cuja doença (talvez sífilis), degenerava seus ossos e articulações, a ponto de chegar um tempo em que tinha de ser carregado por escravos e ter instrumentos (martelo e cinzel) amarrados em seus pulsos. Ali, na velha capital das Minas Gerais, começou o auge do barroco mineiro.
*

A atual Ouro Preto e Congonhas são as cidades onde estão as principais obras do grande artista. E estes lugares significam antigas ternuras para mim. De ir passear por lá, quando era mais novinho, vendo, maravilhado, toda aquela riqueza. Pisava naquelas pedras históricas, centenárias, com cuidado e respeito. Eu, que sempre amei a História, estava ali, desfilando em lugar onde tanta coisa tinha acontecido.
*

Vi as ruas enfeitadas onde passaria a procissão. Um verdadeiro Teatro de fé, com personagens, cenários, iluminação e atuações concentradas, contritas. A procissão do Senhor morto, aquela imagem esculpida com esmero, com cabelos humanos de verdade, com suor de sangue que parecia legítimo, impressionava um menino que vivia tão distante.
*

Olhava as imagens dos profetas, nascidas de dentro de blocos de pedra-sabão. Elas foram dispostas no adro da Igreja de Bom Jesus, de forma que a gente anda por entre elas, olhando de perto seus detalhes, seus entalhes... Curiosamente, não me despertavam a fé. Mas me faziam pensar em quantos olhos as admiraram. Olhos que a terra comeu, que desapareceram, viraram pó. Mas ali estão as imagens de pedra. Sentinelas por tanto tempo. Testemunhas da capacidade e engenho do ser humano.
*

Vendo as imagens de pedra e madeira de Aleijadinho na exposição, pensava que aquelas peças tinham atravessado tantos anos, maravilhado tantas gentes, e tantas ainda por maravilhar. Que um dia eu partirei desta vida. Será a minha vez de virar pó. E elas estarão por aqui. Será que alguém as mirará como aquele menino que fui?
M.S.
***************************************************
Na Rádio Antigas Ternuras, você está ouvindo “Canção do Novo Mundo”, por Milton Nascimento. A própria essência de quem é do mundo, é Minas Gerais. Este post é dedicado aos mineiros que passaram por meus olhos e meu coração.

26 comentários:

Anônimo disse...

:) Nossa, como não sei nada, Marco! Seu blog surpreende sempre pela riqueza de informações. Um beijo!

Anônimo disse...

só pra não deixar que o tempo afaste você de mim, vim te ver...
beijossssssssssss amigopratodavida

Claudinha ੴ disse...

Olá Marco!
Ah minha terra! Eu tenho saudades imensas de lá e da menina que eu deixei lá também. Das minhas montanhas de ametistas...
Eu também sempre vi as imagens de Aleijadinho com um profundo respeito, mas sem total religiosidade e sim maravilhada com a sensação indescritível de estar sentindo as vibrações do passado, não só nas obras, mas como em toda a cidade. O Milton fala na música; Sou do mundo sou Minas Gerais e é assim que eu sou... Eu tenho loucura com estas coisas, com os museus, eu sinto coisas , pareço ver cenas, sou muito sensível. O straços de Aleijadinho são inconfundíveis e aprendemos desde cedo a reconhecer sua obra e a de seus discípulos, os olhos esbugalhados (meu terror no Senhor dos Passos e São Jorge no Museu), o queixo dividido, o nariz adunco. Tem uma Santa Ceia dele, toda articulada, em tamanho quase natural, que é algo fascinante, você já viu? Obrigada por me fazer suspirar e elmbrar de minhas terras. Fico feliz em saber que as coisas que eu tanto admiro também encantam pessoas de outras regiões. Muito obrigada!
(Gostei muito de saber da relação da religião católica e dos pagãos, por que será? Rsrsrs)

Lara disse...

Marco amei todo o texto! Estava morrendo de saudades disso aqui!
Olha o número da minha quiromancista é:2437-0270
Ela é careira, mas até agora tudo o que ela me disse está se realizando. Seu nome é Ana Maria Pontual!
Quero o número da sua!
beijos

Anônimo disse...

Eêeee trem bão! Boas informações por aqui, querido amigo: gostei de sabê-las e de ouvir a música, de ótima escolha, como sempre.
Feliz final de semana procê, Marco!
Carinhos e beijos

Ana Carla disse...

Esse Marco! Sempre tem coisas interessantes pra nos ensinar! Mas que prosa mais besta é essa de falar em morte!

Escorpiana Explosiva disse...

Passei aqui para conhecer tua casa e adorei.REALMENTE ENCANTADOR.


UM ABRAÇO.

Luma Rosa disse...

