segunda-feira, março 13, 2006

Vade retro


O filme “Terra Fria” não é do gênero terror. Mas é aterrorizante. Não vou fazer a resenha, opinar se o filme é bom ou ruim. Não. Prefiro falar exclusivamente de sua temática.
No estado norte-americano do Minnesota, em meados dos anos 70, uma mulher entra para trabalhar numa companhia mineradora que contrata mulheres por que a lei assim a obriga. Os homens que trabalham na empresa não as querem lá. E por conta disso dão vazão a um repertório de perversidades de fazer Torquemada parecer Mickey Mouse. O filme é baseado em fatos realmente acontecidos com Lois Jenson, a tal mulher.
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Embora o filme afirme ser baseado na história contada por Lois em livro, depois de ter ganho o primeiro processo por assédio sexual da história americana, não podemos garantir que aquelas cenas realmente aconteceram. Tudo parece crer que sim, mas não li o livro.
Saí do cinema com uma determinada cena na cabeça. Uma das mulheres da mineradora foi até o banheiro químico (aquelas cabines). Quando ela estava lá dentro, seus colegas de trabalho começaram a sacudir a cabine até derrubá-la no chão. Eis que a moça sai de lá, tossindo, coberta de produtos químicos e excrementos. E os caras rindo daquela barbaridade. Vejam só. Rindo, achando muita graça naquilo. Tudo isso gratuitamente. Só por que ela é mulher. Só por que ela é mais fraca.
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A desculpa que aqueles homens davam para infernizar a vida das funcionárias, para mim não cola. Que elas estavam tirando o emprego deles e que outros homens estavam desempregados etc. Não, para mim não foi por isso. Se fosse assim, um desempregado pegaria um empregado e o torturaria, por que afinal, ele, o empregado, estava tirando o lugar de quem estava sem emprego.
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Aquela história me fez lembrar do livro “Grande Sertão: Veredas”, de Guimarães Rosa, que, aliás, está fazendo 50 anos de publicação. No livro, Riobaldo fala no diabo o tempo todo. Mas não do diabo, aquela figura chifruda que a Igreja inventou para amedrontar os fiéis. Deste, ele fala:
“Tem diabo nenhum. Nem espírito. Nunca vi”.
Para ele, “o diabo regula seu estado preto nas criaturas”. De acordo com Riobaldo, o diabo está dentro dos homens (seres humanos), é parte do homem. Para o personagem, o diabo é a maldade dos homens.
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Tenho dito aqui o quanto ando desiludido com a natureza humana. Os exemplos de barbaridades cometidas ontem e hoje são tantos que nem vale a pena exemplificar aqui. Para cada uma Madre Teresa de Calcutá ou para cada Chico Xavier existem dezenas, centenas de homens como os da companhia mineradora, que até vão a igreja rezar para um deus que eles acreditam abençoar os atos que cometem contra os mais fracos.
“O diabo na rua, no meio do redemunho”.
A gente sai de casa para enfrentar o “sei lá que vem pela frente”. Sempre foi assim, mas de uns tempos para cá a gente começou a achar que o mal não está no desconhecido, no sobrenatural. Aqueles a quem devíamos chamar de irmão. Aquele que recusa ajuda a uma idosa que caiu na rua. Aquele que vive somente para si. Aquele que se compraz, rindo da desgraça alheia.
Está nas últimas frases de Grande Sertão: “O diabo não há! É o que digo, se for...Existe é homem humano. Travessia.”
M.S.

7 comentários:

Anônimo disse...

Oi, Marco!

O que vc gostaria de saber sobre regressão?

Kisses

Bruno Capelas disse...

Eu tenho a impressão que já vi esse filme... e não o vi de verdade.

Um abraço!

Anônimo disse...

Grande Marco:

Peço o apoio de Jean-Paul Sartre: "O inferno são os outros".

Não vi o filme em questão,mas homens que são covardes com mulheres (Kadu Moliterno,seja homem com "h" maiúsculo,seu microcéfalo!),seres que não se bate nem com uma flor,eu ajudaria a linchá-los com prazer inominável,semelhante a pre-degustação das feras...

Bem lembrado o cinqüentenário de "Grande Sertão..." Com isso,o comichão da releitura se me incutiu
irreversivelmente.

