
Dia desses, estou zapeando o controle remoto da TV a cabo, dou de cara com o Stan Lee sendo entrevistado pelo Kevin Smith, um dos diretores de cinema do movimento Dogma [veja foto]. Talvez vocês não saibam quem é Stan Lee. Mas certamente vocês conhecem Homem-Aranha, Hulk, X-Men, Quarteto Fantástico, Demolidor, Surfista Prateado... Pois é. Ele criou todos estes heróis. E mais os vilões que eles enfrentam. Além de ser o “pai” de tantos heróis ele próprio é um deles para a turma que aprecia quadrinhos.
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Já escrevi aqui trocentas vezes que amo gibis, aprendi a ler neles antes mesmo de entrar na escola etc. e tal. Daí que ver o criador de alguns de meus heróis de infância ali, na TV, falando do seu processo criativo, de como criou estes seres vestidos de collant coloridos é papa-fina, coisa aqui ó, da pontinha da orelha.
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E acreditem: foi inclusive uma aula para mim, que tenho minhas modestas aspirações a escritor e sou estudioso da “engenharia” responsável pela construção de estórias...
E de quebra, ainda descobri muitas curiosidades que nem desconfiava. Querem ver uma delas?

Ele contou que uma das grande transformações que ele fez na Marvel (editora de quadrinhos de super-heróis) foi aproximar os leitores dos editores. Ele desenvolveu uma seção de cartas nos gibis que se caraterizava pela extrema informalidade, tratando os leitores com uma intimidade jamais vista nos quadrinhos. Certa vez, ele teve a idéia de juntar todos os desenhistas, editores, funcionários da empresa, todos em um estúdio para gravarem uma musiquinha que falava numa espécie de Clube dos Heróis Marvel. Na verdade, era para ser uma gozação. A música seria gravada em um disco de papelão para ser distribuído aos leitores. Ele cantou a tal musiquinha e eu quase caí para trás: era a mesma que abria os desenhos animados da Marvel na TV de minhas priscas eras – Capitão América, Homem de Ferro, Thor, Príncipe Submarino e Hulk. Ele cantou um trechinho da canção em inglês e a versão brasileira me veio instantaneamente na cabeça. Se você tem mais de quarenta vai lembrar:
Erga a cabeça/Altivo no andar/Nunca se aborreça/Sorria do azar/Por mais que você cresça/É sempre bom lembrar/Que é melhor ser assim/Pois você é, você é, você é, você é mais um valente herói do Clube Marvel/Sempre avante, a vibrar, um gigante ao estudar/Sempre ao som da canção do Clube Marvel/O quadrado fica fora nosso clube é valente/Fique atento toda hora nossa turma nunca mente/Energia em cada ação/Como faz um campeão/Um leal, valente herói/Do Clube Maaaarveeeeeeelllll!!...
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E, é claro, lembrei das musiquinhas dos desenhos da Marvel:

Capitão América lança o seu escudo/Contra os que servem ao mal acima de tudo/Avante gigante, galante, vibrante/Que a brasa queima e o mal não teima/Quando Capitão América lança o seu escuuuuuudooooo!

Tony Stark, tira onda/Que é cientista espacial/Mas também é Homem de Ferro/Elétrico, atômico, genial/Dura armadura/Homem de Ferro/É lenha pura/Homem de Ferro.

Onde o arco-íris é ponte/Onde vivem os imortais/Do trovão é o seu guarda-mor/O barra limpa, o grande Thooooooorrrrr!

Ele é o rei dos mares/Meio peixe, meio homem/Também domina os ares/Nobre Submarino
Leal Namor, dos mares é senhor!

Pobre Bruce Banner/Por lindo cano entrou/Exposto a raios gama/No feio Hulk virou
Verde monstro/É incompreendido/Grosso, massa/Luta por ser querido/Na fossa vive o Hulk, Hulk, Hulk!
E outro herói Marvel que não era deste clube mas que tinha uma inconfundível música de abertura:

