quinta-feira, novembro 01, 2007

"A Paz invadiu o meu coração"


Eu não costumo aderir a postagens coletivas. Este blog é temático e nem sempre o tema sugerido se coaduna com a minha proposta aqui. Mas o nosso grande Lino fez uma sugestão e será um prazer fazer parte da corrente.
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Pois bem. Está proposto o tema da PAZ. Paz para o mundo. Teremos a partir de hoje muitos blogs escrevendo sobre este anseio de tantos. Certamente escritores muito melhores que eu vão discorrer sobre o tema, com belas palavras.
De cara, lembro de uma bela música do Gil, cantada pela minha “ídala” Zizi Possi. Essa mesmo que vocês estão ouvindo.

Vivemos tempos difíceis. Tempos de guerra. Bem diferente daqueles que muitos viveram nos tempos das antigas ternuras. Daí, ansiamos pela paz, essa palavrinha de três letras que quer dizer tanto. Com a violência que anda por aí, ela virou um sonho distante. O que fazer para se ter PAZ? Antes de falar em paz para o mundo, falo de paz para a minha aldeia. O que fazer para se ter paz aqui?
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Bem, não é tarefa fácil. Infelizmente, não se pode conseguir paz pelos textos da internet. A repressão da violência passa por ações de Estado, por ações políticas e pelo esforço de cada um. O Estado não tem dinheiro e, pelo que se vê, nem competência para diminuir o clima de guerra em que vivemos. Os políticos, além de não terem competência, não têm moral para determinar ações que reduzam e inibam a violência.
O que fazer? Nada a fazer e sim a lamentar? Bem, sim, há algo a fazer. Mas o que se pode fazer é tão ou mais difícil que ações de Estado ou da classe política. A solução para este mal passa necessariamente por algo chamado natureza humana. E a História, a Ciência (vide evolução darwiniana) e a Economia mostram como somos seres belicosos. Li uma vez que ao longo de TODO o Século 20 (e vale para o 21 também...) o planeta não passou um só dia em PAZ. Em algum lugar do globo sempre existia algum conflito. Então, o que podemos fazer pela paz?
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Vou lhes contar uma história que ouvi em Sabará, em minha recente viagem pelo planeta Minas.
No Século 19, havia na cidade uma senhora muito católica, membro de irmandade, que ia muito à missa, comungava, orava, respeitava todos os sacramentos da Igreja... Só que ela era extremamente perversa com seus escravos. Sentia um enorme prazer em torturá-los, espancá-los; nem precisava ter motivo para isso. Bastava ter vontade. E sempre tinha vontade de descer o relho na criadagem.
Ela possuía uma escrava de nome Peregrina. E esta deu à luz a um menino. Desgraçadamente, o menino devia sentir muitas cólicas, pois chorava muito a noite... Certa vez, a tal senhora foi acordada pelo choro do bebê. Irada, foi até a cozinha, tirou o neném dos braços de Peregrina e o matou para que parasse de chorar. Matou a criança na frente da mãe. Esta, tomada pelo desespero, pegou o pau do pilão e bateu, bateu até abrir a cabeça de sua dona. Claro, ela foi presa e sua condenação era certa. Imagine se a moda pegasse: escravos matando seus senhores...
Peregrina tinha uma amiga também escrava. Chamava-se Rosa. E Rosa era amante do juiz da cidade. Ela foi pedir ao amante que intercedesse pela amiga no julgamento. O juiz disse que poderia fazê-lo se ela se envolvesse no crime, ou seja, se dissesse que tinha participado da morte da tal senhora. Com a amante do juiz envolvida, os jurados abrandariam a pena de Peregrina. E Rosa, por amizade, foi se entregar ao delegado, se dizendo cúmplice.
O que ela não sabia era que o juiz, homem católico, que ia muito à missa, membro de irmandade, orava e respeitava os sacramentos da Igreja... Já, desde muito, planejava se livrar da amante. Ele viu naquele caso a chance que queria...