Marco, também fui na exposição. Faz mais de dois meses, acho. Lá, até olhar para as paredes torna-se interesante! (rs*)
Tenho alguns pensamentos sobre o que escreveu e não sigo as regras ditadas pela igreja. A imagem pra mim é simbólica, não existe 'vida' ali. Respeito, assim como respeito as fotografias de pessoas queridas que espalho pela casa. A imagem é apenas uma lembrança. Quanto a rezar, não é necessário ir à Igreja pra isso. Deus não está em todo canto?
Vou indicar o blogue do Júlio (Bala Perdida) para ler uma postagem sobre o "Clube da Esquina". Álias, acho que vocês têm muita coisa em comum. Quem sabe eu não batizo essa amizade?
http://jccbalaperdida.blogspot.com

Bom fim de semana! Beijus

Anônimo disse...

oie meu querido e sempre gentil Marco,vc é um professor de historia que amo muitooooooo,brigaduuuuuuuu por tudo que me ensina e pelas gentis palavras vc é muito especial pra mim ,te adoro,bjssssss

Anônimo disse...

Caríssimo Marco,
e bote caríssimo nisso, como dizemos aqui na terrinha!
Cara, vir aqui é ter certeza de deliciar-se com um texto leve, sedutor e, ao mesmo tempo, saber que vamos enriquecer nosso saber.
Só tenho a te agradecer.
Forte abraço.

Roby disse...

Marquinho, tenho profunda admiração por Aleijadinho, infelizmente não conheço nenhuma de suas obras ao vivo..
Ele para mim, é um exemplo da força interior que vai muito além da religião.
*
Está lindo seu blog querido amigo...as tintas ainda estão fresquinha da recente pintura!!
Adorei!!

Bjus e bom domingo procê.

Saramar disse...

Querido, obrigada.
Foi uma aula excelente, ainda mais por suas doses extras de ternura.
Aprender tanta coisa linda com você é um prazer. O texto fica como que ressoando na cabeça da gente e, por isso, nunca mais esquecemos.

beijos

Bel disse...

Muito boa a aula de história, e os comentários muito próprios. Nunca vi as obras do Aleijadinho ao vivo, mas tive saudade do CCBB... quando estive aí, em agosto passado, fui à exposição de Anish Kapoor.. lindo demais!
Beijo!

Anônimo disse...

Marco:
Bela analogia entre as religiões e a passagem das crenças gregas e romadas para o cristianismo.
Quanto ao Aleijadinho, não vi a exposição, até por não estar no Rio, mas vi sua obra em Tiradentes, que é maravilhosa.h

Anônimo disse...

O início do post foi uma verdadeira aula,MARCO. Desconhecia por completo,confesso.
Mas dá pra entender muito do que acontece ainda hj.
Qto a Aleijadinho,estive só uma vez em Ouro Preto e,vou te falar,senti-me tão mal na cidade. Algo tão pesado que fui embora no dia seguinte.
Vai saber...
Abração!!

Ana Carla disse...

Smack!

Ana Carla disse...

Smack!

benechaves disse...

Marco: a história de 'o sedutor' é genial. Esse Zé Manduca era o cão chupando manga, hein? Não tinha mulher feia pra ele!... Era um 'cabra-da-peste' mesmo. Bateu, não leu, o pau comeu!(rs).
E o Aleijadinho e suas belas imagens!Acho que Minas Gerais se sente orgulhosa de tão filho ilustre. Parabéns mais uma vez pelas informações sobre a nossa rica História.

Um abraço...

_Maga disse...

Bah... isso lembrou minha ida a Ouro Preto, há uns três anos... arrepiei-me incontaveis vezes andando por aquelas ruas, percorrendo aquelas igrejas, vendo aquelas imagens, ouvindo as histórias contadas pelos guias... lugar mágico (Minas é mágica).

Adorei toda a tua introdução histórica! Muito bom!!!

Parabéns, mais uma vez, Marco!

Beijos

Chellot disse...

Marco a cultura pagã e a cristã possuem aspectos similares, porém são totalmente distintas.
Minha concepção é que os cristãos utilizaram as crenças e tradições pagãs e as modificaram para parecerem cristãs, assim seria mais fácil aumentar o rebanho e enfraquecer os rebeldes.
Gostei muito de seu texto.

Beijos de luz.

Escorpiana Explosiva disse...

Passei aqui só para agradecer a sua visita e pedi para deixar seu link quando fores lá novamente.

Um abraço.

Fugu disse...

Meu amigo querido, é o post perfeito para véspera do carnaval, a mais perfeita tradução da mistura do sagrado cristão com o paganismo que resiste intacto em nossas veias!
beijo você.

Paulo disse...

Interessante blog.
Confesso que vou voltar... assim que poder.
Abraço
Paulo

Anônimo disse...

Marco querido,

Vou te contar que hoje não consegui ler inteiro teu texto porque sabe da "vigia" que estou tendo no trabalho né?
Mas prometo voltar com mais calma, por enqto fique com meu beijo e uma semana linda!

Fernanda disse...

Nunca fui a Ouro Preto, acredita? Mas tenho muita vontade de ir, pois adoro esse clima de história no ar! Eu também me senti desse jeito quando fui à Europa e vi aqueles monumentos centenários! Nossa, a emoção toma conta! Ver um monumento ali que pessoas do século XI, por exemplo, viram! Muito bom!!!

Amei o texto!

Kisses

Helena disse...

Bom dia,
Vi no seu blog, comentário sobre Ana Maria Pontual ( quiromancia ). Vc tem algum contato dela? Gostaroa muito de marcar uma consulta!
Obrigada.