terça-feira, março 04, 2008

O passado me mandou um postal


Eu estava procurando documentos em meio a muita coisa antiga. Eis que um monóculo cai de uma caixa. Lembram daquela caixinha de plástico onde se encaixavam pequenos slides, e que víamos fechando um dos olhos e olhando por uma mini-lente? Fui ver o que o acaso estava me trazendo e senti o meu coração acelerar. Vi esta foto que ilustra o alto deste post.
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Eu devia ter uns 15, 16 anos. Esta fotografia foi tirada em um domingo, depois de termos jogado pelo SEC – Sociedade Esportiva Codajás, time em que joguei futebol em mil-novecentos-e-não-vem-ao-caso.
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Na foto, da esquerda para a direita: de pé, Luiz Porquinho, Marco Costela, Zé do Julião; agachados, Zé Russo e Paulinho Mil, o Perereca. Não, não é descrição de membros de quadrilha. São apenas cinco atletas dos onze de ouro do SEC.

Estamos todos no campinho, nesse campinho da foto acima, onde aprendi a jogar futebol, na Rua Marambaia. Aliás, campinho, não. Chamávamos de Estádio João Careca, o Carecão. Mas o SEC não jogava ali. O campo onde aconteciam nossos jogos ficava distante, tínhamos que pegar ônibus para ir até lá. Mas eu, Zé Russo e Zé do Julião jogávamos habitualmente ali, naquele campinho de barro batido. Porquinho e Perereca eram de outra turma, a do campinho do Valão. Aliás, quando nós jogávamos contra o pessoal do Valão, o entorno do campo ficava apinhado de gente. O time de garotos do Carecão jamais perdeu ali para times de fora. A seleção do lugar era: Valdir, Paulo Bonito, Paulo Costela, Zé Pequeno, Zé Russo e Marco Costela. Que esquadrão! E na reserva, ainda tinha o Dilsinho Bundão e o Zé do Julião. A terra tremia, quando enfrentávamos o Luiz Porquinho e sua galerinha!
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Na foto, vocês ainda podem ver, ao fundo, uma casa com varanda. Ali, morou o Alcir, meu obi wan kenobi em termos musicais.