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No julgamento, ele se empenhou pessoalmente na condenação das duas escravas. Ambas foram condenadas à forca.
No dia da execução em praça pública, Peregrina falou para todo o povo que lá fora assistir que Rosa nada tinha a ver com o crime, que era inocente, que a poupassem. O povo entendeu e começou a pedir pela vida da escrava. O juiz, apavorado com aquela hipótese, mandou o carrasco apressar a execução. Primeiro, Peregrina foi enforcada. Depois seria a vez de Rosa. E o povo pedindo que a libertassem. O juiz exigindo que a enforcassem. O carrasco coloca a corda no pescoço de Rosa, que clamava inocência. O alçapão se abriu sobre os seus pés e... a corda arrebentou. Todos viam naquilo uma intervenção divina. Mais ainda pediram pela escrava. O juiz, colérico, exigia que a sentença fosse cumprida. Arranjaram uma nova corda e Rosa finalmente foi enforcada.
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A partir daquele dia, todas as vezes que o juiz saía à rua, todas as pessoas fechavam suas portas e janelas. Se estavam na calçada, entravam em algum lugar, que prontamente cerrava suas portas. Ninguém mais dirigia a palavra ou sequer o olhar para o tal juiz. Sem condições de lá permanecer, ele deixou a cidade para sempre.
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Pois é. Muita gente que pede paz, coloca faixa na janela, participa de passeata, não ajuda à paz. Não faz por onde ela existir. A paz passa necessariamente por ações de Estado, por ação dos políticos, mas passa por gestos de cada um dos cidadãos. Sem cidadania não existe paz. Clamar pela paz e pagar salários humilhantes aos empregados, não acompanhar com interesse e cuidado a educação dos filhos, dirigir pelo trânsito como se estivesse em guerra pessoal com os semelhantes, inundar as ruas de lixo... Existe uma série de pequenas ações que não se coadunam com quem pede paz. Gestos como os pais do menino João perdoando os bárbaros que arrastaram o filho pelas ruas se diluem em milhares de pequenas violências diárias de envolvidas na lei do “farinha pouca, meu pirão primeiro”.
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Ontem assisti ao filme-sensação do momento: “Tropa de Elite”. Quem já o assistiu, já percebeu que estamos a anos-luz de obter a PAZ. A natureza humana que leva o mau cidadão a corromper e se corromper, trabalha ativamente contra a paz.
O notável escritor Zuenir Ventura escreveu uma crônica, dizendo que quando estava iniciando o seu livro “Cidade Partida”, subiu à favela para tentar descobrir porque tantos jovens se envolviam com o tráfico. Saiu de lá admirado por tão poucos estarem envolvidos.
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Existe uma enorme massa de jovens, crianças e adolescentes que são tangidos feito bois para a alternativa da droga. Segundo Zuenir, 99% conseguem ficar fora, mas o 1% que sucumbe é muito significativo. Não sei se estes números são reais. No livro “Falcão, os meninos do tráfico”, de MV Bill e Celso Athayde, a gente pode constatar a falta de futuro de crianças que sequer chegam a uma escola. Como falar de paz para mim, para outras pessoas que têm casa, carro, comida, computador, EMPREGO, se existe uma enormidade de gente que não tem e não vai ter NUNCA isso?
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Eu tive chances na vida. Embora órfão de pai, cresci com valores que minha mãe deu a mim e a meus irmãos. Tive acesso a escola, tive acesso a emprego. Nasci branco, e isso também é algo que faz enorme diferença. É desastroso dizer isso, mas é verdade. A estatística diz que pela cor da minha pele mestiça tenho mais oportunidades que outros.
Eu quero paz. Eu procuro fazer por onde. Não faço mal a ninguém, na medida do possível, ajudo a meus semelhantes, procuro ser cidadão.
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Será que isso é o bastante?
M.S.

