segunda-feira, junho 15, 2009

Dom Cascão


Quando ouvíamos as fábulas e contos da carochinha, sempre imaginávamos aqueles reis, rainhas, príncipes e princesas como seres quase angelicais, criaturas sem nenhuma ligação com quaisquer tipos de secreções e tão limpas e asseadas que só precisavam se banhar na luz do sol ou da lua. Ou alguém aí imagina, por exemplo, a Branca de Neve pedindo licença para ir ao banheiro descarregar um barroso? Ou quando o Príncipe Encantado veio beijar a Bela Adormecida, cuspiu pro lado, exclamando: “Cáspite! Que bafo podre de gambá!”
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Com isso, de certa forma, vemos reis e rainhas de carne e osso como que imunes a uma caganeira plebéia, ou incapazes de liberar um inocente punzinho, daqueles que nem fedem, nem fazem barulho. Pois é. Ao longo da História, sabemos que a moçada real não era chegada sequer a um banho diário, a escovar os dentinhos, ou mesmo a trocar de roupa constantemente por uma peça limpa.
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Claro que as histórias de D. João VI volta e meia vem à baila, aquele negócio de guardar coxinha de galinha nos bolsos, tomar banho só quando a fedentina atraía uma revoada de urubus para a janela de seu quarto... Mas acreditem: ele não era o único Dom Cascão da História.
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Os países europeus, por ficarem em boa parte na zona temperada do hemisfério norte, tendo invernos mais prolongados e rigorosos, já desestimulavam o banho dos que lá viviam. Aliás, vivem. Experimentem entrar num vagão de metrô de Paris durante o inverno para vocês saberem o que é conviver ali pertinho com a carniça, o futum e a inhaca de bode.
O caso é cultural e vem de longe. Acreditem se quiserem: houve época em que os médicos desaconselhavam o banho constante. Segundo os sábios doutores, quando a pessoa se banhava, abria os poros para germes que estavam no ar, infectando a população. O certo era manter uma crosta de caraca protegendo a epiderme, e uma boa camada de limo sobre os dentes, “defendendo” o esmalte de micróbios e coisas desagradáveis à saúde. O bafo de onça, o cecê, o chulé e, no caso das mulheres, o delicioso aroma de bacalhau vindo de partes remotas da sua anatomia, eram apenas um sub-produto daqueles hábitos profiláticos.
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O negócio era tão sério que o médicos proibiam os reis, príncipes e nobres de receberem quem quer que fosse em audiência, até cinco dias depois deles terem tomado o banho periódico (entre um banho e outro podia levar uns seis meses!). E se uma pessoa tinha tomado seu banho, lavado o corpinho, também ficava proibido de ir ao encontro do papa, do bispo, do rei, da rainha ou assemelhados. A explicação era a seguinte: se uma pessoa ficava desprotegida quando tomava banho, logo ela seria presa fácil para micróbios e poderia sair passando-os por aí. Como volta e meia a Europa era assolada pela Peste Negra (que nada mais era que a Peste Bubônica, da pulga dos ratos que infestavam as cidades imundas, sem coleta de lixo, sem saneamento básico), eles diziam que todo cuidado era pouco.
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Hollywood nos acostumou a ver reis e principados vestidos de ouro e prata, e seda e finos panos do Oriente. Na verdade, eles não andavam assim. Só em ocasiões festivas. Na maior parte do tempo, andavam com roupas comuns, que nem sempre tiravam. O rei James I, da Inglaterra, usava uma veste onde, segundo Bill Bryson, se “era possível identificar todas as suas refeições desde que se tornara rei pelas manchas e respingos de molho”. Diz Bryson também que sua única concessão à higiene era mergulhar de vez em quando a ponta dos dedos numa terrina d’água. Sua antecessora, a rainha Elizabeth I, ostentava sua derrocada bucal, com dentes enegrecidos, ou pelo menos os poucos que lhes sobraram. No mais, vestia roupas gastas e imundas pelo uso constante.
Entre os papas a situação não era diferente. Eles só viam água quando se benziam na bacia de água benta.
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Não sei se vocês sabiam, mas não existia banheiros ou quartos de banho nos palácios (e casas) de antigamente. Se no meio da madrugada alguém sentisse uma irresistível vontade de liberar um “número 2”, o que se fazia era puxar um penico debaixo da cama e largar brasa! Uma vez depositado no fundo do canecão o “rabo de macaco” ou, no caso de diarréia, o material do tipo "nem vem de garfo porque hoje é sopa", devolvia-se o artefato para o lugar de origem e continuava-se a dormir naquele quarto “agradavelmente” aromatizado com o odor do “biscoito quentinho”. Sim, ali pousavam moscas, passavam formigas (um dos bichos mais imundos que convivem com o homem...), baratas, que provavelmente, desfilavam solertes pelos rostos e alimentos da casa. Entendeu por que a mortalidade por doenças era altíssima naquela época?
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A jovem cheirosa que me lê poderia perguntar: “mas e quando os reis e rainhas brincavam de fazer neném, será que eles se lavavam depois?” Dificilmente, querida e vaporosa amiga. Reis não dormiam no mesmo quarto das rainhas (aquela velha história da privacidade...) e quando eles desejavam colocar o real caneloni para gratinar no forno de sua consorte, após o evento, não tinha essa de ficar abraçadinho, fazendo carinhos e cafunés. Um dos dois se levantava e ia para seu quarto dormir, sem lavar nem o parafuso, nem a arruela, se é que vocês me entendem...
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Portanto, meu caro leitor, quando você ver aquele desenho da Disney, ou aquele épico com atores lindos, limpos e maravilhosos fazendo papel de reis e príncipes, saiba que sim, há algo de podre do Reino da Dinamarca. E nos outros reinos também.
M.S.