Naquela varanda eu gravava músicas no meu velho gravador Sanyo, músicas como esta que vocês estão ouvindo agora. Ele costumava colocar as caixas do aparelho de som Philips dele na varanda e tocava uma seleção respeitável de canções. Só dava musicaço! De Beatles a Secos e Molhados. De Dionne Warwick e Carpenters a Tim Maia e Barrabas, passando por Pholhas, Ed Lincoln e outros bambas.
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Mais adiante, ficava a casa do Jurandir, onde organizávamos os nossos bailinhos de sábado a noite. Foi lá que eu, pela primeira vez, tomei coragem para chamar uma menina pra dançar ao som de “Me and Mrs. Jones”, na voz de Billy Paul.
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Há bem pouco tempo, eu estava voltando de Teresópolis, onde tinha me apresentado numa peça teatral, quando resolvi dar uma chegada no meu antigo bairro, na cidade do Grande Rio em que me criei. Foi um susto. Não reconhecia nada. Nem a minha casa eu reconheci de pronto, tantas eram as modificações. Vejam, o muro azul e o portão da casa que meu pai construiu e onde moramos por mais de uma década. Vejam os coqueiros que meu pai plantou. Ele dizia que quando se aposentasse, iria estender a rede e tomar água de coco o dia inteiro. Infelizmente a mais Indesejada das visitas tinha outros planos para ele...
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Hoje, não é mais este portão, nem este muro. Os coqueiros e meu pai, são apenas lembranças boas. O quintal, que era a minha “floresta do Tarzan”, o poço onde eu soltava meus submarinos explorando mundos submersos, as árvores que me davam frutos sumarentos.... Nada disso existe mais. A nova dona da casa transformou o enorme terreno em uma escolinha. Todas as árvores, inclusive as que eu plantei, foram decepadas. Vejam as duas árvores que estão exatamente no centro da foto. Uma era um abacateiro, a outra, meu orgulho: meu pé de Jamelão. Ambas, plantei do caroço de frutas que provei.
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Quis saber: e meus amigos? Por onde andavam? Embiquei o carro na Rua Marambaia, quase ali defronte, e fui procurá-los. No lugar do antigo campinho, há uma igreja Assembléia de Deus, que, a propósito, é freqüentada por minha tia. Ela diz: “Agora ali é a casa de Deus!” Uai! Mas e antes não era? Deus não é um deus de alegria? Que estimula a amizade fraternal? Onde há risos de felicidade, Deus está no meio, mas ela não concorda com isso nem um pouquinho...
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Depois de passar com o carro pra lá e pra cá, finalmente, encontro um antigo camarada: Adalberto. Ele lembrou de mim, embora tenha notado que eu já não tinha mais o corpo que me trouxera o apelido de Marco Costela. Antes, elas viviam à mostra. Dava para tocar reco-reco na bateria da Mangueira com elas. Hoje, bem... hoje... Vamos pular esta parte. Depois dos cumprimentos de praxe, pergunto pela moçada. Cadê Anselmo? “Morreu”, disse-me ele. “Cirrose”. E o irmão dele, o Geraldino? (esse que está na foto comigo, em Pajuçara, Alagoas, último lugar onde eu o encontrei) “Morreu também”. E Plei? E Chicão? E Carlim Berreba? “Ih, morreu tudo”. Caraco! Plei e Chicão eram mais novos que eu!!! O Berreba, não. Esse eu até imaginava que não fosse durar. Seu fígado devia ter metabolizado toda uma linha de produção da aguardente Pitú. Logo, logo ele iria esticar o pernil.
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Lembrei da última vez em que estive com o Berreba. Já tem alguns anos. Ele veio falar comigo com aquele discurso estropiado e falando em jatos de palavras:
- E aí, Marquinho? Como é que vai? Conta uma coisa boa aí.
- Ô Berreba. Coisa boa?... humm... Ah, eu agora sou ator de Teatro.
- Ih! Não virou veado, não, né?
- Veado é o cacête! Eu sou espada, positivo, perfurante, inoxidável, 220 volts de pura energia sexual de macho!
- Hum! Não sei, não... Rá! Rá! Rá!...
- Rá! Rá! Rá!...Vai se ferrar antes que eu me esqueça!
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Saber que muitos dos meus amigos tinham cantado pra subir, me entristeceu. Mas e o Alcir? “Saiu daqui faz tempo.” Pelo menos devia estar vivo. E o Jurandir? O Paulo Costela, o Tininho Coceira, o Zé Luís, Washington, Dadai?... “Todos esses já mudaram daqui. Só ficaram o Zé do Julião e o Zé Pequeno, que é quem organiza o futebol daqui.”
O Zé Pequeno mora agora numa casa que foi construída no local onde ficava a casa do Jurandir, derrubada há séculos atrás, segundo me disse o Adalberto. E o Wilson, meu parceiro de Maraca? “Esse deve estar lá no boteco, enchendo os cornos de cerveja”, contou Adalberto, sorrindo, deixando entrever a sua completa derrocada dental.
Sobre o Zé do Julião, uma curiosidade. Minha tia viu a foto e disse: “eu conheço esse rapaz. Ele freqüenta a minha igreja”. “O Zé do Julião? Caramba! Virou crente?”. No domingo seguinte, ela falou de mim para ele, depois do culto na Igreja Assembléia de Deus situada no sagrado terreno onde jogávamos nossas peladas. Ele abriu um sorrisão: “A senhora é tia do Marquinho? Manda um abraço pra ele!”
Abraço entregue, amigo Julião. Que bom saber de você.
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Naquele dia, eu me despedi do Adalberto, liguei o carro e segui pela rua onde passei os melhores anos da minha vida. Só caras estranhas me acompanhavam. Virei na esquina, como se estivesse fazendo uma manobra para tirar a minha espaçonave de uma galáxia distante.
E agora, o passado me mandou um cartão postal. Atrás, vinha escrito somente uma palavra: “Saudades”...
M.S.
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Na Rádio Antigas Ternuras, você ouve Diana Ross & Marvin Gaye na ótima “Stop, Look, Listen”. Essa eu ouvi muitas vezes na beira do campinho...

