Quem me conhece sabe que eu morro de amores pelos antigos tempos do Rádio. Atuei em uma peça chamada "Na Era do Rádio" e fui um dos pesquisadores que reuniram material para escrever o roteiro. Por conta disto, montei um banco de dados e virei "especialista" sobre a época de ouro daquela caixinha mágica. Há cerca de uns três anos, me convidaram para gravar, como ator, capítulos de radionovela em uma emissora comunitária. Fui, é claro. E com os olhos brilhando.
No início, fazíamos e gravávamos adaptações de contos de Arthur Azevedo. Depois, acabamos nós, alguns dos atores, criando estórias originais em forma de capítulos de novela. Eu mesmo escrevi dezenas deles.
Infelizmente, o projeto acabou. Eu lamentei muito o fim das gravações. Pelo menos, sei que as gravações estão lá, guardadas.
No outro dia, escarafunchando uns arquivos velhos do meu computador, achei os capítulos que escrevi. Eu os reli e acho que passaram pelo crivo do tempo (um dos melhores controles de qualidade de textos que existe). Quem sabe, um dia, eu não consiga regrava-los como radionovelas em outro lugar.
Resolvi colocar alguns aqui no blog. Experimentalmente, vou colocar dois. Se vocês que me visitam tiverem interesse, eu coloco outros. Combinado? É só clicar em "coments" e dizer se eu "vou para o trono" ou se mereço o "troféu abacaxi" como escritor de radionovelas.
ANJOS NO INFERNO
Um original de Marco Santos
Personagens: Maria da Consolação, Maria das Dôres e Narrador.
NARRADOR – As duas irmãs, Maria da Consolação e Maria das Dores chegaram juntas à casa do pai. Por sobre a cabeça de uma, o xale negro de viúva. No coração da outra, o veneno da infelicidade.
MARIA DA CONSOLAÇÃO (MC) – Pai, esta sua filha é só infelicidade. Morreu a luz da minha vida, aquele que dava o meu sustento e do meu filho. Ai de mim! Ai de mim!
MARIA DAS DÔRES (MD) – Paizinho, eu não agüento mais o Dalvan. Minha vida é uma chaga só. Os sete infernos não se comparam com a minha casa se é que se pode chamar aquilo de casa.
MC – Pai, como eu amava aquele homem, como ele era bom para mim. Era só eu suspirar de desejo por alguma coisa e ele atendia. Todo dia trazia da rua sonho quentinho, embrulhado com barbante fino e me dizia: "pro meu doce".
MD – Meus olhos estão secos de tanto chorar. Quando ele chega, vindo da roça ou vindo do bar, cisma que eu quero matar ele. Aí meu lombo é que sofre. Eu apanho sem nem saber porquê. Eu peço a ele de joelho que me poupe. Sabe o que ele diz? "Você é o meu encosto!"
MC – O que é que eu faço com os meus desejos de mulher, meu pai? O meu homem me deixava na porta do paraíso com aquele jeito manso de tocar no meu corpo. E ele nunca se cansava. Era todo o dia, todo o dia. Depois de me saciar ele me dizia baixinho: "tem agrado pra você". E sabe o que era? Corria para o bolso do paletó e encontrava lá jóia folheada, pacote de bala azedinha, tudo o que eu mais gostava.
MD – Ultimamente nem me procurar mais ele me procura. Diz que tem outra pra servir ele. Vira pro lado e dorme e eu que me vire pro outro sem gemido. Ele me acorda pela manhã com sopapão, me pegando pelos cabelos. "Sua porca, o que que você faz em casa que não limpa nem isso?" Pai, eu tenho que limpar o penico dele?
MC – Pai, me dê a sua bênça. Eu volto pro meu canto, pro meu lar onde o corvo da morte pousou. Não quero mais saber de homem. Nem do Seu Quinzinho da quitanda, que pega na minha mão e me olha com aquele olho de cachorro pidão. Ele diz que compreende o meu sofrimento, que quer me dar outra chance de ser feliz. Não quero nem saber...Nem olho quando ele encosta a minha mão nas coisas dele...E quando ele roça a barba no meu cangote e me chama de mulher cheirosa eu nem ouço. Ele quer ir lá em casa de noite, bem de noitinha...Eu digo que ele pode ir se quiser...Até deixo a porta da rua encostada. Mas não esqueço o meu falecido!