Quando a gente entra aqui,se torna clássico como sacras essências,e sai recedendo ao âmbar do melhorar-se.

PS: existe um diabo nacional,porém sem a dimensão do Mefistófeles do "Fausto",de Goethe. O Tinhoso brasileiro é muito chinfrim...

Abração,irmão virtual.

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Caro amigo,eu não consegui me conter depois da leitura dos versos de Chico Doido de Caicó,lá no mestre Moacy. E me escangalhei numa gargalhada expandida ao cubo.

Claudinha ੴ disse...

Marco! Eu não vi o filme, mas qualquer filme que seja baseado em fatos reais me chama a atenção. Mesmo sabendo que são romanceados. Mais ainda em se tratando de mulheres se defendendo, vou ver este, mesmo que sendo tão terrível assim, rs. Hoje é dia da poesia, que ela esteja sempre presente em sua maneira de viver! Um beijão!

Marco disse...

Querida Claire: Eu também estou pensando seriamente em reler o Grande Sertão. E reler com calma, como se estivesse saboreando um naco de rapadura.
Ah, eu não acho mulher um bicho infeliz! (embora entenda co contexto em que Diadorim estava se referindo)
Eu amo as mulheres. De paixão. de verdade.

Doce Claudinha: É, o filme não é ruim. Mas o que me chamou a atenção é ter sido baseado em fatos reais (mesmo romanceado) e de exibir tanta baixeza humana. Um bom Dia da Poesia para você, que é a própria personificação do poema.

Marco disse...

Querida Fernandinha: Já escrevi lá no seu simpático blog. Beijim.

Grande Mutante: Covardia é um "filme" que vemos diariamente, para nossa desgraça. Um grande abraço, Bruno.

Paulinho grande Patriota: Muitíssimo bem lembrado! Sartre disse, e com muita propriedade, que se colocar duas ou mais pessoas em um canto, eis aí o inferno.
A cada dia ouvimos/lemos casos e mais casos de inominável covardia. Tenho certeza de que não foi pra isso que Deus nos criou.
Tenho um xodó arretado por "Grande Sertão". Uma vez, quando estava na escola de Teatro, criei um monólogo em cima das falas do Riobaldo. Ficou bem legal. Quero voltar a fazê-lo.
Mestre Moacy é ótimo. Não sei se você leu o post que eu coloquei aqui, quatro textos abaixo desse, com título "Causos & Coisas". Ali eu falo do prazer que foi para mim reencontrá-lo em ambiente virtual.
Um abraço forte, parceiro.

Querida Jade: O livro é mais que indicado. Quanto ao filme, é bom assisti-lo para ao menos visualizarmos a doideira por que aquelas mulheres passaram. Dá dor no peito, sim.
Um beijo, minha querida.

Marco disse...

Querida Fernandinha: Já escrevi lá no seu simpático blog. Recebi o seu e-Mail e em breve vou perguntar o que me interessa. Beijim.

Grande Mutante: Covardia é um "filme" que vemos diariamente, para nossa desgraça. Um grande abraço, Bruno.

Paulinho grande Patriota: Muitíssimo bem lembrado! Sartre disse, e com muita propriedade, que se colocar duas ou mais pessoas em um canto, eis aí o inferno.
A cada dia ouvimos/lemos casos e mais casos de inominável covardia. Tenho certeza de que não foi pra isso que Deus nos criou.
Tenho um xodó arretado por "Grande Sertão". Uma vez, quando estava na escola de Teatro, criei um monólogo em cima das falas do Riobaldo. Ficou bem legal. Quero voltar a fazê-lo.
Mestre Moacy é ótimo. Não sei se você leu o post que eu coloquei aqui, quatro textos abaixo desse, com título "Causos & Coisas". Ali eu falo do prazer que foi para mim reencontrá-lo em ambiente virtual.
Um abraço forte, parceiro.

Doce Jade: O livro é um filme que merece ser lido. Eu o recomendo por saber que voc~e gosta do que é bom, válido, importante. Quanto ao filme, também vale a pena vê-lo até para visualizar os padecimentos que aquelas mulheres passaram nas mãos de espíritos-de-porcos. Um beijo, Jade.