quinta-feira, julho 17, 2008

Contando histórias de quem conta


Desde pequeno, sempre fui fã de uma boa história. Até hoje tenho muito gosto em ouvir um “causo” e isso será uma eterna ternura. Quando era moleque, gostava de me esgueirar pelos lugares onde os adultos estavam contando suas histórias. Prestava atenção e recolhia ali material, que me ajudou a ser mais tarde um contador de causos também.
*

Estou envolvido em um projeto sobre memória de pesquisa de campo, que trata também de recolhimento de histórias curiosas na atividade censitária no Brasil. E fiquei sabendo de cada uma... Como essa que chegou do Ceará. Há muito tempo atrás, um pesquisador do censo foi até uma casa para recensear os moradores. Foi atendido pelo chefe do domicílio.
- Bom dia, como vai o senhor? – perguntou o recenseador ao homem que o recebia.
- Como Deus quer, seu moço. Tome assento.
O rapaz do censo percebeu o monte de criança que corria pela sala daquela casa. E foi logo começando a preencher o questionário:
- Essas crianças são suas? Quantos filhos o senhor tem?
- Quinze, seu moço.
- Puxa, quinze? O senhor tem uma prole bem grande! – admirou-se o pesquisador.
No que o informante respondeu, todo orgulhoso:
- E grossa!
*
O Recenseamento de 1940 encontrou um senhor de 108 anos, em Juazeiro, no Ceará, que lutara na Guerra do Paraguai e na campanha de Canudos e que tinha se casado legalmente nove vezes! Ele casava, passava um tempo a mulher morria, e ele, para não ficar sozinho, arranjava outra esposa. Enviuvou oito vezes! O recenseador, de troça, perguntou se ele se casaria de novo caso enviuvasse pela nona vez. E o Barba Azul geriátrico não se fez de rogado:
- Abão, se isso se dé e Deus me ajudá eu sô obrigado a arredondá a conta cumpletando dez...”
*

Quando o Padre Cícero Romão Batista estava para esticar as canelas, no leito de morte ele fez a seguinte profecia:
- “Vou morrer... Dentro em pouco começarão a surgir os iludidores procurando arrastar as minhas ovelhas para o caminho da perdição. Depois da minha morte, surgirão os agentes da Besta-Fera e do Anticristo que, com lábias e enganos, procurarão fazer meu povo mudar de crença...”
O Padim Padre Ciço estava se referindo aos evangélicos, espíritas ou outros membros de religiões diferente da católica, que poderiam ir pregar naquelas bandas.
Acontece que seis anos depois da morte do padre, chegou a notícia de que viria uns agentes para contar as pessoas da localidade. Pronto! Para o povo do lugar, os agentes recenseadores do Censo de 1940 eram enviados do Cramulhão, do Coisa-Ruim, do Tinhoso, do Cão, que vinham para levar as almas deles pros quintos dos infernos.
*
E para piorar a situação, no município de Canhotinho (olha o nome!), em Pernambuco, um recenseador foi até uma casa fazer o seu serviço, mas a mulher que lá estava se recusava terminantemente a dar informações. Como ele insistia, ela saiu correndo gritando por socorro, que a Besta-Fera estava lhe tentando. Como desgraça pouca é bobagem, o rapaz, sabe-se lá porquê, estava calçado com chuteiras. Ora, em 1940, nos cafundós do Judas, ninguém sabia o que era isso. Daí que chega a mulher com os reforços que cercam o rapaz. A mulher olha para o chão e vê as marcas das travas das chuteiras. E começa a gritar:
- Olhem só, minha gente, o rastro de pé de bode da besta-fera! É ele! É o Cão!
O tempo fechou. O recenseador teve que sair dali correndo e nunca mais voltar. A partir daquele dia, nasceu a lenda de que os homens do governo que vinham para contar as pessoas eram da parte do Demo, que um até tinha até deixado as pegadas malditas na poeira do chão.
*

No interior da Bahia, o recenseador perguntou ao informante se a filha dele, que tinha 20 anos, era alfabetizada:
- É não – respondeu o homem, acrescentando:
- Moço, aqui em casa só homem vai pra escola. Mulher, não.
- Mas por que?
- Pruque se a gente manda ela pra escola, ela aprende a escrever, escreve pros namorados e cadê o meu sossego?
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Em alguns casos, o agente recenseador deixava o questionário para o informante preencher e depois ele recolheria. Numa vez, chegou à delegacia censitária um questionário preenchido com caligrafia sofrível e com a seguinte informação no item Estado Civil: “ÇM”.
Os funcionários do censo quebraram a cabeça para descobrir o que aquilo queria dizer. Sem chegar a uma conclusão, voltaram na casa do informante, de origem lusitana, para que ele esclarecesse:
- É que eu fiquei encabulado de dizer, só botei as iniciais. ÇM quer dizer que sou çuparado da mulher.
*

Um recenseador chegou numa tapera no interior do Pará onde viviam juntos um homem e uma mulher. Ele fez as perguntas ao cabra que respondeu tudo direitinho. Na vez da mulher, a coisa começou a desandar.
- Qual a sua idade, minha senhora?
- A minha mãe dizia que quando eu nasci, a minha tia Clotilde estava grávida da Filomena.
- E que idade tem a Filomena?
- Diz que tem a idade daquele touro que a minha tia comprou no tempo do primeiro roçado de mata que ela teve lá no Mocanjuba...
- E quando foi isso, minha senhora?
- Ah, sei lá!
*

Por ocasião do Recenseamento Geral de 1940, foi distribuído um cartaz com os seguintes dizeres:
“O censo é um retrato da pátria; você ficará desligado do Brasil se não aparecer nesse retrato”.
Daí que quando o recenseador aparecia no Morro da Favela, no Rio de Janeiro, a criançada se alvoroçava e gritava:
- “Manhê! Olha aí o retratista do governo!”
M.S.
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Na Rádio Antigas Ternuras, você ouve “Acerta o passo”, de Benedito Lacerda e São Pixinguinha, com a flauta mágica de Altamiro Carrilho. Isso é bão dimais, né não?