23 comentários:

Moacy Cirne disse...

Saudades que são "saldades": assim mesmo, temperadas com ternura. No momento certo, embora inesperado. Passadopresente: aquiagora. Um abraço, abraços.

Taís Morais disse...

eita saudade boa... e quem diria que os antigos mon�culos hoje seriam lembrados com saudosismo??/
te beijo

ta�s

Anônimo disse...

Ai, Marco, me diverti com esse texto! Muito bom! Cadê o fulano? Morreu! O ciclano? Morreu! Affe!!!

Ih, virou veado??? ahahaha!

É tão gostoso quando a gente recorda as coisas boas da nossa vida! São ternuras que não voltam mais, mas que têm um lugarzinho especial no nosso coração!

Beijinhos

Anônimo disse...

Fiquei aqui parado vendo as fotos,fazendo analogia de minha infancia,de meus amigos,do futsal...
Engraçado mesmo o tempo,MARCO. Implacavel,a gente sabe,mas que nos traz surpresas qdo o reviramos de cabeça pra baixo.

Melhores momentos sim. E que saudades que dá,não é??

abração!!

Stella disse...

Nossa, Marco, você acabou de me fazer ver que estou devendo uma visitinha ao meu antigo bairro. Provavelmente, as coisas estão completamente diferentes agora, mas acho que não custa nada tentar encontrar alguém que foi amigo ou conhecido de uma época atrás. :)

Ah, outra coisa, tem um presente para ti lá no Dominus. Espero que goste!

Um abração e volto contando das minhas perambulações por onde eu morava... Quem sabe não encontro ao menos uma das árvores que havia na minha antiga casa , né?

Até mais, querido!

Chellot disse...

Mil-novecentos-e-não-vem-ao-caso? Que é isso? Claro que vem ao caso. Hehehe.
Gostei de saber um pouco mais sobre suas antigas ternuras. Fiquei nostálgica ao lembrar das minhas. Interessante o codinome Marco Costela. Deveria ser bem magrinho na época. Eu não sei onde anda a maioria dos meus amigos de infância e sua postagem deixou-me curiosa de saber o que foi feito deles.
Esses dias peguei esses "monóculos" e relembrei de momentos de minha infância. Bons tempos!

Beijos Surrealistas.

J.F. disse...

Marco, meu amigo. Que texto! De minha infância e pré-juventude também ficaram muitas lembranças. Mas, infelizmente, os contatos com as pessoas são muito poucos e bem ocasionais. Ler um texto como esse seu nos transporta como se fosse nossa própria infância. Abração.

Claudinha ੴ disse...

Olá meu amigo! Puxa quanta saudade neste postal! As suas ternuras acabam por despertar as nossas. Eu me lembro que morria de vontade ir pro campinho jogar futebol com os meninos, mas era levada à força para dentro... Injusto isto!
É bom demais da conta rever por onde passamos, onde nossas sementes desabrocharam. Bom conhecer seus caminhos. Beijo!

Mimi disse...

Sempre paro, olho e escuto o seu coração pulsar nessas ternuras!!!
Ai, Ternurildo, camarada Ternuróvski e meu amigo Ternurinha, vc sim vive o Carpe Diem bem!

beijos

Anônimo disse...