(O que você acha que aconteceu nesta cena? Liberação de gases nobres? Quem está com a mão amarela? A rainha? O príncipe Phillip (meu principal suspeito)? Cadê alguém do cermimonial para dizer ao príncipe Henry: "Ô moleque... Cheira tua parte aí e fica na tua!...")
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Na Rádio Antigas Ternuras, você ouve “A Ciranda da Bailarina”, de Chico Buarque e Edu Lobo, com Adriana Calcanhoto.

18 comentários:

DO disse...

Grande MARCO. Hoje em dia beira o inverossímel alguém ficar um dia sem tomar banho. Que dirá SEIS MESES como vc relatou. Nem faço idéia da fedentina que o sujeito devia exalar. Acho que sabiam da sua presença a quilometros de distancia,rsss.
Qto à sequencia de fotos,eu tbem aposto no Príncipe Philip. Aquele olhar pra cima o condena,rsss

abraços!

Dilberto L. Rosa disse...

De rir-se muito com tanta escatologia... De voltar-se mesmo para a adolescência, quando, falando-se em turtulho ou em tolete, já se caía na risada... Mas uma risada com fundo cultural e histórico, claro, excremento com profundidade! Este 'post' está massa, literalmente!

E o que dizer desta melancólica aos namorados que não foram...? A história de Anne é mesmo tocante até hoje... E quem sabe se meu amigo ainda não faz uma grande turnê pelo País com este musical? Adoraria vê-lo no Arthur Azevedo! Abração!

Márcia(clarinha) disse...

Amigopratodavida, ri muito e ainda li seu post em voz alta para todos aqui rirem também, genial!!

Mas fala sério, que fedor tamanho devia ser a cidade, o país, o mundo, aff!imagina alguém sem tomar banho por seis meses?
Fazer suas necessidades fisiológicas e não usar um lencinho ou água com sabonete? Depois de fazer amor não ficar abraçadinho já é um pecado, imagina pá-pum e sair fora sem nem tomar banho? Credo!
Lembro do filme Carlota Joaquina, e vejo a cena que me dá nojo, o rei comendo, escorrendo gordura pela boca caindo na roupa que dormia e acordava, parando para "obrar" na estrada, eca!

Ainda bem que os tempos mudaram e alguém higiênico resolveu que tomar banho todos os dias faz bem pra saúde, rss

lindo dia amigopratodavida com carinho em sua mamãe.
beijos

Claudinha ੴ disse...

Olá Marco!
É... Eu já sabia desta mania... Mesmo atualmente, Zélia Gatai contava suas desventuras e seus tráficos por conta de arranjar um sabonete, quando no exterior. Sei que algumas destas coisas e porcarias que faziam no antigo palácio em Ouro Preto, hábito que trouxeram da Europa. Eu não conseguiria viver assim, eca! Mas, "procurando bem , todo mundo tem, só a bailarina que não tem"? hahaha, vá ver só, tem sim!
No caso do príncipe não sei o que foi, mas certamente deve ter rendido assunto... Rsrsrs

Beijo!

ninguém disse...

Marco. Como é bom vir aqui, ainda mais numa segunda feira com chuva e frio! Coisa mais triste a história da porcura humana, hem! Lembrei do ditado: por fora, linda viola, por dentro pão bolorento. Pior que ainda tem "seguidores" da turma Cascuda por aí. Tive um chefe de jornal que fazia como D Joãoi (quem sabe era o próprio, reencarnado hehehe?): guardava pastel, cozinha, chocolate, nos bolsos do paletó podre de ensebado. NO meio do expediente, na frente de quem quer que fosse, enfiava a mão nos bolsos e saía comendo aquelas coisas amassadas e gordurosas.
bj

Anônimo disse...

Marco, agora me fala uma coisa...
Já parou pra pensar que a sua admirada Jennifer Connely (sim, essa que mereceu até foto em seu recente post) faz coisinhas inconfessáveis e mal-cheirosas em seu banheiro estelar?

Luma Rosa disse...