MD – Vou indo, meu pai. Me dê a sua bença. Está na hora daquele traste chegar. Meu feijão está no fogo e tenho que cuidar da casa. Tão exigente! Só quer comer o feijão se o alho for bem queimado antes. Vou me lavar com sabão cheiroso. Quem sabe ele hoje me quer...
(Fim)
AS PARALELAS SE ENCONTRAM NO INFINITO
Original de Marco Santos
Personagens: Homem, Mulher e Narrador
NARRADOR - Esta é uma história sobre um homem e uma mulher. Uma história que pode ter acontecido há algum tempo...ou poderá acontecer daqui a segundos, minutos ou anos.
HOMEM - Você vai embora, mesmo?
MULHER – Hum-hum...
H - E se eu...e se eu...
M - ...me pedir para ficar? É isso? Você ousaria tanto?
(Pequena pausa)
M - O medo é a mais fiel de suas qualidades.
H - Não é medo. Eu não tenho medo de nada.
M - Talvez só de você mesmo.
H - Eu quero que você fique.
M - Ora, viva! Até que enfim eu sei de alguma coisa que você quer!
H - Olha, por que é que você não vai pra...
M (INTERROMPENDO) - Mas eu já estou indo!
H - Não, não é isso...Eu não quis dizer...Ah, você me deixa nervoso!
M - Eu sei exatamente como você está se sentindo.
H - A ironia é como uma lâmina. Quem a usa demais acaba se cortando.
(Pequena pausa)
H - Você vai devolver o livro do Neruda que nunca leu e ficar com o disco do Pixinguinha, sim?
M - Foi assim que a gente começou. Nossas vidas não estão nas letras das músicas. (CANTANDO) "O nosso amor a gente inventa...", não é assim? Não, não é assim.
H - A sensação que eu tenho é que a minha escravidão começa onde termina a sua liberdade. Não se trata de saber quando ou por que eu te perdi. Mesmo porque a dor da perda não se agrava ou se atenua com explicações.
M - Não estou te fazendo um mal...Talvez até seja um bem, no fim das contas...
H - Não! Por favor...Não cometa o absurdo de se justificar nestes termos!
M - Eu não estou me justificando. Você também não precisa fazer esse drama todo.
H - Uma comédia de costumes ficaria melhor?
M - (PAUSA) Bem, eu já vou. Se eu esqueci alguma coisa, você guarda pra mim.
H - Agora começa a pior parte, não é? Sempre que me acontece alguma coisa assim eu espero o último minuto para acordar e respirar aliviado, sabendo que foi um sonho.
M - Então não acorde.
H - Eu só quis ser legal pra você.
M - Mais cedo ou mais tarde, as pessoas boas e honestas sempre recebem o justo castigo.
(PEQUENA PAUSA)
M - Você me ajuda a chamar um taxi?
H - (PAUSA) Claro.
NARRADOR: ...E no princípio era o Caos. De algum lugar, partiram dois pontos se deslocando no espaço...E em um segmento daquele universo, seus olhos se cruzaram e aquele olhar contava da vida de cada um...tudo o que tinham visto, ouvido, sentido naquela vastidão. E perceberam que se amavam... Mas como eram retas paralelas, estavam condenados a se encontrarem somente no infinito. (Fim)
(M.S.)
No início, fazíamos e gravávamos adaptações de contos de Arthur Azevedo. Depois, acabamos nós, alguns dos atores, criando estórias originais em forma de capítulos de novela. Eu mesmo escrevi dezenas deles.
Infelizmente, o projeto acabou. Eu lamentei muito o fim das gravações. Pelo menos, sei que as gravações estão lá, guardadas.
No outro dia, escarafunchando uns arquivos velhos do meu computador, achei os capítulos que escrevi. Eu os reli e acho que passaram pelo crivo do tempo (um dos melhores controles de qualidade de textos que existe). Quem sabe, um dia, eu não consiga regrava-los como radionovelas em outro lugar.