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Eu queria agradecer do fundo do coração às pessoas que me deram prêmios e selos: Érika, pelo belo selo “Proncovô”, Renata pelo Selo “Corrente da Amizade”, e Bruxinhachellot pelo “Esse blog é 5 Estrelas”. Sei que pelas regras eu deveria indicar os que devem receber o post-corrente pelo meu repasse. Pois eu repasso os dois prêmios a todos os blogs da minha lista “Outras Palavras”. Todos vocês são mais que merecedores.
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Quando eu escrevi o post sobre as Janelas de Minas era minha intenção convidar os mineiros que me dão a honra de freqüentar este blog para escreverem também sobre suas janelas. O meu olhar de forasteiro as viu daquela forma. Tenho curiosidade de saber como vocês, nativos do planeta Minas, vêem as suas próprias janelas. Portanto, Luma, Érika, Claudinha, Renata, meu caro amigo Rubo... Sintam-se convidados a abrirem suas janelas de Minas.
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Na Rádio Antigas Ternuras, você ouve “A Paz”, de Gilberto Gil, cantada pela sempre ótima, e esplêndida Zizi Possi.

25 comentários:

Anônimo disse...

É meu irmão...
Paz está se tornando objeto raro prá qualquer ser humano.
Infelizmente ela está diretamente ligada ao amor e, pelo visto, o ser humano hoje em dia só tem amor pelo material. A espiritualidade se foi. Mas tem nada não... nós somos uma raça em extinção, mas morreremos amando a vida e aos semelhantes.
Abraço e beijo do Gordo.
P.S. O aniversário passou e os presentes vão acumulando... assim não vou ter paz!!!

Fernanda disse...

É isso mesmo, a paz começa connosco; de que adianta protestar contra governos se nós próprios andamos envolvidos em guerrinhas? Ter consciência disso já é um passo...
Boa blogagem!

Anônimo disse...

A paz tem que ser certeza absoluta dentro de nós, para daí podermos espalhar pelo mundo.
Paz para todos, amém!
Amigopratodavida, lindo,lindo seu texto.
dias felizes
beijos

Anônimo disse...

Olá, vim pela blogagem coletiva proposta pelo Lino. Também gosto de Zizi Possi, a composição do Gil na voz dela ficou perfeita. Paz pra ti!

Anônimo disse...

Pensarei sobre isso e te responderei, querido Marco.

Paz, Peace, seja lá qual for a língua, cor ou credo.

Beijos

Moura ao Luar disse...

Precisamos primeiramente de paz nas nossas vidas para que o mundo possa contar com o nosso esforço. Beijo

BABI SOLER disse...

Essa é uma frande causa e vale a união faz a força.
Bom Feriado.
Beijo.

Fábio Mayer disse...

Que beeeeellloo post!!!

Essa parte sobre o juiz e as escravas é um verdadeiro libelo contra autoridades irresponsáveis e inescrupulosas.

Claudinha ੴ disse...

Olá Marco!
Você está coberto de razão. Uma das coisas que mais me afastou de igrejas foi a hipocrisia de sacerdotes (um dia ainda tenho coragem de contar), de pessoas que batiam no peito para mostrar seu valor e que não viviam o evangelho que aprendi com minha mãe. Paz é algo necessário,mas a própria teoria da evolução mais aceita prova que sobrevive o mais apto e muitas vezes há competição. Gostei muito do texto.
Sobre o convite, eu mostrarei com o maior prazer a minha visão do lado de dentro das janelas. Aliás, no blog já tem até uma foto feita de dentro de casa, numa postagem anterior. Aviso quando postar.
Beijo, meu amigo querido.

Anônimo disse...

Caro Marco,
Antes de tudo, que você tenha desfrutado bem de suas pequenas férias. Jamais haverá paz no mundo, e a tendência é que mais guerras sejam deflagradas. Com os governantes que se tem, a começar por esse inefável Bush, realmente a coisa vai de Mao a Piao (esse trocadilho é da década de 1960). E além dos governantes, existem pessoas, mas muitas, como essa senhora de Minas, catolicona, que você relatou. Mas não custa nada se dar uma contribuição pra minimizar tudo isso. E você é uma delas. Um abraço e tenha um ótimo feriado.

Anônimo disse...

Temos mesmo que sair "armados" de paz, embora, infelizmente, nem sempre funcione o velho ditado de "quando um não quer dois não brigam'. Mas sempre vale a pena tentar, não?

Um beijo e ótimo fim de semana!

Anônimo disse...

Complicado tema este que nos apresentas. Complicado pois não encontro solução... Idealizo, assim como tu fazes, como tantas pessoas fazem. Gostaria de acreditar que o ser humano é bom, puro, verdadeiro. Mas, não é!
Com tanta ganância, tanta corrupção, tanta inveja, tanta ânsia de poder... Sinceramente, teríamos de nascer de novo. Começar a história do mundo!
Gostaria de ser optimista, sou mas não tanto!
Acredito que podemos fazer a diferença, cada um faz a paz na sua casa, no seu prédio, na sua rua. É pouco, mas para algumas pessoas faz a verdadeira diferença!