Rapaz, você está lindo e fagueiro, com pinta de jogador de futebol mesmo! Tenho também fotos do meu timinho de pernas de pau que não tenho coragem de botar num post...
Lindo texto!

Anônimo disse...

Também pisei na lama do Dilúvio, ouvi muito *Stop, Look Listen* e, por muitas vezes senti e sinto muita saudade....Parabéns!

Cris (www.tudooqueeusinto.zip.net)

Anônimo disse...

Marco! Marco! Foi mexer na ponta do iceberg da memória...Veio tudo à tona...E, apesar das tristes verdades, mortes de amigos, casas e árvores transformadas...é muito gratificante revisitar o passado lá da infância! É como rever as raízes e regá-las novamente, com as águas do presente.
Esse cartão postal que você recebeu e nos mostrou é simpático e natural, como você.
Um abraço forte.
Dora

Anônimo disse...

Palavra tipicamente portuguesa! Genuinamente nossa! lool
Beijos! *.*

Anônimo disse...

Olá!
Tem texto novo por lá. Apareça que me dará muito prazer http://www.cuidadoestaoteespiando.blogger.com.br http://www.bisavo.blogger.com.br Maith
maith - moreira0605@globo.com | http://www.bisavo.blogger.com.br

Infelizmente ainda não consegui colocar seu selinho na minha página, mas vou tentar mais uma vez,
Maith

Mimi disse...

Obrigada pelo carinho, Ternurildo!

beijo e abraço!

Sandra Leite disse...

Marco

que sentimento que dói e é tão prazerso entender a saudade.
Tempos que não voltam e .......

beijos moço

dade amorim disse...

Nossa, Marco, que saudade que me deu dos tempos da garotada da vizinhança brincando na calçada, no quintal, aquelas brincadeiras que ninguém brinca mais - desde aquele ano que você menciona aí no seu texto :)
Beijo pra você e as antigas ternuras...

Francisco Sobreira disse...

Marco,
Já a partir do título (inspirado), o seu texto nos pega. A mim, principalmente, por ser um saudosista. Mas, olhe, não achei você tão magro assim pra ser chamado de Marco Costela. Ah, esses apelidos da infância! Um abraço e um ótimo fim de semana.

Lena Gomes disse...

Fala, Marco Costela!!! Eu ia passar só pra falar do "Padrão Mengo de Qualidade", q foi pro buraco essa semana... mas acabei lendo o post, mais uma vez. Adorei, como sempre. Aqui em casa também tem uns monóculos, do batizado da minha irmã. Nada meu, infelizmente! E quando vc vier visitar a sua "ex-cidade" aproveita e vem me visitar, ok? Ficarei muito feliz. Mas olha, vê se ressuscita o Marco Costela, e põe ele pra jogar na Libertadores, porque o Mengão ainda precisa dele, hahaha... beijocas pra vc...

Anônimo disse...

Marco,

todas as suas antigas ternuras me trazem algo do meu passado e das minhas próprias antigas ternuras. Mas esta... me pegou de cheio! Um aperto no peito e um nó na garganta, uma pequena flor de sal querendo desabrochar no canto do olho...

Grande abraço, amigo.

Isabella Kantek disse...

Nunca mais me deparei com um desses monóculos pela frente, uma pena... =(
A fotografia e o seu efeito de resgatar e trazer para perto momentos especias. Uma beleza que elas existam.
Abraços!

benechaves disse...

Oi, Marco: isso é que pode ser chamado de 'antigas ternuras'! Momentos que não voltam e que se embriagaram no tempo. E contados com o seu já característico humor.

Um abraço...

Obs: esquisito é que nunca escuto por aqui a música que coloca. E também desta vez um quadro de uma foto não apareceu.
Coisas da net!!

Tina disse...

Oi Marco !

É... o tempo é implacável mesmo. Mas o que vale é o que a gente tem guardado na lembrança: isso não morre. Ainda bem.

beijo grande e boa semana,