Resolvi colocar alguns aqui no blog. Experimentalmente, vou colocar dois. Se vocês que me visitam tiverem interesse, eu coloco outros. Combinado? É só clicar em "coments" e dizer se eu "vou para o trono" ou se mereço o "troféu abacaxi" como escritor de radionovelas.
ANJOS NO INFERNO
Um original de Marco Santos
Personagens: Maria da Consolação, Maria das Dôres e Narrador.
NARRADOR – As duas irmãs, Maria da Consolação e Maria das Dores chegaram juntas à casa do pai. Por sobre a cabeça de uma, o xale negro de viúva. No coração da outra, o veneno da infelicidade.
MARIA DA CONSOLAÇÃO (MC) – Pai, esta sua filha é só infelicidade. Morreu a luz da minha vida, aquele que dava o meu sustento e do meu filho. Ai de mim! Ai de mim!
MARIA DAS DÔRES (MD) – Paizinho, eu não agüento mais o Dalvan. Minha vida é uma chaga só. Os sete infernos não se comparam com a minha casa se é que se pode chamar aquilo de casa.
MC – Pai, como eu amava aquele homem, como ele era bom para mim. Era só eu suspirar de desejo por alguma coisa e ele atendia. Todo dia trazia da rua sonho quentinho, embrulhado com barbante fino e me dizia: "pro meu doce".
MD – Meus olhos estão secos de tanto chorar. Quando ele chega, vindo da roça ou vindo do bar, cisma que eu quero matar ele. Aí meu lombo é que sofre. Eu apanho sem nem saber porquê. Eu peço a ele de joelho que me poupe. Sabe o que ele diz? "Você é o meu encosto!"
MC – O que é que eu faço com os meus desejos de mulher, meu pai? O meu homem me deixava na porta do paraíso com aquele jeito manso de tocar no meu corpo. E ele nunca se cansava. Era todo o dia, todo o dia. Depois de me saciar ele me dizia baixinho: "tem agrado pra você". E sabe o que era? Corria para o bolso do paletó e encontrava lá jóia folheada, pacote de bala azedinha, tudo o que eu mais gostava.
MD – Ultimamente nem me procurar mais ele me procura. Diz que tem outra pra servir ele. Vira pro lado e dorme e eu que me vire pro outro sem gemido. Ele me acorda pela manhã com sopapão, me pegando pelos cabelos. "Sua porca, o que que você faz em casa que não limpa nem isso?" Pai, eu tenho que limpar o penico dele?
MC – Pai, me dê a sua bênça. Eu volto pro meu canto, pro meu lar onde o corvo da morte pousou. Não quero mais saber de homem. Nem do Seu Quinzinho da quitanda, que pega na minha mão e me olha com aquele olho de cachorro pidão. Ele diz que compreende o meu sofrimento, que quer me dar outra chance de ser feliz. Não quero nem saber...Nem olho quando ele encosta a minha mão nas coisas dele...E quando ele roça a barba no meu cangote e me chama de mulher cheirosa eu nem ouço. Ele quer ir lá em casa de noite, bem de noitinha...Eu digo que ele pode ir se quiser...Até deixo a porta da rua encostada. Mas não esqueço o meu falecido!
MD – Vou indo, meu pai. Me dê a sua bença. Está na hora daquele traste chegar. Meu feijão está no fogo e tenho que cuidar da casa. Tão exigente! Só quer comer o feijão se o alho for bem queimado antes. Vou me lavar com sabão cheiroso. Quem sabe ele hoje me quer...
(Fim)
AS PARALELAS SE ENCONTRAM NO INFINITO
Original de Marco Santos
Personagens: Homem, Mulher e Narrador
NARRADOR - Esta é uma história sobre um homem e uma mulher. Uma história que pode ter acontecido há algum tempo...ou poderá acontecer daqui a segundos, minutos ou anos.
HOMEM - Você vai embora, mesmo?
MULHER – Hum-hum...
H - E se eu...e se eu...
M - ...me pedir para ficar? É isso? Você ousaria tanto?