Bom fim-de-semana! *.*

Paulo disse...

O tema "PAZ" é sempre «assustador». Afinal todos defende a Paz..e, esntranhamente, poucos fazem algo por Ela.
Obrigado pela visita lá no «filhosdeumdeusmenor».
Abraço
Paulo
PORTUGAL

Karina disse...

Muito bom esse texto!
Ainda temos um longo caminho a percorrer para alcançarmos a paz, mas se cada um fizer a parte que lhe cabe, os passos serão mais ligeiros.
Adorei.
Bjks e um ótimo feriado!

Trilha Literária disse...

Olá Marco. O que é a paz, afinal? Um tema inesgotável e uma meta a ser atingida por todos nós. Postagem excelente, parabéns! Um grande abraço.

Anônimo disse...

Buenas :o)

Paz é mesmo um produto abstrato cujas consequencias são, definitivamente, concretas!
Os exemplos que citou em seu post são, sem sombra de dúvida, espíritos abnegados, que não mediram esforços para melhorar o mundo enquanto e após as suas existências.
Se o teu objetivo era propagar a paz, tenho certeza que foi alcançado!

Abraços e bom final de semana!!!

Renata Livramento disse...

Marco, convite aceito! Vou escrever sobre a minha janela de Minas e te aviso, ok?!

bjoe muita paz!

Anônimo disse...

Pois o blog não saiu do seu tema,MARCO.
Ficou show a história no contexto.
E concordo com vc: a paz passa pelas pequenas atitudes de cada um de nós.

Abração e parabens!!

Bom fds!!

Giu disse...

Marco, meu escriba predileto! Muito bom tê-lo de volta, com esse belo texto sobre a paz. Como diz vc, o trabalho de cada um não é o bastante, mas a união - num trabalho de formiguinha - certamente fará prevalecer um pouco de paz de cada vez.
Saudades, beijos e muita paz e ternura (antiga e nova!).
Giulia

Vera F. disse...

Marco, acho que vc foi muito feliz no enfoque sobre a PAZ. Concordo com vc, ela começa pela gente, dentro da gente! Como alguém que não respeita o próximo pode pedir PAZ? É a maior incoerência.

Adorei a sua visita, estava com saudades.

Bjos.

Hanny Meire disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

Marco:
A estória que contou mostra que, muitas vezes, atitudes simples falam mais do que grandes atos. Acho que também é assim com a paz, embora não discorde que ela tenha de ser uma política de Estado. Mas acho que podemos fazer a nossa parte.
Muito obrigado pela participação.

Renata Livramento disse...

Marco, missão cumprida com prazer no DD!
Bjos

Chellot disse...

Marco, se formos pensar historicamente e politicamente a paz não existe nem nunca existiu. O termo é uma utopia sem valor que muitos usam como pilar de suas conquistas e atrocidades. Esse caso da religiosa e da escrava não é um fato isolado e se estende até os dias de hoje. Muitas atitudes desonrosas são encobertas pelo poder político e religioso, que pra mim dá no mesmo. Falar de paz da boca pra fora sem mostrar quais caminhos devemos percorrer para encontrá-la é uma atitude de quem não possui caráter nem humanidade. Às vezes penso que o mundo nunca terá a tão sonhada paz, pois não é esse seu destino. Paz só tem quem mantêm o espírito puro e não acredita que a guerra possa promover a paz.

Ah! Tem continuação no caminho dos contos.

Beijos cirandeiros.

gaijin4ever disse...

Excelente texto!
Sou um pessimista em relação à paz pois as forças religiosas, políticas e econômicas que pregam a paz fazem exatamente o mesmo que a senhora “católica” e o juiz do texto. Nem mesmo uma ordem política mundial do tipo da ONU consegue segurar a fúria tresloucada de um fanático religioso, com o rabo preso com a indústria petroleira como Bush ou qualquer um outro líder totalitário. Todas as ações criminosas são em nome da implantação da democracia ou para liberar um povo oprimido ou ainda para defedender a liberdade ou qualquer outra causa nobre.
E voce está corretíssimo; precisamos dar uma sacudida na nossa apatia global! O povaréu está mais preocupado com o que andam fazendo uma Britney Spears ou uma Cicarelli do que com a paz mundial…
Abraços!