
Eu estava andando pela praia, quando uma garrafa bem antiga semi-enterrada na areia me chamou a atenção. Eu a desenterrei e puxei a rolha! Caraco! Ainda bem que eu estava sozinho! De dentro da garrafa surgiu uma fumaça branca e desta saiu um homem vestido com uma espécie de túnica em azul e prata.
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Não tive como não me lembrar de “Jeannie é um gênio” e dos livros de contos de Scherazade que li quando garoto. Mas... what a hell...?... Com mil tubarões, o que era aquilo? Eu sou abstêmio e nunca usei drogas na vida. Será que o sol tinha cozinhado meus Tico e Teco?
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O negócio ficou mais engraçado ainda quando o homem de túnica me falou: “Livre afinal! Eu te sou muito agradecido. Peça algo e satisfarei o teu pedido.”
Bem... Eu definitivamente preferia que a Jeannie saísse daquela garrafa. O Major Nelson demorou a levar aquele monumento para brincar de casinha. Eu seria, digamos, mais objetivo.
Tentei argumentar: “Eu posso pedir qualquer coisa? Mas é só um pedido? No livro dizia que eram três e no seriado de TV o céu era o limite!”
O “gênio” me olhou com uma expressão semelhante a da Luciana Gimenez quando um cientista tentou lhe explicar o que são partículas Mésons Pi.
Aí eu falei: “OK, tá certo. Vou fazer o pedido. Hummmm... Deixe-me ver...”
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Naquele momento, sabe-se lá o porquê, baixou em mim um caboclo socialista que nem eu era nos tempos de faculdade, ou seja, quando Frei Caneca ainda era chamado de Padre Cuia.

“O meu pedido é o seguinte: quero que todo dinheiro do mundo seja reunido e distribuído em partes iguais entre todas as pessoas do planeta”. (“Pelas barbas do Che Guevara! Mandei bem”, pensei eu naquele momento)
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O homem de túnica me olhou longamente, desta vez com a expressão igual a do secretário do papa Bento 16 quando este anunciou que ia retirar a excomunhão daquele bispo que nega o Holocausto. Parecia que tinha um “isso vai dar merda!” tatuado em neon na testa dele. Mas eu mantive o pedido. Achava que se não houvesse diferenças sociais, se todo mundo tivesse a mesma quantia em dinheiro, não haveria guerra, nem injustiça, nem violência, nem perseguições, muito menos a exploração do Homem pelo Homem.
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“Que assim seja!”, disse o cara de túnica azulada. E no mesmo momento me entregou uma valise. Dentro tinha uma fortuna em notas de 1000 dólares, arrumadas em maços atados por uma cinta.
“O que é isso?”, perguntei, sem entender nada. “É a sua parte da divisão – ele respondeu - Neste momento, cada pessoa viva no planeta está recebendo uma mala igual a essa”. “Ah, tu tá de sacanagem!?!?!”, duvidei. E ele me garantiu que era verdade. A partir daquele momento, não existiam mais pobres, só ricos.
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“Minha Nossa Senhora do Bombril! Eu acabei com a injustiça no mundo! Quantos tentaram e só eu, um zé mané, consegui!”, exultei de felicidade. Agradeci muito ao homem de túnica pelo bem que ele acabara de fazer à Humanidade. Ele sorriu de um jeito muito esquisito e virou fumaça novamente, desaparecendo diante de mim.
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Fiquei pensando: “será que eu revelo para o mundo que quem acabou com a pobreza fui eu ou fico na minha?”. Como sou um cara modesto e simples, apesar de minha antiga analista discordar veementemente, resolvi que não falaria nada a ninguém. Deixaria as populações do planeta acreditando que o autor do milagre foi Deus ou qualquer uma de Suas manifestações. Fui para casa feliz da vida.
Liguei a TV a cabo para saber como os povos deviam estar agradecidos por não haver mais exploração, nem roubo, nem violência... Foi quando vi que a merda estava no ventilador. E era daqueles ventiladores industriais!
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De cara ninguém queria trabalhar, nem médico, nem advogado, nem professor, nem engenheiro, nem lixeiro... O jornalista que leu as notícias disse que nem precisava estar ali, mas fora à emissora só para dizer no microfone, para todo o país, que o chefe dele era um babaca e que estava comendo a mulher do cara. Ah, sim. E que ele se demitia para ir gozar a vida nas Bahamas.
Acho que ele não percebeu que não teria piloto de avião para levá-lo às Bahamas... Pelo menos não inicialmente...
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O que veio em seguida foi de estarrecer. Pessoas cobravam uma fortuna para fazer qualquer coisa e tinha quem pagasse. Gente que antes era muito pobre, mas trabalhava duro, resolvera não fazer nada, só torrar a sua parte. Por incrível que pareça, tinha gente com um brilho estranho nos olhos que topava fazer uma limonada gelada, pegar uma cerveja no refrigerador, abanar alguém, isso tudo por um preço exorbitante. Em 24 horas, milhares, talvez milhões de pessoas já tinham entregue sua parte do dinheiro a outros, que agora possuíam bem mais que antes de eu ter feito aquela burrada. Em pouco tempo, quem era rico e tinha perdido quase toda a fortuna quando resolvi partilhar, voltara a ter muito mais que outros, só por saber como ganhar o dinheiro dos mais otários. Claramente se via a humanidade voltar a mesma situação de antes, quando alguns detinham mais riquezas que os demais. E ainda: o mundo agora estava uma zona, uma bagunça muito pior do que antes. A violência fora multiplicada, as brigas, discussões, confusões, aconteciam por qualquer motivo.
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“Ainda bem que eu não revelei ao mundo quem tinha feito aquela zorra...”, pensei eu, querendo cortar os pulsos com barbeador elétrico cego, de tanto arrependimento.
Foi quando o homem de túnica azul e branca apareceu assim, do nada, e ficou me olhando com a expressão semelhante a do Barack Obama quando foi falar com a Hillary Clinton que talvez tivesse um emprego para ela.
“Pôxa, rapaz... Se arrependimento matasse, eu já estaria seco e cremado com as cinzas espalhadas ao vento...”, disse eu com a cabeça baixa. E ele me falou algo que deu um nó na minha cabeça: “Depois que eu te deixei naquela praia, resolvi andar por aí. Foi quando vi, num folheto jogado na rua, a seguinte frase, dita por um tal de Jim Rohn: ‘É preciso fazer as coisas certas e não certas coisas’”.
Eu não consegui responder nada. Ele prosseguiu. “Fique tranquilo. Feche os olhos. Quando você abri-los novamente, tudo estará resolvido”. Pois é. Fechei. Foi quando o rádio-relógio digital começou a tocar na cabeceira da cama. Já eram seis horas da manhã.
M.S.
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Eu gostaria de agradecer muitíssimo aos amigos que me leem e que entraram na discussão que propus no post anterior. Como disse uma das amigas blogueiras que comentaram, ficou parecendo um fórum. E a intenção era essa mesmo! Eu agradeço e me orgulho muito de cada prêmio e selinho que me deram (estão aí ao lado) ao longo da existência deste despretensioso blog, mas nada me alegra mais o coração que ver pessoas inteligentes discutirem os assuntos que proponho aqui. Como o Mastercard, isso não tem preço. Valeu, moçada!
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Na Rádio Antigas Ternuras, você ouve o eterno Louis Armstrong e a sempre maravilhosa “What a wonderful world”.