19 comentários:

Anônimo disse...

Depois da enorme prole nem os bilhetes das meninas iam segurar os retratistas do governo, má óia qui doidêra sô!!

Amigopratodavida, dei tanta risada que até doeu barriga, adorei,adorei,adorei.

Eu me lembro que não deixavam os pobres rapazes passarem do portão, ficavam ali de pé rascunhando na prancheta sob os olhares curiosos da família, que diabo quer esse sujeito? rsss

lindos dias querido
beijos

Moacy Cirne disse...

As histórias são ótimas, meu caro. Dei umas boas gaitadas. Abraços.

Jú Carvalho disse...

ahhhh que PERFEITO.
Eu como futura historiadora simplesmente ADOREI esse post. Bem interessante mesmo ;)
Vou te linkar okey?

Anônimo disse...

Fico me perguntando se ainda hj estas histórias acontecem ,Brasil afora,Marco.
A da "prole" foi antológica,rsss

Abração!!

Anônimo disse...

Ri em todas as histórias! lool
São maravilhosas!
Acredito que em Portugal deva existir muitas assim. loool
Bom fim-de-semana! *.*

Anônimo disse...

Êta Brasil bom demais da conta sô!Beijoooo

Lulu on the sky disse...

Marco, sugiro q vc escreva um livro dos causos vai ser um sucesso.
Big Beijos

Marcos Pontes disse...

Numa coisa o povo do interior do Nordeste tinha razão: quem trabalha pro governo, é agente do Cão. Hehe. Agora, cá pra nós, não existe música mais gostosa mais brasileira que o choro.

Anônimo disse...

Tá tudo muito bão! Tá tudo bão dimais! Mas no final, tinha que tê uma foto do casamento do molusco???

Francisco Sobreira disse...

Caro Marco,
A primeira das histórias já conhecia. As demais são também deliciosas. Agora,criatura de Deus, que diabo faz nesta postagem o casalzinho inefável? Um abraço.

Claudinha ੴ disse...

Olá Marco!
Vejo que não fui a única a me deliciar com as histórias de quem conta, mas vejo também que o casal 20 causou frisson entre nós leitores, rsrsrs.
Coitados dos censores, sofreram na mão da santa "ingnoranssa".
Ótima postagem, beijo!

Dilberto L. Rosa disse...

Rapaz, também adoro causos deste Brasilzão de meu Deus... GRande representante deste universo quase inverossímil foi mesmo nosso Mazaroppi! Grande abraço e parabéns pela iniciativa, primão!

Lila Rose disse...

Olha que isso aqui tá muito bão, isso aqui tá bão demais! rsrsrsrs

Adorei o post, o Brasil tem histórias que a própria história desconhece.

Ah, já ia esquecendo: FELIZ DIA DO AMIGO, Marco. Tenha uma ótima semana.

Bisous.

Lulu on the sky disse...

Marco,
Aproveitando a data de ontem, 20 de julho desejo atrasado: FELIZ DO AMIGO !!!!

Big Beijos

Anônimo disse...

Olá,Marco ! Tudo bem? Vim ver as novidades por aqui!Suas histórias são sempre interessântes. Muitas vezes vc me lembra meu pai.Ele tinha sempre coisas boas pra escrever ou contar!
"A vida é mais simples do que a gente pensa; basta aceitar
o impossível, dispensar o indispensável e suportar o intolerável..." (Kathleen Norris)
Acabei de postar capítulos novos do "Vidas da Vida".
Ótima semana! Beijos. Maryam.

dade amorim disse...

Já vejo a capa do novo livro aqui no final do post :) Beijo pra você.

Eärwen disse...

Gostei desse apanhados de histórias!!! Sempre a partilhar matérias boas de se ler.
Ando sumida, bem sei, mas a net anda me deixando na mão...
Deixei um mimo especial aos amigos,pela passagem do dia 20-07, Dia do Amigo, aguardo você.

Pérolas incandescentes de inspiração sempre.

Eärwen

Anônimo disse...

kkkkkkkkkkkkkkkkkk...
Acho que o pessoal aqui do meu lado pensa que estou doida porque nunca ri tanto na vida...
Eu imagino que estas memórias que você est´s recolhendo, certamente darão origem a outro livro.
Seria uma delícia!

beijos

Mimi disse...

Ai, Ternurinha, que delícia de post! Chorei de rir! ainda bem que aprendi a escrever, não só para namorados, mas para bons amigos também. E ler essas tuas coisas são realmente um presente!

Ah, o objeto direto do meu recado continua achando que amar é verbo intransitivo...

beijos cheios de saudades