Eu vivo recebendo textos e arquivos pela internet. Alguns são engraçados ou interessantes e eu repasso para os amigos. Outros, vão diretos para o lixo. Bem, até aí faleceu o Neves... Quem tem computador e e-Mail na rede está sempre recebendo alguma gracinha.
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Mas reconheço que algumas mensagens, mesmo aquelas que são destinadas ao puro divertimento, me provocam alguma reflexão. Este vídeo acima, por exemplo.
Eu já conhecia a artista que canta de um outro vídeo que foi febre na internet, aquele do “vai tomar...”. Agora tem outra musiquinha dela rodando pela rede. E a musiquinha isoladamente talvez só provoque um risinho ou outro e fim de papo. Mas quando ela vem atrelada a uma série de imagens, algumas até históricas, não temos como não pensar no tanto de ocasião em que faltou um profeta dizer: “Gente... Isso vai dar merda!”
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Mas tem que ser um alerta de alguém com muita credibilidade, se não se reproduz o mito de Cassandra. Para quem não conhece, eu explico. Mas do meu jeito, vocês sabem...
Conta-se que em Tróia, os pequenos filhos do rei Príamo e da rainha Hécuba foram brincar no templo de Apolo. E permaneceram lá, nos folguedos infantis, até que a noite caiu e ficou tarde para eles voltarem para casa. Parece que era meio barra pesada andar à noite pelas ruas de Tróia. Devia ser duro viver num lugar assim... Ainda bem que isso tudo é história. Pois é. As crianças Cassandra e Heleno acabaram tendo que dormir no próprio templo. Improvisaram uma caminha para os dois e os colocaram para nanar. No dia seguinte, a ama foi acordá-los e os encontrou ainda dormindo, mas com duas brutas cobras lambendo a orelhinha deles. O resultado foi que os dois ficaram com ouvidos tão sensíveis, mas tão sensíveis, que conseguiam ouvir inclusive a voz dos deuses. Até aí, tudo bem.

Os dois cresceram, Cassandra se tornou uma belíssima moça, extremamente devotada no culto e no serviço do deus Apolo. Sua devoção atraiu a atenção do próprio Apolo, que apareceu para ela e lhe ensinou como realizar profecias. A moça virou uma profetiza, um oráculo vivo. Só que Apolo não deu aquele dom para ela assim, de graça. Parece que houve um diálogo mais ou menos como este entre os dois:
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- Olá, Cassandra... E aí? Gostou do presente que eu te dei?
- Claro, meu senhor... Eu me sinto honrada por ter sido ser agraciada como sua profetiza... Se eu puder fazer alguma coisa pelo senhor...
E Apolo, com um brilho maroto nos olhos e aquele papo pegajoso de aranha tarada:
- Ter tem... Sabe como é... Eu te acho muito gata... e estamos aqui, nós dois, sozinhos, sabe... a gente podia se conhecer melhor...
- Não estou entendendo, ó santidade... – disse Cassandra com uma ingenuidade de dar nojo.
E Apolo, com um certo volume por baixo da toga e que não era a flauta de Pã:
- Ah, Cacá... Chega mais... Se você me deixar dedilhar a sua lira eu te mostro o meu monte Olimpo...
- Deus Apolo! Mas o que é isso! Eu sou uma virgem honesta! Vira esse carro do sol pra lá!

- Ô Cassandra... ó só... Eu estou super a fim de transar contigo, mas não vou ficar implorando, não... Se toca, menina! Vai ficar aí me regulando essa mixaria? Pô, qual que é? Você acha que eu caio matando qualquer uma? Vai deixar ou não eu te jogar um néctar dos deuses na caverna de Afrodite?
- Nãããão! Não dou, não dou, não dou! Só depois de casar! E mesmo assim, no escuro, debaixo do cobertor e com a luz apagada!
- Ah é? Não vai me dar, não? Falou. Vou te sacanear! Te dei o dom da profecia, não foi? Dei está dado. Mas vou te rogar uma praga que você vai se lascar todinha! De agora em diante, ninguém, mas ninguém meeesmo vai acreditar em nadinha do que você falar. Pode profetizar o que você quiser, que todo mundo vai desacreditar e ainda ficar curtindo com a sua cara!
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E assim, foi. Ela profetizava e ninguém levava a menor fé e ainda debochavam da pobre. Quando estourou a guerra de Tróia e os gregos deixaram aquele famoso vírus Cavalo de Tróia na porta da cidade, ela falava, gritava, esbravejava, implorava que não trouxessem o presente de grego para dentro da cidade, que ia dar a maior merda... Bem, não ouviram, não acreditaram e o resto vocês já sabem.
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Vocês já refletiram sobre a quantidade de fatos históricos que deram a maior merda posteriormente? O vídeo mostra alguns. As imagens que ilustram este post apontam outros. Mas existem muitos mais. E o pior é que na maioria das vezes não se teve nem uma Cassandrazinha para alertar antes, ou, se teve, a gente nem ficou sabendo. Está certo, em alguns casos, a gente tem uma espécie de sensação de que algo vai dar merda, um sentimento que não conseguimos explicar. Eu, pelo menos, tive essa sensação, por exemplo, quando dois dias antes da posse do Collor, o Sarney decretou feriado bancário. Quem lembra? Deu confisco do nosso dinheiro nos bancos e foi aquela bosta!
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No futebol então, quantas e quantas vezes saí de casa para ver jogo do meu amado Mengão com uma Cassandra dentro de mim se esgoelando, dizendo as três palavrinhas mágicas: “vai dar merda!”
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Quando eu vejo essa polarização entre candidatos a presidência, com Serra e Dilma, nossa!, eu incorporo uma Cassandra de frente que aperta um botão onde brilha em vermelho: “isso vai dar merda!”, seja com um ou com outro. Não sei, não...
(Pessoal, para este post ficar mais interessante, escrevam no comentário de vocês o que acham que vai dar merda, em sua opinião. Vale qualquer coisa, sobre qualquer assunto. Liberem a Cassandra que existe em vocês)
M.S.
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Na TV Antigas Ternuras, você ouve Cris Nicolotti cantando essa melodiosa melodia que presta uma singela homenagem à profetiza Cassandra.