(Pequena pausa)
M - O medo é a mais fiel de suas qualidades.
H - Não é medo. Eu não tenho medo de nada.
M - Talvez só de você mesmo.
H - Eu quero que você fique.
M - Ora, viva! Até que enfim eu sei de alguma coisa que você quer!
H - Olha, por que é que você não vai pra...
M (INTERROMPENDO) - Mas eu já estou indo!
H - Não, não é isso...Eu não quis dizer...Ah, você me deixa nervoso!
M - Eu sei exatamente como você está se sentindo.
H - A ironia é como uma lâmina. Quem a usa demais acaba se cortando.
(Pequena pausa)
H - Você vai devolver o livro do Neruda que nunca leu e ficar com o disco do Pixinguinha, sim?
M - Foi assim que a gente começou. Nossas vidas não estão nas letras das músicas. (CANTANDO) "O nosso amor a gente inventa...", não é assim? Não, não é assim.
H - A sensação que eu tenho é que a minha escravidão começa onde termina a sua liberdade. Não se trata de saber quando ou por que eu te perdi. Mesmo porque a dor da perda não se agrava ou se atenua com explicações.
M - Não estou te fazendo um mal...Talvez até seja um bem, no fim das contas...
H - Não! Por favor...Não cometa o absurdo de se justificar nestes termos!
M - Eu não estou me justificando. Você também não precisa fazer esse drama todo.
H - Uma comédia de costumes ficaria melhor?
M - (PAUSA) Bem, eu já vou. Se eu esqueci alguma coisa, você guarda pra mim.
H - Agora começa a pior parte, não é? Sempre que me acontece alguma coisa assim eu espero o último minuto para acordar e respirar aliviado, sabendo que foi um sonho.
M - Então não acorde.
H - Eu só quis ser legal pra você.
M - Mais cedo ou mais tarde, as pessoas boas e honestas sempre recebem o justo castigo.
(PEQUENA PAUSA)
M - Você me ajuda a chamar um taxi?
H - (PAUSA) Claro.
NARRADOR: ...E no princípio era o Caos. De algum lugar, partiram dois pontos se deslocando no espaço...E em um segmento daquele universo, seus olhos se cruzaram e aquele olhar contava da vida de cada um...tudo o que tinham visto, ouvido, sentido naquela vastidão. E perceberam que se amavam... Mas como eram retas paralelas, estavam condenados a se encontrarem somente no infinito. (Fim)
(M.S.)
4 comentários:
O apresentador pergunta: "Vai para o trono ou não vai?" O jurado diz: "Sim!" E o auditório canta: "Ele merece! Ele merece! Ele merece!" Marco, à medida que lia estas suas histórias, ficava imaginando como seriam se ouvidas pelo rádio. Bravo! Por favor, publique outras! E espero que encontre a oportunidade de regravá-las. Grande abraço!
Dear and sweet Marco (como diriam os alemães...), I´m back, mas ainda enroladíssima com coisas das escolas e outras... então, ainda não li, com a atenção q vc merece, o último post, mas o farei, em breve. Fico feliz coma amizade "de infância" q está se formando via blogs. Quanto ao meu time, bem, só depois de quarta-feira, é q digo o q acho, mas ontem os meninos deram show... já a seleção brasileira, o fla, o vascocô e o bota...
E o fim de semana passado, foi bom sim, mas não passaram 4. Nem UM, pra ser exata, mas eu não me lamento. Sei q o q é meu está guardado. Beijinhos. Eu volto!
Buenas! Seus e-mails estão devidamente respondidos, ok? Bjs.
Oi, agora vim ler com calma. Siiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiim, vc vai para o trono, continue postando aqui as suas "novelinhas". São ótimas. Essa frase "A ironia é como uma lâmina. Quem a usa demais acaba se cortando." me caiu como uma pedrada! Eu sou tão irônica às vezes! Preciso me lembrar disso. E "Na era do rádio", Luciana convidou-nos pra assistir. Alguns colegas de trabalho foram, achava até q o Paulo tinha ido, vou perguntar a ele. Eu, com certeza, não fui. Perdi essa chance, fica pra uma próxima.
beijos.
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