Salve a modernidade!! Marco, desculpa o lance do nome #foisemquerer pois foi a primeira pergunta que lhe fiz quando aqui cheguei, lembra-se?
Eu acho que foi a rainha. Ela está com ares de "não sei de nada" e sabemos que depois de uma idade, a coisa fica solta (rs*)
Imagina, se não tomavam banho, também não escovavam os dentes. Tanto que pessoas e/ou escravos eram valorizados como animais, olhava-se os dentes.
A falta de higiene bucal, talvez seja um dos motivos para não se dormir junto. Pensou nisso? Imagina depois de tantas gorduras, queijos e vinhos? Eca!!
Uma curiosidade: Antigamente os casamentos eram realizados em junho, pois o primeiro banho do ano era tomado em maio, por isso conhecido pelo mês das noivas, e quando chegava em junho o cheiro ainda estava suportável. Entretanto os odores existiam e para disfarçar as noivas começaram a carregar buquês.
Pensando em te deixar beijus, lembrei que o beijo francês (de língua) é coisa recente. Até mesmo o outro beijo, era um leve roçar, uma troca de ares, por assim dizer. Beijus

Anônimo disse...

Muito engraçado seu post Marco.
Big Beijos

MARCOS DHOTTA disse...

Caro Marco!!! Fica difícil imaginar alguém passar seis meses sem tomar banho... Mas na História da Vida Privada de nobres e plebeus teve esse tipo de coisas. Imagina o Dom João em pleno Rio de Janeiro suando aos cantaros e sequer pensando em banhos... Grande abraço.

Janaina disse...

Hahahahahha! Adorei este post.
Até pouco tempo era super comum em hoteis pequenos na Europa só haver banheiro coletivo. E não nos quartos. Eu, q tomo dezenove (hohoho) banhos por dia, iria sofrer muuuuito.

Francisco Sobreira disse...

Marco,
É isso mesmo. Mas você fala, de passagem, em Hollywood e deve saber que alguns astros e estrelas do período de ouro do "star system" não primavam pelo asseio. O espectador os via como se não pertencessem a este mundo e, no entanto, Clark Gable tinha mau hálito, Marylin era suja e, dizem, que liberava muitos gases, Brando, o grande Brando, não apreciava muito o banho. E por aí vai. Um abraço.

* Não conhecia essa música de Chico e Edu. Mais um presente seu.

_Maga disse...

Em Manaus tem tanto esgoto à céu aberto, mesmo em bairros de classe média alta, que acho que o povo nem sente mais cheiro de nada...

é a vida nos tropicos... rs - não só na dinamarca há algo podre... rs

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O poema que escrevi foi insiparado na minha ultima visita ao múseu histórico nacional, aqui na tua cidade. Vale a pena ver as esculturas do Houdon que estão por lá. O referido Morpheu me hiptnotizou tamanha a perfeição e beleza.

Um grande abraço

guiga disse...

Adorei este post!
^Conhecia todos os factos, adoro estas curiosidades históricas!
E adorei, adorei a tua frase, e passo a citar:
"...quando eles desejavam colocar o real caneloni para gratinar no forno de sua consorte..."!
Demais! LOOOOOL
Um óptimo fim-de-semana!!!
*.*

Alice disse...

MUITO bom. De dez, um dos seus top Five (não dá pra dizer que é o melhor, seria injusto com os outros 4). Muito obrigada pelo jovem cheirosa! hahahah... Quanto à foto, mostra que a realeza, no fundo no fundo (!), rs, é só humanidade, como nós... E o príncipe não sabe disfarçar, mané. Como o sempre, os comentários estão riquíssimos! Mas o teu poder de metáfora, cara, isso é um dom, isso não se aprende.
Ainda bem que a gente não é sujinho, né (a gente é pobre mas é limpinho!) Beijus!

Julio Cesar Corrêa disse...

Que nojo! Aliás, naquela época, chamar alguém de nojengo deveria ser elogio. Também tirar aquela roupa toda devia dar um trabalho! Será que nem depois do sexo?
Quanto à nobreza real, eles devem soltar gases com odor lavanda ou hortência. Coitados, eles também são humanos.
abração e ótima semana

Samara Angel disse...

oimeu querido e lindo Marco,nossa nao imagina isso!!!! é incrivel nao tomar banho!! eu acho pelas fotos o Príncipe Philip,ris
só vc mesmo pra gente ficar por dentro dessas coisas inimaginaveis,risssssssssssss,te adoroooooooooo,brigaduuuuuuuuuuuuuuuuuuuu por estar sempre no meu bloguxo,vc é muito especial pra mim,grande abraço beijosssssss

Moacy Cirne disse...

Para nós, seria um horror; para eles, decerto já estavam acostumados. Mas o que importa, aqui, é o seu texto: um primor de narrativa.

Abraços.

Tina disse...

Oi Marco!

Sinceramente? Eu acho que foi a Tia (ela está rindo...) e gostei de ver a postura - sempre impassível - da Rainha: the best! (rs)

Ótimo post amigo, gostei muito (e olha que tenho neto inglês legítimo-súdito-da-rainha!) rs rs

beijo grande e carinho meu,