Homem-Aranha, Homem-Aranha/Aí vem o Homem-Aranha/Com a teia infernal/Em combate contra o mal/Ele vem! Ele é o Homem-Aranha!...
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O curioso é que se vocês me perguntarem o que eu almocei ontem, não me lembro. Mas coisas como estas ficaram de tal forma tatuadas na minha mente que tenho a impressão que nunca vou esquecer. Nem se trocar o disco rígido!
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Entre as muitas revelações que fez o velho Stan, uma eu nunca tinha percebido: ele deu nome com mesmas iniciais a vários personagens: Peter Parker (Homem-Aranha), Bruce Banner (Hulk), Susan Storm (Mulher-Invisível do Quarteto Fantástico), Reed Richard (Senhor Fantástico), Matt Murdock (Demolidor), Scott Summers (o Cíclope, dos X-Men)... E a razão disso é que ele tem memória fraca. Segundo ele, se lembrasse do primeiro nome, saberia que o sobrenome começava com a mesma letra.
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Ele contou muitas outras curiosidades: a origem dos X-Men, como o Homem-Aranha foi recusado pelo seu editor, por que o Hulk da TV se chamava David Banner e não Bruce, como o Bob Kane, criador do Batman era expansivo... Muitas outras informações que transformaram este velho rapaz aqui em criança novamente, lembrando de um tempo em que valores como os defendidos pelos super-heróis eram almejados pela maioria da população. Hoje, vemos o ministro enganar o país, a deputada dançar por ter livrado o colega corrupto, o presidente dizer que não sabia de nada... Por isso lembro com saudade do Clube dos Super-Heróis Marvel. Lá, nós cantávamos: “Fique atento toda hora, nossa turma nunca mente...”
M.S.
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No ano passado, eu escrevi um texto sobre este assunto. Como naquela época quase ninguém lia minhas coisas, posso republicá-lo aqui para os meus milhares de leitores.
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Terça-feira, Março 29, 2005. Às 15h 29min.
Carne crua desafia o Capitão Marvel
Ontem eu passei numa banca de jornais para comprar o exemplar do mês da revista “Nossa História”. Enquanto eu esperava o jornaleiro fazer o troco, olhei em volta para ver se tinha alguma outra novidade e percebi que a banca toda estava externamente coberta por revistas de mulher nua (vários títulos).

Minha primeira impressão foi a de estar em um açougue, com diversos tipos de carne pendurados nos ganchos. Nenhuma novidade. Este tipo de revista já existe há muito tempo e inunda as bancas com a exposição de moças saradas em academias e nos photoshops da vida. Mas naquele pentelhésimo de segundo a espera do troco, eu me lembrei das bancas de jornais da minha infância/adolescência, lá em mil-novecentos-e-não-vem-ao-caso.
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Naquela época, quando ia até uma banca de jornais, meus olhos juvenis se deparavam com uma infinidade de gibis de super-heróis e eu, maravilhado, contava e recontava os caraminguás, obtidos com sobras de mesada e frutos da minha iniciativa financeira (leia-se: venda de garrafas de refrigerantes vazias e algum alumínio/cobre/metal que tivesse conseguido e vendido nos ferros-velhos de antanho).

Minha dificuldade era escolher, entre tanta oferta, qual super-herói eu iria levar para casa: Fantasma, Mandrake, Capitão América, Príncipe Submarino, Super-Homem, Superboy, Cavaleiro Negro... ou o meu sempre favorito Batman.
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Era o que revestia as bancas de jornais da minha infância: gibis de super-heróis. Hoje, não costumo ver crianças em bancas. Os gibis estão raros e caros. E adolescente quando entra numa banca, quase que invariavelmente pega revistas de televisão (se meninas) ou pega as “Sexy”, “Playboy” e congêneres (se meninos). Não é preconceito, é estatística.
Antigamente, as bancas exibiam revistas que defendiam valores como bravura, honra, sagacidade. Hoje, mostram publicações em que o forte é desejo, tesão e invasão de privacidade.
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Veja bem. Não estou fazendo nenhum comentário moralista. Diria que é um comentário “conformista”. Sei muito bem que os tempos são outros, o público consumidor é outro, as mentalidades também.
Tudo isto é só uma constatação de que o que me movia para as bancas de jornais da minha adolescência era, por exemplo, aquela música do “Clube dos Super-Heróis Marvel”:
Erga a cabeça
Altivo no andar,
Nunca se aborreça
Sorria do azar
Em tempos atuais, creio que uma das músicas que melhor define a ida às bancas é:
Baba, baby, Baby baba...
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Não entro no mérito de qual época é melhor. Você, que me dá o prazer de ler, que faça a sua escolha. Talvez exista aquele que considere esta conversa como ociosa, visto que nada vai mudar, a Carne Crua venceu a luta contra o Capitão Marvel.
Mas a minha ida ontem à banca de jornais me deu a oportunidade de refletir em todas estas coisas. E isto nunca será ocioso. Como disse certa vez Millôr Fernandes, “livre pensar é só pensar”. E foi o que fiz. Livre pensei.
M.S.